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segunda-feira, 14 de outubro de 2019
ISTO LHE DIZ ALGO SOBRE A PRETENSÃO DE EDUARDO BOLSONARO? - Em tempos de crise fiscal, Itamaraty mantém auxílios-moradia de até R$ 70 mil por mês
Quando se imagina que os "penduricalhos" do Judiciário são privilégios exclusivos...
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André Shalders - @andreshaldersDa BBC News Brasil em Brasília
14 outubro 2019
O Estado brasileiro
vive uma grave crise fiscal. Em 2018, as contas da União fecharam no
vermelho em R$ 120,3 bilhões. Mas em certos setores do serviço público, a
crise parece não existir. É o caso de seis diplomatas que atuam no
exterior e que recebem, cada um, mais de US$ 10 mil mensais de reembolso
pelo aluguel de suas residências. O menor valor (US$ 10.014,27)
equivale a R$ 41.191,70, segundo a cotação da última sexta-feira (11).
Além
de Hong Kong, os outros "super-auxílios" são pagos a diplomatas em Nova
York e São Francisco (EUA); em Genebra (Suíça) e em Sydney (Austrália).
As informações desta reportagem foram obtidas pela BBC News
Brasil por meio da ferramenta Siga Brasil, do Senado Federal. Os mesmos
dados foram confirmados pelo Ministério das Relações Exteriores, em
resposta a um pedido formulado nos moldes da Lei de Acesso à Informação
(LAI). A princípio, nada há de irregular ou ilegal nos reembolsos -
apesar do contraste com os cortes de verbas em outras áreas do serviço
público.
Os reembolsos de aluguel pagos aos diplomatas estão entre
os maiores do governo federal - senadores da República, por exemplo,
recebem R$ 5,5 mil, caso não usem apartamentos funcionais. Como, no
entanto, não existem dados unificados sobre este tipo de pagamento em
todos os poderes, é impossível afirmar com certeza que o auxílio-moradia
recebido pelos diplomatas é o maior da República.
O orçamento
total do MRE para o ano de 2019 é de R$ 3,6 bilhões - incluindo despesas
obrigatórias, como a folha de pagamentos, e discricionárias.
Só
para pagar reembolsos de gastos com moradias, R$ 145,5 milhões já foram
pagos em 2019, de acordo com informações obtidas por meio do Siga
Brasil. Aluguéis mais caros do mundo O
maior reembolso, de US$ 17.057,29 (ou R$ 70.161,75) é pago a um
diplomata do topo da carreira que vive e trabalha em Hong Kong, uma
região administrativa especial da China e palco de recentes protestos. Na
outra ponta da pirâmide, o dinheiro seria suficiente para bancar o
benefício médio do Bolsa Família em 2019 (de R$ 186,23) a 376 famílias. O
detentor do maior benefício mensal é o atual cônsul brasileiro em Hong
Kong. Ingressou no MRE em 1974, e chegou ao topo da carreira (ministro
de primeira classe, no jargão do Itamaraty) em 2004. Há uma boa
razão para o aluguel da residência funcional do cônsul ser tão caro:
Hong Kong é a cidade com os aluguéis mais caros do mundo, de acordo com
um relatório publicado em maio deste ano pelo banco alemão Deutsche
Bank. Com exceção de Genebra, todas as outras cidades onde
diplomatas brasileiros recebem "super-auxílios" estão no top 10 da lista
de preços elaborada pelo banco alemão: é o caso em São Francisco (2º
lugar mais caro), Nova York (3º) e Sydney (9º). Mesmo assim, os valores recebidos pelos diplomatas brasileiros são suficientes para alugar imóveis de alto luxo nesses lugares. Em
Hong Kong, por exemplo, o aluguel de um apartamento de dois quartos
custa, em média, US$ 3,6 mil mensais, de acordo com o levantamento do
banco alemão. Para efeito de comparação: por 120 mil dólares de Hong Kong (HKD) ao mês (ou US$ 15,3 mil), é possível alugar um apartamento duplex de luxo, com quatro quartos e pouco mais de 300 metros quadrados.
Loalizada em uma pequena península a partir da expansão da cidade
erguida originalmente em uma diminuta ilha, Hong Kong é famosa por suas
moradias apertadas. Além do cônsul, outro diplomata brasileiro em
Hong Kong também recebe mais de US$ 10 mil mensais para o aluguel. Para
este segundo profissional, o Itamaraty banca um reembolso de US$ 11,9
mil mensais. Ao contrário do cônsul, porém, este segundo
diplomata não está no topo da carreira: ocupa hoje o posto de
segundo-secretário (a progressão no Itamaraty começa pelo posto de
terceiro-secretário, imediatamente abaixo daquele de
segundo-secretário). Em Nova York, onde o preço médio levantado
pelo Deutsche Bank para um imóvel residencial é de US$ 2,9 mil mensais, o
atual cônsul brasileiro recebe US$ 16 mil por mês para cobrir suas
despesas com aluguel. Direito de imagemGetty ImagesImage caption
Hong Kong é uma das cidades mais caras do mundo
Com este dinheiro, segundo um corretor de imóveis da
cidade consultado pela reportagem da BBC News Brasil, é possível alugar
"coberturas e apartamentos ultra-luxuosos em bairros exclusivos".
"Certamente, com US$ 16 mil por mês é possível pagar um apartamento
muito luxuoso (em Nova York)", disse Zachary Assael-Berkowitz Staggers
por meio de mensagem de texto. Outro empreendedor imobiliário da
cidade, Jonathan J. Miller, enviou à reportagem um levantamento de
preços específico para Nova York. O aluguel médio de um imóvel
residencial na ilha de Manhattan (a parte mais antiga) fechou o mês de
agosto em US$ 3,5 mil. Miller comanda uma empresa do ramo imobiliário na
cidade, a Miller Samuel Inc. Ele enviou à BBC News Brasil exemplos de aluguéis contratados em agosto de 2019 por US$ 16 mil mensais. Saiu
por este preço, por exemplo, um apartamento de 197 metros quadrados e
três quartos na esquina da Laight Street com a West Street. O local fica
no bairro de Tribeca e está bem perto de vários pontos icônicos de Nova
York: a 1.200 metros do memorial do World Trade Center, destruído no
atentado de 2001; e a 1.800 metros da famosa estátua Charging Bull,
ponto obrigatório dos turistas que visitam o centro financeiro de Wall
Street. O mesmo dinheiro alugou um apartamento de três quartos e
183 metros quadrados no Upper East Side, a apenas 500 metros do Central
Park e do Metropolitan Museum of Art. Em nota à reportagem, o
Itamaraty disse que o imóvel alugado pelo cônsul brasileiro em Nova York
é "utilizado como residência e, também, para fins de representação". Segundo
o especialista em relações internacionais e ciência política Leandro
Consentino, a "representação" mencionada pela nota do MRE geralmente
consiste em eventos, recepções, coquetéis e outros eventos nos quais os
diplomatas reforçam laços com a comunidade do local onde trabalham. "Isso
ocorre na outra mão também. Em São Paulo, por exemplo, você tem eventos
que acontecem em casas consulares (de países estrangeiros). E
geralmente são endereços em bairros nobres", diz ele.
Interesse nacional
A linha entre projetar uma imagem favorável do país e fazer gastos públicos exagerados é tênue, diz Consentino. "Este
tipo de gasto pode, ou não, atender ao que se chama de interesse
nacional. A ideia é que, se você vai receber estrangeiros numa
residência oficial, ela tem de ser bonita, imponente e tal. Você
simboliza, desta forma, que o seu país não é um país qualquer. Tudo na
política externa são símbolos", diz. "A dificuldade é fazer a
mediação entre esse mundo simbólico e o mundo dos números, das contas.
Se estamos num momento em que o governo faz cortes em diversas áreas,
inclusive na educação, é preciso ver realmente o que são esses gastos",
diz Consentino, que é professor do Insper. De toda forma, o
Brasil não é o único país a gastar dinheiro alto com as moradias de seus
diplomatas. Em março deste ano, o governo britânico foi alvo de
críticas quando a imprensa publicou sobre a compra de um luxuoso
apartamento de 574 metros quadrados em Nova York, para servir de
residência a um diplomata. O imóvel custou US$ 15,9 milhões.
Crise
Alegando
razões de segurança, o MRE não informou os endereços dos imóveis
alugados pelos diplomatas. A reportagem tentou contato com os diplomatas
beneficiados por meio da assessoria de imprensa da pasta, mas não houve
resposta. Como os pagamentos estão de acordo com as normas atuais, os
nomes dos profissionais foram omitidos desta reportagem. Assim como outras pastas do governo, o MRE vem sofrendo os efeitos da crise fiscal e da aplicação do mecanismo conhecido como "teto de gastos".
Em junho deste ano, por exemplo, o órgão anunciou o fechamento de
embaixadas em cinco países do Caribe, com o objetivo de reduzir custos. Além
de Nova York, outra cidade bastante cara dos EUA aparece na lista dos
'super-auxílios'. O cônsul-geral do Brasil em São Francisco, na costa
oeste, recebe US$ 13,800 mensais (ou R$ 57,5 mil) para alugar um imóvel
na cidade. O aluguel médio de um imóvel de dois quartos na cidade,
segundo o Deutsche Bank, é o segundo mais caro do mundo: US$ 3.631
mensais (atrás apenas de Hong Kong). O cônsul em São Francisco
chegou a estar cotado no começo deste ano para suceder o também
diplomata Sérgio Amaral no posto de embaixador do Brasil nos EUA. No
começo de julho, porém, Jair Bolsonaro indicou seu filho Eduardo para o
posto. A relação de diplomatas com os maiores auxílios para
pagamento de aluguéis termina com dois servidores do topo da carreira.
Em Genebra (Suíça), um deles recebe US$ 10.769,23 mensais; e em Sydney
(Austrália), outro profissional ganha US$ 10.014,27 mensais (o
equivalente a R$ 41,7 mil) para pagar o aluguel. Em 2014, a Folha de S. Paulo publicou
reportagem mostrando o caso de um diplomata que recebia US$ 23 mil de
reembolso pelo aluguel de um imóvel em Nova York, no Upper West Side. À
época, ele era o número dois na hierarquia da missão brasileira na
Organização das Nações Unidas (ONU). Na época, o Itamaraty
recusou pedidos do jornal paulistano, via Lei de Acesso à Informação,
sobre os auxílios pagos a diplomatas em outros postos. Há outra
peculiaridade em relação ao diplomata de Genebra mencionado acima: o
auxílio que ele recebe é US$ 1.430 (ou R$ 5,9 mil) maior que o de outra
diplomata também do topo da carreira atuando na mesma cidade. Este
segundo diplomata integra a delegação brasileira em Genebra e recebe US$
9.339,22 mensais (ou R$ 38,9 mil) para cobrir despesas de aluguel de
sua residência funcional. Direito de imagemAFPImage caption
Em Nova York, preço médio para imóvel residencial é
de US$ 2,9 mil mensais, segundo relatório do Deutsche Bank
Valor segue realidade de mercado local, diz MRE
O
pagamento de reembolsos aos diplomatas funciona da seguinte forma:
primeiro o profissional fecha um contrato com o dono do imóvel, paga o
valor ajustado, e só depois apresenta um comprovante para receber o
reembolso. As regras para estes pagamentos constam de um documento
chamado Guia de Administração de Postos (GAP)
- que foi atualizado pela última vez por meio de uma portaria do MRE de
novembro de 2017 - antes, portanto do governo de Jair Bolsonaro (PSL). O
valor máximo do reembolso, de acordo com o resposta do Itamaraty à BBC
News Brasil, é de determinado pelo cargo ocupado pelo diplomata e pelo
posto onde ele se encontra. "O valor de reembolso máximo para
cada servidor é determinado conforme a realidade de mercado de cada
cidade e representatividade de cada categoria funcional. Utilizam-se
como parâmetros pesquisas locais e consultoria imobiliária da empresa
(de consultoria) Mercer", disse o órgão, em nota. O reembolso
também não cobre outras despesas que o diplomata vai ter para manter o
imóvel, como água, energia elétrica, internet: estas contas são pagas
pelo servidor. Em algumas situações, o reembolso pode também não ser
total: o servidor pode ter de arcar com uma parte do valor do aluguel.
O dinheiro do 'auxílio-moradia' pago aos diplomatas também não é
incorporado ao salário deles, segundo a pasta. Os gastos são computados,
dentro do orçamento do MRE, como verbas discricionárias. E mais: se dois diplomatas forem casados e trabalharem na mesma cidade, só um deles faz jus ao benefício. Direito de imagemWikiCommonsImage caption
Genebra, na Suíça, é uma das cidades com aluguéis mais caros da Europa
Como é o auxílio-moradia de juízes, procuradores e congressistas
Os
diplomatas não são a única categoria que pode receber verbas extras
para a locação de imóveis. Juízes, procuradores, defensores públicos,
deputados, senadores e vários outros tipos de servidores, eleitos ou
concursados, também podem receber este tipo de benefício. Mas os
valores pagos a estes profissionais ficam muito abaixo daqueles
recebidos pelos diplomatas: o maior auxílio, de R$ 5,5 mil, é pago hoje a
seis senadores que não usam apartamentos funcionais do Legislativo. Juízes,
procuradores e defensores públicos receberam auxílio-moradia de R$ 4,3
mil durante quatro anos (de 2014 até o fim de 2018) graças a uma decisão
liminar (provisória) do ministro do STF Luiz Fux. O benefício era pago
até mesmo para quem tinha imóvel na cidade onde trabalhava e para os
dois cônjuges, no caso de um casal formado por dois beneficiários. Finalmente,
em novembro de 2018, Fux revogou a própria liminar depois de um acordo
com o então presidente da República, Michel Temer: o mandatário
sancionou um aumento de 16,3% nos salários dos ministros do STF, com
efeitos sobre os salários de todos os demais integrantes da
magistratura. Hoje, o benefício só é pago em casos excepcionais -
quando o juiz atua fora da comarca para a qual foi aprovado em
concurso, por exemplo. O valor continua sendo de R$ 4,3 mil. No
Congresso Nacional, o pagamento se destina a deputados e senadores que
não querem ou não conseguem usar os apartamentos funcionais em Brasília,
mantidos pelo Congresso. A Câmara, por exemplo, dispõe de 432
apartamentos para os 513 deputados - e os que não usam a estrutura da
Casa recebem R$ 4,2 mil de auxílio. No Senado, a regra aplicada é a
mesma, mas o valor do auxílio é maior: R$ 5,5 mil mensais. Mesmo assim,
só 6 dos 81 senadores optam por receber em dinheiro, ao invés de usar os
apartamentos funcionais.
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