Quem são os brasileiros?
O que significa realmente ser brasileiro?
Como nós gostaríamos que o mundo inteiro nos visse?
Hospitaleiros, alegres, generosos?
Walt Disney, naquele esforço americano para cooptar os latinos durante a Segunda Guerra, nos idealizou na figura do Zé Carioca.
E de que brasileiros estaríamos falando?
Para cariocas, paulistas, baianos e gaúchos, valem os mesmos qualificativos?
O brasileiro é um homem cordial, disse Sérgio Buarque de Holanda em sua obra Raízes do Brasil de 1936.
Mesmo para aqueles que nunca leram esse livro e sabem apenas que Sérgio foi o pai do Chico Buarque, estaria pronta a definição de brasileiro e não se fala mais nisso.
Somos pessoas cordiais, é claro, com inúmeras exceções.
Aí surgiram os críticos, que leram o livro, para explicar que cordialidade, para Buarque de Holanda, significa a dificuldade de cumprir os ritos sociais que sejam rigidamente formais e não pessoais e afetivos e de separar, a partir de uma racionalização destes espaços, o público e o privado.
Roberto DaMatta "traduz" essa interpretação da seguinte maneira:
"Consiste, então, a cordialidade dos gestos largos, deste espírito aparentemente folgazão, que têm como marca o uso exagerado dos diminutivos, visando, justamente, a quebra da formalidade da relação que deve estar se estabelecendo, para que esta passe a se tornar uma relação de "amigos", para que passe a imperar a máxima, dito popular que se torna regra de conduta e 'verdade' sociológica: "Aos inimigos, a lei; aos amigos, tudo!"
Um político em Brasília, que não leu o livro, mas compreendeu o espírito da coisa, diria que praticamos com grande sucesso o chamado "jeitinho brasileiro" para resolver os problemas.
Seriam assim todos os brasileiros?
Luiz Carlos Miele, que morreu em outubro de 2015, certamente era um representante dessa categoria. O tipo de que fala DaMatta, alegre, folgazão, de uma cordialidade feita de gestos largos.
Um grande artista, uma grande perda
Mas seriam realmente assim todos os brasileiros?
Coincidentemente, morreu no mesmo dia que Miele, alguém que definitivamente não era assim, o Coronel Brilhante Ustra.
Um verdadeiro criminoso, digno de figurar naquela lista de nazistas que se sentaram no banco dos réus em Nuremberg.
Talvez até por conta do famoso "jeitinho brasileiro", Ustra morreu numa cama de hospital aos 83 anos, sem pagar pelos crimes de tortura e assassinato, tantas vezes acusado pelos seus hediondos feitos como comandante do DOI-CODI, em São Paulo.
Será que para nós brasileiros só nos resta escolher um destes dois caminhos tão opostos - a cordialidade visível no descompromisso com a ética, tão comum em nossos políticos - ou o autoritarismo selvagem que foi moda no Brasil durante o regime militar e que agora parece querer voltar de vez?
Ou já está na hora de criarmos uma nova imagem para os brasileiros?
Marino Boeira, é jornalista, formado em História pela UFRGS
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