Com quase um quarto da população carcerária do mundo em seu território, os EUA começam a tomar medidas para mudar esse quadro. A primeira foi a aprovação de novas diretrizes de sentenças, que reduzem as penas de crimes federais, retroativamente. A medida vai resultar na libertação de cerca de 6 mil prisioneiros, o que será feito de 30 de outubro a 2 de novembro.
Esse é o maior volume de libertação de presos federais na história americana, de acordo com os jornais The Washington Post e The New York Times. A Comissão de Sentenciamento dos EUA, um órgão independente do governo que aprovou a medida, prevê que, no período de um ano, mais 8.550 presos serão libertados.
A resolução da comissão beneficia especialmente traficantes de drogas, que foram punidos com sentenças “exorbitantes” no período da Guerra às Drogas, nas décadas de 1980 e 1990. A comissão, com as bênçãos do Congresso dos EUA, declarou que a Guerra às Drogas foi uma experiência fracassada e que, por isso, as sentenças deveriam ser revistas.
Também se beneficiaram, teoricamente, imigrantes ilegais que foram presos por essa condição e por haverem cometido algum tipo de delito, mesmo que pequeno. Cerca de um terço dos 6 mil prisioneiros estão nessa condição. Mas eles não irão celebrar a libertação, tanto quanto os americanos: serão deportados imediatamente, sob o protesto de organizações que combatem o desfazimento de famílias.
A medida foi aprovada em 1º de novembro de 2014. Mas a comissão deu um prazo de um ano para o Departamento de Justiça se preparar para a libertação em massa de prisioneiros. E deu aos juízes o mesmo prazo para analisar os pedidos de libertação dos prisioneiros caso a caso.
Passo a passo
Os prisioneiros americanos, a maioria traficantes que não cometeram qualquer tipo de crime violento, serão colocados, inicialmente, em casas de transição (halfway houses) ou prisão domiciliar, antes de lhes serem concedidas liberdade condicional.
É um período de transição para que os prisioneiros sejam mais bem preparados para o reingresso definitivo na sociedade e para que os riscos de reincidência sejam diminuídos. Se o sistema funcionar, é possível que, em poucos anos, cerca de 46 mil prisioneiros sejam libertados.
A nova lei, além de ser retroativa, terá o efeito de mandar menos gente para a cadeia daqui para a frente. Uma terceira medida, tomada pelo Departamento de Justiça dos EUA, tem esse mesmo propósito. O departamento instruiu os promotores de todo o país a não se preocupar com crimes, relacionados a drogas, não violentos, que também não envolvem formação de quadrilhas ou organizações do tráfico em grande escala.
Desde a década de 1980, a população americana cresceu cerca de 33%. Nesse mesmo período, a população carcerária, apenas das prisões federais, cresceu cerca de 800%. As prisões federais operam a 40% acima de sua capacidade. E a situação não é diferente nas prisões estaduais, em um país que mantém cerca de 2,3 milhões de prisioneiros. A população carcerária mundial é de cerca de 9,8 milhões de prisioneiros.
Alto custo
Além da questão da superlotação das prisões federais, o governo americano se preocupa com os altos custos da manutenção de prisioneiros. O Departamento de Justiça gasta um terço de seu orçamento de US$ 27 bilhões para manter suas prisões federais. Por isso, a medida teve apoio imediato de congressistas republicanos e democratas.
Essa é uma medida que atinge apenas crimes classificados como federais. A próxima medida também irá beneficiar prisioneiros estaduais. Na semana passada, um grupo de senadores deu entrada em um projeto de lei bipartidário para reformar a justiça criminal. O projeto de lei, que deverá ser aprovado, prevê uma redução considerável das penas mínimas obrigatórias. E a lei também será retroativa.
Esse sistema de penas mínimas obrigatórias é considerado “ridículo” pelos juízes, porque não lhes permite levar em consideração, por exemplo, circunstâncias atenuantes de casos em que o júri considera o réu culpado de qualquer tipo de crime.
Excessos das leis
O exemplo mais clássico de pena “ridícula” é o de uma americana negra que foi condenada a 20 anos de prisão por dar um tiro de advertência. Ela atirou na parede da sala, para impedir o avanço do ex-marido que ia agredi-la. O júri a considerou culpada de crime, porque a bala ricocheteou na parede e poderia ter atingido um de seus filhos.
Quando o júri considera uma pessoa culpada de um crime, seja o que for, e nesse crime foi usada uma arma, o juiz é obrigado a sentenciar o réu à pena mínima de 20 anos de prisão. Se ela tivesse dado um tiro na testa do ex-marido e o matado, ela sequer seria presa. Seria beneficiada por duas leis: a “Castle Law” e a “Stand Your Ground Law” — ambas a protegeriam, por lhe dar o direito de matar por apenas sentir que sua vida estava ameaçada.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2015, 10h33
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