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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

RELIGIÃO E PROCESSO LEGISLATIVO


Por Rosana Chiavassa e Adriana Gragnani


Em março de 2015, o deputado Eduardo Cunha, por ato decorrente do cargo de presidente da Câmara dos Deputados, constituiu Comissão Especial, com a finalidade de elaboração de parecer sobre o Projeto de Lei 6.583, de 2013, que "dispõe sobre o Estatuto da Família e dá outras providências".

De autoria do Deputado Andersen Ferreira, o projeto delimita a abrangência da família, que no entender do parlamentar pernambucano seria “o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio do casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”

Depois de sucessivos adiamentos, no dia 24 de setembro, a Comissão Especial, com 17 votos favoráveis e 5 contrários, aprovou o enunciado acima.

A manifestação parlamentar, totalmente deslocada da realidade, das pessoas cujo direito a lei visa tutelar, excluiu segmentos da vida social, que constituíram famílias, movidos pelos sentimentos de afeto, e que não envolveram a dicotomia macho e fêmea proposta pelo Deputado.

Compete ao operador do Direito entender o alcance e a finalidade da lei, com o objetivo do justo, A advocacia por diversas vezes levantou a bandeira da não discriminação, ingressando com ações, no Brasil inteiro, pelas uniões homoafetivas. A postura tão sentida por brasileiras e brasileiros encontrou guarida no STF, em julgamento ocorrido em 2011, ocasião em que reconheceu a inconstitucionalidade da distinção legal das uniões estáveis por pessoas do mesmo sexo.

Nesse rumo, o STJ, que decidiu que não existiam obstáculos para a celebração de casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que levou o Conselho Nacional de Justiça, por meio da resolução 175/2013, a estabelecer que “é vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. Artigo 2º – A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis. Artigo 3º – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.”

O legislador não pode legislar segundo suas convicções religiosas, pois não lhe é dado o direito de fazer de seu credo, lei. É princípio republicano que anda tímido nos tempos de conservadorismo e intolerância.

Deve o legislador estar atendo e não gerar conflitos com suas preposições. Evidente que o enunciado aprovado na Comissão Especial do Estatuto da Família ofende a Constituição da República, ofende a prática já incorporada na interpretação da legislação infraconstitucional, ofende as conquistas obtidas junto ao STJ e STF, que trouxeram paz e harmonia, transparência de relações, esforço de dignidade a afastar a intolerância.

É óbvio que tal entendimento não deve prevalecer, pois muito aquém das transformações e avanços sociais, das relações lícitas que conhecemos, a unir pessoas em casamento, por laços de amor, não de religião.

Imagine todos os casamentos já realizados entre homossexuais. Serão declarados nulos?

É de se antever a ocorrência de inconformismos, que gerarão novas demandas, criando-se, no âmbito da família, a sua judicialização. Mas família é um núcleo social que não deve ir parar nos tribunais.


Rosana Chiavassa é advogada, presidente da Associação das Advogadas, Estagiárias e Acadêmicas de Direito do Estado de São Paulo (Asas).

Adriana Gragnani é advogada, membro da Associação das Advogadas, Estagiárias e Acadêmicas de Direito do Estado de São Paulo (Asas).



Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2015, 9h03

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