Mês a mês, as vendas do McDonald’s caem. Associada à junk food e à obesidade, a transnacional sofre também com a concorrência das marcas que se apresentam como diferentes por oferecer alimentos naturais, tratar seus funcionários com respeito, favorecer o comércio justo etc.
por Benoît Bréville
Espremido entre um banco e uma loja de roupas, o restaurante Subway da Porta de Orléans, em Paris, está cheio nesta segunda-feira de julho. Cerca de dez pessoas – um homem apressado, um grupo de adolescentes, uma mãe com os filhos – se acotovelam no balcão. Uma garota pede um “Subs 30 [sanduíche de 30 centímetros] com filé de peru, queijo, tomate, picles e molho barbecue”, enquanto seu companheiro escolhe uma preparação especial da marca, o Subway Melt. Em menos de 15 minutos, eles terminam a refeição e saem do restaurante. O local, exíguo e abafado nesse dia de calor, o barulho permanente, a música techno ao fundo e a iluminação neon não induzem ninguém a ficar muito tempo ali.
Subindo a Avenida General Leclerc, passando por um Buffalo Grill, outro Subway, um McDonald’s e um Burger King, topamos com a porta envidraçada e o logotipo em forma de sereia do Starbucks de Alésia. O “salão de café” se estende por dois andares climatizados, cuja atmosfera contrasta com a da sanduicheria. As paredes de cores quentes, a música jazz, as mesas de madeira e os sofás confortáveis: tudo foi feito para incitar o cliente a permanecer pelo tempo que quiser. Além disso, há tomadas para ligar o notebook. Uma pessoa a cada três faz seu pedido em inglês e quase todas estão bem vestidas. Se no Subway encontramos sanduíches imensos por 6 euros, no Starbucks o Frappuccino (café gelado) custa 4,50 euros.
Subway e Starbucks: esses dois gigantes da refeição rápida desembarcaram na França, respectivamente, em 2001 e 2004, depois de se firmar nos Estados Unidos e conquistar um espaço especial no mercado de fast-food. O Subway não é, como o Burger King, uma multinacional cotada em Bolsa e com franquias nas mãos de especuladores,1 mas uma rede de pequenos empresários (a “família Subway”) apresentados como parentes de seus funcionários e ansiosos por participar do progresso de sua comunidade. Não bastasse isso, contrariamente ao McDonald’s e ao Kentucky Fried Chicken (KFC), que servem alimentos saturados de gordura, a sanduicheria alardeia produtos “saudáveis”.
O Starbucks se arvora em empresa diferente, ao mesmo tempo “de alta qualidade” e “responsável”. Enquanto Tim Horton e Dunkin Donuts servem muffins pecaminosos e café ralo, o inventor do Frappuccino insiste na salubridade de seus sanduíches e doces, nos seus talentos de torrefador, nos sucos naturais. Também se gaba de seu compromisso com o comércio justo e a gestão social de seus funcionários. Estes não são empregados vulgares de fast-food: tratados com “dignidade e respeito”, segundo a bíblia da empresa, são, isso sim, seus “parceiros”. “Não é apenas um trabalho, é também nossa paixão. Juntos, aceitamos a diversidade para criar um ambiente em que cada um pode ser ele mesmo”,2 escreve Howard Schultz, presidente diretor-geral (CEO) que reina sobre 21 mil estabelecimentos espalhados por sessenta países e mais de 200 mil empregados.
“ELES DECIDEM, NÓS EXECUTAMOS”
Após uma brilhante carreira na Xerox e na Hammarplast USA, Schultz comprou a empresa por US$ 4 milhões em 1987, quando ela era apenas uma cadeia local de Seattle fundada por dois apreciadores de café. Em seguida, vendendo livros de sucesso e aparecendo na mídia, ele começou a construir sua lenda. Defensor da reforma do sistema de saúde de Barack Obama, promotor do direito ao casamento homossexual e militante pela proibição do porte de armas, não perde uma oportunidade de aderir aos valores progressistas. Em 16 de junho de 2014, por exemplo, pele bronzeada e roupas descontraídas, compareceu ao Daily Show, do humorista Jon Stewart, no canal Comedy Central. “Hoje anunciamos que o Starbucks se tornará a primeira empresa a pagar os estudos universitários de todos os seus assalariados”, declarou sob os aplausos do público. Na verdade, apenas os funcionários que trabalham mais de 20 horas por semana têm esse direito e os cursos são pela internet. Mas pouco importa: graças a esse tipo de propaganda, Schultz ocupa o 17º lugar entre os “50 melhores empresários do mundo” da revista Fortune.
Se Frederick DeLuca, o CEO do Subway, também é muito festejado pela mídia norte-americana, isso não se deve à sua dedicação social, e sim ao fato de ele encarnar a figura do self-made man. Em 1965, com os US$ 1 mil emprestados por um amigo de seu pai, o doutor Peter Buck, ainda coproprietário da marca, abriu seu primeiro restaurante em Connecticut. Tinha então apenas 17 anos. O conceito (sanduíches sob medida preparados diante do cliente) obteve sucesso quase instantâneo. Em 1974, quando a marca já contava com dezesseis pontos de venda nos Estados Unidos, DeLuca e Buck decidiram pô-la em franquia.
A partir daí, com mais de 44 mil restaurantes em 105 países, o Subway arrancou do McDonald’s o título de fast-food mais tentacular do mundo. À frente de uma rede de pequenos empresários, DeLuca continua se mostrando intransigente na defesa dos interesses de sua “família”. Havendo ocasião, nunca deixa de clamar contra as leis que entravam o pequeno comércio. “O ambiente, para os empresários norte-americanos, vem se degradando continuamente devido ao número cada vez maior de regulamentações. É difícil montar uma empresa, sobretudo de pequeno porte [...]. Se eu fosse montar o Subway hoje, ele não existiria”, lamentou-se na CNBC (27 fev. 2013). Na sua mira está a reforma do sistema de saúde de Obama (“a maior preocupação de nossos franqueados”), as deduções salariais e o eventual aumento do salário mínimo (“Isso obrigará nossos franqueados a aumentar os preços”). DeLuca personifica assim o “fetichismo do pequeno empresário norte-americano”, esse herói valoroso, arrojado, que segundo as palavras de Charles Wright Mills “torna sedutora a utopia capitalista”.3 Para avançar nos Estados Unidos e depois no mundo, o Subway adotou um modelo de franquia particularmente atraente. Além das despesas iniciais modestas (10 mil euros na França, US$ 15 mil nos Estados Unidos), a abertura de uma sanduicheria não precisa de investimento muito alto: 200 mil euros em média, dos quais 80 mil em fundos próprios. Não há necessidade de frigideiras, cozinhas enormes, sorveteiras ou cafeteiras: uma torradeira, um balcão para apresentar os alimentos e um refrigerador para guardar as bebidas bastam. Os franqueados, que assumem sozinhos os riscos de falência, pagam 12,5% de seus lucros a título de royalties (contra 11% para KFC e Pizza Hut, e 7% para Pomme de Pain e Planet Sushi). A matriz se contenta em descontar os cheques, garantir a publicidade e verificar, mediante o envio de fiscais, se cada casa está aplicando escrupulosamente as regras: as treze etapas para descongelar e tostar o pão, a administração da loja, o mobiliário, as normas de higiene, a política de preços etc. “Eles decidem, nós executamos”, constata um franqueado dinamarquês, falando de suas relações com a empresa. “Se quisermos introduzir uma modificação sem informar o gerente de desenvolvimento, teremos problemas”, informa outro.4
ENTRADA NA CHINA E NO JAPÃO
A cadeia não exige dos candidatos experiência nem diploma. Não tendo muito a perder, ela se mostra até bastante ativa em incentivar os novatos. Contudo, em 1998, nos Estados Unidos, em uma comissão da Câmara dos Deputados, o economista Dean Sager se referiu ao Subway como “o maior problema na área da franquia”, “o exemplo cabal de todos os abusos imagináveis”. Ouviu-se o mesmo mote, cerca de quinze anos depois, no site francês Blog-franchise.fr: “Não há o que contestar: a maior parte das franquias sobrevive a duras penas”.
Sem dúvida, presos a uma cláusula de confidencialidade, quase todos os gerentes se recusam a falar do contrato que os amarra à transnacional norte-americana. Dono de uma loja perto de Lille, Michel concorda em dar algumas informações desde que se preserve seu anonimato. “O Subway quer abrir restaurantes em toda parte sem fazer nenhum estudo de mercado digno desse nome. Assim, vemos às vezes três lojas em menos de quinhentos metros, concorrendo umas com as outras. Para sobreviver, alguns donos são obrigados a abrir vários restaurantes”, afirma, corroborando os dados do Observatório da Franquia, segundo os quais 70% dos novos restaurantes da marca, na França, são abertos por quem já tem outros. O gerente também se queixa das exigências do Subway em matéria de royalties: “Somos cobrados todas as semanas, mesmo quando os negócios vão mal. É muito fácil acumular dívidas rapidamente, inclusive porque os franqueados têm de comprar dos fornecedores oficiais da marca e não dispõem de margem de manobra para discutir preços”.
Quando interrogamos os “promotores regionais” sobre as dificuldades dos franqueados, eles nos remetem ao Serviço de Relações Públicas da empresa, representado na Europa pela agência britânica McKenna Towsend, que é peremptória: afora alguns casos aqui e ali, os franqueados estão contentíssimos. As falências, porém, são frequentes. Segundo a revista Capital (19 nov. 2013), na França, 45% dos restaurantes Subway mudaram de mãos entre 2008 e 2010.
Pressionados pela matriz, os proprietários infligem o mesmo tratamento a seus empregados. Segundo uma pesquisa feita pela CNN com base em dados do Ministério do Trabalho norte-americano, os gerentes de restaurantes nos Estados Unidos cometeram 17 mil infrações de direito trabalhista de 2000 a 2013: horas extras não pagas, retenções ilegais de salários em caso de rombos de caixa, demissões abusivas... DeLuca reagiu pondo a culpa nos franqueados, dizendo que se tratava de “violações de responsabilidade das lojas”, não da própria empresa. De resto, acrescentou, “há três ou quatro anos vimos trabalhando em estreito contato com o Ministério do Trabalho para ensinar nossos proprietários a se comportar bem” (CNBC, 7 maio 2014). Os assalariados do Subway não têm meios de resistir a seu gerente: “São estruturas muito pequenas, com apenas alguns empregados. É quase impossível formarem um sindicato”, explica Olivier Guivarch, chefe do setor de hotelaria, turismo e restaurantes da Confederação Francesa do Trabalho (CFDT). “Na França, eles não possuem conselho empresarial, delegados sindicais ou instituições representativas dos funcionários. As coisas são mais fáceis com lojas ‘integradas’, como o Starbucks.”
Os estabelecimentos da cadeia de Seattle não são franquias. Ela abre sucursais para manter, segundo diz, os altos padrões da marca e escolher com cuidado o endereço de seus cafés.5 Enquanto o Subway, com sua estratégia de crescimento em todos os quadrantes, inaugura lojas em qualquer lugar, o Starbucks vai devagar, de cidade em cidade. Privilegia os lugares de grande fluxo – avenidas, centros comerciais, estações e aeroportos, áreas empresariais, praças de cidades históricas –, que ele satura para sufocar a concorrência. Conseguiu assim se firmar até em países que, como a China (1,3 mil lojas em 2014) e Japão (mil), quase não possuíam uma cultura de consumo de café.
EMBAIXADORA INDICADA POR MICHELLE OBAMA
A localização das sucursais corresponde à clientela visada pela marca, mas também à imagem que ela pretende ostentar. Como bem demonstrou a professora de literatura e especialista em retórica Paula Mathieu, a empresa elabora um discurso destinado a pôr em cena “a experiência Starbucks”.6 Segundo Schultz, uma sala Starbucks é “muito mais que uma maravilhosa xícara de café”, é uma “extensão da vida cotidiana, um ‘terceiro lugar’ entre a casa e o trabalho, um prolongamento do domicílio e do escritório” – ou seja, um espaço de sociabilidade em que cada cliente deve se sentir único. Os “baristas” – empregados que atendem no balcão – são instados a puxar conversa com o cliente, a chamá-lo pelo primeiro nome, a falar-lhe das desigualdades raciais nos Estados Unidos (foi esse o objetivo da campanha #RaceTogether, lançada pela marca em março de 2015) ou dos métodos de torrefação da empresa.
O que acontece é que o consumidor não bebe um café para despertar, como faria num boteco; não engole uma bebida padronizada, em gosto e quantidade, de Dubai ao Rio de Janeiro: o que ele pratica é um ato gastronômico. O costume italiano de dar nome às bebidas (“Latte”, “Macchiato”, “Frappuccino” etc.), a “regra dos dez segundos”, que obriga os baristas a rejeitar todo expresso tirado fora desse lapso de tempo a pretexto de que ele perde seu sabor e os folhetos editados pela cadeia (“Cada grão de café exige um equilíbrio único entre temperatura e tempo [de torrefação] para alcançar seu ponto alto individual de aroma, acidez, corpo e sabor”) sustentam essa ideia: frutos de um sábio equilíbrio entre exatidão científica e paixão descontrolada, os produtos Starbucks só podem ser apreciados por gente fina. A cadeia consegue, assim, drenar uma clientela mundialmente uniformizada: estudantes endinheirados, cosmopolitas ativos, turistas e estrangeiros, que ali encontram um refúgio familiar e um ambiente distinto onde podem satisfazer seu bom gosto. “Nós criamos o negócio do café gourmet”, felicita-se Schultz.
De seu lado, DeLuca se gaba de ter criado o negócio do fast-food saudável. A ideia lhe ocorreu de maneira fortuita no fim dos anos 1990, quando o problema da obesidade ganhava importância nos Estados Unidos. Em 1998, Jared Fogle, um norte-americano de 21 anos que pesava 192 quilos, decidiu fazer um regime muito especial. Durante um ano, comeria apenas sanduíches Subway, um de peru no almoço e outro vegetariano no jantar, sem queijo nem maionese. O resultado foi milagroso: perdeu mais de 110 quilos. Quando a revista masculina Men’s Health divulgou a experiência, esta se tornou conhecida como a “dieta Subway”.
A transnacional de Connecticut entrou então com tudo no mundo da dieta. Adotou em 2002 o lema “Eat Fresh” [Coma alimentos frescos] e mudou seu logotipo. Antes preto, depois marrom e amarelo, tornou-se verde, como a natureza. A fim de conquistar credibilidade, o Subway faz parcerias com entidades como o American College of Cardiology e a American Heart Association. Enquanto isso, Fogle virou o Ronald McDonald’s da sanduicheria, o “Garoto Subway”. Em quinze anos, apareceu em mais de trezentos anúncios da marca, embolsando com isso a bagatela de US$ 15 milhões. Michelle Obama, porém, não ganhou nada quando agradeceu ao Subway, diante de um exército de jornalistas, por “despertar nas crianças a vontade de comer legumes”.7
Apresentando-se como um fast-food saudável e natural, a sanduicheria não logrou apenas invadir o mercado das pessoas preocupadas com o peso; também abriu portas fechadas aos produtos fritos de seus concorrentes: hospitais, escolas, campi universitários etc. Esse “esverdeamento” se revelou bastante lucrativo: de 1998 a 2011, segundo o USA Today (23 fev. 2013), as vendas do Subway nos Estados Unidos subiram de US$ 3,1 bilhões para 11,5 bilhões.
Todavia, um alimento não é “saudável”, “natural” ou “fresco” só porque não foi ao fogo. Cultivados tanto no inverno quanto no verão em estufas superaquecidas, à força de adubos e agrotóxicos, e colhidos antes de amadurecer completamente (quando não verdes mesmo) para não estragar durante o transporte, os legumes dos sanduíches Subway não têm gosto de nada. As fatias de presunto, peru ou carne vermelha (um cartaz informa em todo restaurante que são contraindicadas para pessoas alérgicas ao leite e à soja) provêm de verdadeiras fábricas de carne onde o animal é tratado como matéria-prima que se pode misturar e transformar à vontade, com acréscimo de água, sal, açúcar, conservantes etc. Nos Estados Unidos, a cadeia se abastece na gigante West Liberty Foods, que vende também para os hipermercados Wal-Mart e Costco, e foi acusada, em junho de 2015, de usar antibióticos em excesso para tratar os animais.8
Além disso, se podemos preparar, à maneira de Fogle, sanduíches relativamente light, também podemos enchê-los de molho e queijo, acompanhando-os de batatas fritas e refrigerantes – e é isso que fazem quase todos os clientes. Quanto às combinações sugeridas pela cadeia, são exageradamente calóricas. Em suas versões de 30 centímetros, os sanduíches Big Philly Cheesesteak e Meatballs Marinara, dois dos carros-chefes da cadeia, têm respectivamente 1.000 e 750 calorias, quando o Big Mac do McDonald’s não ultrapassa as 540.
Do mesmo modo, foi meio por acaso que o Starbucks se reposicionou na onda do comércio “ético”. Em novembro de 1999, em Seattle, sede da empresa, houve uma reunião de cúpula da Organização Mundial do Comércio. Manifestações antiglobalização ocorreram por toda a cidade. Acusadas de impor o modo de vida norte-americano ao conjunto do planeta e, para isso, explorar os camponeses do Hemisfério Sul, as lojas do Starbucks foram escolhidas como alvo pelos manifestantes. Temendo se tornar, como o McDonald’s e a Nike, um símbolo do imperialismo, Schultz e seus estrategistas embarcaram numa operação de lavagem social (social washing).
Em 2000, a marca assinou uma parceria com a Transfair USA, uma organização de promoção do comércio justo. Quatro anos depois, criou seu próprio rótulo ético, comprometendo-se a pagar por seus grãos de café de 20% a 30% acima do preço de mercado e garantindo ainda, aos produtores, tarifas fixas para protegê-los contra a queda das cotações. Ao mesmo tempo, multiplicou os benefícios a seus empregados. Nos Estados Unidos, por exemplo, eles têm direito a assistência médica (quando trabalham mais de 20 horas por semana), podem adquirir ações em condições privilegiadas (quando estão há mais de um ano no emprego) e levar para casa pacotes de café gratuitos (um por semana).
Essas medidas pesam pouco na política global da empresa, agressiva tanto com seus empregados como com seus fornecedores. De 1991 a 2013, o valor de mercado do café passou de US$ 30 bilhões para 70 bilhões. Ao mesmo tempo, a parcela que os países produtores tiravam dessa atividade caiu de 40% para 10%.9 O Starbucks contribuiu para essa evolução.
Desde 2004, a empresa mantém lobistas em Washington, principalmente para exigir a remoção de barreiras aduaneiras com os países onde ela se abastece.10 Em 2006-2007, levou a Etiópia aos tribunais norte-americanos para impedir que o país registrasse como “nome comercial” três de suas variedades de café. A fim de não pagar imposto de renda nos lugares onde se instala, ela encaminha seus fundos para paraísos fiscais, graças aos serviços de uma empresa sediada na Suíça.11 Membro da poderosíssima Associação dos Fabricantes de Produtos Alimentícios (Grocery Manufacturers Association), lado a lado com a Nestlé, Kraft Foods, Procter & Gamble etc., ela promove o livre-comércio. Em suma, comporta-se como qualquer transnacional do agronegócio.
E os salários lembram os de outras marcas de fast-food. Como os sandwich artists do Subway, os baristas do Starbucks são pau para toda obra: recebem as comandas, convencem o cliente a consumir (“Não quer aromatizar seu café? Que tal um pouco de creme?”), preparam a bebida, ficam no caixa, lavam as mesas, livram-se do lixo, lavam os pratos, limpam os banheiros. Tudo isso sorrindo – e por um salário que mal ultrapassa o mínimo, incluindo as gorjetas.
Aos olhos da empresa, os empregados são intercambiáveis. “Se um funcionário falta ou há excesso de pessoal, o gerente da loja pode muito bem lhe pedir que vá dar uma mãozinha em outra”, explica Arnaud, barista parisiense. “Em nossos contratos, há também uma cláusula de mobilidade: pode-se transferir em definitivo o funcionário, e os que trabalham em tempo integral não têm o direito de recusar.” Para controlar esses “parceiros” – mas de maneira ética –, a empresa introduziu um dispositivo batizado de customer voice (voz do cliente): “Depois de três ou quatro meses”, continua Arnaud, “para certas comandas, juntamente com o tíquete de caixa, o cliente recebe outro convidando-o a responder a um questionário pela internet, a fim de relatar suas impressões. Isso lhe permite ganhar o equivalente a um ‘Latte’ grande por dia durante um mês”.
Os funcionários são fortemente pressionados a não falar sobre suas condições de trabalho. Quando, em 2005, Daniel Gross, um barista que queria instalar em sua loja de Nova York uma seção do sindicato Industrial Workers of the World (IWW), comunicou seu plano a um jornalista do New York Times, Schultz enviou imediatamente uma circular a todos os seus funcionários norte-americanos para calar o rapaz, que acabou dispensado alguns meses depois.12 A empresa se opõe ferozmente ao surgimento de sindicatos. Quando fracassa, parece achar meios de torná-los menos barulhentos. Em 2013, as primeiras eleições profissionais no Starbucks da França deram a vitória à CFDT. Quando contatamos dois de seus representantes, um deles, um gerente de loja parisiense que também chama os empregados de “parceiros”, declarou-se indisponível durante várias semanas. O outro, shift supervisor (chefe de equipe), “não pode falar sem autorização de seus superiores”.
A grande rotatividade, o pequeno porte das estruturas, o sistema de franquia e o peso da hierarquia dificultam a organização sindical nesse tipo de restaurante. Em maio de 2014, delegados sindicais de mais de trinta países se reuniram em Nova York para examinar a possibilidade de uma ação coletiva. Puderam então ouvir o testemunho da organização Unite, da Nova Zelândia, uma das poucas que conseguiu se firmar no setor. Em novembro de 2005, uma dezena de militantes desse sindicato irrompeu em um Starbucks da cidade de Auckland, conclamando os baristas a interromper o trabalho.13 A operação se repetiu em outras lojas. Em menos de seis meses, 2 mil pessoas aderiram ao sindicato, que multiplicou as ações espetaculares, como as campanhas de phone zaps: os militantes congestionam a central de atendimento de uma empresa para interromper o sistema de entregas. Os gigantes do fast-food capitularam: em março de 2006, uma convenção coletiva foi assinada. Pouco tempo depois, mais de 30 mil jovens já haviam entrado para as fileiras do sindicato. E os salários no setor de refeições rápidas da Nova Zelândia aumentaram 50%...
Benoît Bréville
Jornalista e integra a redação do Le Monde Diplomatique França
1 Por exemplo, o maior franqueado do Burger King, uma empresa comercial com sede no estado de Nova York, possui mais de 560 restaurantes. Ver Thomas Frank, “Révolte américaine contre les ogres du fast-food” [Revolta norte-americana contra os ogros do fast-food], Le Monde diplomatique, fev. 2014.
2 Howard Schultz (em parceria com Joanne Gordon), Onward: How Starbucks Fought for Its Life without Losing Its Soul [Para a frente: como o Starbucks lutou pela vida sem perder a alma], Rodal, Nova York, 2011.
3 Charles Wright Mills, Les cols blancs. Essai sur les classes moyennes américaines [Os colarinhos-brancos. Ensaio sobre as classes médias americanas], Maspero, Paris, 1966.
4 Citado em Henrik Antonsson, Lukas Engström e Vytautas Verbus, Innovation within Fast Food Restaurants. The Role of the Local Restaurant Manager [Inovação nos restaurantes de fast-food. O papel do gerente de loja local], Jönköping International Business School, Universidade de Jönköping, maio 2011.
5 Para conquistar um novo país, o Starbucks se associa a um parceiro local: Autogrill na Bélgica, Sazaby League no Japão, Grupo Vips na França, Espanha e Portugal etc. Uma vez solidamente instalada, a empresa compra a parte do sócio.
6 Paula Mathieu, “Economic citizenship and the rhetoric of gourmet coffee” [Cidadania econômica e a retórica do café gourmet], Rhetoric Review, v.18, n.1, outono 1999.
7 “Remarks by the First Lady at Subway’s Let’s Move! announcement” [Observações da primeira dama durante o lançamento do projeto Let’s Move! do Subway], Casa Branca, Washington, 23 jan. 2014.
8 Carta aberta a Frederick DeLuca assinada por sessenta associações ligadas à saúde e ao meio ambiente, 23 jun. 2015.
9 Kelsey Timmerman, Where Am I Eating? An Adventure Through the Global Food Economy [Onde estou comendo? Uma aventura pela economia global dos alimentos], Wiley, Hoboken (Nova Jersey), 2013.
10 Jeanne Cummings, “Cautiously, Starbucks puts lobbying on corporate menu” [Disfarçadamente, o Starbucks coloca o lobby no cardápio empresarial], The Wall Street Journal, 12 abr. 2005.
11 Tom Bergin, “Special report: how Starbucks avoids UK taxes” [Reportagem especial: como o Starbucks evade impostos no Reino Unido], Reuters, 15 out. 2012.
12 “National Labor Relations Board v. Starbucks Corporation” [Comitê Nacional de Relações Trabalhistas versus Starbucks Corporation], Corte de Apelação do Segundo Circuito dos Estados Unidos, Nova York, 27 abr. 2011.
13 Erik Forman, “Supersizing my pay in New Zealand” [Engordando meu salário na Nova Zelândia], Labor Note, n.404, Detroit, fev. 2013.
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- I.A.S.
- Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR
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sábado, 10 de outubro de 2015
POR TRÁS DO CAFÉ ÉTICO E DO SANDUÍCHE LIGHT - Starbucks e Subway, a ilusão da nova geração de fast-foods
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