O Ministério Público Federal apresentou nesta quinta-feira (16/7) ação penal contra os militares Rubens Gomes Carneiro (de codinome "Laecato" ou "Boamorte"), Ubirajara Ribeiro ("Zé Gomes" ou "Zezão") e Antonio Waneir Pinheiro Lima ("Camarão") pelo sequestro e tortura do advogado e militante político Paulo de Tarso Celestino da Silva.
Comandante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), Paulo de Tarso foi torturado nas dependências do DOI-Codi na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro e, posteriormente, levado para a chamada Casa da Morte, prisão clandestina ligada ao Centro de Informação do Exército (CIE), localizada em Petrópolis, na região serrana do Rio de janeiro.
A detenção ilegal ocorreu em 1971. De acordo com o MPF, o advogado foi submetido a "intensas agressões físicas e psicológicas", além de ser "violentamente torturado".
O paradeiro do corpo do militante ainda é desconhecido. Ele foi considerado morto pela Lei 9.140/95, que criou a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e fixou um valor reparatório aos familiares das vítimas da ditadura.
"A prisão de Paulo de Tarso Celestino da Silva não decorreu de flagrante e não foi oficializada ou comunicada à autoridade judiciária. Ocorre que, a pretexto de combater supostos opositores do regime militar, não estavam os agentes públicos, mesmo à época do início da execução do crime, autorizados a sequestrar a vítima, mantê-la secretamente encarcerada em estabelecimento clandestino, dando-lhe paradeiro conhecido somente pelos próprios autores do crime e seus comparsas, já falecidos ou ainda não identificados", afirma a denúncia. A peça é assinada pelos procuradores Vanessa Seguezzi, Antonio Cabral e Sérgio Suiama.
Rubens Gomes Carneiro, o "Laecato" ou "Boamorte", era segundo-sargento do Exército na época em que ocorreu o sequestro e atuava como agente de operações do CIE. O codinome "Boamorte" faz alusão à série de execuções realizadas por ele no período em que esteve na Casa da Morte. Ao que se sabe, foram ao menos cinco, além da de Paulo de Tarso. Em 1970, Carneiro recebeu a Medalha do Pacificador com Palma, dada pelo Exército.
Ubirajara Ribeiro de Souza, o "Zé Gomes" ou "Zezão", era segundo-sargento do Exército. Ele também recebeu em 1970 a Medalha do Pacificador com Palma.
Já Antônio Waneir Pinheiro Lima, o "Camarão", era soldado e exercia a função de "caseiro" na Casa da Morte, impedindo que os presos fugissem e protegendo as dependências do aparelho clandestino. Hoje ele é sargento reformado.
"Relevante destacar que os ora denunciados e demais coautores, ainda não identificados ou já falecidos, tinham pleno conhecimento da organização e operação centralizada do sistema de repressão política baseado em invasões de domicílio, sequestro, tortura, morte e desaparecimento dos inimigos do regime então vigente, estando engajados em executar tais atos ilícitos contra a população brasileira em geral e, em particular, contra os opositores políticos do regime", prossegue a denúncia.
"Camarão"
Não é a primeira vez que "Camarão" figura em uma denúncia do Ministério Público Federal. Ele é acusado de sequestro, cárcere privado e estupro. Os crimes foram cometidos contra Inês Etienne Romeu, historiadora e ex-líder da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Em agosto do ano passado, a 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região aceitou a denúncia contra Camarão. Ele é o primeiro militar a se tornar réu por estupro em decorrência de um crime cometido durante a ditadura.
Isso porque a Lei de Anistia (Lei 683/79) perdoou violações cometidas por militares durante o regime, se convertendo no maior entrave para investigar e punir agentes envolvidos nos crimes de lesa-humanidade que marcaram os anos de chumbo.
A decisão inédita que aceitou a denúncia contra "Camarão" ocorreu após o TRF-2 entender que ele foi responsável por crimes contra a humanidade, considerados imprescritíveis e não passíveis de anistia.
Pela natureza do caso, os magistrados proferiram sua decisão sob a ótica do Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional, que foi aprovado pelo Brasil em 2002 e contempla a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade.
Etienne Romeu, vítima de "Camarão", foi a responsável por revelar as identidades dos militares que foram denunciados pelo MPF nesta quinta-feira. Ela foi a única sobrevivente da Casa da Morte. Durante quatro décadas, os oficiais que atuavam no centro clandestino permaneceram anônimos.
Tiago Angelo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 17 de julho de 2020, 12h33
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