Adriano em fazenda na Bahia, onde foi morto. Foto: Reprodução
Carolina Heringer
A cúpula do jogo do bicho carioca tem relação estreita com o grupo de matadores que foi comandado pelo ex-capitão PM Adriano da Nóbrega — morto durante ação policial na Bahia, em fevereiro — num sistema de propinas para delegacias das zonas Norte e Sul. Essa parceria é indicada numa série de depoimentos de Shanna Garcia, filha do bicheiro Waldemir Paes Garcia, o Maninho, a que o EXTRA teve acesso. O material faz parte das investigações da Polícia Civil que avançam sobre os negócios e homicídios que envolvem a contravenção na cidade.
Ao ser ouvida pelos investigadores da Polícia Civil no dia 3 de março, Shanna afirmou que Leonardo Gouvêa da Silva, o Mad, preso sob a acusação de ser o atual chefe da quadrilha de pistoleiros e sucessor do ex-capitão, trabalha para seu ex-cunhado, Bernardo Bello, a quem ela acusa de controlar os negócios ilegais de sua família. A filha de Maninho ainda forneceu detalhes da ligação de Bernardo com Adriano.
Shanna Garcia, filha de Maninho, na época em que sofreu tentativa de assassinato Foto: Guito Moreto / 11.10.2019
Shanna deu início a uma série de denúncias contra Bernardo Bello após ser vítima de tentativa de homicídio em outubro do ano passado. Ela acusa o ex-cunhado pelo crime. Foram pelo menos quatro depoimentos – para a Delegacia de Homicídios, a Corregedoria da Polícia Civil e o Ministério Público – nos quais acusou o ex-cunhado de crimes relacionados à família, mas sem apresentar provas.
Uma das denúncias foi de que Bernardo pagava propina a delegacias nas Zonas Norte e Sul e também para a DH. Em depoimento na corregedoria em 6 de fevereiro, a filha de Maninho apontou o advogado de Bernardo, Thiago Santoro, como responsável pelos pagamentos. Segundo ela, a caixinha envolvia agentes e delegados. Shanna, no entanto, disse não ter “elementos probatórios para indicar determinados servidores”.
Santoro negou as acusações contra ele e disse que Bernardo tem colaborado com as investigações. Já a Polícia Civil afirmou que a investigação sobre recebimento de propina paga pela contravenção está em andamento na Corregedoria.
Elo entre as organizações criminosas
Shanna Garcia foi ouvida na Delegacia de Homicídios da Capital no inquérito que investiga o assassinato de seu tio, Alcebíades Paes Garcia, o Bid, que ocorreu duas semanas após a morte do ex-capitão Adriano Magalhães. O grupo de matadores de aluguel está sendo investigado pelo crime.
A filha de Maninho afirma que Mad e outros dois comparsas, identificados como Playboy e Macaquinho, estariam trabalhando para Bernardo no lugar de Antonio Eugênio de Souza Freitas, conhecido como Batoré. Ex-policial militar, Batoré foi um dos fundadores do grupo de matadores, ao lado de Adriano e do ex-tenente João André Ferreira Martins.
O EXTRA apurou, contudo, que o principal elo entre a contravenção e a quadrilha de matadores era Adriano, já que nos anos anteriores à sua morte Batoré aproximava-se cada vez mais do então chefe do tráfico na Ilha do Governador, Fernando Gomes de Freitas, o Fernandinho Guarabu. Batoré e Guarabu foram mortos na mesma operação policial, em junho de 2019.
Os investigadores acreditam que Playboy e Macaquinho sejam os milicianos Diego Luccas Pereira e Edmilson Gomes Menezes, respectivamente. A ligação entre Bernardo e os pistoleiros é investigada no inquérito que apura a morte de Bid. O advogado de Bernardo diz que seu cliente não foi intimado a prestar depoimento nesta investigação e que o inquérito é sigiloso, portanto a defesa não teve acesso.
Mas Bello não se utilizaria apenas dos serviços do grupo de matadores. Em outro depoimento prestado à DH, no ano passado, Shanna afirmou que o ex-cunhado tinha seu próprio “braço armado”. O grupo, segundo a filha de Maninho, é integrado pelos policiais militares José Carlos Roque Barbosa, chefe da segurança de Bernardo, e Edmilson da Silva Oliveira, o Macalé, além do ex-PM Wagner Dantas Allegre. Os três foram alvo, junto com Bernardo, de uma operação de busca e apreensão em junho, que teve o objetivo de reunir mais provas sobre a tentativa de homicídio sofrida por Shanna. Segundo ela, Allegre é responsável por cometer assassinatos a mando de Bello. Shanna disse ainda que um dos homens que tentaram matá-la falou o nome do ex-PM durante o ataque a ela.
Miliciano foi segurança de Shanna Garcia
Em seu depoimento mais recente à polícia, em março, Shanna voltou a apontar Bernardo como responsável por mais um capítulo na disputa pelos negócios da família Garcia. A filha de Maninho disse que a parte dos negócios que era comandada por Bid (pontos de jogo do bicho na Zona Sul) foi tomada por Bernardo com a ajuda de Adriano, em 2013.
O depoimento de Shanna converge com o que vem sendo investigado pela polícia. A DH apura se desavenças entre Bernardo e Bid motivaram a morte do irmão de Maninho. As investigações da polícia e do Ministério Público estadual apontam que Bid foi monitorado pelo grupo de matadores por um ano.
Apontado por Shanna como aliado de Bernardo, Adriano já esteve ao lado da filha de Maninho. Há cerca de uma década, o ex-capitão do Bope era segurança dela e de seu então marido, José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal. Adriano chegou a ser acusado de uma tentativa de homicídio contra Rogério Mesquita, ex-braço direito de Maninho, morto em seguida. A investigação apontava que Shanna era mandante do crime. Por falta de provas, após testemunha-chave ter voltado atrás em seu depoimento, Shanna e Adriano se livraram das acusações contra eles.
O ex-capitão deixou de ser aliado de Shanna pouco antes do assassinato de Zé Personal. A filha de Maninho relatou à polícia que em 2011, antes do assassinato do ex-marido, Adriano foi demitido, pois a família decidiu que não lhe pagaria mais. Fontes ouvidas pelo EXTRA apontam que esse episódio acabou aproximando o ex-chefe do grupo de matadores de Bernardo, que nessa época já se opunha a Shanna.
Fonte:
https://extra.globo.com/casos-de-policia/depoimentos-de-filha-de-bicheiro-confirmam-ligacao-de-contraventores-com-matadores-profissionais-no-rio-24529484.html
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