De vez em quando, depois de abastecer num desses postos de combustíveis sem bandeira, começamos a notar que nosso carro "tosse", engasga, dá sinais de que o combustível não lhe agradou e, em alguns casos, até se nega a andar, "revoltado" com a má qualidade do líquido.
Esse hábito de certos comerciantes, metidos a espertinhos, misturarem água na gasolina, principalmente, não é algo novo. Já faziam isto com a querosene, com a cachaça, dentre outros produtos, no afã desonesto de aumentar a margem de lucro.
O velho Graciliano Ramos, em Vidas Secas, já denunciava a fraude:
FABIANO tinha ido à feira da cidade comprar mantimentos. Precisava sal, farinha, feijão e rapaduras. Sinha Vitória pedira além disso uma garrafa de querosene e um corte de chita vermelha.
Mas o querosene de seu Inácio estava misturado com água, e a chita da amostra era cara demais. Fabiano percorreu as lojas, escolhendo o pano regateando um tostão em côvado, receoso de ser enganado.
Andava irresoluto, uma longa desconfiança dava-lhe gestos oblíquos.
A tarde puxou o dinheiro, meio tentado, e logo se arrependeu, certo de que todos os caixeiros furtavam no preço e na medida: amarrou as notas na ponta do lenço, meteu-as na algibeira, dirigiu-se à bodega de seu Inácio, onde guardara os picuás.
Aí certificou-se novamente de que o querosene estava batizado e decidiu beber uma pinga, pois sentia calor. Seu Inácio trouxe a garrafa de aguardente.
Fabiano virou o copo de um trago, cuspiu, limpou os beiços à manga, contraiu o rosto. Ia jurar que a cachaça tinha água.
Por que seria que seu Inácio botava água em tudo? perguntou mentalmente.
Animou-se e interrogou o bodegueiro: - Por que é que vossemecê bota água em tudo? Seu Inácio fingiu não ouvir.
Coisa de "comunista", metido a denunciar a péssima prática de comerciantes desonestos, que fraudam os produtos para ampliar seus ganhos. Aliás, os PROCONs, o Ministério Público, a Justiça, que reprimem as ilicitudes desse tipo de comerciante, todos, sem exceção, agem como comunistas, em defesa dos interesses coletivos.
Que mania dessa gente, de se meter nos negócios alheios, né?
Bem que poderiam deixar que a "livre concorrência" desse jeito nos fraudadores. Descobertas suas maracutaias, não conseguirão mais enganar os ingênuos clientes. Será?
Parece que não, tendo em vista que o "mercado religioso", apesar do aumento da concorrência, de forma assustadora e descarada, continua a ensejar lucros estratosféricos. E gozando de benefícios fiscais, a saber, de imunidade a impostos e de isenção de outros tributos, assegurados por governantes interessados nos votos dos crentes.
Os padres e pastores, dentre outros embusteiros, enganam um monte de gente, há milênios e o povo não toma tento. Continua a dar-lhes o que pedem (em alguns caos, até exigem, ameaçando com malefícios quiméricos),em troca de nada, ou melhor, em troca de meras promessas ou por medo de lugares e seres inexistentes (deus, céu, inferno, paraíso, diabo e outras excrecências).
É preciso que os órgãos que atuam no comércio de gêneros materiais seja colocado a vigiar o comércio da fé, onde, como em nenhum outro, campeia desbragada má fé, fraude, simulação e até coação.
Ou será que ameaçar as pessoas que não são religiosas, ou que titubeiam em seguir este ou aquele pregador, com as chamas do inferno e os males que o diabo pode causar, não é uma forma de coação?
Os fracos de espírito rendem-se a essas baboseiras, apegam-se a bíblias, alcorões, livros dos espíritos, cruzes, rosários, escapulários, santinhos, velas e outras quinquilharias desse enorme gênero de embustes e os poderes públicos, em nome da "liberdade religiosa" e interessados na pacificação social, ou melhor, na continuação da exploração das classes subalternas, estimula todo esse perverso e malicioso sistema. O medo é usado como instrumento de manutenção do status quo.
Até benzedeiras ignorantes, que repetem fórmulas sem sentido, cujos textos não sabem sequer o que significa, encontram público alvo que as prestigia, tamanha é a ignorância e a ingenuidade de grande parte da nossa desinformada população. E são aplaudidas, até mesmo, por supostos intelectuais, gente com formação acadêmica, que acha válido preservar esses costumes atrasados e desonestos, como parte da "nossa cultura".
Falta, sobretudo, piedade, nos exploradores, a maioria dos quais bate no peito, afirmando-se (ou querendo parecer) cristãos. Cambada de safados.
Considero os comerciantes de gasolina, querosene, cachaça e outros produtos "batizados" (não é curiosa a utilização desse vocábulo, simbolicamente, pelo povo, pela sua similitude com a iniciação religiosa?) com água até menos perniciosos que os embusteiros que vendem esperanças e medos nos templos, pela televisão e de casa em casa. Contra os primeiros, os poderes públicos até tomam providências, mas passam a mão na cabeça e até prestigiam os mercadores de indulgências e de fé, de modo geral.
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