“Faz pena o nortista,
tão forte, tão bravo
viver como escravo
no Norte e no Sul”
Patativa do Assaré
Em 1957 começou a construção de Brasília. O então presidente Juscelino Kubitschek vendia a cidade como um “sonho”, um símbolo do “progresso” que nunca veio. Milhares de operários vinham à Brasília com a promessa de emprego e uma futura moradia na capital.
Quando chegaram em Brasília se deparavam com uma realidade cruel. Precisavam trabalhar muito e não ganhavam quase nada. As condições de vida eram péssimas, os trabalhadores eram mal alojados, mal remunerados e mal tratados. Esses operários eram chamados ‘candangos’. Não se sabe até hoje quantos operários morreram na construção de Brasília.
QUEM ERAM OS CANDANGOS?
Candango pode significar diversas coisas. A versão mais aceita é que os negros africanos chamavam de candangos os senhores portugueses, e estes, percebendo o xingo, passaram a apelida-los dessa forma também. Segundo o dicionário Oxford Languages, a palavra significaria algo como indivíduo desprezível, abjeto. Tendo esse significado ou não, assim eram tratados os construtores de Brasília: braços sem valor que deveriam apenas construir e se calar diante das injustiças.
Vindos do nordeste com esperança de um futuro melhor sem precisar se sujeitar aos regimes de servidão e semi-servidão do latifúndio, esses brasileiros encontravam-se com novas formas de exploração que, apesar de “mais avançadas”, lhes mantinham em uma miséria muitas vezes maior do que quando tinham um pequeno pedaço de terra, já que agora tinham apenas alojamentos improvisados e recursos escassos para se alimentar. Trabalhando jornadas que não raro duravam mais de 18 horas em turnos ininterruptos, cerca de 40 mil operários estavam em Brasilia meses antes da sua inauguração.
Neste contexto, em um desses alojamentos, meses antes da inauguração de Brasília em pleno carnaval de 1959, ocorre o chamado Massacre dos Candangos ou Massacre da construtora Pacheco Fernandes.
ANTECEDENTES E O DIA DO MASSACRE
Antes do massacre o clima já andava hostil nos alojamentos da Construtora Pacheco Fernandes. Os operários já estavam indignados com as péssimas condições de trabalho. Porém, o estopim para os trabalhadores foi quando a Construtora decidiu cortar a água dos alojamentos para que os operários não tomassem banho, alegando que dessa forma iriam impedir os trabalhadores ir à Cidade Livre (hoje Núcleo Bandeirante) com a desculpa de que estes ‘farriavam’ muito e não compareciam para trabalhar.
No dia do massacre, os candangos reclamaram da comida estragada servida no refeitório. Ao contrário do que alguns falam, isso estava longe de ser um fato isolado: já havia muito tempo que a comida servida aos operários era comida estragada, podre. Além das filas quilométricas para pegar o almoço. Nesse dia, a discussão em torno dessas reivindicações se transformou em um ‘quebra-quebra’ dos trabalhadores contra a construtora.
A Guarda Especial de Brasília (GEB) foi chamada rapidamente para “restaurar a ordem” mas foi cercada e teve de recuar frente aos operários. Horas mais tarde, quando grande parte dos trabalhadores já dormiam, a GEB voltou com quase 30 homens e dispararam contra os operários em um ato de covardia que só poderia partir do velho Estado reacionário.
Embora a polícia tenha dito ter havido apenas uma morte, os trabalhadores sobreviventes relatam terem visto caminhões com as caçambas lotadas de cadáveres que foram enterrados em diversos locais da cidade. Nair Bicalho, que entrevistou cerca de 30 pessoas envolvidas declarou o seguinte: "O que consta nos depoimentos que eu recolhi é que a polícia atirou nos operários enquanto eles dormiam. Obtive depoimentos sobre dezenas de operários atingidos. Um total 120 malas nunca foram buscadas no alojamento"
COMO O VELHO ESTADO ESCONDEU O MASSACRE?
Após o massacre, a mídia burguesa-latifundiária tratou de silenciar o fato de que havia existido um massacre. Faltava pouco tempo para a inauguração de Brasília e a divulgação do massacre poderia atrapalhar os planos e a imagem que Juscelino queria passar da nova capital, principalmente se viesse a tona o que de fato era a Guarda, um agrupamento de jagunços da região contratados pelo governo para oprimir os trabalhadores.
Juscelino em seus livros, onde falava do “desenvolvimento”, do “progresso” que seu governo deu para o Brasil, nunca falou sobre o massacre. Nunca nem citou esse fato. Assim como ele, todos os envolvidos politicamente na construção de Brasília calaram-se sobre o massacre. Os corpos nunca foram encontrados. Apenas em 2009, no aniversário de 50 anos do massacre foi erguido um memorial para os candangos tombados na Vila Planalto onde ficava a construtora.
Imigrantes que foram trabalhar nas obras para construção de Brasília. Foto: Reprodução
Fonte: https://anovademocracia.com.br/noticias/15624-o-massacre-dos-candangos-uma-historia-apagada
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