THAIS BILENKY
16abr2021_18h29
Ilustração de Carvall
Pouco ou nenhum acesso a água corrente, casas de um cômodo para mais de cinco moradores e trabalho informal são as condições de vida mais propícias para contágio pelo novo coronavírus. Favelas e bairros pobres apresentam, por isso, as piores taxas de Covid-19 no Brasil e fora. Mas há uma exceção: o Maranhão, estado com maior proporção de habitantes na extrema pobreza, e onde se localizam algumas das cidades brasileiras mais pobres. Na pandemia, o estado registra a menor taxa de óbitos por 100 mil habitantes entre as 27 unidades da federação – e nem as autoridades de saúde locais têm uma explicação definitiva para esse cenário.
Segundo o painel do site Monitora Covid-19, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), nesta sexta-feira, 16, o Maranhão tem 95 mortes por 100 mil habitantes – é o único estado com o índice abaixo de 100. Depois vem a Bahia, com 114. O pior lugar da pandemia no Brasil é o Amazonas, onde morrem 293 pessoas a cada 100 mil habitantes. A média nacional está em 171.
Marajá do Sena, no Oeste maranhense, já recebeu o título de município mais pobre do país. Reportagem do Projeto Colabora de 2018 constatou que, na ocasião, 78% da população da cidade viviam na pobreza, ou seja, com menos de 5,50 dólares por dia, segundo critérios do Banco Mundial. Apenas 2% tinham emprego formal, e 86% das casas não tinham banheiro nem água encanada. Em toda a pandemia, o município registrou até agora cinco óbitos, o que lhe confere uma taxa de 64 óbitos por 100 mil habitantes – segundo projeção do IBGE para 2020, moram lá 7.775 pessoas.
Segundo a promotora Ilma Pereira, entre as possíveis explicações para o relativo controle da pandemia no Maranhão está o fato de as estradas precárias restringirem a circulação de pessoas e, portanto, do vírus. Nos municípios do interior, a falta de opções de lazer mantém os moradores em casa. “Não tem balada, restaurante, equipamento que favorece contaminação. As pessoas não viajam de férias para os Lençóis ou Recife, não pegam aeroporto”, resumiu Pereira, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde do MPMA.
O secretário de Saúde do estado, Carlos Lula, não concorda com essa análise. Segundo ele, tanto há circulação pelo estado que o vírus chegou a todos os municípios.
Outro aspecto a ser analisado é a rede de saúde. Lula disse que a debilidade do sistema municipal fez com que a gestão das unidades de pronto atendimento, em geral atribuída às cidades, seja da competência do estado. Na pandemia, isso se mostrou uma vantagem, porque a rede estadual tem atenção secundária e terciária também, dando resposta mais funcional aos casos de Covid. Na segunda onda, com a explosão de muitos casos graves ao mesmo tempo, a porta de entrada no sistema dava acesso direto a atendimento de maior complexidade.
Lula atribui à expansão da rede hospitalar a principal explicação da resposta do estado ao vírus. O governo diz que inaugurou quase quinhentos leitos hospitalares em 2020, primeiro ano da pandemia. Alguns foram desmontados com o arrefecimento do vírus e reativados na segunda onda, em 2021, que já conta com 983 leitos adicionais. “A gente tinha convicção de que a pandemia poderia deixar legado de expansão da rede de saúde”, afirmou ao justificar por que o modelo de hospital de campanha não foi preferencialmente adotado. Em março de 2020, a gestão de Flávio Dino (PCdoB) importou respiradores da China, quando eles faltavam em vários estados. O estado adquiriu os respiradores de uma empresa, que os enviou em uma rota inusual via Etiópia, para não entrar no radar internacional. De lá foi para São Paulo e só então chegou ao destino final.
No fim de abril de 2020, o sistema de saúde colapsou em São Luís. Em maio, o Maranhão foi a primeira unidade federativa do Brasil a decretar lockdown para conter o vírus. A decisão se mostrou acertada, de acordo com Lula, e até dezembro os números ficaram controlados. Essa resposta rápida poderia ajudar a explicar a menor taxa de óbitos no Maranhão. Porém, na virada do ano, com a variante P1 do vírus, a situação se complicou, e a população não se mostrou tão resiliente a restrições de circulação quanto antes.
Segundo a promotora Ilma Pereira, a regionalização do sistema faz com que os pequenos municípios não assistam às cenas trágicas de filas de espera e mortes em hospitais em colapso. “Morre-se em Chapadinha, em Pinheiro, São Luís, mas não em Marajá do Sena. Lá não se enxerga a morte”, afirmou Pereira.
No controle da pandemia, uma das dificuldades tem sido a resistência da população à quarentena – alimentada por fatores culturais e pelo negacionismo. “Lá atrás a gente ainda conseguiu. Agora não. Adotamos medidas menos duras, e mesmo assim com muita confusão com a sociedade, com muita rejeição”, admitiu Carlos Lula. Mais da metade da mão de obra no estado é informal, o que faz com que a população não tenha sustento garantido se não sair para trabalhar. “Qualquer medida de restrição aqui é de chorar, é o cara que vende picolé, pipoca, camelô. Trabalha num dia pra viver o outro.”
Uma solução adotada pelo governo na área econômica visou outro setor, o dos pequenos empresários, que não foram beneficiados pelo auxílio emergencial federal. Em março, o estado decidiu repassar 1 mil reais, em parcela única, a bares, lanchonetes e restaurantes para compensar o prejuízo da paralisação. A principal adversária política de Dino no estado, a ex-governadora Roseana Sarney (MDB), criticou a iniciativa. “É muito pouco. Melhor devolver parte do ICMS recolhido para que eles não demitam e paguem o salário dos seus funcionários até reabrirem”, disse. Menos de um mês depois, Dino anunciou redução temporária de ICMS, e até Roseana elogiou. “É um avanço”, reconheceu. “Acho que ainda precisam de mais ajuda para manter os empregos e renegociar dívidas.”
Auxiliar ligada a Roseana, que pediu para não ser identificada para falar livremente, disse que a subnotificação de óbitos é a principal causa de a taxa de mortalidade no Maranhão ser inferior à do país. Ela afirmou que os exames para detecção de Covid, quando feitos por plano de saúde, demoram de quatro a cinco dias para terem resultados disponíveis. Comumente, completou, pessoas morrem sem o diagnóstico, o que derruba a taxa de óbitos causados pela doença.
Carlos Lula rechaçou essa possibilidade com base nos dados de mortalidade registrados em 2020 no estado. Em todo o país, houve no ano passado, além dos 195 mil óbitos por Covid, 275 mil mortes de causas variadas acima do esperado – relacionadas, em parte, ao colapso do sistema de saúde durante a pandemia. No Maranhão, segundo o secretário, não houve alteração substancial do total esperado de mortes de causa natural (doenças), o chamado “excesso de mortalidade”. Segundo o secretário, esse resultado exclui a possibilidade de mortes não serem computadas na conta da Covid.
O que, afinal, faz do Maranhão o estado mais pobre do Brasil e, ainda assim, com taxa de mortalidade mais baixa permanece um mistério e um desafio para que o pior seja evitado. “Me pergunto todos os dias”, disse Lula. “Vamos demorar para ter essa resposta.
Fonte: https://piaui.folha.uol.com.br/o-enigma-do-maranhao/
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