Nove mulheres acusam Plácido Domingo de assédio sexual
Agência Associated Press publica depoimentos, que remontam aos anos 80, de oito cantoras e uma bailarina. Elas garantem que o tenor se comportou de forma abusiva
Plácido Domingo, durante a apresentação de ‘I Due Foscari’, de Verdi, no Teatro Real de Madri, em julho de 2016.Javier del Real
Pablo Ximénez de Sandoval
Los Angeles - 13 ago 2019 - 12:18 BRT
Nove mulheres acusam o tenor espanhol Plácido Domingo, uma das figuras mais importantes da história da ópera, de assédio sexual, de acordo com seus depoimentos publicados na madrugada desta terça-feira pela agência Associated Press. Só uma das mulheres se identifica, a meio-soprano Patricia Wulf. Segundo a agência norte-americana, Domingo pressionou as supostas vítimas, mulheres jovens em início de carreira, para que mantivessem relações sexuais com ele em troca de trabalhos. Chegou a castigar profissionalmente as que se negaram, asseguram. Os fatos remontam ao começo dos anos oitenta e se estendem por três décadas. "É doloroso ouvir que pude ter molestado alguém", respondeu o tenor, apesar de qualificar as acusações de "inexatas". "As regras e valores pelos que hoje nos medimos, e devemos nos medir, são muito diferentes de como eram no passado", acrescentou.
Domingo, de 78 anos, é um dos tenores mais admirados de todos os tempos e um dos homens mais poderosos da música clássica no mundo. Começou sua carreira há cinco décadas e já interpretou mais de 150 papéis em mais de 4.000 atuações. Atualmente, continua cantando e dirigindo, além de ser o diretor da Ópera de Los Angeles, na Califórnia.
Oito cantores e uma bailarina disseram à agência de notícias norte-americana que foram assediadas por Domingo, numa atitude qualificada como um "segredo a vozes" no mundo da ópera. Uma delas relata que Plácido Domingo teria colocado a mão por baixo da sua saia, e outras três afirmam que as beijou à força em lugares como um camarim, um quarto de hotel e um almoço de negócios. “Que alguém esteja tentando pegar você pela mão durante um almoço de negócios é estranho, ou que ponha a mão no joelho”, descreveu uma das cantoras. “Sempre estava pegando na gente de alguma forma, sempre beijando.”
Além destes nove testemunhos de assédio sexual explícito, outra meia dúzia de mulheres relataram à agência que Domingo lhes fez propostas incômodas. Uma cantora conta que lhe pediu insistentemente para sair com ela depois de tê-la contratado para uma série de apresentações nos anos noventa. Além disso, outras três dúzias de profissionais, de músicos até técnicos de palco, contaram à agência que foram testemunhas do comportamento sexual inapropriado de Domingo e que perseguia mulheres jovens impunemente.
Domingo não respondeu a um questionário detalhado da AP sobre episódios concretos, mas ofereceu a seguinte resposta à agência: “As acusações dessas pessoas anônimas, que remontam até três décadas atrás, são profundamente preocupantes e, tal como se apresentam, inexatas. Ainda assim, é doloroso ouvir que pude incomodar ou fazer alguém se sentir incômodo, não importa quanto tempo isso faça, e apesar das minhas melhores intenções. Acreditava que todas as minhas interações e relações foram sempre bem-vindas e consentidas. Quem me conhece ou quem já trabalhou comigo sabe que não sou alguém que possa fazer mal, ofender ou envergonhar os outros de maneira intencional”.
“Entretanto”, continua Domingo em sua resposta, “reconheço que as regras e valores pelos que hoje nos medimos, e devemos nos medir, são muito diferentes de como eram no passado. Fui abençoado e privilegiado de ter tido uma carreira de mais de 50 anos, e me aferrarei aos mais elevados padrões”.A cantora de ópera Patricia Wulf, uma das nove mulheres que acusam Plácido Domingo.Jacquelyn Martin (AP)
A maioria das nove mulheres era de jovens que começavam na profissão. Suas histórias mostram um padrão de conduta por parte do tenor. Contatava-as com insistência, frequentemente com telefonemas repetidos para suas casas durante a noite, mostrava interesse por suas carreiras e insistia em que se encontrassem a sós para um drink ou um jantar, no seu apartamento ou hotel, sob a desculpa de lhes oferecer conselhos profissionais.
Sete delas acreditam que suas carreiras foram afetadas por rejeitar Plácido Domingo. Em alguns casos, as atuações prometidas nunca chegaram a se concretizar. Em outros, não voltaram a trabalhar para o tenor. Só Wulf, que trabalhou com Domingo na Ópera de Washington, autorizou a AP a dar seu nome. As demais exigiram anonimato, argumentando que ainda continuam na indústria e temiam represálias ou ser humilhadas ou assediadas publicamente. Entretanto, segundo a AP, contaram seus casos estimuladas pelo movimento #MeToo, ao sentir que tornar público o comportamento da figura mais proeminente da ópera era a forma mais efetiva de acabar com condutas desse tipo.
Duas das mulheres aceitaram suas propostas porque sentiam que não podiam dizer não ao homem mais poderoso do seu entorno. Uma delas relatou que foi para a cama com Domingo duas vezes, uma delas no hotel Biltmore, em Los Angeles, que está a quatro quarteirões da sede da ópera local. Quando Domingo se foi, deixou-lhe 10 dólares dizendo: “Não quero que se sinta como uma prostituta, mas tampouco quero que tenha que pagar para estacionar”.
Muitas destas mulheres relatam que colegas de profissão lhes advertiam para que nunca ficassem a sós com Domingo, nem sequer em um elevador. "Há uma tradição oral de advertir às mulheres sobre Plácido Domingo", afirmou uma meio-soprano que trabalhou na Ópera de Los Angeles, e que não é uma das nove denunciantes. O conselho era, segundo relataram muitas mulheres, "evitar a interação com ele a todo custo". Se as convidava para comer, deviam evitar o álcool e marcar sempre num lugar público e para almoçar, nunca para jantar. Assim, para evitar encontrar com o tenor, tomavam medidas como não usar o banheiro mais próximo do seu escritório, pedir a outras cantoras ou a funcionários do teatro que as acompanhassem e não atender telefonemas em casa.
Nenhuma das mulheres ofereceu provas documentais para sustentar as acusações, mas a agência falou com “muitos” colegas e amigos que relataram o ocorrido naquela época. Além disso, comprovou que efetivamente trabalharam nos locais dos fatos e que Plácido Domingo esteve com elas.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/13/cultura/1565677762_858224.html
Agência Associated Press publica depoimentos, que remontam aos anos 80, de oito cantoras e uma bailarina. Elas garantem que o tenor se comportou de forma abusiva
Plácido Domingo, durante a apresentação de ‘I Due Foscari’, de Verdi, no Teatro Real de Madri, em julho de 2016.Javier del Real
Pablo Ximénez de Sandoval
Los Angeles - 13 ago 2019 - 12:18 BRT
Nove mulheres acusam o tenor espanhol Plácido Domingo, uma das figuras mais importantes da história da ópera, de assédio sexual, de acordo com seus depoimentos publicados na madrugada desta terça-feira pela agência Associated Press. Só uma das mulheres se identifica, a meio-soprano Patricia Wulf. Segundo a agência norte-americana, Domingo pressionou as supostas vítimas, mulheres jovens em início de carreira, para que mantivessem relações sexuais com ele em troca de trabalhos. Chegou a castigar profissionalmente as que se negaram, asseguram. Os fatos remontam ao começo dos anos oitenta e se estendem por três décadas. "É doloroso ouvir que pude ter molestado alguém", respondeu o tenor, apesar de qualificar as acusações de "inexatas". "As regras e valores pelos que hoje nos medimos, e devemos nos medir, são muito diferentes de como eram no passado", acrescentou.
Domingo, de 78 anos, é um dos tenores mais admirados de todos os tempos e um dos homens mais poderosos da música clássica no mundo. Começou sua carreira há cinco décadas e já interpretou mais de 150 papéis em mais de 4.000 atuações. Atualmente, continua cantando e dirigindo, além de ser o diretor da Ópera de Los Angeles, na Califórnia.
Oito cantores e uma bailarina disseram à agência de notícias norte-americana que foram assediadas por Domingo, numa atitude qualificada como um "segredo a vozes" no mundo da ópera. Uma delas relata que Plácido Domingo teria colocado a mão por baixo da sua saia, e outras três afirmam que as beijou à força em lugares como um camarim, um quarto de hotel e um almoço de negócios. “Que alguém esteja tentando pegar você pela mão durante um almoço de negócios é estranho, ou que ponha a mão no joelho”, descreveu uma das cantoras. “Sempre estava pegando na gente de alguma forma, sempre beijando.”
Além destes nove testemunhos de assédio sexual explícito, outra meia dúzia de mulheres relataram à agência que Domingo lhes fez propostas incômodas. Uma cantora conta que lhe pediu insistentemente para sair com ela depois de tê-la contratado para uma série de apresentações nos anos noventa. Além disso, outras três dúzias de profissionais, de músicos até técnicos de palco, contaram à agência que foram testemunhas do comportamento sexual inapropriado de Domingo e que perseguia mulheres jovens impunemente.
Domingo não respondeu a um questionário detalhado da AP sobre episódios concretos, mas ofereceu a seguinte resposta à agência: “As acusações dessas pessoas anônimas, que remontam até três décadas atrás, são profundamente preocupantes e, tal como se apresentam, inexatas. Ainda assim, é doloroso ouvir que pude incomodar ou fazer alguém se sentir incômodo, não importa quanto tempo isso faça, e apesar das minhas melhores intenções. Acreditava que todas as minhas interações e relações foram sempre bem-vindas e consentidas. Quem me conhece ou quem já trabalhou comigo sabe que não sou alguém que possa fazer mal, ofender ou envergonhar os outros de maneira intencional”.
“Entretanto”, continua Domingo em sua resposta, “reconheço que as regras e valores pelos que hoje nos medimos, e devemos nos medir, são muito diferentes de como eram no passado. Fui abençoado e privilegiado de ter tido uma carreira de mais de 50 anos, e me aferrarei aos mais elevados padrões”.A cantora de ópera Patricia Wulf, uma das nove mulheres que acusam Plácido Domingo.Jacquelyn Martin (AP)
A maioria das nove mulheres era de jovens que começavam na profissão. Suas histórias mostram um padrão de conduta por parte do tenor. Contatava-as com insistência, frequentemente com telefonemas repetidos para suas casas durante a noite, mostrava interesse por suas carreiras e insistia em que se encontrassem a sós para um drink ou um jantar, no seu apartamento ou hotel, sob a desculpa de lhes oferecer conselhos profissionais.
Sete delas acreditam que suas carreiras foram afetadas por rejeitar Plácido Domingo. Em alguns casos, as atuações prometidas nunca chegaram a se concretizar. Em outros, não voltaram a trabalhar para o tenor. Só Wulf, que trabalhou com Domingo na Ópera de Washington, autorizou a AP a dar seu nome. As demais exigiram anonimato, argumentando que ainda continuam na indústria e temiam represálias ou ser humilhadas ou assediadas publicamente. Entretanto, segundo a AP, contaram seus casos estimuladas pelo movimento #MeToo, ao sentir que tornar público o comportamento da figura mais proeminente da ópera era a forma mais efetiva de acabar com condutas desse tipo.
Duas das mulheres aceitaram suas propostas porque sentiam que não podiam dizer não ao homem mais poderoso do seu entorno. Uma delas relatou que foi para a cama com Domingo duas vezes, uma delas no hotel Biltmore, em Los Angeles, que está a quatro quarteirões da sede da ópera local. Quando Domingo se foi, deixou-lhe 10 dólares dizendo: “Não quero que se sinta como uma prostituta, mas tampouco quero que tenha que pagar para estacionar”.
Muitas destas mulheres relatam que colegas de profissão lhes advertiam para que nunca ficassem a sós com Domingo, nem sequer em um elevador. "Há uma tradição oral de advertir às mulheres sobre Plácido Domingo", afirmou uma meio-soprano que trabalhou na Ópera de Los Angeles, e que não é uma das nove denunciantes. O conselho era, segundo relataram muitas mulheres, "evitar a interação com ele a todo custo". Se as convidava para comer, deviam evitar o álcool e marcar sempre num lugar público e para almoçar, nunca para jantar. Assim, para evitar encontrar com o tenor, tomavam medidas como não usar o banheiro mais próximo do seu escritório, pedir a outras cantoras ou a funcionários do teatro que as acompanhassem e não atender telefonemas em casa.
Nenhuma das mulheres ofereceu provas documentais para sustentar as acusações, mas a agência falou com “muitos” colegas e amigos que relataram o ocorrido naquela época. Além disso, comprovou que efetivamente trabalharam nos locais dos fatos e que Plácido Domingo esteve com elas.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/13/cultura/1565677762_858224.html
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