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quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Steve Schwarzman, apoiador de Donald Trump, impulsiona o desmatamento na Amazônia







Ryan Grim
28 de Agosto de 2019, 20h33
 
Caminhões dirigem ao lado de campos queimados na rodovia BR-163, no estado do Mato Grosso, em 23 de agosto de 2019. Foto: Leo Correa/AP



Duas empresas brasileiras têm uma parcela significativa de responsabilidade sobre a destruição em curso na floresta amazônica, que se desdobrou em queimadas que chamaram a atenção mundial. Ambas são controladas por um dos principais doadores da campanha de Donald Trump e do líder da maioria no Senado americano, Mitch McConnell.

Essas empresas tomaram posse das terras, promoveram o desmatamento e ajudaram a construir uma controversa estrada até o seu novo terminal portuário, localizado numa área que antes era de mata, com o único objetivo de facilitar o cultivo e a exportação de grãos e de soja. O porto de Mirituba, localizado em meio à floresta amazônica no Pará, permite aos produtores escoar a soja em barcas, que a levam então até portos maiores, de onde é enviada para o resto do mundo.

O terminal amazônico é operado pela Hidrovias do Brasil, uma empresa da qual a Blackstone, um dos maiores grupos de investimento dos EUA, é relevante acionista. Outra empresa da Blackstone, chamada Pátria Investimentos, detém mais de 50% da Hidrovias, e a própria Blackstone possui diretamente mais 10% de participação. O co-fundador e CEO da Blackstone, Stephen Schwarzman, é um aliado bastante próximo de Trump, e doou milhões de dólares para McConnell recentemente.

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“A Blackstone está comprometida com o gerenciamento ambiental responsável”, declarou a empresa em um comunicado. “Nosso foco e nossa dedicação estão embutidos em cada uma das decisões de investimento que tomamos e guiam nosso modo de agir como operadores. Neste caso, embora não tenhamos controle operacional, sabemos que a empresa promoveu uma importante redução no total das emissões de carbono por meio da redução dos congestionamentos, e permitiu aos agricultores brasileiros um fluxo mais eficiente de produtos agrícolas.”

O porto e a estrada geraram muita controvérsia no Brasil, e foram alvo de uma investigação pelo The Intercept Brasil em 2016. A Hidrovias anunciou no começo de 2016 que em pouco tempo começaria a exportar soja do Mato Grosso por transporte rodoviário pela BR-163. A estrada, à época, quase não estava pavimentada, mas a empresa disse que pretendia continuar a aprimorá-la e desenvolvê-la. Em meados de 2019, o governo de Jair Bolsonaro, eleito no final de 2018, anunciou uma parceria com a Hidrovias para privatizar e desenvolver centenas de quilômetros da BR-163. A expansão da rodovia, por si só, já causa desmatamento, mas principalmente possibilita uma transformação mais ampla da floresta amazônica em área de cultivo.

A BR-163 teve um efeito perceptível sobre o desmatamento. Depois da devastação que se iniciou na ditadura militar e se intensificou ao longo das décadas de 1970 e 1980, o índice de desmatamento se reduziu à medida que uma aliança entre comunidades indígenas e outros defensores da preservação da floresta começou a lutar contra a ocupação. Esse progresso começou a ser revertido em 2014, quando as tendências políticas convergiram à direita e os preços mundiais das commodities se elevaram. E o desmatamento passou a avançar de verdade depois do golpe branco que removeu do poder a Presidenta Dilma Rousseff, do PT, em 2016. O governo de direita que tomou o poder, liderado por Michel Temer, nomeou Blairo Maggi, magnata da soja e ex-governador do Mato Grosso, como ministro da Agricultura.

No entanto, mesmo durante o período de redução no desmatamento, antes do golpe, a área do entorno da rodovia estava sendo destruída. “Ao longo de todos os anos entre 2004 e 2013, exceto 2005, enquanto o desmatamento total na Amazônia se reduzia, o da região no entorno da BR-163 aumentava”, noticiou o jornal Financial Times em setembro de 2017. Isso desencadeou uma reação dos defensores indígenas da Amazônia. Em março, a Hidrovias admitiu que seus negócios estavam sofrendo com o aumento dos bloqueios na BR-163, em que pessoas colocavam seus corpos no caminho da destruição. Apesar disso, a empresa está avançando. Recentemente, declarou que, graças a um alto investimento, planejava dobrar sua capacidade de movimentação de grãos para 13 milhões de toneladas.


Mapa: Soohee Cho/Intercept


A Amazônia, que vem ardendo em um número recorde de queimadas, é a maior floresta tropical do mundo. Ela absorve um volume significativo de dióxido de carbono, um dos principais causadores da crise climática. A Amazônia tem uma vegetação tão densa que produz em torno de um quinto do suprimento mundial de oxigênio. A umidade que evapora da floresta amazônica é importante para a agricultura não apenas da América do Sul, mas também do Meio Oeste americano, onde chega como chuva. A proteção da Amazônia, cujo território está 60% localizado no Brasil, é essencial para a continuidade da existência da civilização como a conhecemos.

A tentativa de transformar a floresta amazônica em fonte de lucro para o agronegócio é o cerne do conflito, e está diretamente ligada às queimadas que hoje fogem do controle. A linha de frente da invasão da floresta é capitaneada pelos grileiros, que atuam ilegalmente com motosserras. Eles então vendem a terra recém-desmatada para os interessados do agronegócio, cuja colheita é levada pela rodovia até o terminal portuário antes de ser exportada. Bolsonaro há muito propõe que a Amazônia seja entregue ao agronegócio, e foi rápido em desmobilizar as agências responsáveis pela proteção da floresta e empoderar os líderes do agronegócio que pretendiam devastá-la. Os grileiros se sentiram encorajados.

“Com Bolsonaro, as invasões pioraram e vão piorar ainda mais”, disse Francisco Umanari, 42, um cacique apurinã, a Alexander Zaitchik, em uma matéria recente do The Intercept. “O projeto dele para a Amazônia é o agronegócio. Se ninguém fizer nada, ele vai atropelar os nossos direitos e permitir uma invasão enorme da floresta. A grilagem não é nenhuma novidade, mas agora virou uma questão de vida ou morte.”

As queimadas na Amazônia, muitas delas provocadas por fazendeiros e outras pessoas que pretendem liberar a terra para cultivo ou pastagem, estão produzindo uma devastação considerada sem precedentes. Bolsonaro inicialmente minimizou as queimadas como algo que não era digno de atenção. Há algumas semanas, o presidente demitiu Ricardo Galvão, um dos principais cientistas do governo, alegando que os números de um relatório do INPE sobre o intenso aumento do desmatamento durante seu mandato teriam sido falsificados.

Desde a ditadura militar, quando o agronegócio se tornou integralmente fortalecido, até meados dos anos 2000, aproximadamente 20% da floresta já havia sido destruído. Se a Amazônia perder mais um quinto de sua massa, existe o risco de que se atinja um ponto sem volta, um ciclo vicioso chamado dieback, em que a floresta se torna tão seca que acaba, como descreve Zaitchick, “além do alcance de qualquer intervenção ou arrependimento humano”.




O CEO do Grupo Blackstone, Steve Schwarman, em entrevista à Fox Business Network em 27 de abril de 2018.

Foto: Richard Drew/AP


Schwarzman, um dos fundadores da Blackstone, detém aproximadamente um quinto da empresa, o que o torna um dos homens mais ricos do mundo. Em 2018, ele recebeu aproximadamente 568 milhões de dólares, o que foi, na verdade, uma redução em relação aos 786 milhões que recebera no ano anterior. Ele tem usado essa riqueza para apoiar generosamente McConnell e Trump. Em 2016, fez uma doação de 2,5 milhões de dólares para o Fundo de Liderança do Senado, nome do fundo de campanha de McConnell, e colocou Jim Breyer, o cunhado bilionário de McConnell, no conselho da Blackstone. Dois anos depois, Schwarzman entregou mais 8 milhões de dólares para o fundo de McConnell.

Os funcionários da Blackstone já doaram mais de 10 milhões de dólares para McConnell e seu fundo de campanha ao longo dos anos, o que os tornou a principal fonte de financiamento direto da carreira do senador. A campanha de McConnell ao Senado se recusou a comentar.

Schwarzman é amigo próximo de Trump e seu consultor, e foi membro do conselho do Fórum Estratégico e de Políticas até sua desintegração, na esteira da manifestação neonazista em Charlottesville – o conhecido episódio em que Trump afirmou existirem “ótimas pessoas de ambos os lados”. Em dezembro de 2017, enquanto estavam sendo negociados os últimos detalhes da redução de impostos promovida pelo Partido Republicano, Schwarzman ofereceu um jantar em benefício de Trump, com entradas ao custo de 100 mil dólares por cabeça. Alguns dos companheiros de jantar do presidente reclamaram do projeto de lei tributária, e dias depois Trump cortou a alíquota máxima do pacote final, de 39,6% para 37%.

Nos últimos meses, a família Sackler, cujos membros fundaram a indústria farmacêutica Purdue Pharma e continuam a ser seus proprietários, tornou-se proscrita por seu papel de facilitadora na crise dos opiáceos e na morte de dezenas de milhares de pessoas. As contribuições de Schwarzman para a destruição da Amazônia, uma das últimas fronteiras entre a humanidade e um planeta inabitável, podem ao fim torná-lo um pária tão ostracizado quanto os Sacklers, dada a escala das consequências da destruição da floresta tropical.

Em defesa do projeto, um representante da Blackstone observou que ele havia sido aprovado pela Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês), uma afiliada do Banco Mundial, que determinou que o projeto iria, na verdade, reduzir as emissões de carbono. A Blackstone encaminhou ainda um comunicado creditado à Hidrovias, que também enfatizava o apoio da IFC:


A Hidrovias sempre atuou dentro dos mais estritos padrões Ambientais, Sociais e de Governança (“ASG”), continuamente avaliados em auditorias de agências multilaterais internacionais, tais como a IFC (Corporação Financeira Internacional) do Banco Mundial. Além disso, a Hidrovias mantém todas as licenças ambientais exigidas pelas autoridades competentes.

A IFC financiou alguns dos projetos mais ecologicamente destrutivos do mundo, por isso sua aprovação não é especialmente convincente. Mas, mesmo nesse contexto, o estudo do projeto da Blackstone feito pela IFC questiona sua sustentabilidade. De fato, como a IFC observou corretamente em seu relatório, transportar soja e grãos por meios hidroviários é um método de transporte com menos uso de carbono. Ainda segundo o relatório, porém, essa avaliação não leva em conta a realidade de que “a construção do porto de Mirituba, próximo a áreas ainda intactas da floresta amazônica, tende a reduzir os custos de transporte dos produtores, e, dessa forma, a acelerar a conversão de habitats naturais em áreas agrícolas, especialmente voltadas para a produção de soja”.

O banco defendeu que o projeto está aceitável porque é possível confiar que a Hidrovias e seus clientes serão responsáveis, e que “o porto de Mirituba está sendo construído com o propósito de escoar a soja negociada apenas por produtores responsáveis e sensíveis à preservação dos habitats naturais”. O banco assegurou que “100% da capacidade de escoamento do Sistema Norte está contratada por grandes produtores, que atendem a altos níveis de governança e respeitam a Moratória da Soja na região amazônica. A Moratória, que proíbe a compra de soja produzida em terras desmatadas de forma ilegal, foi originalmente negociada em 2006 entre os grandes produtores, a organização Greenpeace e as autoridades brasileiras. Ela vem sendo renovada anualmente desde então.”

A força dessa moratória, porém, depende da capacidade do governo de monitorar seu cumprimento. É extremamente difícil comprovar que a soja foi cultivada em áreas de desmatamento ilegal, uma vez que os grileiros são rápidos em derrubar a floresta e vender a área recém-desmatada para fazendeiros e operadores do agronegócio. Estes logo iniciam o cultivo nas terras, e alegam depois que não tinham como saber que havia sido desmatada ilegalmente. O esquema também presume que o governo esteja interessado em regular o agronegócio; o governo Bolsonaro, porém, tem deixado bastante claro que não está interessado em fazê-lo, ao colocar importantes representantes do agronegócio em posições de autoridade e minguar o financiamento das agências regulatórias.

Ainda que fosse verdade, em alguma medida, que toda a soja transportada pelo porto da Hidrovias cumpre integralmente os requisitos da moratória, os mercados de commodities são fluidos. Um novo porto para os grandes produtores reduz os congestionamentos e os custos de transporte dos pequenos produtores em outros locais, o que encoraja mais desenvolvimento e mais cultivo. (A IFC destacou que a Hidrovias se comprometeu a observar de perto seus clientes de soja: “A HDB irá criar e manter procedimentos internos para revisar o cumprimento pelos clientes de todas as disposições da Moratória da Soja na Amazônia e de quaisquer outros requisitos legais relevantes destinados a prevenir a comercialização de soja produzida em áreas ilegalmente desmatadas. Caso o objetivo do porto ou a carteira de clientes da HDB mude, a IFC será notificada pela empresa dessas mudanças, e poderá requerer que sejam tomadas outras medidas de auditoria e controle para assegurar que disso não decorram impactos indiretos indesejáveis.”)

A justificativa final dada pela IFC para o projeto se resume na ideia de incrementalismo. Outros tipos de desenvolvimento também estão acontecendo, reportou o banco, e por isso esse único porto não tem como causar tanto dano. Eles concluem dizendo que “a contribuição incremental do porto para a redução total dos custos de transporte é considerada marginal, dada a miríade de outros fatores (pavimentação da BR-163, instalação de outros portos no distrito de Mirituba, etc.) que estão contribuindo para o desenvolvimento da região”. Bolsonaro tem planos de pavimentar diversas outras estradas na Amazônia, que atualmente permanecem inutilizáveis boa parte do ano, um projeto viabilizado pelo financiamento internacional.

Obviamente, a Hidrovias também está envolvida na pavimentação da BR-163 e nos demais projetos de desenvolvimento da região. Esses projetos, como o asfaltamento da rodovia, têm outras consequências indiretas – embora completamente previsíveis – à medida que estimulam a abertura de estradas vicinais que permitem que a mineração, a exploração madeireira e ainda mais desmatamento atinjam áreas da floresta que permaneciam até então de difícil acesso.

Um representante da Blackstone destacou que o fundo detém apenas 9,3% da Hidrovias. Esse número ignora, porém, que 55,8% da Hidrovias é de propriedade da Pátria Investimentos. No site da Hidrovias, a Pátria é descrita como “parceira da Blackstone”, e é conhecida no setor financeiro como uma empresa do grupo Blackstone. Um artigo de novembro de 2018 na revista Private Equity News sobre a eleição de Bolsonaro trazia a seguinte manchete: “A democracia brasileira não corre perigo, diz a Pátria, da Blackstone.”

A matéria cita o principal economista da empresa, assegurando ao público que “a descida ao autoritarismo é extremamente improvável”. Essa previsão não se mostrou muito confiável, mas a Blackstone aparentemente permanece firme no apoio a Bolsonaro. O presidente brasileiro viajou a Nova York em maio para ser homenageado em um jantar de gala, patrocinado pela Refinitiv – uma empresa de que a Blackstone é acionista majoritária.
Ryan Grim é autor do livro “We’ve Got People: From Jesse Jackson to Alexandria Ocasio-Cortez, the End of Big Money and the Rise of a Movement” (“Nós temos o povo: de Jesse Jackson a Alexandria Ocasio-Cortez, o fim do grande capital e a ascensão de um movimento”, ainda sem tradução no Brasil).
Tradução: Deborah Leão

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