Estima-se que 8% dos adultos são sapiosexuais, ou seja, o fator que mais os excita sexualmente são os neurônios
22 ago 2019 - 09:42 BRT
Quem prefere e escolhe pessoas inteligentes para um relacionamento amoroso não deveria ser encarado como novidade nem tema para artigos. Que assim seja, além de provocar certa inquietação, pode ser indicativo de que a inteligência é um bem cada vez mais escasso, menos abundante do que a beleza, o carisma ou a personalidade e, precisamente por isso, é mais valioso.
No entanto, diante da pergunta, "com quem você preferiria dormir uma noite: com alguém de alto QI ou com alguém com corpo e físico invejáveis?" Não temos muita certeza de que a maioria escolheria os neurônios. É provável que muitos ficassem com os hormônios ou feromônios. Na melhor das hipóteses, haverá tempo no dia seguinte para ler Byung-Chul Han.
Os sapiosexuais, porém, não só admiram a inteligência, mas essa qualidade é a que mais os excita sexualmente em um potencial parceiro, acima das já tradicionais e clássicas questões estéticas, monetárias, sociais de status social ou poder.
Essa atração sempre aconteceu, mas que não havia sido batizada com nome tão pomposo. Quando muito, recebia o rótulo de que era excêntrico ou gostava dos bizarros, e em um segundo a questão estava solucionada. Hoje, no entanto, há vários tipos de teorias para explicar esse fenômeno "raro". Há testes do Buzzfeed para detectar se você é sapiosexual e até um portal de encontros, o Sapio, para que os inteligentes, ou os que erotizam essa qualidade, encontrem a sua cara metade.
O psicólogo e sexólogo neozelandês John Money (1921-2006) procurou explicar por que algumas pessoas se sentem atraídas por um certo tipo de qualidade e não por outras, com sua teoria sobre o "mapa do amor". Este condiciona nossa atração sexual e não se trata de um mapa comum, mas um que se desenha em nossa mente e que constitui uma representação complexa de nosso amante idealizado, do que consideramos como erótico e das práticas mais estimulantes para nós. Algo como a personalidade erótica. Este mapa é projetado no imaginário mental e se expressa em sonhos, fantasias e atos, e cada mapa é único, embora compartilhe características comuns com o de outros indivíduos.
Segundo Money, os mapas do amor começam a se formar desde que nascemos, com todas as informações, experiências e estímulos que recebemos. As experiências da infância deixam uma marca no nosso mapa do amor e as negativas têm a capacidade de imprimir uma mancha que pode impedir no futuro a formação de vínculos afetivos e eróticos harmoniosos.
A história nos deixou famosos sapiosexuais, como Marilyn Monroe (talvez o papel em que Hollywood a colocou, o de loira burra, tenha feito com que ela fugisse do padrão de beleza para se refugiar na massa cinzenta). A atriz uma vez reconheceu que Albert Einstein era o homem mais sedutor que já havia sido apresentado a ela e que não hesitou em lhe propor: "Deveríamos ter um filho juntos para que tivesse meu físico e a sua inteligência". John Waters aconselhava: "Se você for à casa de alguém e não houver um único livro, não durma com ele"; e o personagem de Eusebio Poncela, Dante, no filme Martín (Hache) (1997), defendia que “é preciso foder as mentes”.
A inteligência, a segunda qualidade mais erótica
Na verdade, somos todos um pouco sapiosexuais. Foi o que revelou um estudo realizado por Gilles E. Gignac, professor titular da Universidade da Austrália Ocidental. Foram entrevistados 383 adultos para se conhecer as características que mais valorizavam em seus parceiros e os resultados mostraram que a inteligência foi a segunda mais citada —depois da gentileza e compreensão—, desde que não fosse muito elevada. Assim, descobriram que a relação entre o quociente intelectual e a atratividade é curvilínea. Ou seja, atinge o seu pico quando alcança um QI de 120, mas diminui se já é de 135.
Alguns também apontam que os sapiosexuais podem relacionar de modo inconsciente a intelectualidade do outro a uma relação mais segura e estável. De alguma forma, associam a inteligência a uma boa tomada de decisões e a uma espécie de "seguro" para o relacionamento.
Como explica Lora Adair, professora de psicologia evolucionista da Universidade de Lyon, na revista Vice, “homens e mulheres sempre desejaram a inteligência em seus companheiros, quer se identifiquem como sapiosexuais ou não. Isso acontece em todas as espécies, embora em animais não humanos a inteligência ou a capacidade cognitiva seja medida morfologicamente”.
Lyon dá como exemplo o macho do pássaro-cetim, que constrói ninhos intrincados adornando-os com objetos brilhantes que encontra em seu entorno para atrair as fêmeas mais seletivas. "A capacidade de encontrar esses objetos excepcionais e de protegê-los de roubo ou sabotagem de outros machos pode servir como um indicador de capacidade cognitiva e de adequação genética."
Se a inteligência ajudou nossos ancestrais a resolver problemas e a evoluir, não é estranho que continuemos a considerá-la uma qualidade que pode nos trazer uma vida mais tranquila, uma situação econômica melhor e até mesmo um parceiro mais saudável. Além disso, há outro estudo, realizado pelo psicólogo evolucionista Geoffrey Miller, da Universidade do Novo México, que relaciona um alto QI com uma boa qualidade de sêmen, feito entre 400 veteranos da Guerra do Vietnã que foram submetidos a esses dois testes.
“Tradicionalmente, a ideia é que a atração sexual tem muito a ver com o físico, com o corporal, com o mental. Mas a atração é algo mais heterogêneo e que integra muitas coisas: senso de humor, capacidade de compreensão ou a maneira de expressar o sentimento, e todas essas qualidades têm muito a ver com inteligência”, diz a psicóloga e sexóloga Gloria Arancibia Clavel.
Por isso, os sapiosexuais não costumam ser pessoas de amor à primeira vista nem de flechadas, já que descobrir se alguém é inteligente ou não leva tempo e, geralmente, seus relacionamentos começam como uma amizade para desembocar na atração sexual, à medida que o cérebro se despe. Para este grupo, a sedução entra mais pela palavra e o ouvido, por meio de conversas ou pontos de vista interessantes, do que pela visão. Por isso se costuma dizer que as mulheres são mais sapiosexuais que os homens. "Na verdade, esta é uma afirmação que se conecta com as questões de gênero e os clichês que ainda definem homens e mulheres, as dificuldades de alguns homens em reconhecer uma mulher mais inteligente que eles ou a ideia, de algumas mulheres, de que para seduzir têm que se fazer um pouco de bobas ou, pelo menos, não parecer inteligentes demais”, diz Aranciba.
Mas, o que é inteligência?
Claro que hoje muitos tendem a confundir a inteligência com o acúmulo de dados (como a capacidade de um disco rígido), a habilidade para se vender (e, assim, os tímidos passam por tolos) e até a arrogância. Por muitos anos essa qualidade foi relacionada com a capacidade numérica, mais do que com outras, o que me fez tocar o limite entre uma pessoa normal e uma borderline por tirar uma nota baixa em um teste que fizeram na escola para determinar o meu coeficiente intelectual.
Felizmente, não lhe dei muita importância, ao contrário de outros que se deixaram influenciar quando os resultados os rotularam de superdotados, para sua desgraça. Hoje em dia, esses testes não são mais feitos, pois se sabe que existem muitos tipos de inteligência: a emocional, a social e até a erótica; embora todas compartilhem características comuns: o senso de humor, a empatia e, acima de tudo, a capacidade de resolver problemas em novas situações.
A atração pela inteligência também pode acarretar certos perigos, observa Gloria Arancibia. “Muita coisa acontece na observação. Passa-se da admiração à idealização da pessoa, e daí à dependência. E isso reforça ainda mais a falta de autoestima em pessoas pouco seguras de si mesmas e pode resultar no domínio daquele que se supõe mais inteligente sobre o outro.”
A erotização do neurônio desemboca também em todo um imaginário de protótipos para os sapiosexuais, em que se destacam o professor/a, os escritores, os cientistas e, sobretudo, as bibliotecárias, segundo Bix Warden em seu livro The Sexy Librarian’s Big Book of Erótica. O bom de se sentir seduzido eroticamente pela inteligência é que esse tipo de atração não é afetado pela passagem do tempo, nem pelas rugas ou a flacidez. Pelo contrário, ganha ao longo dos anos. Platão já dizia que "o amor é como uma escola de graduação que começa com a beleza do corpo e depois passa para as ideias e para as pessoas que mostram uma inteligência privilegiada".
22 ago 2019 - 09:42 BRT
Quem prefere e escolhe pessoas inteligentes para um relacionamento amoroso não deveria ser encarado como novidade nem tema para artigos. Que assim seja, além de provocar certa inquietação, pode ser indicativo de que a inteligência é um bem cada vez mais escasso, menos abundante do que a beleza, o carisma ou a personalidade e, precisamente por isso, é mais valioso.
No entanto, diante da pergunta, "com quem você preferiria dormir uma noite: com alguém de alto QI ou com alguém com corpo e físico invejáveis?" Não temos muita certeza de que a maioria escolheria os neurônios. É provável que muitos ficassem com os hormônios ou feromônios. Na melhor das hipóteses, haverá tempo no dia seguinte para ler Byung-Chul Han.
Os sapiosexuais, porém, não só admiram a inteligência, mas essa qualidade é a que mais os excita sexualmente em um potencial parceiro, acima das já tradicionais e clássicas questões estéticas, monetárias, sociais de status social ou poder.
Essa atração sempre aconteceu, mas que não havia sido batizada com nome tão pomposo. Quando muito, recebia o rótulo de que era excêntrico ou gostava dos bizarros, e em um segundo a questão estava solucionada. Hoje, no entanto, há vários tipos de teorias para explicar esse fenômeno "raro". Há testes do Buzzfeed para detectar se você é sapiosexual e até um portal de encontros, o Sapio, para que os inteligentes, ou os que erotizam essa qualidade, encontrem a sua cara metade.
O psicólogo e sexólogo neozelandês John Money (1921-2006) procurou explicar por que algumas pessoas se sentem atraídas por um certo tipo de qualidade e não por outras, com sua teoria sobre o "mapa do amor". Este condiciona nossa atração sexual e não se trata de um mapa comum, mas um que se desenha em nossa mente e que constitui uma representação complexa de nosso amante idealizado, do que consideramos como erótico e das práticas mais estimulantes para nós. Algo como a personalidade erótica. Este mapa é projetado no imaginário mental e se expressa em sonhos, fantasias e atos, e cada mapa é único, embora compartilhe características comuns com o de outros indivíduos.
Segundo Money, os mapas do amor começam a se formar desde que nascemos, com todas as informações, experiências e estímulos que recebemos. As experiências da infância deixam uma marca no nosso mapa do amor e as negativas têm a capacidade de imprimir uma mancha que pode impedir no futuro a formação de vínculos afetivos e eróticos harmoniosos.
A história nos deixou famosos sapiosexuais, como Marilyn Monroe (talvez o papel em que Hollywood a colocou, o de loira burra, tenha feito com que ela fugisse do padrão de beleza para se refugiar na massa cinzenta). A atriz uma vez reconheceu que Albert Einstein era o homem mais sedutor que já havia sido apresentado a ela e que não hesitou em lhe propor: "Deveríamos ter um filho juntos para que tivesse meu físico e a sua inteligência". John Waters aconselhava: "Se você for à casa de alguém e não houver um único livro, não durma com ele"; e o personagem de Eusebio Poncela, Dante, no filme Martín (Hache) (1997), defendia que “é preciso foder as mentes”.
A inteligência, a segunda qualidade mais erótica
Na verdade, somos todos um pouco sapiosexuais. Foi o que revelou um estudo realizado por Gilles E. Gignac, professor titular da Universidade da Austrália Ocidental. Foram entrevistados 383 adultos para se conhecer as características que mais valorizavam em seus parceiros e os resultados mostraram que a inteligência foi a segunda mais citada —depois da gentileza e compreensão—, desde que não fosse muito elevada. Assim, descobriram que a relação entre o quociente intelectual e a atratividade é curvilínea. Ou seja, atinge o seu pico quando alcança um QI de 120, mas diminui se já é de 135.
Alguns também apontam que os sapiosexuais podem relacionar de modo inconsciente a intelectualidade do outro a uma relação mais segura e estável. De alguma forma, associam a inteligência a uma boa tomada de decisões e a uma espécie de "seguro" para o relacionamento.
Como explica Lora Adair, professora de psicologia evolucionista da Universidade de Lyon, na revista Vice, “homens e mulheres sempre desejaram a inteligência em seus companheiros, quer se identifiquem como sapiosexuais ou não. Isso acontece em todas as espécies, embora em animais não humanos a inteligência ou a capacidade cognitiva seja medida morfologicamente”.
Lyon dá como exemplo o macho do pássaro-cetim, que constrói ninhos intrincados adornando-os com objetos brilhantes que encontra em seu entorno para atrair as fêmeas mais seletivas. "A capacidade de encontrar esses objetos excepcionais e de protegê-los de roubo ou sabotagem de outros machos pode servir como um indicador de capacidade cognitiva e de adequação genética."
Se a inteligência ajudou nossos ancestrais a resolver problemas e a evoluir, não é estranho que continuemos a considerá-la uma qualidade que pode nos trazer uma vida mais tranquila, uma situação econômica melhor e até mesmo um parceiro mais saudável. Além disso, há outro estudo, realizado pelo psicólogo evolucionista Geoffrey Miller, da Universidade do Novo México, que relaciona um alto QI com uma boa qualidade de sêmen, feito entre 400 veteranos da Guerra do Vietnã que foram submetidos a esses dois testes.
“Tradicionalmente, a ideia é que a atração sexual tem muito a ver com o físico, com o corporal, com o mental. Mas a atração é algo mais heterogêneo e que integra muitas coisas: senso de humor, capacidade de compreensão ou a maneira de expressar o sentimento, e todas essas qualidades têm muito a ver com inteligência”, diz a psicóloga e sexóloga Gloria Arancibia Clavel.
Por isso, os sapiosexuais não costumam ser pessoas de amor à primeira vista nem de flechadas, já que descobrir se alguém é inteligente ou não leva tempo e, geralmente, seus relacionamentos começam como uma amizade para desembocar na atração sexual, à medida que o cérebro se despe. Para este grupo, a sedução entra mais pela palavra e o ouvido, por meio de conversas ou pontos de vista interessantes, do que pela visão. Por isso se costuma dizer que as mulheres são mais sapiosexuais que os homens. "Na verdade, esta é uma afirmação que se conecta com as questões de gênero e os clichês que ainda definem homens e mulheres, as dificuldades de alguns homens em reconhecer uma mulher mais inteligente que eles ou a ideia, de algumas mulheres, de que para seduzir têm que se fazer um pouco de bobas ou, pelo menos, não parecer inteligentes demais”, diz Aranciba.
Mas, o que é inteligência?
Claro que hoje muitos tendem a confundir a inteligência com o acúmulo de dados (como a capacidade de um disco rígido), a habilidade para se vender (e, assim, os tímidos passam por tolos) e até a arrogância. Por muitos anos essa qualidade foi relacionada com a capacidade numérica, mais do que com outras, o que me fez tocar o limite entre uma pessoa normal e uma borderline por tirar uma nota baixa em um teste que fizeram na escola para determinar o meu coeficiente intelectual.
Felizmente, não lhe dei muita importância, ao contrário de outros que se deixaram influenciar quando os resultados os rotularam de superdotados, para sua desgraça. Hoje em dia, esses testes não são mais feitos, pois se sabe que existem muitos tipos de inteligência: a emocional, a social e até a erótica; embora todas compartilhem características comuns: o senso de humor, a empatia e, acima de tudo, a capacidade de resolver problemas em novas situações.
A atração pela inteligência também pode acarretar certos perigos, observa Gloria Arancibia. “Muita coisa acontece na observação. Passa-se da admiração à idealização da pessoa, e daí à dependência. E isso reforça ainda mais a falta de autoestima em pessoas pouco seguras de si mesmas e pode resultar no domínio daquele que se supõe mais inteligente sobre o outro.”
A erotização do neurônio desemboca também em todo um imaginário de protótipos para os sapiosexuais, em que se destacam o professor/a, os escritores, os cientistas e, sobretudo, as bibliotecárias, segundo Bix Warden em seu livro The Sexy Librarian’s Big Book of Erótica. O bom de se sentir seduzido eroticamente pela inteligência é que esse tipo de atração não é afetado pela passagem do tempo, nem pelas rugas ou a flacidez. Pelo contrário, ganha ao longo dos anos. Platão já dizia que "o amor é como uma escola de graduação que começa com a beleza do corpo e depois passa para as ideias e para as pessoas que mostram uma inteligência privilegiada".
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/22/estilo/1566428713_448693.html
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