Mortalidade entre crianças pobres urbanas chega ao dobro de ricas, diz estudo
Crianças das áreas urbanas mais
pobres têm o dobro de probabilidade de morrer antes de completar cinco
anos, comparadas às crianças que vivem nas áreas ricas das cidades,
segundo estudo divulgado nesta semana pelo UN-Habitat (braço da ONU para
habitação) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O estudo, chamado “Cidades escondidas”, tem como
objetivo evidenciar as disparidades de condições de vida dentro dos
centros urbanos. Essas disparidades geralmente são mascaradas pelos
altos índices de desenvolvimento médio das cidades, superior às áreas
rurais.
“Olhando para além dos efervescentes centros de
consumo e edifícios, as cidades do mundo hoje contêm cidades escondidas,
onde pessoas sofrem desproporcionalmente com más condições de saúde.
Nenhuma cidade está imune a esse problema”, escreveu no estudo Margaret
Chan, diretora-geral da OMS.
O Brasil foi representado no estudo – feito com
dados gerais de 43 países e análises específicas em 17 cidades – por
Guarulhos, município de 1,17 milhão de habitantes na Grande São Paulo
que foi escolhido porque já promovia ações em parceria com a Organização
Pan-Americana de Saúde.
No município paulista é possível observar
disparidades sociais entre regiões internas: enquanto no distrito de
Bonsucesso a taxa de mortalidade de crianças com menos de cinco anos é
de 33,3 (a cada mil nascimentos vivos), o mesmo índice cai para 9,56 no
distrito guarulhense de Ponte Grande.
No Brasil, a taxa geral de mortalidade antes dos cinco anos é de 20 a cada mil nascimentos.
Nas Américas, essa taxa em áreas urbanas ricas
fica ao redor de 30 e dobra para ao redor de 60 nas áreas urbanas mais
pobres. Na África, pode chegar ao redor de 140 nas áreas urbanas
empobrecidas.
Correlações de pobreza
Cerca de um terço da população urbana mundial
vive em favelas, com acesso limitado a cuidados de saúde e sanitários,
diz o estudo. A consequência é que essas pessoas “têm mais doenças e
morrem mais cedo do que outros segmentos da população”.
Da mesma forma, a análise em Guarulhos observou
que áreas com maior índice de analfabetismo registram também mais casos
de gravidez na adolescência.
Vale uma ressalva a essas correlações, que nem
sempre seguem caminhos óbvios: cruzando os dados do estudo, observa-se
que as áreas com menor índice de esgoto e água tratada não
necessariamente têm as maiores taxas de mortalidade, por exemplo.
“Não é uma análise puramente de causa de
efeito”, explica à BBC Brasil o técnico da OMS Amit Prasad. “O objetivo é
descobrir que áreas estão socialmente vulneráveis para fazer políticas
de intervenção.”
No caso brasileiro, tratando-se de um país em
transição para o mundo desenvolvido, Prasad diz que problemas como
mortalidade infantil e ausência de serviços sanitários básicos estão, em
geral, “mais bem atendidos”.
As preocupações crescentes são com a violência
urbana e com as doenças crônicas e “não comunicáveis” (não contagiosas),
como câncer, diabetes e males do sistema circulatório.
A pesquisa da ONU diz que, à medida que um país
cresce, “o peso dessas doenças tende a mudar dos setores mais ricos para
os mais pobres da sociedade. As razões para esse fenômeno são
discutíveis, mas acredita-se que estejam relacionadas a dietas menos
saudáveis, sedentarismo, obesidade e tabagismo”.
Políticas e ações
Além de pedir políticas públicas específicas, o
estudo cita ações bem-sucedidas no combate à mortalidade em áreas
urbanas pobres, como a adoção de agentes comunitárias da saúde em
favelas do Paquistão e o maior acesso aos serviços sanitários entre a
população do leste africano.
Outra medida citada é a adoção de leis que
obriguem o uso de capacetes, num momento em que as motocicletas se
proliferam em centros urbanos em desenvolvimento. Calcula-se que seu uso
reduza em 42% o risco de morte no caso de acidente.
E o esforço comunitário pela redução da
violência no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, foi colocado em
destaque no estudo da ONU como um exemplo de sucesso.
Momentos de crescimento econômico como o vivido
atualmente pelo Brasil não necessariamente se traduzem em melhorias para
essas populações “esquecidas”, explica Prasad.
“São necessárias políticas direcionadas às
populações vulneráveis”, diz ele. Um exemplo disso, agrega o
especialista, é que a população pobre de Bangladesh tem em geral uma
vida melhor do que a população pobre da Índia, que é um país mais rico
porém com políticas direcionadas menos eficazes.
Fonte: BBC
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