Juízes dão pena de prisão à apropriação de arquivos de computador entre cônjuges
JOSÉ PRECEDO Santiago (Espanha) 4 OCT 2015 - 13:11 BRT
Uma mulher consulta seu telefone móvel. / CLAUDIO ÁLVAREZ
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“Em 22 de dezembro de 2014, Antonio J. S. teve acesso ao telefone celular de sua esposa, M. P. T, digitando a senha e baixou um arquivo guardado no correio eletrônico com uma fotografia da senhora M. P. T. [esposa dele naquele momento] com um homem, assim como várias mensagens do aplicativo Line, tudo isso sem o conhecimento de M.P.T. Não ficou registrado que o acusado tenha divulgado ou cedido tais mensagens a terceiros. Não ficou provado que o acusado tenha realizado os atos com intenção de causar danos à integridade psíquica ou provocar temor na denunciante. Ficou registrado que a senhora M. P. T. permaneceu por 15 dias em licença sem que tenha ficado provado que tenha sido em consequência dos atos, nem que tenha sofrido dano ou sofrimento especial”.
Esse é o relato de fatos comprovados que Antonio Miralles Amorós, titular do tribunal penal número 4 de Girona, na Espanha, usou para condenar a dois anos e meio de prisão e multa de seis euros diários durante 19 meses um vizinho de Puigcerdà, Antonio J. S., como “autor do crime de descoberta e revelação de segredos com o agravante de parentesco”. A sentença, datada de 28 de julho passado, penaliza a espionagem do celular de uma mulher por parte de seu marido para recolher provas de uma relação extraconjugal e incluí-las no processo civil de divórcio dos dois. É a primeira que um ato desse tipo leva à prisão – se os recursos não forem aceitos – de um condenado por apropriar-se de arquivos a esposa, e usa como agravante o parentesco.
A sentença judicial, passível de recurso em primeira instância, conclui que “não se tratou de um mero bisbilhotar ou de uma visão fugaz ou momentânea do conteúdo privado, mas que o acusado se valeu do adequado suporte material de captação do conteúdo” para utilizá-lo em outro processo, de divórcio. O condenado alegou, sem sucesso, que o terminal era de uso familiar porque sua mulher usava outro e que as senhas estavam guardadas em um arquivo compartilhado na nuvem. Seu advogado, Marc Molins, escreve no recurso apresentado ao mesmo tribunal que o direito à intimidade exige pelo menos algumas medidas de proteção que M. P. T. não adotou.
A condenação a dois anos e meio de prisão é um aviso severo para quem estiver vigiando os dispositivos digitais de seus cônjuges. São delitos que, segundo todos os especialistas consultados para esta reportagem, se multiplicam com a proliferação de aplicativos que facilitam o rastreio de perfis da Internet e de redes sociais.
Em meados de julho em Jaén, no sul do país, foi preso um jovem acusado de instalar um programa espião no celular de sua namorada. A declaração policial incorporada ao processo revela que o software permitia que ele ativasse à distância a câmera e o microfone para ouvir conversas da namorada e controlá-la permanentemente. O jovem, “com um perfil ciumento e manipulador”, foi acusado de revelação de segredos, um delito que o Código Penal pune com um a quatro anos de prisão.
A Unidade de Investigação Tecnológica da Polícia Nacional espanhola afirma que não há registros concretos sobre estes delitos, mas a inspetora Silvia Barrera alerta que as denúncias estão aumentando. “Recebemos telefonemas de muitas vítimas, gente que vê coisas estranhas em seu telefone – baterias que duram pouco ou esquentam quando o telefone não está em uso – de pessoas que se sentem controladas por seus cônjuges. A primeira coisa que recomendamos, se for em contexto familiar, é tentar solucionar o problema nesse âmbito, antes de denunciar. Se as condutas persistirem, é possível recorrer a um perito que fará um relatório sobre o telefone ou tablet. A polícia não tem capacidade para analisar milhões de celulares, mas com a perícia podemos dar início a uma investigação”.
Depois de cada aparição televisiva de Chema Alonso, um dos hackersmais midiáticos, chovem novas ofertas (muitas remuneradas) parainvadir a intimidade de terceiros por meio de seus telefones e computadores. “O número de pedidos que recebo é altíssimo. Encerrei minha conta no Facebook porque que era inundado por mensagens privadas. Milhares de pessoas me pediam de tudo: espionar celulares, redes sociais. Uma mulher de Madri me ligou há alguns anos para que eu espiasse o noivo de sua filha. Me neguei e ela depois me contou que tinha contratado um cibercriminoso estrangeiro e que tinha alugado um apartamento em frente ao do rapaz que queria vigiar. Fazer isso é muito fácil. Por sete ou oito euros ao mês é possível conseguir um vírus cavalo de troia. Quem instala é quem comete o delito”, afirma esse especialista em segurança cibernética que há anos denuncia práticas e até criou uma lista dos pedidos mais rocambolescos.
Anúncios na Internet que oferecem programas para espionar celulares
Daniel García, de 32 anos, conhecido no mundo dos hackers, recebeu ofertas parecidas. Garante que a despreocupação com a qual o usuário médio utiliza a tecnologia deixa brechas de segurança pelas quais qualquer especialista pode entrar para copiar e-mails, whatsapps, vídeos e até geolocalizar o proprietário do dispositivo e assim seguir seus movimentos. “Um aplicativo de celular gratuito que funciona como lanterna pedia permissão de acesso a sua localização, aos contatos, e as pessoas concordavam. Era um golpe, mas passaram-se meses até que fosse retirado da loja do Android”.
O hacker se refere à engenharia social da qual algumas pessoas se valem para obter senhas e códigos de bloqueio de pessoas próximas, que então permitem instalar aplicativos piratas e monitorar seus telefones.
A polícia segue a pista de muitas dessas páginas de Internet e de aplicativos, mas às vezes os programas vendidos são perfeitamente legais, desde que usados para administrar à distância dispositivos próprios e não de terceiros, explica a agente Barrera, da Unidade de Investigação Tecnológica da polícia.
Em seus fundamentos de direito, o juiz de Girona cita jurisprudência do Supremo Tribunal que em uma sentença de 2003 determinou que “a invocada dimensão familiar da intimidade não autoriza de modo algum a um dos cônjuges violar o direito fundamental à intimidade que, como pessoa, o outro cônjuge tem, nem a revelar o segredo das comunicações que o artigo 18 da Constituição outorga a qualquer cidadão, tanto em âmbito individual como aspecto no familiar de sua existência. Tratam-se de direitos básicos do ser humano que proíbem a ingerência de quem seu titular não deseje no âmbito de sua privacidade personalíssima, que não sabe entender renunciado pelo fato de contrair matrimônio”.
Em 2007, a Segunda Sala Penal do Supremo Tribunal ratificou outra sentença ditada pela décima sétima seção da Audiência Provincial de Madri na qual condenou outro homem, Paulino, a seis meses de cadeia e multa de seis euros diários por seis meses, também por revelação de segredos. Neste caso, o condenado monitorou a atividade de seu computador doméstico para averiguar por que tinha recebido faturas de Internet do ano de 2001 que registravam até 70 horas de conexão mensais. Ao verificar que era sua esposa que estava entrando em chats de casados infiéis e que ela tinha um amante, Paulino admitiu ao juiz ter encaminhado todos os e-mails interceptados a um detetive particular para apresentá-los no processo civil e ganhar vantagens no pleito pela custódia de sua filha. O Supremo respondeu ao recurso de cassação do acusado que uma coisa é instalar um programa para detectar quem está fazendo uso indevido de um computador e outra diferente – aí está o delito de revelação de segredos – é apropriar-se dessa documentação privada e íntima. Também esse processo cita jurisprudência e relembra que o próprio Supremo Tribunal já concluiu em 2000 que “o relevante para efeito da configuração do tipo [penal] não é a abertura da correspondência, mas o apoderamento de seu conteúdo sem consentimento, que é o que constitui a conduta típica sancionada por seu legislador”.
Miguel Colmenero Menéndez de Luarca é o magistrado da Segunda Sala do Supremo Tribunal que apresentou essa sentença. Defende que o direito à intimidade “é um dos mais importantes reconhecido pela Constituição” e que, como tal, “sua adequada proteção justifica uma combinação com uma pena privativa de liberdade”. Mas pontua: “Não se pode dizer de uma forma geral que pegar o telefone de uma pessoa e olhar o whatsapp seja um delito. Deve haver uma finalidade. Há condutas admitidas socialmente de pessoas que compartilham o conteúdo de seus e-mails que não configurariam a conduta típica do delito. Mas isso muda quando a finalidade é descobrir os segredos de outro e se, em consequência disso, a intimidade for afetada”.
O juiz do Supremo, a inspetora de polícia e os dois hackersconcordam que a proteção contra essas invasões de intimidade passa pelo bom-senso. “Nas redes sociais muita gente banaliza sua intimidade com frequência”, afirma o magistrado. “Nunca revele suas senhas”, previne a agente policial. “Se te enviam um e-mail dizendo que você ganhou um milhão de euros e um conversível em um sorteio de que não participou, o inteligente é não abri-lo”, recomenda García.
Fonte: http://brasil.elpais.com/
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