"Sarkozy quer intimidar fontes da mídia", diz "biógrafo" do jornal francês "Le Monde"
LUÍS EBLAK
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
O governo francês tenta controlar a divulgação de notícias na mídia
sobre seus atos e palavras para limitar os efeitos negativos sobre a
opinião dos cidadãos.
A declaração é do estudioso da mídia francesa Patrick Eveno,
professor e pesquisador da Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne,
que completa: esses efeitos negativos são provocados pela "realidade
política e incapacidade [do conservador Nicolas] Sarkozy de resolver os
problemas dos franceses."
A tentativa de controle ocorreu, por exemplo, no caso das
investigações ordenadas pelo governo para descobrir a identidade de uma
fonte cujas revelações reforçaram suspeitas de corrupção contra a
administração.
"Está claro o que foi pensada pela operação da polícia e do governo
francês: já que não se pode atacar os jornalistas, é preciso dissuadir
os funcionários de falar com os repórteres, mostrando que se pode
puni-los. O intuito é então pressionar as fontes potenciais",
completou.
Por conta dessa investigação, o "Monde" acusa, em ação apresentada à
Justiça na semana passada, ter sido vítima de pelo menos cinco crimes
cometidos pelo governo _entre eles o de quebra do sigilo de fontes e
violação de liberdade individual.
Autor do livro "Histoire du journal Le Monde" (2004) --sem previsão
de lançamento no no Brasil--, Eveno também classifica a relação entre
Sarkozy e a imprensa como "deteriorada". Diz, porém, que a mídia e os
últimos presidentes franceses sempre tiveram uma relação tensa porque a
imprensa geralmente é culpada quando a imagem de um político fica ruim.
"Quando não se gosta da mensagem, acusa-se o mensageiro."
A seguir, leia os principais trechos da entrevista, concedida à Folha por e-mail.
*
Folha - O "Monde" acusa o governo de violar a lei sobre sigilo de fontes. Como o sr. avalia esse episódio?
Patrick Eveno - A lei de 4/1 sobre a proteção de fontes indica
claramente: "Não se pode atentar direta ou indiretamente o sigilo de
fontes sem que um imperativo preponderante do interesse público
(terrorismo ou espionagem) justifique [tal ação]". Além disso, esse
procedimento deve ser feito sob direção de um juiz, o que não ocorreu.
Como está a relação imprensa e democracia na França?
Para a
Corte Europeia dos Direitos Humanos, a imprensa é "o cão de guarda da
democracia", "watchdog", na expressão em inglês. A corte considerou a
proteção de sigilo de fontes como uma "pedra fundamental" do
jornalismo, já que "a ausência desta proteção dissuade um grande número
de fontes com informações de interesse geral [para os] jornalistas".
Está claro o que foi pensada pela operação da polícia e do governo
francês: já que não se pode atacar os jornalistas eles mesmos, é
preciso dissuadir os funcionários de falar com os jornalistas,
mostrando que se pode persegui-los e puni-los. O intuito é então
pressionar as fontes potenciais. Por isso o "Monde" tem razão em usar o
"Contra X" [opção no Judiciário francês na qual, apesar de suspeitar
das identidades dos autores do crime, não se acusa uma pessoa ou
entidade].
O objetivo do governo é enfraquecer o jornalismo?
Não conheço
os objetivos do governo, mas é evidente que ele procura controlar a
comunicação sobre seus atos e palavras [na mídia], para limitar os
efeitos sobre a opinião dos cidadãos.
Como é a relação Sarkozy-imprensa em relação aos governos anteriores?
É
consideravelmente deteriorada. Após ter tentado, no começo de seu
governo, seduzir jornalistas, dominar a agenda midiática e controlar a
imprensa com seus "amigos" dirigentes de mídia, a realidade política e
a incapacidade de Sarkozy de resolver os problemas dos franceses
conduziram a situação a uma fase de tensão. Ela é sem dúvida alguma
mais violenta do que foi com os antecessores, porque Sarkozy concentrou
todos os poderes e se expôs demasiadamente à mídia do que seus
antecessores.
Mas a relação imprensa-presidente sempre foi tensa na França, uma
vez superado o curto período de "estado de graça" pós-eleição. Os
franceses esperam muito de seu "monarca" republicano, que, acreditam,
poder satisfazê-los. Na verdade, não pode. A imprensa faz eco às
decepções com o presidente, e, assim, este culpa a imprensa por sua
imagem ruim na opinião pública... Quando não se gosta da mensagem,
acusa-se o mensageiro.
É o caso mais grave da história da imprensa francesa?
É, sim,
um caso grave, mas já houve outros: o poder procura sempre controlar a
imprensa e os informadores da mídia. Em 1973, o ministro do Interior
fez escutas ao "Canard Enchaîné". Em 1985-86, a célula antiterrorista
da polícia pôs escutas telefônicas contra Edwy Plenel [na época, no
"Monde"]. Nestes casos, eles agiram sobretudo para intimidar as fontes
potenciais [dos jornalistas].
O sr. me disse em julho que "todos os diários são deficitários e
subvencionados pelo Estado". Agora, o sr. fala sobre a imprensa como "o
cão de guarda da democracia". Não é contraditório?
É tudo uma questão de auxílio à imprensa: como conservar uma atitude
crítica e uma vontade de investigação apesar de os diários terem entre
20% e 30% de suas receitas vindas de subvenções diretas e indiretas do
Estado?
É seguro que a política pesa sobre os jornais franceses.
[Mas] Os auxílios são distribuídos com critérios "objetivos". Por
exemplo: a tiragem ou as porcentagens de receitas publicitárias, que
são conhecidas de longa data e não podem ser modificadas facilmente por
um governo.
Esses critérios têm sido mantidos desde 30 anos, sendo o governo social-democrata ou conservador.
Mas pode-se também considerar que os jornais publiquem casos [de
corrupção] para pressionar o poder em busca de novas subvenções ou para
manter os antigos. No geral a situação é perversa: não se sabe jamais
se as denúncias [contra o governo] saem porque a imprensa age como "cão
de guarda da democracia" ou porque ela procura subvenção [do Estado].
O "Monde" é um "cão de guarda da democracia"?
Um jornal
sozinho não pode ser "o cão de guarda da democracia". Somente a
pluralidade e a concorrência podem assegurar esta função.
Fonte: FOLHA DE SP
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