Ana Clara Costa
Escritórios nacionais recebem inúmeros pedidos de emprego de jovens advogados estrangeiros
(Creatas Images)
“Recebemos e-mails de alunos de universidades como Columbia, nos EUA,
ou Salamanca, na Espanha, mas não podemos aceitar. A legislação não
permite trazer estudantes estrangeiros para estagiar aqui”, diz Roberto
Quiroga
Houve um tempo em que muitos estudantes de direito do mundo sonhavam
trabalhar em reconhecidos escritórios de advocacia dos Estados Unidos,
como Skadden e Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, responsáveis pelos
bilionários contratos em Wall Street. Hoje, apesar de ainda importante, o
mercado americano concorre com outros países a exercer atratividade aos
futuros advogados. Escritórios da China, Índia, Rússia e Brasil
ganharam fama mundial ao estruturarem, nos últimos anos, grandes fusões
entre empresas de países emergentes, além de ofertas de ações
históricas, como a da Petrobras, que captou 120 bilhões de reais em
setembro. Segundo a Thomson Reuters, foram movimentados somente no país
mais de 38 bilhões de dólares apenas em operações de fusões e aquisições
nos primeiros nove meses de 2010.
Estas cifras têm despertado a atenção de jovens advogados interessados
em desbravar mercados emergentes. No Brasil, a atratividade, que antes
se restringia ao setor bancário ou de óleo e gás, agora se volta para a
área jurídica. Concorrem para isso grandes investimentos que devem
chegar ao país nos setores de infraestrutura e construção civil, que,
logicamente, exigirão acompanhamento jurídico – principalmente em
contratos, financiamento de projetos e fusões e aquisições. “As pessoas
inteligentes percebem para onde o dinheiro está indo e tentam chegar lá
primeiro. É uma questão de pegar a onda certa”, afirma a chinesa
Charmaine Xiaomei Qin, responsável pela área de negócios asiáticos do
escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch, e que está no país desde
junho de 2009. “A China se revelou o maior parceiro comercial do Brasil
e certamente os projetos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas irão
estimular os acordos de comércio entre os dois países. E isso faz do
Brasil um lugar de boas oportunidades”, diz Charmaine.
No escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva, que viabilizou a
instalação da fábrica da Hyundai em Piracicaba (SP), e-mails de
estudantes de direito coreanos interessados em conhecer o mercado
brasileiro começaram a chegar depois que a operação foi divulgada em uma
publicação jurídica internacional. “Eles não querem necessariamente
conhecer a legislação brasileira, e sim o ‘modus operandi’ do mercado
jurídico do país”, afirma Shin Kim, sócia do escritório e responsável
pelos negócios que envolvem a Ásia. Como resultado, uma recém-formada
advogada coreana deverá chegar ao Brasil no próximo ano para um período
de aprendizado.
Ao contrário dos Estados Unidos, onde estrangeiros podem fazer o ‘bar
exam’ – uma espécie de exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para
atuar no mercado americano –, o Brasil tem uma legislação mais fechada.
A compatibilidade de diplomas ocorre apenas com Portugal, e ainda assim
os advogados lusitanos precisam fazer o exame da OAB para conseguirem
trabalhar. “Como não podem atuar legalmente no Brasil, acabam
participando mais da revisão de contratos”, afirma Moira Huggard-Caine,
sócia do Tozzini Freire.
A exigência impõe barreiras à chegada de novos talentos e frustra
sonhos de estudantes interessados no mercado brasileiro. No escritório
Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga – responsável, em 2010,
por operações como a capitalização da Petrobras e a compra das Lojas
Maia pelo Magazine Luiza –, os sócios constantemente declinam pedidos.
“Recebemos e-mails de alunos de universidades como Columbia, nos EUA, ou
Salamanca, na Espanha, mas não podemos aceitar. A legislação não
permite trazer estudantes estrangeiros para estagiar aqui”, afirma o
sócio Roberto Quiroga.
A vantagem do idioma e da compatibilidade de diplomas com Portugal
favoreceu o advogado Duarte Schmidt Lino, do escritório português PLMJ.
Lino veio ao Brasil por meio de um programa de intercâmbio entre o seu
escritório e o Tozzini Freire, por um período de cinco meses, para
trabalhar na área de óleo e gás. Impressionado com a escala das
negociações que ocorrem no país, contrastante com a da Europa, Lino não
esconde o desejo de voltar. “Há um dinamismo impressionante acontecendo
no país e isso é entusiasmante. Até alguns anos atrás, a idéia de vir
trabalhar no Brasil não era tão atraente” afirma o advogado, para quem a
burocracia da legislação brasileira não foi motivo de frustração
durante seu período no país.
Mercado fechado – Trabalhar no Brasil não é tarefa
fácil para advogados estrangeiros. Por questões regulatórias e pelos
investimentos que os escritórios nacionais têm de fazer nestes
profissionais, acaba compensando, financeiramente, trabalhar com as
centenas de jovens advogados que são colocados anualmente no mercado
brasileiro – mesmo que eles não tenham a vivência e a cultura de outra
nação. “O visto de trabalho também é um problema. Pois, ao trazer um
estrangeiro para o Brasil, o escritório deve arcar com toda essa parte
burocrática”, afirma o sócio de um escritório brasileiro.
Outro indício da austeridade deste setor no Brasil é a difícil entrada
de grandes escritórios de advocacia estrangeiros, que também estão
interessados nas milionárias negociações do mercado doméstico. A
legislação não permite que tais escritórios se estabeleçam no país, e
nem que seus advogados atuem em nosso mercado. Por isso, eles têm
buscado, de forma agressiva, constituir sociedades com escritórios
nacionais – abocanhando profissionais das principais bancas por salários
interessantes. As entradas mais recentes foram a dos escritórios
americanos Mayer Brown (em parceria com o Tauil & Chequer), DLA
Piper (associado ao Campos Mello) e o Linklaters (em sociedade com o
Lafosse Advogados).
A chegada imponente assustou os escritórios brasileiros sobretudo pelo
temor de que, para ganhar mercado, os estrangeiros apliquem taxas
inferiores àquelas praticadas no mercado nacional. “Eles fizeram isso na
Espanha e isso gerou uma redução grande no número de escritórios
nacionais”, relembra um advogado associado a um escritório com sede em
São Paulo. Em outros casos, como o do escritório americano Milbank, a
chegada no mercado não se deu por meio de associação, e sim pela
abertura de uma filial no país apenas com advogados brasileiros. Tais
bancas poderão ser, inclusive, uma nova opção de entrada para jovens
advogados estrangeiros dispostos a migrar para os trópicos.
Fonte: http://veja.abril.com.br
Fonte: http://veja.abril.com.br
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