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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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quarta-feira, 29 de novembro de 2023

ATÉ PERITO-ENGENHEIRO DÁ "CARTEIRAÇO"

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Um perito da Justiça de Brasília/DF ameaçou um entregador de comida por aplicativo que não subiu até o apartamento para entregar o pedido. O incidente ocorreu na última segunda-feira, 27, e foi documentado pelo próprio motoboy.

O entregador, Marcos Ferreira, relatou ao G1 que ao chegar ao bloco C do prédio com a entrega, solicitou ao porteiro que informasse ao cliente para descer e receber o pedido. Entretanto, de acordo com o motoboy, o morador apareceu no térreo do edifício visivelmente irritado.

Nas imagens capturadas, o morador, identificado como Carlos Augusto Alvares da Silva Campos, questiona o entregador pelo fato de não ter subido. Após o motoboy afirmar que não era obrigado, o morador teria proferido ameaças, declarando que iria "acabar" com a vida do entregador. "Rapaz, se eu pegar você eu acabo com você, fica quietinho", disse o morador.

Ao ser ameaçado, o entregador anunciou que chamaria a polícia. O morador respondeu: "Não precisa chamar a polícia, não. Eu sou policial, eu sou juiz, eu f... com você."

Contudo, conforme o sistema da Justiça do DF revela, Carlos Augusto não é juiz, mas sim um engenheiro cadastrado para atuar como perito judicial.

O motoboy afirmou ter relatado o ocorrido no aplicativo de entrega e ter registrado um boletim de ocorrência na 1ª Delegacia de Polícia, na Asa Sul.

 https://www.migalhas.com.br/quentes/382427/ifood-indenizara-em-r-375-mil-familia-de-motoboy-morto-em-acidente

O chocante caso de homem que abusou de mais de 100 corpos em hospitais britânicos
28 novembro 2023


CRÉDITO,POLÍCIA DE KENTLegenda da foto,
David Fuller abusou dos corpos de pelo menos 101 mulheres e meninas


Um inquérito concluído pela polícia britânica confirmou que o funcionário David Fuller abusava de cadáveres nos hospitais onde trabalhou e conseguiu agir sem ser pego por causa de "falhas graves" nos estabelecimentos.


Entre 2007 e 2020, Fuller abusou dos corpos de pelo menos 101 mulheres e meninas nos hospitais de Kent.


O presidente do inquérito, Jonathan Michael, disse que "houve oportunidades perdidas para questionar as práticas de trabalho de Fuller".


Ele acrescentou que o abuso "causou choque e horror em todo o nosso país e além".

O inquérito fez 17 recomendações para prevenir "atrocidades semelhantes".

Elas incluem a instalação de câmaras nos necrotérios, garantindo que pessoas que não pertençam ao serviço funerário estejam sempre acompanhadas e que os corpos não sejam deixados fora dos frigoríficos durante a noite.

CRÉDITO,POLÍCIA DE KENTLegenda da foto,

Casa de Fuller guardava milhões de imagens de seus abusos em discos, pen drives e cópias impressas


Fuller, de 69 anos, foi condenado a duas penas de prisão perpétua em 2021 pelo assassinato de Wendy Knell e Caroline Pierce e condenado a um total de 16 anos de prisão por abuso de cadáveres, o que significa que morrerá na prisão.
Além das falhas de gestão em Maidstone e Tunbridge Wells, Jonathan disse que houve uma "falha em seguir políticas e procedimentos padrão, juntamente com uma persistente falta de curiosidade".

Segundo ele, a gestão "estava ciente dos problemas no funcionamento do necrotério desde 2008. Mas há poucas provas de que tenham sido tomadas medidas eficazes para remediar esses problemas", disse ele.

Houve "pouca atenção" a quem acessava o necrotério, uma vez que Fuller o visitou 444 vezes em um ano - algo que passou "despercebido e sem controle".

Jonathan disse: “Ao identificar falhas tão graves, fica claro para mim que alguém deve ser responsabilizado”.

Fuller, originário de Heathfield, no condado de East Sussex, trabalhou como supervisor de manutenção em hospitais em Tunbridge Wells, em Kent, durante três décadas.

Ele cometeu os crimes em necrotérios entre 2007 e sua prisão em 2020.

Fuller obteve acesso aos necrotérios usando seu cartão magnético de funcionário, escolhendo horários em que sabia que os funcionários haviam ido para casa, quando as áreas ficavam sem vigilância.

Lá, ele abusou sistematicamente de pelo menos 101 cadáveres, o mais novo dos quais tinha nove anos e o mais velho, 100 anos.

No seu julgamento, o tribunal ouviu como ele visitava "os mesmos corpos repetidamente".

Respondendo ao relatório do inquérito, o presidente-executivo do fundo que administra o hospital, Miles Scott, disse que as descobertas continham "lições importantes para nós".

Ele disse que "a grande maioria” das recomendações feitas pelo inquérito "já foram postas em prática no período desde a prisão de Fuller, e implementaremos as recomendações restantes o mais rápido possível”.

Numa declaração escrita ao Parlamento, a ministra da saúde, Maria Caulfield, disse: "Quero pedir desculpas profundamente em nome do governo e do NHS (serviço de saúde britânico), e assumir o compromisso de que lições serão aprendidas".

“Acolhemos com satisfação o relatório e garantiremos que haja uma resposta completa às recomendações na primavera (do Hemisfério Norte) de 2024, e que as lições sejam aprendidas em todo o NHS, para que nenhuma família tenha de passar por essa experiência novamente".

Uma segunda parte do inquérito foi lançada em julho para analisar a forma como as pessoas que morreram são tratadas em todo o país, com foco nas condições de necrotérios privados, ambulâncias privadas e agências funerárias.

As conclusões dessa parte do inquérito são aguardadas para 2024.

Relação entre sigilo médico e Direito Penal e a ilicitude das provas

Maíra Fernandes
Maria Jamile José


29 de novembro de 2023, 8h00


Imagine que você, mulher, grávida, sofrendo dores terríveis, temendo por sua vida, decide buscar auxílio médico. Como resultado, sua vida é salva, porém sua liberdade não: o atendente, suspeitando que você tenha ingerido medicação para encerrar prematuramente a própria gravidez, chama a polícia — que te prende no ato. Agora, você responde a um processo penal, que pode te condenar à prisão.




Spacca


Agora imagine que você, dependente químico, buscando meios de se livrar do vício, procura atendimento psiquiátrico. No curso do tratamento, relata que, para sustentar a adicção, viu-se obrigado a fazer serviços de transporte e entrega de droga para o fornecedor de quem adquiria o entorpecente. O profissional, então, entendendo estar diante de uma perigosa organização criminosa, formula denúncia aos órgãos de persecução penal. Você, que buscava se libertar, agora se vê prestes a enfrentar outro tipo de cárcere.

Os exemplos citados, embora pareçam extremos, não são raros em nosso dia a dia — e escancaram contradições que permeiam tanto a práxis da medicina quanto a do Direito.

Chamam a atenção os muitos casos de mulheres que enfrentam a máquina da Justiça Criminal depois de procurar socorro após complicações decorrentes de tentativa de aborto. Em geral, a denúncia parte do próprio médico atendente — que chama a polícia logo após o atendimento. 

Não raro, essas mulheres acabam presas, com requintes de crueldade: algemadas à maca antes mesmo de ter a chance de se recuperar da anestesia.

Tal prática, no entanto, tem sido fortemente repudiada por nosso Superior Tribunal de Justiça. Recentemente, ao julgar o HC nº 448.260, de relatoria do ministro Antonio Saldanha Palheiro, a 6ª Turma daquela corte trancou ação penal à qual respondia mulher que, em situação exatamente como a descrita, foi denunciada pela prática do delito do artigo 124 do Código Penal. A decisão do tribunal, vale notar, baseou-se na ilicitude das provas que amparavam a denúncia — as quais, segundo os ministros, foram obtidas mediante quebra ilegal do sigilo médico garantido aos pacientes.

A decisão não é isolada. Entendimento semelhante foi adotado, também, no julgamento dos igualmente recentes Habeas Corpus nº 820.577, da relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, e nº 783.927, de relatoria do ministro Sebastião Reis Jr. Em todos os casos, as mulheres, após a realização de manobras abortivas malsucedidas, foram denunciadas pelos médicos que as atenderam. Tais ações penais foram trancadas, por entender a 6ª Turma que tal expediente viola o sigilo médico-paciente, donde decorre a ilicitude da prova obtida.

De fato, o Código de Ética Médica é expresso ao prever, como princípio fundamental, que o profissional “guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei” (capítulo 1, inciso XI). Em outro trecho, é ainda mais incisivo, ao proibir o médico de “revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente” (artigo 73).

A complementar a normativa profissional, o Código de Processo Penal dispõe, de forma taxativa, que “são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo” (artigo 207). Do mesmo modo, o Código Civil, em seu artigo 229, I, também dispõe que “ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: I. a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo”. E, por outro lado, a Lei das Contravenções Penais, em seu artigo 66, prevê pena de multa para o profissional da medicina que “deixar de comunicar à autoridade competente: (…) II – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal” — criando, portanto, assim,exceção à regra do dever de comunicação de crime, a qual não se aperfeiçoa quando a revelação do fato prejudicar a pessoa submetida aos cuidados médicos.

Assim, não parece, ao menos a priori, subsistir dúvidas quanto à questão específica do aborto — já há tempos, aliás, objeto de análise pelos órgãos de classe. Na consulta nº 1.116/90, o Cremesp foi taxativo: “diante de paciente que tenha interrompido sua gravidez o médico deverá silenciar”. Anos depois, e de forma mais abrangente, o mesmo órgão foi enfático: “o médico (…) jamais pode ser o delator de seu próprio assistido” (Cremesp, nota técnica de 11 de fevereiro de 2014).

Nem tudo, porém, é tão claro. Bastante diverso foi, por exemplo, o tratamento jurídico inicialmente destinado a profissional da medicina que prestou atendimento emergencial a mulher que teve complicações por transportar droga em invólucros dentro do próprio corpo. O médico, que não denunciou a paciente — obedecendo, portanto, às obrigações impostas pelo sigilo profissional —, acabou denunciado, ele próprio, por associação ao tráfico.

A ação penal acabou por ser trancada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por decisão de sua 16ª Câmara Criminal, que, por maioria, entendeu, afinal, que o profissional estava na condição de “confidente necessário” e havia agido sob o amparo das normas que impõem a observância do sigilo médico.

Na ocasião, o Órgão Colegiado destacou que “a tutela legal tem duas ordens de interesses: de um lado, o direito ao sigilo da intimidade da pessoa sujeita aos cuidados médicos e, de outro, a credibilidade do profissional em quem se confia, garantindo-se a discrição e apaziguamento do espírito no sentido de que os segredos confiados ou descobertos não serão divulgados”. 

E concluiu: “nunca poderá o profissional da medicina revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício da profissão, se a informação, sigilosa por cuidar da intimidade do seu paciente, o expuser a procedimento criminal (TJ-SP, HC nº 990.10.405570-9).

Pantanoso, também, é o terreno pelo qual caminham os profissionais da psiquiatria — área da medicina na qual os exemplos que suscitam o debate em torno da observância do sigilo profissional são prolíficos. Basta imaginar, por exemplo, um paciente que confessa ao médico que, tendo adquirido arma, planeja matar outrem; um pedófilo que busca tratamento para sua compulsão; um adolescente que admite realizar furtos em lojas; um marido que revela a prática de violências inomináveis contra sua esposa. As possibilidades são infinitas — e vão das mais mundanas às mais dramáticas.

Nestes casos, há debate, nos órgãos de classe, a respeito da conduta a ser adotada pelo profissional. A discussão gira em torno da seguinte questão: o que configuraria o “motivo justo” que, nos termos do artigo 73 do Código de Ética Médica, excepcionaria o dever de observância do sigilo médico no caso concreto?

Em nota técnica, o Cremesp dá diretrizes gerais, assinalando que “o que indica o ‘motivo justo’ é a consciência do profissional em situações extremas como, por exemplo, um paciente que é casado e soropositivo, mas não quer que seu cônjuge saiba, ou ainda, um paciente psiquiátrico que tem a convicção de irá matar alguém específico; nestas situações deve o médico ponderar a existência ou não de ‘justa causa’ ou ‘motivo justo’ para a quebra do sigilo, informando inclusive as autoridades se entender cabível” (Cremesp, nota técnica de 11 de fevereiro de 2014).

No entanto, não se pode olvidar que, em caso de quebra injustificada do sigilo, o profissional estará, inclusive, sujeito a responsabilização criminal, já que o artigo 154 do Código Penal tipifica a conduta daquele que revela, “sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”.

Assim, a análise acerca da verificação, ou não, do motivo justo para quebra do sigilo médico-paciente deve ser feita caso a caso, e de forma cuidadosa — sem que se perca de vista que “a regra no caso da relação médico-paciente é a proteção das informações, de forma plena e absoluta” (nota técnica Cremesp, 11 de fevereiro de 2014). Até porque, a excessiva vulneração da garantia do sigilo teria o indesejado efeito de inibir que aqueles que precisam de auxílio médico busquem profissionais de saúde capacitados — o que poderia, inclusive, resultar em tragédia ainda maior do que aquela que se busca evitar com a exposição do segredo.

Ao final, lapidar é a lição de Nelson Hungria, que, sobre o assunto, escreveu: “A vontade do segredo deve ser protegida, ainda quando corresponda a motivos subalternos ou vise a fins censuráveis. Assim, o médico deve calar o pedido formulado pela cliente para que a faça abortar, do mesmo modo que o advogado deve silenciar o confessado propósito de fraude processual do seu constituinte (…). Ainda, mesmo que o segredo verse sobre fato criminoso deve ser guardado. Entre dois interesses colidentes – o de assegurar a confiança geral dos confidentes necessários e o da repressão de um criminoso — a lei do Estado prefere resguardar o primeiro, por ser mais relevante. 
Por outras palavras: entre dois males – o da revelação das confidências necessárias (difundindo o receio em torno destas, com grave dano ao funcionamento da vida social) e a impunidade do autor de um crime — o Estado escolhe o último, que é o menor” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. VI: arts. 137 a 154. Rio de Janeiro: Edição Revista Forense, 1945. pág. 261).


Maíra Fernandes é advogada criminal, mestre em Direito pela UFRJ, especialista em Direitos Humanos pela mesma instituição, professora convidada da PUC-Rio e da FGV-Rio, vice-presidente da Abracrim-RJ e conselheira da OAB-RJ. Foi presidente do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro e coordenadora do Fórum Nacional de Conselhos Penitenciários.

Maria Jamile José é advogada criminalista. Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Penal Econômico pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra.

Médico que acorrentou homem negro pelo pescoço, mãos e pés é condenado à prisão



Márcio Antônio Souza Júnior, conhecido como "Dr. Marcim", terá que pagar multa de R$ 300 mil em indenização por danos morais coletivos; defesa vai recorrer
Escrito em Brasil28/11/2023 · 21:56





Médico é condenado por acorrentar homem negro e divulgar vídeo nas redes sociais. Foto: Reprodução


O médico Márcio Antônio Souza Júnior, que em fevereiro de 2022 gravou e divulgou nas redes sociais um vídeo que mostra o caseiro de sua fazenda na cidade de Goiás (GO), um homem negro, acorrentado pelo pescoço, mãos e pés, foi condenado pelo crime de racismo a 2 anos e seis meses de prisão e multa de R$ 300 mil para indenização por danos morais coletivos.

Na decisão, proferida na última segunda-feira (27), a juíza Erika Barbosa Gomes Cavalcante, da Vara Criminal da comarca de Goiás, afirma que o médico, conhecido como "Doutor Marcim", assumiu o risco ao produzir o vídeo e o resultado lesivo foi “enorme para a comunidade negra” por causa da representação da senzala e a condição do negro.

“O vídeo é explícito ao retratar o racismo, já que o caso reforça o estereótipo da sociedade, com o grau de racismo estrutural. Não faz diferença se o caso se trata de uma brincadeira, já que no crime de racismo recreativo, por ser crime de mera conduta, é analisado o dano causado à coletividade, e não o elemento subjetivo do autor”, escreveu a magistrada.

À época que o vídeo foi denunciado, ganhando repercussão em todo o país, o médico gravou uma declaração afirmando que o vídeo em questão se tratou de uma "zoeira".

A juíza, entretanto, foi taxativa em sua decisão:

"Trata-se de um vídeo absolutamente criminoso, evidenciando o crime de racismo contra uma pessoa negra, com apetrechos utilizados na época da escravidão, motivo porque não há que se falar que foi uma brincadeira, em razão de ser crime o racismo recreativo".

A defesa de Márcio Antônio Souza Júnior nega que seu cliente tenha praticado crime e informa que vai recorrer da decisão, sendo que o médico poderá responder em liberdade.

"Reitera ser inocente e que nao teve qualquer intenção de ofender, menosprezar, discriminar qualquer pessoa ou promover esse tipo de atitude, inaceitável em nossa sociedade. Recorrerá contra essa injusta condenação ao Tribunal de Justiça" , diz nota da defesa.

Relembre o caso

Um vídeo que mostra um médico filmando um homem negro acorrentado e ironizando a escravidão gerou revolta em fevereiro de 2022.

O vídeo foi postado pelo médico Márcio Antônio Souza Júnior, conhecido na Cidade de Goiás (GO) como Doutor Marcim, em sua conta no Instagram. Após a repercussão negativa, o vídeo foi apagado e ele postou um pedido de desculpas em que afirmou que a cena em questão se tratou de "uma zoeira".

Nas imagens, é possível ver que o homem negro está acorrentado pelo pescoço, pés e mãos. Em tom de deboche, o médico afirma: "Falei para estudar, mas ele não quer. Então vai ficar na minha senzala (...) Tenta fugir, pode ir embora".

Após receber inúmeras denúncias sobre o caso, a Polícia Civil de Goiás abriu uma investigação para apurar eventual crime de injúria racial de Márcio Antônio Souza Júnior.

Em nota, a corporação afirmou, à época, que iria "apurar se o fato se trata apenas de uma brincadeira de profundo mau gosto ou de possível prática de constrangimento ilegal e injúria racial". Isso porque, segundo a polícia, "em outras postagem feitas pelo titular do perfil, é possível ver autor e vítima conversando em tom de brincadeira".

A "prostituta de Roma" não sai da berlinda - 'Agora que somos adultos podemos contar dos abusos sexuais que sofremos na Igreja Católica'




CRÉDITO,GETTY IMAGESLegenda da foto,

Miguel Hurtado em Roma, em fevereiro de 2019. Ele levou 20 anos para conseguir contar os abusos que sofreuArticle informationAuthor,Andrea Díaz Cardona
Role,BBC News Mundo
27 novembro 2023



"Eu queria denunciar porque o que o monge havia feito era uma crime, mas meus pais tinham medo."

Esse é o relato de Miguel Hurtado sobre seu longo e doloroso caminho até ser reconhecido como vítima de abuso sexual por um monge de um mosteiro católico localizado no entorno de Barcelona quando tinha 16 anos.

"A minha mãe acreditava que o grupo católico de jovens escoteiros da Abadia de Monserrat era muito seguro, mas infelizmente era muito mais perigoso do que parecia", explica o psiquiatra catalão, hoje com 41 anos, que passou metade da vida buscando justiça.


Há mais de duas décadas que Miguel tenta quase de tudo para denunciar o que sofreu: gravações secretas, um documentário, um livro, um encontro com o papa Francisco, um abaixo-assinado e, claro, fazer terapia e contar sua história às autoridades e à imprensa.

A perseverança tornou seu caso um dos mais emblemáticos de abuso da Espanha.

Recentemente, a Defensoria Pública espanhola publicou um relatório elaborado por uma comissão independente sobre a pedofilia na Igreja Católica no país. É o primeiro do gênero e inclui a história de Miguel.


O relatório estima que 1,13% da atual população adulta espanhola tenha sofrido abusos cometidos por monges.

Os dados contradizem a versão da Igreja, que durante anos afirmou que o país era uma exceção ao restante do mundo.


E embora a instituição tenha inicialmente reagido ao relatório de forma fragmentada e sem um consenso claro, recentemente a Conferência Episcopal Espanhola anunciou que os bispos trabalharam "no primeiro rascunho do plano abrangente de reparação para as vítimas de abusos".


A Conferência Espanhola de Religiosos (CONFER), por sua vez, agradeceu, em um comunicado, o trabalho realizado pela Defensoria Pública, comprometendo-se a estudar as recomendações do relatório e pedindo desculpas às vítimas.


A investigação oficial espanhola foi feita após em 2022 vários partidos políticos solicitarem a criação de uma comissão para analisar o tema.


Entre os argumentos estava o fato de, ao contrário de países vizinhos, como França e Portugal, e de muitos outros, a Espanha não ter investigado formalmente os abusos cometidos pela Igreja.


A BBC conversou com Hurtado para falar sobre o relatório, mas também sobre sua história, seu ativismo e sobre o complexo processo que as vítimas de pedofilia dentro da Igreja Católica devem enfrentar para denunciar e fazer justiça.

O abuso

CRÉDITO,GETTY IMAGESLegenda da foto,

A Abadia de Monserrat, situada no entorno de Barcelona


"O que eu pensava era: se aconteceu comigo, pode ter acontecido com outros. Temos que encontrar uma maneira de detê-los."


Miguel tinha 17 anos quando chegou a essa conclusão.


Seu agressor foi o monge Andreu Soler, que liderava há mais de 40 anos um grupo de jovens escoteiros na emblemática Abadia de Montserrat, um ícone da cultura catalã.


Eles tinham se conhecido havia alguns anos, naquele grupo, e o monge foi aos poucos tornando-se um guia espiritual em quem o jovem Miguel tinha bastante confiança.


Tanta que confessou sua angústia ao saber que era homossexual.


"Eu disse a ele que era gay, que estava aceitando isso, que meus pais não sabiam e que estava preocupado com como contar a eles."


A partir daquele momento, o comportamento do monge começou a deixar Miguel confuso.


Por um lado, era um homem respeitado pela comunidade, carismático, muito preocupado com o bem-estar dos jovens e que, além do mais, demonstrou interesse em ouvi-lo e o orientava.


Mas, por outro lado, era um homem de 65 anos que procurava ficar sozinho com ele à noite e que lhe disse que se "trabalhassem juntos, os impulsos homossexuais poderiam ser curados".


"Para mim ele era uma figura paterna e seu discurso era: assim como me interesso pelo seu bem-estar e procuro te dar conselhos sobre família, sobre amigos, também dou conselhos sobre educação sexual."


Mas esses conselhos passaram a incluir toques que foram subindo de nível.


"Quando ele me beijou de língua fiquei petrificado. Cerrei os dentes com muita força porque não queria que ele fizesse isso comigo. Não estava gostando do que estava acontecendo e fiquei em choque. Não consegui reagir."


Logo ficou claro.


"A barreira da negação que tive durante tantos meses ruiu. Entendi que o que o monge estava fazendo não era parte de uma tentativa de fornecer educação sexual, mas sim um abuso."


"O que aconteceu foi que ele tirou proveito dessa informação confidencial para começar a abusar sexualmente de mim."

A denúncia

CRÉDITO,GETTY IMAGESLegenda da foto,

Miguel dedica-se hoje a combater a prática de crimes sexuais contra menores


A primeira pessoa para quem Miguel contou sobre o abuso foi outro monge, que notou que ele estava estranho e resolveu perguntar o que estava acontecendo.


O monge foi empático e compreensivo no início, mas quando Miguel quis levar adiante sua denúncia e saber quais poderiam ser os próximos passos, deparou-se com o sigilo.


"Ele tinha uma atitude mais defensiva. Era como se tivesse sido uma brincadeira de criança. Uma brincadeira sem importância, que você dá um tapinha na mão para que não volte a acontecer e pronto."


Miguel logo entendeu que a igreja não tinha vontade de levar o caso à polícia, nem de avisar seus pais ou os dos outros jovens, e muito menos de encontrar outras vítimas.


"Fiquei muito, muito chocado porque não esperava por isso. Uma pessoa falhar é difícil. Mas ter uma segunda pessoa e a instituição falhando com você é muito mais difícil."


O próximo passo foi contar a seus pais, já que eram seus representantes legais.


Ao saber, a mãe de Miguel decidiu enviar uma carta ao abade principal queixando-se do ocorrido e de que nenhuma providência tinha sido tomada.


"O abade respondeu dizendo que o agressor havia sido transferido para um mosteiro no interior da Catalunha e que não haveria mais esse tipo de problema."


"Ele foi caloroso, carinhoso, mostrou-se preocupado com o meu bem-estar e recomendou que a minha mãe não denunciasse, que era melhor que tratassem internamente porque senão teriam que procurar um advogado para o agressor."


Naquele momento ficou claro, para Miguel, o acobertamento institucional.


"Eles tiveram a reação habitual. A princípio, a negação, fingindo que nada está acontecendo e, quando a denúncia atinge um certo nível e não há como contê-la, resolvem o problema deslocando o agressor para outro lugar dentro da rede de instituições da mesma Igreja Católica."


Mas para Miguel já estava claro que o que tinha acontecido era um crime e ele queria denunciar às autoridades espanholas. O problema era convencer seus pais.


"Meus pais tinham medo das consequências, tinham medo da hostilidade social, tinham medo que ninguém acreditasse em mim. Eles estavam com medo de que a abadia contratasse uma boa equipe de advogados, que nos destruiria judicialmente."


"Houve um choque e eles não me apoiaram na hora de fazer a denúncia. Na época eu era dependente financeiramente e meus pais não iam me apoiar. Tentei virar a página, focar nos estudos e seguir com a vida."

A gota d'água

CRÉDITO,ABADIA DE MONSERRATLegenda da foto,

O livro de memórias escrito pelo monge que abusou de Miguel Hurtado


Miguel entregou-se por completo aos estudos de medicina e teve um alto desempenho acadêmico.


A intenção era esquecer o abuso até que em 2002, quando ele tinha 20 anos, surgiu o escândalo de pedofilia na Igreja Católica de Boston, nos Estados Unidos.


A investigação que o jornal The Boston Globe publicou em diversas reportagens mostrou não só que foram muitos os menores abusados ​​por monges, mas que a Igreja era responsável por proteger e acobertar os abusadores.


"Isso mexeu muito comigo. Os estímulos do noticiário, da TV, fizeram emergir e vir à tona o trauma reprimido. Fiquei muito mal. Não conseguia dormir."


Miguel procurou ajuda. Conhecia uma fundação que trabalhava com abuso sexual infantil e oferecia terapia de grupo. Decidiu então contactar novamente a abadia para pedir uma indenização.


"Escrevi-lhes uma carta, muito nervoso, na qual os criticava pela forma como lidaram com os fatos. Eu disse a eles que estava mal, que precisava de terapia, que não achava que meus pais tinham que pagar por isso e que precisava de uma compensação financeira para pagar os custos disso."


Desta vez a instituição respondeu com uma carta do seu advogado em que solicitava uma reunião. Miguel compareceu na companhia de um advogado.


"Eles me fizeram explicar o abuso novamente. Acho que foi um confronto para comparar o que eu contava com o que escrevi e ver se o meu testemunho era crível."


"No final, a minha advogada e o advogado deles concordaram com uma compensação bem básica e baixa, de cerca de 7.200 euros para despesas com terapia. Eles não quiseram pagar diretamente, por transferência bancária, para não deixar vestígios. Fizeram três pagamentos em envelopes com notas de 500 euros."


O processo serviu para que sua mãe se juntasse à causa.


"Quando a minha mãe viu que, ao pedir uma indenização, aquela mesma reação pastoral mudou e eles tomaram uma atitude tão hostil e legalista, mais típica de uma multinacional, ela percebeu que tinha sido enganada e usada."


Miguel finalmente sentiu-se apoiado pela família, e a terapia foi o primeiro passo para começar a superar o trauma do abuso sexual.


Nesse processo compreendeu que o seu agressor tinha sido uma figura paterna, algo que lhe faltava num momento fundamental de sua vida.


Com o passar do tempo, no entanto, ele quis verificar se a igreja havia cumprido a promessa de isolar o agressor e decidiu procurá-lo online.


"Descobri que ele havia falecido. Mas também descobri que antes de morrer, a Abadia de Montserrat publicou um livro de suas memórias com prólogo de Jordi Pujol, ex-presidente do governo catalão."


"Para mim isso foi a gota d'água, o último insulto, e percebi que tinha que fazer alguma coisa."


Era 2011, Miguel já tinha 29 anos e conhecia melhor a instituição que enfrentava.

As provas

CRÉDITO,MIGUEL HURTADOLegenda da foto,

Imagem gravada com a câmera escondida por Miguel Hurtado na Abadia de Monserrat em 2015


A primeira coisa que Miguel fez foi colocar em ação um plano para obter as provas que pudessem respaldar seu depoimento.


A essa altura ele sabia que o mais provável é que não acreditassem nele e que, pelo contrário, o desacreditassem.


Decidiu então contatar novamente os líderes da instituição católica. Enviou-lhes outra carta solicitando uma reunião, à qual decidiu comparecer com uma câmera escondida para registrar toda a conversa.


Ao longo de vários anos, Miguel marcou diversas reuniões com autoridades católicas que sabiam do seu caso, e gravou-as.


"O monge Josep María Sanromá, a quem contei sobre meus abusos quando ocorreram, justificou-se dizendo que havia explicado ao abade da época o que havia acontecido e que foi o abade quem decidiu não fazer nada."


"Com o abade Josep María Soler, nomeado quando eu tinha 18 anos, tive duas conversas. Ele disse que meu agressor negou os fatos. Mas na década de 70 ouviram-se histórias, rumores de comportamentos sexuais inadequados quando ele era responsável por um grupo de jovens que se reuniam nos fins de semana para irem a um retiro católico."


"Ele disse que não sabia se medidas haviam sido tomadas ou não, mas que quando eu, décadas depois, expliquei o que havia acontecido comigo, ele não foi pego de surpresa."


"E a justificativa que ele me deu sobre o livro foi que ele não sabia, como abade, que havia sido publicado. Que a editora atuava de forma independente, mas que ele se comprometeria a retirá-lo de circulação e a destruir todos os exemplares."


Com estas gravações, Miguel conseguiu obter provas de que os líderes católicos sabiam dos abusos que ele havia sofrido e que mesmo assim não denunciaram às autoridades.


Mas faltava um último passo: devolver o dinheiro que lhe tinham dado de maneira não oficial para a terapia e assim provar que as transações haviam ocorrido.


"Aproveitei para devolver o dinheiro e dizer que era dinheiro sujo, que eu não queria e que tinham me usado. Eu gravei enquanto devolvia."


"E no final eu disse a eles que tinham me pedido insistentemente para ficar calado, mas que nessa situação já não podia garantir que o faria. Ele me pediu novamente para ficar em silêncio porque o abade da época, quando eu era menor e o abuso ocorreu, já era muito velho e isso o perturbaria e o afetaria muito."


Foi nessa época que Miguel começou a contar seu caso, sob anonimato, a alguns meios de comunicação locais.

Contar tudo

CRÉDITO,GETTY IMAGESLegenda da foto,

Miguel Hurtado em conversa com a imprensa em fevereiro de 2019, no Vaticano


"Agora que somos adultos empoderados podemos contar a história do abuso sexual de menores na Igreja Católica espanhola", diz Hurtado.


Em 2019, aos 37 anos, Miguel contou sua história ao jornal espanhol El País. Nomeou seu agressor e aqueles que supostamente o encobriram, apoiado pelas provas que reuniu.


No mesmo ano, colaborou com o documentário Exame de Conciência, que expõe o caso de pedofilia na Igreja Católica espanhola e foi distribuído pela Netflix.


"O que me motivou foi que na minha escala de valores, na minha escala ética e moral, não era aceitável que uma instituição, por mais poder, prestígio ou influência que tivesse, se comportasse daquela forma."


"Eles se comportaram como uma organização mafiosa, criminosa. Da porta para fora, faziam um discurso sobre os valores cristãos humanistas, cuidado dos vulneráveis, a defesa dos direitos das crianças. Da porta para dentro, cometeram mil e um crimes. Eu sabia que, eticamente, tinha que relatar o que havia acontecido e que era importante que a verdade fosse conhecida."


Depois de 20 anos tentando, de diversas maneiras, Miguel só precisou fazer uma denúncia pública.


"Era a única ferramenta de poder que eu tinha. Quando tive a primeira crise, consultei uma advogada e ela explicou que, de acordo com a legislação aplicável na época, o meu caso expirava três anos depois da maioridade, ou seja, aos 21 anos. Legalmente eu não poderia fazer nada. As portas da justiça estavam fechadas. E foi isso que aconteceu na maior parte dos países."


Mas sua estratégia valeu a pena. Ele fez parte do grupo de ativistas de todo o mundo que participou do primeiro encontro anti-pedofilia organizada pelo papa Francisco em Roma, em fevereiro de 2019.


Além disso, as suas denúncias encorajaram outras vítimas a contar suas histórias e, diante das evidências, a igreja decidiu convocar uma comissão independente para uma realizar uma investigação interna.


"Em setembro de 2019 os resultados foram publicados e o que a comissão independente disse foi que o meu agressor tinha sido um predador sexual. Que ele abusou de pelo menos 12 crianças ao longo de 30 anos. E não só isso, mas não foi o único caso de abuso sexual ocorrido em Montserrat."


Miguel decidiu, então, passar a dedicar seu ativismo à questão da imprescritibilidade dos crimes sexuais contra menores, pois acredita que a prescrição legal tem sido a grande aliada dos abusadores e daqueles que os acobertam.


Dessa ideia surgiu a campanha "Abuso não prescreve" na plataforma Change.org.


"Consegui 560 mil assinaturas e demorou muito para que os políticos se interessassem. Mas em 2021, foi finalmente aprovada uma lei que ampliou o prazo de prescrição para 17 anos, para que as vítimas tenham mais 17 anos para denunciar em casos ocorridos após a entrada da lei em vigor."


Embora o prazo tenha sido prorrogado, esses crimes continuam a prescrever na Espanha. E por isso ele buscou aconselhamento de outros países que legislaram a favor da imprescritibilidade. A ideia era fornecer elementos para o relatório da Defensoria Pública que começou a ser elaborado em 2022.


"Há outros países como Peru, Equador, Chile e Colômbia que já aprovaram a imprescritibilidade total. Os ativistas espanhóis continuam a lutar para que os prazos de prescrição sejam completamente eliminados. É uma luta muito dura e muito longa porque os políticos não estão dando muito apoio."

O relatório

CRÉDITO,EPALegenda da foto,

O Defensor Público Ángel Gabilondo no momento da entrega do relatório ao Congresso


Em março de 2022, o Congresso espanhol solicitou à Defensoria Pública a criação de uma comissão independente, a ser presidida pelo próprio Congresso, que preparasse um relatório sobre as denúncias de abusos sexuais na Igreja Católica espanhola.


No dia 27 de outubro, um ano e sete meses após essa atribuição, o defensor Ángel Gabilondo apresentou ao Congresso um material de 779 páginas intitulado "Relatório sobre abusos sexuais no âmbito da Igreja Católica e o papel dos poderes públicos. Uma resposta necessária".


A comissão recebeu o testemunho de 487 vítimas, que estão anônimas no texto.


Além disso, como parte da investigação, foi realizado um estudo com uma amostra de 8.000 pessoas residentes em Espanha.


O objetivo foi tentar quantificar a magnitude do problema e, com base nos dados recolhidos, concluiu-se que 1,13% da atual população adulta sofreu abusos na Espanha por parte de religiosos católicos.


"A mídia, ao extrapolar os dados, deu números de 230 mil vítimas de pedofilia por parte de religiosos na Espanha e aproximadamente 400 mil de abusos sexuais em instituições católicas", explica Miguel.


O cardeal Juan José Omella, presidente da Conferência Episcopal Espanhola (CEE) e arcebispo de Barcelona, ​​rejeitou esses números, em postagem em sua conta no X (antigo Twitter).


Disse que "os números extrapolados por alguns meios de comunicação são mentiras e têm a intenção de enganar" e prometeu: "Não nos cansaremos de pedir perdão às vítimas e de trabalhar pela cura delas".
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O relatório do defensor é o primeiro oficial sobre a questão no país, que também tem sido criticado pela demora na resposta a um fenómeno de interesse público e de escala global.


O atraso é reconhecido no texto. "O nosso país está entre os últimos da Europa Ocidental a criar uma comissão e a produzir um relatório. Entre os países mais próximos, tanto a França (2021) quanto Portugal (2023) já o fizeram."


"Mas muito antes, mudando de continente, vale lembrar que o Canadá criou uma comissão parlamentar em 1989 e apresentou um primeiro relatório em 1992 (ampliado em 2007), e os Estados Unidos os seguiram (2004)."


Miguel não estranha a demora.


"Durante 40 anos, a Espanha foi uma ditadura católica, onde o poder civil e o poder religioso eram irmãos siameses. Não se sabia onde começava um e terminava o outro, e havia uma enorme resistência por parte da imprensa e das autoridades civis na hora de investigar esses acontecimentos."


Mas a Espanha enfim deu um primeiro passo e Miguel foi parte do processo. Na verdade, no relatório da Defensoria Pública, analisam seu caso e como seu ativismo conseguiu colocar o assunto na ordem do dia e obter a modificação do prazo de prescrição.


"Consegui que uma equipe jurídica chilena muito poderosa, que redigiu a lei chilena de imprescritibilidade, escrevesse um documento técnico-jurídico de 120 páginas recomendando uma lei de imprescritibilidade na Espanha."


"Entreguei esse relatório à comissão de investigação da Defensoria Pública. Tive uma reunião com Ángel Gabilondo para explicar a medida."


Mas ele sente que não foi totalmente ouvido.


"Ao ler o relatório, verifica-se que as vítimas em múltiplas ocasiões e de múltiplas formas pedem a imprescritibilidade, mas continuam a não nos ouvir e continuam a não incluí-la nas recomendações."


Miguel está dedicado a fazer essa mudança para contribuir, de alguma forma, para a proteção das novas gerações.


"O principal problema é que o abuso sexual infantil é sempre um abuso de poder. E quanto maior a assimetria entre a criança e o adulto, mais difícil é denunciá-los e revelá-los sendo criança ou adolescente."


"Para poder contar sua história com segurança e não sofrer retraumatizações secundárias, é fundamental estar empoderado."


"Em muitas ocasiões, é preciso ter feito terapia. Você tem que contar a história para o círculo interno e encontrar um círculo que o proteja e ajude. Você tem que ser independente financeiramente. É preciso ter recursos pessoais e financeiros."


E essas condições que Miguel descreve são alcançadas, na maioria dos casos, somente anos depois de os abusos terem ocorrido.


"As evidências científicas nos mostram que são necessárias décadas para que as vítimas consigam denunciar estes acontecimentos. É por isso que existem campanhas muito ativas em grande parte do mundo para ampliar ou eliminar o prazo de prescrição para crimes de pedofilia."


A luta de Miguel é motivada pelo menor que ele era, que ninguém conseguiu proteger de ser abusado, e que se tornou um adulto que teve que trabalhar incansavelmente para enfrentar seu trauma.


"Quando você fica mais velho, você vê o impacto que o abuso sexual teve em sua vida e compara como foi a sua vida e como poderia ter sido se você não tivesse sido abusado sexualmente."


"Você tem que lamentar a perda das múltiplas oportunidades que outras crianças da sua idade desfrutaram, mas que você não pôde porque estava deprimido, angustiado, traumatizado, trancado em um quarto sem ver ninguém."

"Agrotóxico virou arma química contra indígenas no Brasil"


Cristiane Ramalho

Pesquisadora relata casos de pulverização intencional em áreas protegidas e critica empresas europeias que exportam pesticidas vetados em seus países. Projeto que acelera registro de agrotóxicos foi aprovado pelo Senado.



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Larissa Bombardi avalia que o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia levaria a um aumento do uso de agrotóxicosFoto: Privat
Uma das grandes vozes críticas sobre o uso massivo de pesticidas, a pesquisadora e professora licenciada da Universidade de São Paulo (USP) Larissa Bombardi diz que os agrotóxicos estão sendo usados como "arma química" no Brasil, para forçar o deslocamento de comunidades de indígenas, camponeses e quilombolas.

Em entrevista à DW, a pesquisadora critica a proposta de acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE) e sugere que o bloco europeu inclua uma cláusula suspendendo a exportação de agrotóxicos banidos em seu próprio território – como fez a França. Três dos dez pesticidas mais consumidos no Brasil são proibidos pela UE, diz.

Bombardi destaca que o consumo de agrotóxicos deu um salto nos últimos dez anos no Brasil. Esse crescimento ocorreu de forma mais acentuada durante a gestão Jair Bolsonaro, mas também foi registrado nos seis primeiros meses do atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Ela afirma que o projeto de lei 1459/2022, que modifica as regras para a comercialização de agrotóxicos no Brasil, apelidado por seus opositores de PL do Veneno, aceleraria o uso dos pesticidas no país. "O PL é um grande retrocesso. Ele flexibiliza ainda mais a atual legislação", diz. O projeto foi aprovado nesta terça-feira (28/11) pelo plenário do Senado, após a realização desta entrevista, e agora segue para sanção presidencial.

Em seu novo livro, Agrotóxicos e colonialismo químico, publicado em outubro pela editora Elefante, Bombardi acusa grandes corporações do setor de lidarem com os países do chamado Sul Global como se fossem "colônias", denuncia os riscos do uso de agrotóxicos para a saúde e o meio ambiente, e descreve o jogo de interesses por trás desse lucrativo mercado – no qual apenas seis empresas respondem por 80% do comércio mundial, incluindo as alemãs Bayer e Basf.

Para a pesquisadora, a eleição do novo presidente argentino, Javier Milei, também deve expandir o consumo de agrotóxicos em seu país: "Ele vai fazer o mesmo papel do Bolsonaro no Brasil. Vai rasgar qualquer perspectiva de discussão dos direitos humanos e da saúde ambiental."

Bombardi deixou o Brasil após uma série de intimidações recebidas em 2021, durante o governo Bolsonaro. 
Atualmente, a pesquisadora vive com os dois filhos em Paris, onde realiza uma pesquisa, ligada à Universidade Cidade de Paris, sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde das mulheres no Brasil.

DW: Qual será o impacto da possível aprovação do projeto de lei que modifica as regras para a comercialização de agrotóxicos?

Larissa Bombardi: A aprovação do PL do Veneno será um grande retrocesso. Ele flexibiliza ainda mais a atual legislação. Inclui, por exemplo, a permissão para produzir [para exportação] agrotóxicos não autorizados no Brasil, o que vai trazer risco ambiental e para os trabalhadores. Vamos caminhar para trás, porque, apesar de tudo, havia conquistas na nossa atual lei de agrotóxicos.

Você diz que os indígenas, proporcionalmente, são os que mais sofrem com o uso de pesticidas no Brasil. De que forma se dá essa contaminação?

Acontece, principalmente, porque as fazendas foram chegando muito perto, e hoje a maior parte das terras indígenas está em contato com áreas de expansão do agronegócio, sobretudo da soja. Com a pulverização aérea, há um desvio dos agrotóxicos e uma parcela é levada pelo vento e contamina a água dos rios. E, às vezes, os indígenas são contaminados de forma criminosa, nos conflitos por terra. Suas áreas são pulverizadas com agrotóxicos, na tentativa de expulsá-los. Teve um caso bem famoso no Mato Grosso do Sul, numa área da etnia Guarani-Kaiowá, que terminou na Justiça, com o fazendeiro sendo obrigado a indenizar os indígenas por causa da ação criminosa. O produto aplicado, inclusive, foi um fungicida da Bayer. É um caso raro de vitória.

O agrotóxico é uma arma química usada contra os indígenas. E também contra os camponeses e os quilombolas. Há muitos conflitos fundiários em que o agronegócio pulveriza o agrotóxico em cima dessas áreas. No Rio Grande do Sul, por exemplo, um assentamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) foi pulverizado justamente com essa intenção de ameaçar a comunidade.

O Brasil se destaca como grande importador mundial, com um consumo de 719 mil toneladas somente em 2021. Quantas pessoas são intoxicadas por agrotóxicos diariamente no Brasil?

Foram 56 mil nos últimos dez anos – são 15 pessoas, em média, por dia. Isso, segundo os dados oficiais do SUS, do Ministério da Saúde. Mas isso representa só 2% do número real. A gente tem que considerar que há uma subnotificação, que é de um para 50.

E houve uma clara expansão no uso de pesticidas no governo Bolsonaro?

Sim, somente entre 2019 e 2022 foram liberados 2.182 novos agrotóxicos. Isso reflete um caminho aberto e uma disputa por esse mercado, que cresce no Brasil mais do que em qualquer outro lugar. No Brasil, o consumo aumentou 76% nos últimos dez anos, enquanto na União Europeia diminuiu 5%.

Esse avanço continuou no governo Lula. Até julho, mais 231 agrotóxicos foram aprovados. Qual é a sua avaliação?

Primeiro, isso é um desdobramento de uma máquina que já estava em movimento. Espero que esse quadro se altere rapidamente. A outra coisa é que o governo Lula é um governo em disputa. A gente tem vários ministérios comprometidos com essa pauta da transição agroecológica, da diminuição do uso de agrotóxicos, como o do desenvolvimento agrário. Mas, obviamente, o Ministério da Agricultura tem muita força. Então, acho que o governo Lula terá que decidir qual será o caminho. Se vai ser o do compromisso ambiental e o lugar de liderança mundial – e acho que essa é a tendência –, ou se vai ceder sem limites para esse avanço do agronegócio predatório.

Você registrou os diferentes níveis de uso dos agrotóxicos no país. Onde houve um maior aumento do consumo?

O consumo cresceu mais na Amazônia, nos estados da região Norte. Isso tem a ver diretamente com a expansão agrícola. O consumo de atrazina, por exemplo, um herbicida associado a diferentes tipos de câncer, ao mal de Parkinson e à malformação fetal, aumentou 575% nos últimos dez anos na região Norte. A substância é proibida há 20 anos na Europa. Investiguei ainda o tebuconazol, cujo consumo aumentou mais de 100% na Amazônia. Ele também é proibido na Europa. Já o uso do glifosato aumentou 270% na Amazônia brasileira. O Instituto de Pesquisas para o Câncer (IARC), das Nações Unidas, classificou a substância como potencialmente cancerígena para seres humanos. Infelizmente, o bloco europeu acaba de renovar a licença do glifosato por mais dez anos. Uma tragédia.

Uma formalização do acordo entre o Mercosul e a União Europeia pode levar a uma expansão ainda maior na importação de agrotóxicos europeus pelo Brasil?

Penso que sim. O agronegócio está interessado na assinatura do acordo justamente para poder ampliar as vendas para esse mercado, que é o segundo maior mercado de produtos brasileiros. Isso será feito com a ampliação das áreas de cultivo – o que certamente levará a um crescimento no uso dessas substâncias. E esse crescimento tem sido claramente desproporcional ao aumento da área. No Brasil, a área total cultivada aumentou 30% nos últimos dez anos, enquanto o uso de agrotóxicos aumentou 76%.

Existe alguma regra sobre agrotóxicos sendo discutida nas negociações entre o Mercosul e o bloco europeu? Se não, acha que deveria haver?

Muito tem sido falado sobre o desmatamento nessas negociações, mas ainda não li nada a respeito de agrotóxicos. Mas é claro que deveria haver. A União Europeia poderia se comprometer a não vender agrotóxico banido na Europa, por exemplo. Mas nada indica que vai ser assim. O acordo deve aprofundar ainda mais as diferenças entre os blocos.
Manifestantes protestam contra a Bayer em Bonn, na Alemanha, em 2019Foto: DW/L. Endruweit

Seria viável para o Brasil suspender completamente o uso de pesticidas banidos pela União Europeia?

Sim, isso tem que ser feito com urgência. A gente precisa repensar o modelo agrícola e colocar a segurança alimentar no centro das preocupações. Para se ter uma ideia, dos dez agrotóxicos mais vendidos no Brasil, três são proibidos na União Europeia. Seria preciso fazer um estudo mais a fundo para saber o impacto. Mas, a princípio, já existem tantos agrotóxicos disponíveis que seria uma questão de se adequar. Foi isso que a União Europeia fez. Por que o Brasil não pode fazer?

A França questionou essa dupla moral europeia, ao suspender a exportação de agrotóxicos proibidos no país. Mas houve muita resistência, não?

Sim, a França tomou a decisão, em 2018, de vetar as exportações de agrotóxicos proibidos no país. Aí, houve uma manifestação feroz das indústrias, que foram para a Justiça, dizendo: "Não, isso vai de encontro à livre inciativa. Vai prejudicar os negócios da França". O caso foi parar na Suprema Corte, que deu parecer favorável à lei, porque o direito à vida está acima do direito econômico. A Bélgica tomou a mesma decisão neste ano. É claramente uma questão de lobby, do que elas faturam, que é uma enormidade. A Alemanha, com a Bayer e a Basf, controla um terço do mercado mundial de agrotóxicos. Mas também lá isso já começa a ser debatido.

Em que tipo de alimentos esses agrotóxicos que são proibidos na Europa vêm sendo usados no Brasil?

A atrazina, por exemplo, é autorizada para quase tudo o que a gente consome: do abacaxi ao alface, passando pelo trigo, arroz, alface, mamão... Eles estão associados a vários tipos de alterações. O tebuconazol pode provocar alterações no sistema reprodutivo e malformação fetal. Vale lembrar que, no Brasil, os limites de resíduos dos agrotóxicos na água podem ser milhares de vezes maiores do que na União Europeia. Pode-se dizer que há uma exposição crônica da população a essas substâncias.

Dá para medir o impacto nos centros urbanos?

Sim, em Santa Catarina, por exemplo, eles fizeram um levantamento muito interessante que mostrou que no município de Camboriú, onde quase 90% da área de vegetação nativa está preservada, havia vários resíduos de agrotóxico na água, como o 24D, que é o segundo herbicida mais vendido no Brasil.

Você sustenta que o Mercosul ocupa um lugar semelhante ao de colônia moderna, em especial, na relação com a União Europeia. Fala também em "colonialismo químico". Poderia explicar melhor?

Essas empresas atuam como se estivessem lidando com uma colônia, ao investirem na extração da riqueza dessas terras, mesmo que de forma indireta, com a aniquilação da natureza, dos seres humanos. Quando a gente vê, em conflitos no campo, como esses agrotóxicos estão sendo usados como armas químicas, fica ainda mais evidente esse aspecto do colonialismo. Por exemplo, em ações de deslocamento das comunidades de camponeses, de indígenas, para atender a um interesse das empresas que estão no hemisfério Norte. Tem a ver também com as oligarquias locais. Um momento perverso dessa expansão de mercado, em que a população do Sul vale menos.

No seu novo livro, você diz que apenas seis empresas respondem por 80% do comércio mundial de agrotóxicos. Dessas, duas são alemãs – a Bayer e a Basf. Como elas se comportam em relação ao Sul Global – e, mais especificamente, em relação ao mercado brasileiro?

São como os traficantes de escravos, num período em que na Europa já tinha legislação trabalhista, já tinha regra para contrato de trabalho, e comercializava seres humanos. Guardadas as proporções históricas e geográficas, é isso que essas empresas estão fazendo.

Você aponta que países latino-americanos – especialmente Brasil e Argentina – têm recebido grande volume de agrotóxicos produzidos pelo Norte global. A entrada de agrotóxicos na Argentina pode aumentar ainda mais com a eleição de Javier Milei?

Pode, infelizmente. Ele vai fazer, penso eu, o mesmo papel do Bolsonaro no Brasil. Vai rasgar qualquer perspectiva de discussão dos direitos humanos e da saúde ambiental. Muito triste a notícia dessa vitória.

Em 2019, um cadeia de produtos orgânicos da Escandinávia suspendeu a compra de alimentos do Brasil após a publicação do seu atlas. Quase cinco anos depois, a Europa continua a consumir produtos cultivados no Brasil com agrotóxicos que ela mesma proíbe...

Tem toda uma discussão, aqui na Europa mais forte ainda, no sentido de mostrar que, mesmo em pequeníssimas quantidades, alguns agrotóxicos – por exemplo, os que são disruptores endócrinos – são muito perigosos. Sobretudo para as crianças. Um estudo feito pela PAN (Pesticide Action Network) especificamente sobre esses resíduos nos alimentos na Europa mostra que esse uso é preocupante, mesmo em pequenas doses. É um estudo interessante, porque a União Europeia compra de tudo quanto é canto do mundo. Os resíduos de agrotóxicos vêm de muitos países, não é só do Brasil.

A sua nova pesquisa na França tem uma perspectiva de gênero, voltada para as mulheres. O que mais te surpreendeu até agora?

Foi verificar que tem uma carga invisível que recai sobre as mulheres. Embora elas sejam 30% da população intoxicada no Brasil, tem uma coisa que acontece nos corpos das mulheres que não afeta os homens. Por exemplo, os abortos involuntários ou a gestação de bebês com malformação fetal por causa da exposição. Uma gestação muito angustiante. Depois, há todo o trabalho de cuidado dessas crianças com anomalias, que fica historicamente nos ombros das mulheres. E há também a infertilidade, uma violação ao direito reprodutivo.

Você tinha previsto viajar para o Brasil para lançar o seu livro, em dezembro. Por que desistiu?

Desisti porque o esquema de segurança que a gente havia imaginado acabou não acontecendo. Não penso que eu tenha uma chance de voltar a viver no Brasil no curto prazo. Estou refazendo a minha carreira na Europa. Aqui eu me sinto segura, no Brasil não. O Brasil é o segundo país que mais mata defensores de direitos humanos e ambientais, infelizmente.

Dino e o estrelato

 Não duvido da capacidade intelectual e técnica do sujeito mencionado, para assumir a cadeira que lhe foi indicada por Lula, no STF.

Ponho reparos, todavia, na sua postura como ministro da Justiça. Aproveitou-se do destaque que o cargo propicia para aparições cheias de estrelato, buscando holofotes sempre que provocado.

Outra que agora anda mais moderada - mas já exagerou na ânsia de "causar" - foi a "primeira operária", que, como a Micheque, parece achar-se uma Evita Peron, com direito a um estrelismo obviamente exagerado.


Eita!!! - Gilmar Mendes e Gonet: uma indicação à PGR com uma história de 12 milhões de reais


Pela primeira vez na história um ministro do STF é o responsável pela indicação do titular da PGR. Além de reacionário, lavajatista e defensor da ditadura, Paulo Gonet tem uma história de 12 milhões de reais com seu padrinho, Gilmar Mendes

POR MAURO LOPES
Escrito em Opinião28/11/2023 · 12:52



Gilmar Mendes e Paulo Gonet. Carlos Moura/STF - Antonio Augusto/TSE


A indicação de Paulo Gonet à Procuradoria Geral da República tem pelo menos dois aspectos inéditos: 1) pela primeira vez na história um ministro do STF (Gilmar Mendes) é o padrinho da indicação, numa relação institucional anômala entre Judiciário e Ministério Público; 2) nunca antes uma indicação para a PGR envolveu uma negociação entre o presidente da República e o STF; adicionalmente, não há precedente de a indicação de um procurador-geral e um ministro do STF serem casadas e anunciadas conjuntamente .

O ex-presidente do PT, José Genoino, afirma ainda Gonet será "o mais direitista procurador-geral da história": “O procurador-geral não precisa ser do PT ou alinhado com o governo, mas, num governo progressista, deve ser uma pessoa que sinalize os valores da democracia e não os valores da direita. Gonet sinaliza os valores da Lava Jato, contra os direitos das mulheres e dos indígenas e todo o elenco que compõe o ideário da direita”.

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Sim, de fato, como escrevi dia 21 de novembro aqui na Fórum, o elenco de posições e valores de Paulo Gonet é chocante - Ultraconservador, Paulo Gonet defendeu a ditadura, a Lava Jato, conciliou com Bolsonaro e foi contra as cotas.

Antes disso, o presidente Lula foi advertido sobre o risco da indicação de Gonet por um grupo de entidades e organizações que estão no coração da luta democrática do país e na própria biografia presidencial, CUT, MST, Comissão Pastoral da Terra, Contag, Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD e Associação das Defensoras e Defensores Públicos pela Democracia, entre outras, enviaram uma carta ao presidente manifestando-se contra a indicação do apadrinhado de Gilmar Mendes. No texto (leia a íntegra), as organizações foram taxativas quanto ao perfil necessário para a PGR, em linha com a definição de Genoino: “Portanto, mais do que nunca, é necessário que o indicado ou indicada para o cargo de Procurador-Geral da República tenha um sólido histórico de defesa dos direitos humanos, de atuação efetiva na defesa da democracia e atividade coerentemente orientada pelo projeto constitucional ao longo de sua trajetória profissional. Infelizmente, o histórico do Subprocurador Paulo Gonet não transmite essa mensagem”.


O texto apresentou ao presidente dois momentos da trajetória de Gonet que foram marcantes (utilizei as informações no artigo citado acima): seu voto contrário à responsabilização do Estado brasileiro pelo assassinato de vários ativistas de lutadores contra a ditadura militar (Zuzu Angel, Edson Luis, Carlos Marighella e Carlos Lamarca) na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, como representante do Ministério Público Federal -foi derrotado; sua posição omissa e leniente com os crimes de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2022, quando era o Procurador Geral Eleitoral no TSE.

No meu artigo, mencionei outros fatos: “em 2016, representando a PGR na Segunda Turma do STF, Gonet enrolou-se na bandeira da Lava Jato e investiu contra Gleisi Hoffmann e seu então companheiro, Paulo Bernardo. Acusou-os de corrupção e lavagem de dinheiro pelo “crime” de receberem verbas legais para campanha eleitoral”. A posição era tão absurda que a PGR voltou atrás e defendeu a rejeição da denúncia. Gleisi e Paulo Bernardo foram absolvidos. Mais: Gonet tem posição histórica contra as cotas, contra os direitos das mulheres. Não constam do artigo duas passagens que vale mencionar: Gonet é a favor do marco temporal e sempre defendeu a prisão após a condenação em segunda instância.
E os 12 milhões?

Como se nada disso bastasse, há algo mais.

Imagine um procurador-geral da República que fosse apadrinhado por um ministro do STF poucos anos depois de ter recebido 12 milhões de reais numa transação estranha. Seria um escândalo, não?

Pois é o que aconteceu.

Até 2017, Gilmar Mendes e Paulo Gonet eram sócios no IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), instituição de ensino superior fundada em 1998. Em 18 de agosto daquele ano, Gonet vendeu sua parte para os Mendes - Francisco Schertel Mendes, um advogado de apenas 32 anos à época adquiriu as cotas e O IDP passou a ser apenas da família.

Foi uma transação milionária. E estranha -note que não está escrito “ilegal”, mas estranha esquisita.

A parte de Gonet, à época já subprocurador-geral da República, foi adquirida pelos Mendes por 12 milhões de reais. Toda a história foi revelada à época pelo jornalista Filipe Coutinho na BuzzFeed News Brasil, que encerrou suas operações no Brasil em 2020. O título da reportagem: Filho de Gilmar comprou cotas de faculdade por R$ 12 milhões no mesmo dia de empréstimo do Bradesco.

Veja o registro na Junta Comercial da operação de compra das cotas de Gonet por R$ 12.004.926,16), com Mendes filho adquirindo 43,44%:


Os dois Mendes e Gonet assinaram a transação:


Foi uma operação casada, lastreada por um empréstimo no Bradesco, no mesmo dia 18. Aqui está o registro da operação com o Bradesco:


O IDP tomou R$ 26.250.000,00 do banco e, desse total, Gonet embolsou 12 milhões de reais. Talvez Gilmar Mendes e o filho pudessem comprar as cotas com dinheiro próprio. Já eram milionários à época. O ministro do STF nunca dependeu dos seu proventos na Corte para sobreviver (hoje ele recebe R$ 41.650,92 mensalmente). Apenas entre 2008 e 2016, segundo registros oficiais, recebeu 7,5 milhões de reais do IDP, a título de distribuição de lucros.

Podendo ou não adquirir a parte do agora ex-sócio com recursos próprios -o que não importa, não é?- os Mendes optaram pelo empréstimo.

Aí a história fica estranha. Utilizando-se do recurso à LAI (Lei de Acesso à Informação), o jornalista Coutinho obteve no Banco Central (BC) a lista dos empréstimos do Bradesco daquele mesmo mês de agosto.

Veja no registro da operação logo acima a taxa de juros cobrada ao IDP: 11,35% ao ano.

Pelo acordo assinado com o Bradesco, o IDP tem até 2032 para pagar o empréstimo, a uma taxa de juros anual de 11,35%. Ocorre que a média dos juros cobrada pelo Bradesco variou entre 24% e 29%, mais que o dobro do oferecido ao instituto dos Mendes.

Segundo a informação oficial do Banco Central, em agosto de 2017, o Bradesco fez 9.917 empréstimos na modalidade capital de giro, superior a 365 dias, de acordo com os dados enviados naquele mês. Apenas SETE tiveram juros menor ou igual ao do IDP. Isso mesmo. 99,92% dos empréstimos que o banco negociou em agosto de 2017 tiveram taxa superior à obtida pelo IDP de Gilmar Mendes.

E nem se pode dizer que o instituto tivesse “nota 10” na relação com o Bradesco que justificasse uma taxa tão irrisória. O IDP hipotecou por três vezes o mesmo imóvel, sede do grupo, como garantia dos empréstimos. E, segundo os registros da relação entre o banco e o instituto, nos empréstimos anteriores, o IDP ter rolado parte das parcelas por não ter conseguido honrá-las no prazo.

Na ocasião, todos preferiram o silêncio sobre a operação.

O IDP refugiou-se na alegação de ser uma instituição privada, apesar de controlado por um ministro do STF explicando apenas que "os 'benefícios' que o jornalista sugere são meras renegociações decorrentes da redução dos juros praticados pelo mercado financeiro" - a nota não esclarece porque só o IDP e mais seis empresas num universo de quase 10 mil teriam obtido negociação tão generosa.

Paulo Gonet, apesar de subprocurador-geral, ou seja, funcionário público, escudou-se no mesmo argumento de não comentar “um negócio particular”.

Volto à pergunta: Imagine um procurador-geral da República que fosse apadrinhado por um ministro do STF poucos anos depois de ter recebido 12 milhões de reais numa transação estranha. Seria um escândalo, não? Como os segmentos democráticos do país teria reagido à indicação de um procurador-geral nessas condições no governo FHC? E no governo Temer? E no governo Bolsonaro.