Perfil

Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

Mensagem aos leitores

Benvindo ao universo dos leitores do Izidoro.
Você está convidado a tecer comentários sobre as matérias postadas, os quais serão publicados automaticamente e mantidos neste blog, mesmo que contenham opinião contrária à emitida pelo mantenedor, salvo opiniões extremamente ofensivas, que serão expurgadas, ao critério exclusivo do blogueiro.
Não serão aceitas mensagens destinadas a propaganda comercial ou de serviços, sem que previamente consultado o responsável pelo blog.



segunda-feira, 27 de junho de 2016

DIREITOS SOCIAIS - 1,5 mil juízes assinam manifesto contra possível reforma trabalhista de Temer


Mais de 1,5 mil juízes do Trabalho associados à Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) aderiram ao manifesto dos ministros do Tribunal Superior do Trabalho no qual criticam uma possível desconstrução do Direito do Trabalho no Brasil.

O documento inicial foi criado e assinado por 20 ministros do TST. Ele é apontado como uma resposta às propostas que estão sendo discutidas no governo do presidente interino Michel Temer, que planeja uma reforma previdenciária seguida de uma reforma trabalhista.

No documento intitulado Documento em defesa do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho no Brasil, os ministros afirmam que é preciso esclarecer a sociedade que a desconstrução do Direito do Trabalho será nefasta sob qualquer aspecto: econômico, social, previdenciário, segurança, político, saúde pública, entre outros tantos aspectos. Conforme os ministros, neste momento de grave crise política, ética e econômica, torna-se essencial uma reflexão sobre a importância dos direitos, em particular os sociais trabalhistas.

Na avaliação do presidente da Anamatra, Germano Siqueira, a adesão ao documento é simbólica e marca a posição majoritária da magistratura do Trabalho em defesa dos direitos sociais. “Qualquer outro discurso contrário a isso é inoportuno e representa grave ameaça aos alicerces e a um mercado civilizado e justo para todos. Toda e qualquer proposta de reforma deve observar a Constituição Federal, que prevê a construção progressiva de novos direitos no intuito de melhorar a condição social do trabalhador e não de reduzir as suas conquistas históricas e fundamentais”, explica.

A 1,5 mil assinaturas foram colhidas pela Anamatra em uma semana. Contudo, o documento continua aberto para novas adesões de juízes de todos os ramos do Poder Judiciário, membros de outras carreiras, instituições, acadêmicos, entidades da sociedade civil e outros interessados. Para manifestar o apoio basta encaminhar e-mail para presidencia@anamatra.org.br, informando nome, cargo e instituição.Com informações da Assessoria de Imprensa da Anamatra.


Revista Consultor Jurídico, 27 de junho de 2016, 16h31

quarta-feira, 22 de junho de 2016

FALSIDADE IDEOLÓGICA STF - absolve deputado Marco Antônio Tebaldi em ação sobre desvio de verbas


Por não encontrar nos autos o dolo específico para a configurar os crimes de falsidade ideológica e de desvio de verba pública, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal absolveu o deputado federal Marco Antônio Tebaldi (PSDB-SC). A decisão, unânime, foi tomada nesta terça-feira (21/6) no julgamento da Ação Penal 569, que teve a ministra Cármen Lúcia como relatora.Reprodução

Os crimes denunciados contra Tebaldi (foto) teriam sido praticados quando o parlamentar era prefeito de Joinville (SC). Ele e mais dois corréus foram condenados pelo juízo da 2ª Vara Criminal de Joinville por fatos envolvendo prestação de contas de um convênio com a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan).

Contra essa decisão foram interpostos recursos de apelação, remetidos ao STF depois que Tebaldi foi diplomado deputado federal. Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia afirmou que não encontrou nos autos dolo específico para a configuração dos crimes imputados aos réus.

Ela destacou que o juiz de primeiro grau, ao condenar os réus, afirmou que “no mínimo” teria havido omissão por não ter sido prestada a atenção devida por parte do prefeito, mas não fez nenhuma demonstração do dolo específico, exigido para o tipo penal. O revisor da ação penal, ministro Dias Toffoli, também seguiu o voto da relatora, no sentido da absolvição dos acusados. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

0
2



Revista Consultor Jurídico, 21 de junho de 2016, 21h41

AMPLA DEFESA - Sócios podem estar no polo passivo da ação desde a instrução processual


A participação dos sócios de uma empresa no polo passivo em uma ação trabalhista desde a fase de instrução é possível e pode ajudá-los no decorrer do processo, pois eles poderão se defender desde o começo do litígio, reforçando as garantias do contraditório e da ampla defesa. Assim entendeu a 6ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP) ao reformar decisão de primeiro grau.

Em primeira instância, a corte não reconheceu o vínculo empregatício e a manutenção dos sócios no polo passivo desde a inicial. Para o relator do caso no TRT-15, desembargador Jorge Luiz Costa, o pagamento das obrigações trabalhistas é, "por excelência", do empregador, que tem legitimidade para estar no polo passivo da ação.

"Como bem pontuou o juízo de origem, os sócios poderiam ser chamados a responder apenas na fase de execução. Entretanto, sua inclusão, já na fase de conhecimento, além de não lhes trazer nenhum prejuízo, ainda lhes traz grande vantagem processual, uma vez que poderão não apenas se defender alegando a ausência de sua responsabilidade, como também, do próprio mérito da reclamação trabalhista, o que lhes garante, certamente, a plena aplicação do inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal", disse Jorge Costa.

O desembargador ressaltou ainda que, apesar de não haver qualquer proibição à inclusão dos sócios no polo passivo da ação na fase de conhecimento, essa indução é expressamente permitida. O artigo 134 do Código de Processo Civil de 2015 delimita que "o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento da sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial".

A 6ª Câmara também reconheceu o vínculo empregatício solicitado na ação, acompanhando o voto do relator, que detectou a presença dos elementos pessoalidade e subordinação. Os autos retornaram à origem para a apreciação de todos os demais pedidos constantes da inicial. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-15.

Clique aqui para ler o acórdão.
Processo 0010308-80.2015.5.15.0017


Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2016, 7h35

domingo, 19 de junho de 2016

Há muitos outros...



Médico brasileiro que atacava cubanos é preso por só bater ponto

Dr. Jetson Luís Franceschi chegava às 7h, estacionava seu BMW junto de uma Unidade Básica de Saúde, batia o ponto e saía para atender em sua clínica particular; no Facebook, atacava o programa do governo que leva médicos a regiões carentes do Brasil, alegando que "não faltam médicos, falta governo!"junho 15, 2016 10:25 am Comentários desativados em Médico brasileiro que atacava cubanos é preso por só bater ponto A+ / A-


Uma notícia lamentável. Um médico, que deveria trabalhar três horas por dia numa Unidade Básica de Saúde (UBA) do Paraná, não cumpria seu horário para atender seus clientes particulares. Enquanto isso, fazia duras críticas ao programa Mais Médicos, do governo, afirmando que há “incompetência do PT” e que “falta governo”, e não médicos no País. A notícia foi dada por Fernando Brito, no blogTijolaço. Leia a íntegra:

Médico preso por só bater ponto fazia campanha contra o “Mais Médicos”

É triste ter de voltar a isso.

Mais uma denúncia, desta vez resultando em prisão em flagrante (veja aqui), sobre um médico que só comparecia ao posto público de saúde onde “trabalhava” apenas para bater o ponto.

O Dr. Jetson Luís Franceschi chegava às sete da manhã, estacionava seu BMW, junto da Unidade Básica de Saúde do Bairro Faculdade, em Cascavel (PR), batia o ponto e saía para atender em sua clínica particular. Perto de dez da amanhã, voltava ao posto, passava algum tempo e saía.

Não fez isso eventualmente, para atender algum compromisso, uma emergência, como poderia acontecer e seria até compreensível.

Era sistemático, diário.

O mês inteiro.


Nela, quase todos os dias, posta fotos e textos atacando o “Mais Médicos”, o governo e a qualidade dos médicos estrangeiros, em especial os cubanos.

O Dr. Jetson pode ser um bom médico e tem o direito, querendo, de ser médico apenas em consultório particular.

Mas não tem o direito de ocupar “ausente” um lugar que precisa ser ocupado por alguém que possa estar presente para atender mulheres – e gestantes, ainda por cima.

E muito menos de criticar e agredir quem está disposto a fazê-lo.

Menos ainda de, com um caso destes, ajudar a formar na população um conceito sobre os médicos que eles – inclusive a maioria dos que são contra o Mais Médicos – não merecem.

O problema da saúde brasileira não é o de médicos “picaretas”. Muito do que dizem os adversários do Mais Médicos sobre precariedades na rede de Saúde é verdade e é um déficit histórico que vai custar a ser resolvido.

E um bons caminhos é que haja médicos nas Unidades Básicas de Saúde como aquela em que o Dr. Jetson deixava abandonada.

Praguimatismo



Fonte: http://www.ceilandiaemalerta.com.br/

sábado, 18 de junho de 2016

Premiado pelo delito cometido - Desembargador condenado por venda de sentença é aposentado em MT



Tribunal de Justiça condenou desembargador à aposentadoria compulsória.

Evandro Stábile está afastado do cargo desde 2010 e cumpre pena em MT.


Lislaine dos AnjosDo G1 MT



Pleno do TJMT condenou o desembargador afastado
Evandro Stábile à aposentadoria compulsória
(Foto: Lenine Martins/ Secom-MT)

O Pleno do Tribunal de Justiça condenou o desembargador afastado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Evandro Stábile, à aposentadoria compulsória. A decisão foi tomada por unanimidade nesta quinta-feira (16). O desembargador, que se encontra preso no Centro de Custódia de Cuiabá (CCC) desde abril deste ano, respondia a Procedimento Administrativo Disciplinar por venda de sentença. A condenação cabe recurso.

Com a decisão, Stábile continuará a receber o salário normalmente, mas sem direito aos benefícios. Segundo consta no site do Tribunal de Justiça, o salário bruto do desembargador, sem benefícios, é de R$ 30,4 mil. O G1 tentou, mas não conseguiu contato com a defesa de Evandro Stábile.

O desembargador foi afastado do cargo por determinação judicial em 2010, quando a Operação Asafe foi deflagrada pela Polícia Federal. A operação investigada vendas de sentença no Judiciário mato-grossense e o desembargado foi acusado de prática de corrupção passiva quando ocupada cargo no Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT).

Pelo crime, Stábile foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em novembro de 2015, a seis anos de prisão em regime fechado e a perda do cargo. O acórdão, porém, foi publicado apenas três meses depois e o desembargador começou a cumprir a pena no dia 9 de abril deste ano.

A condenação de Stábile se deu com base em interceptações telefônicas que apontaram o desembargador cobrando propina para manter um prefeito no cargo. O beneficiado perdeu a eleição e o eleito teve o mandato cassado por suposto abuso de poder econômico.

Operação Asafe
A Operação Asafe foi deflagrada em 18 de maio de 2010 e levou à prisão de oito pessoas, entre as quais, cinco advogados, além do cumprimento de 30 mandados de busca e apreensão. A apuração do caso começou três anos antes, quando a Polícia Federal em Goiás verificou situações que envolviam possível exploração de prestígio em Mato Grosso.

As investigações acabaram chegando a magistrados que atuavam no TRE-MT. A investigação foi denominada Asafe em referência ao profeta que escreveu o Salmo 82 da Bíblia Sagrada. O texto bíblico fala de tramas, conspiração, e exalta a justiça de Deus.


Fonte: http://g1.globo.com/

INTOLERÂNCIA - "Pessoas de bem"


Os distintos diplomados, talvez tidos em seu meio como “pessoas de bem”, afirmam nesse livro que a homossexualidade é “distúrbio sexual determinista” e que a manifestação pública de homossexuais fere os diretos da família e a dignidade das crianças

por Valéria Guimarães



De todas as dúvidas que pairam nesses tempos sombrios, talvez uma seja a mais inquietante: como explicar a adesão massiva a um projeto conservador, ultrapassado e retrógrado por significativa parcela de brasileiros? Além da óbvia ação de certos meios de comunicação e grupos organizados, nada que é semeado brota se não tiver um terreno fértil.

Elias Canetti por décadas tentou entender seus contemporâneos que apoiaram o nazismo. Muitas “pessoas de bem” estavam entre os que preferiram a sofisticação e contenção daCavalgada das valquírias ao percussivo e sensual jazz americano, como em Vichy. O que se conclui é que existia um campo aberto à recepção de ideias que culminaram no horror, como a História nos mostrou. Pessoas apoiaram porque compartilhavam esses valores tidos como superiores. Ou que as faziam se sentir superiores e mais corretas. Só que talvez não esperassem que suas consequências fossem tão assustadoras e, pior, que pudessem se voltar contra elas próprias.

O que vemos hoje no Brasil só pode ser entendido por essa chave: raízes do conservadorismo mais tacanho não precisaram de muitas regas para irromper como plantas daninhas gigantescas e ameaçadoras. O terreno estava pronto. O solo, fertilizado por séculos. Embora tivesse sido limpo e preparado com terra nova, mostrou-se inóspito para o desenvolvimento de outra cultura.

Veja só um exemplo: como conselheira de uma biblioteca, fui chamada a manifestar-me acerca de uma moção do Ministério Público solicitando a retirada do acervo de um livro de direito, por ferir os princípios fundamentais do Estado democrático previstos na Constituição de 1988. Recuso-me a nomear os autores pois não cabe aqui fazer publicidade para o que repudio. Os distintos diplomados, talvez tidos em seu meio como “pessoas de bem”, afirmam nesse livro que o homossexualidade é “distúrbio sexual determinista” e que a manifestação pública de homossexuais fere os diretos da família e a dignidade das crianças. Em outro temerário trecho, destacam que são contrários ao serviço militar feminino por ir contra o bom senso. Essa concepção passa pela alegada fragilidade física do sexo feminino, o que os faz defender que o lugar da mulher deve restringir-se ao recatado ambiente familiar a educar filhos, em prol da paz social.

Ao ler tal descalabro fui reportada imediatamente à passagem do século XIX e XX. Discriminação de toda ordem, fartamente difundida pela imprensa em amplas campanhas de “regeneração”. Jornais e revistas – com lauta referência pseudocientífica, inspirados nas correntes do darwinismo social, na teoria da degenerescência, na escola italiana de Lombroso e em tudo aquilo que culminou nos fascismos e que teve apoio de várias instituições oficiais – combatiam com veemência aqueles que eram julgados como “degenerados” em um amplo espectro que comportava de loucos a suicidas, de boêmios a anarquistas/comunistas, de mestiços, negros, “carcamanos” ou “chinos” a mulheres e afeminados, da cultura popular à moralidade do pobre ou simplesmente do diferente daquilo que as oligarquias patriarcais julgavam ser o modelo de “pessoas de bem” e que deveriam compor a honrada família, núcleo da jovem nação. Havia exceções em nossa imprensa miúda, claro, mas não tinham a mesma força institucional de que gozavam as supostas “publicações de qualidade”.

Mas não, caro leitor. Para minha desagradável surpresa, o livro era de 2009! O mais assustador é que seu conteúdo remonta a uma tradição enraizada em nossa sociedade, erva daninha que ceifamos sem sucesso e que a cada poda parece voltar mais revigorada, irrigada e adubada por tendências obscuras, fruto da ignorância ou talvez da pura perversão. Uma sociedade que produz uma obra que defende tais ideias em pleno século XXI não aparece do nada. Esse fato isolado em muito explica a opção de parcela da população brasileira em corroborar com o projeto conservador do qual será ela própria a vítima.

A moção do MP foi, enfim, acatada e o livro (fruto de uma doação) foi retirado do acervo pois afronta o Artigo 3º, inciso IV que proíbe o preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade etc., conquistas sociais que preveem uma sociedade mais justa e em respeito à diversidade. Não foi, porém, sem causar muita estranheza e constrangimento que reagi ao fato de que semelhante título estivesse presente no catálogo de uma biblioteca universitária onde supostamente o pensamento crítico deveria prevalecer.

Talvez aí esteja o porquê de tantos cidadãos estarem jogando as conquistas dos últimos anos na fogueira. A adesão ao conservadorismo que se revela atualmente é apenas face do mesmo fenômeno que produziu esse livro perturbador. Se você ainda não tinha se dado conta disso e tem apoiado plataformas que defendem o retrocesso de mais de um século, tem adubado ainda mais esse nosso solo fértil para que o atraso se mostre em sua plenitude, talvez deva parar e refletir, caso não queira se confundir com aquelas “pessoas de bem” que acham que estão do lado certo da História.



Valéria Guimarães

professora de História da Unesp.



Foto: Ninja Mídia

Alemães marcham contra a islamização da Europa



© REUTERS/ Hannibal Hanschke


Centenas de ativistas e admiradores do controverso grupo Pegida se reuniram neste sábado em Nuremberg para a realização de uma marcha pelas ruas da cidade contra a islamização da Alemanha e da Europa.



© AP PHOTO/ RONALD ZAK
Confrontos entre nacionalistas e antifascistas deixam 13 feridos em VienaCom cartazes defendendo a "não violência e unidade contra guerras religiosas em solo alemão", os simpatizantes do Pegida realizaram um protesto pacífico, durante todo o trajeto, segundo garantiram os organizadores através das redes sociais.



"Cidadãos! Quem dorme durante a democracia acorda na ditadura", "Parem a Islamização", gritavam os manifestantes, observados por pequenos grupos contrários ao movimento.

O Pegida (Patriotische Europäer gegen die Islamisierung des Abendlandes), Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente, foi criado na cidade alemã de Dresden em outubro de 2014, atraindo milhares de simpatizantes em diversos países da Europa. 

Fonte: http://br.sputniknews.com/

quarta-feira, 15 de junho de 2016

"EFICIÊNCIA"- REFORMULAÇÃO GERAL - Carf demora entre 5 e 10 anos para julgar ações, diz Ministério da Transparência





O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais precisa de uma grande reformulação em sua estrutura para atender seus jurisdicionados, pois apresenta uma série de problemas: demora em julgamentos, falta de transparência na escolha de conselheiros, ausência de avaliação de desempenho dos julgadores e sistema processual sem controle de alterações manuais.

Essa é a síntese dos apontamentos feitos pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC), pasta que substituiu a Controladoria-Geral da União, em levantamento sobre o Carf. “O Carf não tem conseguido dar cumprimento, em tempo razoável, à sua atribuição de apreciar, em segunda instância, os processos administrativos fiscais a ele submetidos”, diz a pasta.

O estudo, feito em 2015, analisou os dados do Carf desde 2009 e foi motivado, segundo o MTFC, pelas irregularidades encontradas durante as investigações da operação zelotes, que apurou um esquema de propinas para redução e anulação de créditos tributários de grandes empresas. Consta no documento que, entre 2011 e 2014, o estoque processual do Carf aumentou 29,8%, passando de 104 mil para 135 mil.

No período, foram julgadas 122,6 mil ações. Esse crescimento, segundo o relatório, teria influenciado na tramitação processual, pois consta no levantamento que o tempo médio de apreciação processual em 2014 superou os cinco anos. Além disso, 11% do acervo, que corresponde a 13 mil processos, está há mais de 10 anos aguardando julgamento. NoOffice of Appeals — o "Carf" dos Estados Unidos —, por exemplo, o tempo médio para apreciação de uma ação varia entre 90 dias e um ano, conforme a complexidade do caso.

O relatório aponta como causas desse problema as ausências de gerenciamento do acervo processual, de estrutura adequada de apoio aos conselheiros, de metas e de avaliação de desempenho dos julgadores. “A falta de tempestividade na atuação do Carf acaba por gerar um desestímulo à arrecadação espontânea, seja em razão da percepção da ineficiência na cobrança tributária por parte do Estado, ou do sentimento de injustiça na distribuição do ônus tributário.”



Sistema não tão automatizado
O e-processo, sistema usado no Carf para a contabilização dos recursos e sorteio de conselheiros responsáveis pelos casos, foi duramente criticado por ser altamente suscetível a influências externas. Consta no levantamento que, apesar de a escolha do julgador ser eletrônica, a seleção dos lotes e dos possíveis responsáveis no órgão dependem de inserção manual no referido sistema.

Esse modelo de trabalho, conforme consta no relatório, existe porque o sorteio dos processos considera as horas disponíveis de cada conselheiro para a relatoria processual, o que gera outro problema, a falta de produtividade. “Supondo que os conselheiros com menor e maior números de horas disponíveis para relatoria possuam, respectivamente, 10 e 100 horas, serão formados lotes de 10 horas. No sorteio a ser realizado no sistema, o nome do primeiro é inserido apenas uma vez e do segundo 10 vezes.”

Outro ponto negativo do sistema para o MTFC é a deficiência no controle das mudanças de configuração do e-processo. “Dentre os efeitos decorrentes da ausência dessas medidas de controle sobre as alterações efetuadas no sistema e-processo por parte dos configuradores de unidade, destaca-se a possibilidade de alterações indevidas no sistema, que podem vir a resultar, inclusive, em direcionamento de processos.”

A falta de normas sobre a distribuição processual, de acordo com o Ministério da Transparência, aumenta os riscos de “desvio de conduta, especialmente por direcionamento de processos, bem como a trazer maior dificuldade ou até mesmo inviabilizar o processo de responsabilização, uma vez que não é fixada a conduta esperada dos servidores.”

Dados viciados
O documento apresentado também destaca que o modelo de escolha dos conselheiros do Carf, devido à vinculação à Fazenda Nacional ou aos contribuintes, gera um “potencial risco de conflito de interesse”, levando o julgador a decidir mais favoravelmente ao lado que o fez chegar ao Conselho.

O Carf tem dois modelos de escolha de conselheiros: uma para os representantes da Fazenda Pública e outro para os julgadores que representam os contribuintes. Porém, nos dois casos, os nomes sugeridos são encaminhadas ao Comitê de Acompanhamento, Avaliação e Seleção de Conselheiros (CSC) e, por fim, ao ministro da Fazenda, que toma a decisão.

No caso da Fazenda, é usada lista tríplice apresentada pela Secretaria da Receita Federal. Já os outros integrantes são indicados pelas confederações que representam categorias econômicas de nível nacional e as centrais sindicais.

“Considerando que, para o ingresso e a recondução no cargo, há necessidade da indicação e aprovação da entidade de origem, existe uma inclinação para julgar conforme sua procedência para manter-se no mandato e garantir a recondução, além do fato de que o vínculo com o Carf se limita ao período do mandato”, opina o MTFC.

Dentro dessa falha, o Ministério da Transparência mostra que há outro problema: o número de entidades que indicam os conselheiros. No caso dos julgadores que representam os contribuintes, apesar de dez entidades serem representadas no conselho, 81% das vagas se destinam às confederações nacionais do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC); da Indústria (CNI) e das Instituições Financeiras (CNF).

Em relação aos conselheiros que representam a Fazenda, o MTFC destaca que não são apenas os originários Receita Federal que têm condições de atuar no Carf. “Servidores de outros órgãos, como os procuradores da Fazenda Nacional, têm conhecimento e ligação com o tema, bem como outros servidores com conhecimentos semelhantes exigidos aos representantes dos contribuintes (direito tributário, processo administrativo fiscal e tributos federais).”

Diferenças entre conselheiros
Também é questionada a diferença de tratamento e salarial entre conselheiros da Fazenda Nacional. Um desses questionamentos envolve o voto de qualidade, que é uma prerrogativa de representante do setor público. “Esse cenário contribui para o risco de corrupção podendo inclusive impactar no risco à imagem do órgão, caso essa situação se mantenha a longo prazo, se tornando um aspecto da cultura organizacional do Carf.”

A responsabilização administrativa dos conselheiros é um dos pontos citados nessa diferenciação entre representantes da Fazenda e dos contribuintes. Os julgadores que ocupam as vagas destinadas ao setor público são penalizados com base na Lei 8.112/1990 podem perder seu mandato do Carf. Já os ocupantes dos postos dos contribuintes podem apenas perder o mandato, e só serão enquadrados na Lei 8.112/1990 quando houver motivação suficiente.

“A ausência de outras penalidades administrativas aos conselheiros dos contribuintes e um processo diferenciado provocam o risco de aumento da sensação de impunidade e, por isso, há o risco de corrupção”, opina o MTFC, que critica ainda a falta de transparência e publicidade na elaboração das listas para a escolha de conselheiros.

“Ressalta-se que, se esse processo não for transparente, há o risco de a elaboração da lista tríplice favorecer um candidato, por meio de direcionamento, ao descartar candidatos mais bem qualificados para competir com o favorecido na lista tríplice apresentada ao Comitê de Acompanhamento, Avaliação e Seleção de Conselheiros (CSC)”, diz o Ministério da Transparência.

Como opção ao modelo atual, o MTFC cita o exemplo do Tribunal Administrativo Tributário de Pernambuco, que escolhe seus conselheiros por meio de concurso público. “Tem-se o referencial do Tribunal Administrativo Tributário do Estado de Pernambuco, que optou por acabar com o sistema paritário e selecionar seus conselheiros por meio de concurso público, compondo uma carreira própria de conselheiros tributários do Estado, com intuito de trazer unicidade e controle mais amplo e eficaz às atividades de julgamento.”

Nem tudo é erro
Apesar das inúmeras falhas apontadas no relatório, o Ministério da Transparência elogiou a chegada de 24 novos servidores ao órgão, sendo 12 analistas tributários da Receita Federal, 11 assistentes técnico administrativo e um analista técnico administrativo. “Segundo entrevista com a alta cúpula do Carf, embora não haja previsão para implantação de plano de cargos e salários, há a perspectiva de que nos próximos concursos do Ministério da Fazenda sejam destinadas vagas específicas ao órgão.”

Apesar de não haver um bom controle interno no Carf, o Ministério viu positivamente a vontade da atual administração do órgão em implantar um planejamento. “No decorrer dos trabalhos da auditoria, foi possível constatar que a nova gestão do Carf adotou medidas para melhorar a sua estrutura de controles internos, dentre as quais destacam-se: a alteração do organograma do órgão com a inclusão de uma estrutura de auditoria diretamente ligada à presidência; a nomeação do chefe de auditoria interna e risco; a constituição de uma equipe para propor a política de gestão de riscos; e a elaboração de um projeto para implantação da gestão de riscos.”


Brenno Grillo é repórter da revista Consultor Jurídico.


Revista Consultor Jurídico, 14 de junho de 2016, 20h35

ACADEMIA DE POLÍCIA - Em vez da caneta do constituinte, armas dos militares mudaram a Constituição






É cediço que as atribuições dos órgãos policiais são elencadas taxativamente na Constituição Federal, que reserva as tarefas de prevenção e repressão de infrações penais a instituições distintas. À Polícia Militar incumbe a missão de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (artigo 144, parágrafo 5º da CF), enquanto à Polícia Civil e à Polícia Federal cabem as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais (artigo 144, parágrafos 1º e 4º da CF). A investigação criminal de crimes comuns deve ser feita pela polícia judiciária, tendo a Carta Maior autorizado a Polícia Militar a apurar somente os crimes militares.

Seguindo a diretriz constitucional, o artigo 4º do Código de Processo Penal estabelece que a apuração criminal é tarefa da autoridade policial, e o artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 12.830/13 consagra que “ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei”. De outro lado, o artigo 8º do Código de Processo Penal Militar afirma que a investigação da Polícia Militar cinge-se aos crimes militares. Em adição, o Decreto-Lei 667/69 e o Decreto 88.777/83 conceituam as atividades de policiamento ostensivo e manutenção da ordem pública, evidenciando que são muito diferentes da investigação criminal — aliás, os termosinvestigação e apuração sequer são encontrados no texto legal.

A outorga dessa atribuição exclusivamente ao delegado de polícia não surpreende, ao se ter em mente que, no âmbito policial, apenas a autoridade policial pertence a uma carreira jurídica, conforme atestou a corte suprema[1] e o legislador[2]. Já quanto aos oficiais da Polícia Militar, ainda que tenham formação de grau superior, o STF asseverou que as atribuições desempenhadas pelos milicianos não são “sequer assemelhadas às da carreira jurídica”[3]. O Superior Tribunal de Justiça, de igual forma, constatou que a atividade do policial castrense “não caracteriza atividade relacionada a carreiras jurídicas”[4].

Por isso mesmo sustenta a doutrina que todo miliciano, do mais raso soldado ao mais antigo coronel, é considerado um agente da autoridade policial[5]. O legislador não divergiu e utilizou (artigo 301 do CPP) o termo agente da autoridade pra se referir a outros policiais que, por não serem autoridades, atuam sob o comando ou supervisão do delegado de polícia. Essa constatação, longe de desmerecer a importante função desempenhada pelos policiais fardados, apenas esclarece qual a missão de cada policial na persecução penal.

Nessa perspectiva, segundo o STF, nenhum outro agente público está autorizado a exercer função de autoridade policial:

Este tribunal reconheceu a inconstitucionalidade da designação de estranhos à carreira para o exercício da função de delegado de polícia, em razão de afronta ao disposto no artigo 144, parágrafo 4º, da Constituição do Brasil. Precedentes[6].

Em frontal violação ao parágrafo 4º do artigo 144 da Constituição, a expressão impugnada faculta a policiais civis e militares o desempenho de atividades que são privativas dos delegados de polícia de carreira. De outra parte, o parágrafo 5º do artigo 144 da Carta da República atribui às polícias militares a tarefa de realizar o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. O que não se confunde com as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais, estas, sim, de competência das polícias civis[7].

A doutrina não diverge do tribunal constitucional:

A Polícia Militar, por força do artigo 144 da Constituição da República, possui a função tão somente de realização de policiamento ostensivo e, como qualquer outro cidadão, prender em flagrante delito. A polícia judiciária é da Civil, frise-se. (...) Evidentemente, não estamos aqui satanizando a Polícia Militar, apenas indicando seu lugar. (...) Cuida-se de colocar cada personagem do sistema penal em seu lugar respectivo[8].

O artigo 144 não configura simples aconselhamento ou opinião, cuja observância esteja adstrita à vontade pessoal dos agentes. (...) A atuação dos órgãos estatais, necessariamente, deve ser pautada pelo princípio da legalidade, seguindo com rigor a definição prévia de atribuições e limites previstos para cada função[9].

Como admitir que um policial militar (cabo, sargento, capitão ou detentor de outra hierarquia) possa "conhecer" e "diligenciar" a respeito de infração de direito penal comum? Se à Polícia Civil não é deferida atribuição de apurar as infrações penais de natureza militar, a recíproca é também verdadeira[10].

Outrossim, as competências e atribuições que resultam diretamente do texto constitucional não podem ser ampliadas por interpretação extensiva da Constituição, que almeje encontrar funções implícitas num rol taxativo de funções[11].

Pois bem, conquanto a exegese dos mencionados dispositivos seja de clareza meridiana, infelizmente alguns vêm utilizando malabarismo hermenêutico para usurpar atribuição não outorgada pela Constituição e investigar crimes comuns nas sombras dos quartéis. Além de instaurar inquéritos para apurarhomicídios praticados por milicianos contra civis e lavrar termos circunstanciados de ocorrência[12], policiais militares estão cada vez mais se aventurando a investigar os cidadãos por toda sorte de crimes, conduzindo pessoas para destacamentos militares em pleno século XXI, num perigoso flerte com a ditadura militar.

A Polícia Militar não raras vezes se vale da P2 (serviço reservado ou velado) para investigar crimes comuns, sendo que esse serviço de inteligência deveria se limitar a apurar crimes militares e colher informações para subsidiar as decisões estratégicas do órgão (tal qual a alocação de viaturas e policiais). Os militares que abandonam suas fardas para investigar à paisana arvoram-se na condição de autoridade policial e, como num passe de mágica, convertem o quartel numa delegacia de polícia medieval. Promovem apurações informais, mitigando direitos fundamentais sem submissão aos rígidos prazos judiciais, passando ao largo do controle externo do Ministério Público e inviabilizando a atuação defensiva (que foi reforçada com a Lei 13.245/16)[13].

A afronta tem sido tamanha que a Secretaria Nacional de Direitos Humanos se viu obrigada e editar a Resolução 8/12, que em seu artigo 2º, XI coíbe tais apurações inconstitucionais, sendo repelidas também pela doutrina:

Qualquer atividade investigatório-criminal seja ou não “discreta”, PM2 etc., realizada por policiais militares, reveste-se de inconstitucionalidade, podendo, inclusive, constituir crime de abuso de autoridade (Lei 4.898/65). Nesses casos, deverão responder penalmente, como autores mediatos, as autoridades responsáveis pelo comando. E, ainda, em casos excepcionais, os próprios agentes policiais poderão responder criminalmente por usurpação de função pública. Ademais, a” insegurança” e a falta de policiamento ostensivo, em todas as grandes cidades do país, estão a exigir mais empenho das corporações militares[14].

A Constituição está sendo reescrita. A cada telefone interceptado, cada busca e apreensão domiciliar e cada campana arquitetada pela PM, a repartição constitucional de atribuições perde força, em prejuízo do cidadão e benefício da ambição corporativista dos milicianos. Não há nenhum problema em reformar a Constituição, desde que pela caneta do constituinte, mas nunca pelas armas dos militares. Estamos assistindo a uma verdadeira redistribuição manu militari de atribuições constitucionais.

Vale grifar que, ainda que a Lei Fundamental fosse alterada pelos meios adequados, militarizar a investigação significaria andar na contramão da história[15], num contexto em que a desmilitarização não apenas da apuração de crimes, mas do próprio policiamento ostensivo, vem sendo defendida por juristas[16], estudiosos das ciências sociais[17], militares[18] e instituições nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos, tais como IBCCrim[19], Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas[20], Corte Interamericana de Direitos Humanos[21], Anistia Internacional[22], Comissão Nacional da Verdade[23] e Secretaria Nacional de Direitos Humanos[24].

Mesmo que se reconheça que as polícias judiciárias precisam de investimentos para melhor desempenhar seu mister, as máculas estruturais e o discurso de combate à criminalidade não têm o condão de autorizar a militarização da investigação e a mitigação da carta constitucional de direitos fundamentais. A sanha utilitarista não pode jogar por terra garantias que não foram conquistadas do dia para a noite. É preciso lembrar que, em se tratando da prática de atos invasivos dos direitos fundamentais, o agente estatal deve necessariamente observar a estrita legalidade[25], postulado congênito ao Estado de Direito[26]. A investigação deve se curvar à Constituição, e não vice-versa.

Sempre que um agente público incompetente se imiscui em função alheia, as consequências para a persecução penal são desastrosas, acarretando a ilicitude de provas, a ineficiência do Estado e a responsabilização pessoal do agente usurpador[27]. De mais a mais, deixa o Brasil sujeito a nova condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, tal como ocorreu no Caso Escher[28], em que um policial militar usurpou as atribuições da polícia investigativa com a cumplicidade do Judiciário, gerando uma indenização de US$ 30 mil.

Demonstrados os nefastos efeitos da apuração militarizada, espanta o fato de que muitas dessas investigações sub-reptícias são feitas com a chancela de promotores de Justiça, que formulam pedidos de medidas cautelares com suporte único nas apurações draconianas da PM e transformam pedidos feitos pelos milicianos em requerimentos judiciais; com a indiferença de delegados de polícia, que lavram flagrantes e indiciam com base exclusiva em provas ilícitas decorrentes de cautelares probatórias requeridas ou cumpridas autonomamente pela PM; com a omissão de defensores públicos e advogados, que sequer questionam os elementos ilegais angariados; ou com a conivência de juízes, que chegam a deferir as representações feitas por policiais militares. Essa parcela de atores jurídicos fecha os olhos para o aviso do Tribunal Constitucional e da Corte Interamericana de Direitos Humanos e contribui para o sepultamento da legitimidade da persecução criminal.

Quando ausente esse apoio, um artifício bastante comum para conferir ares de licitude a uma prisão decorrente de investigação militarizada é camuflá-la como denúncia anônima ou policiamento rotineiro. A PM investiga um delito comum, executando campana, interceptação telefônica, ouvindo testemunhas ou adotando outros meios de apuração e, após surpreender o agente em flagrante delito, justifica a ação policial como derivada de delação apócrifa ou de abordagem ocasional em patrulhamento de rotina. Também costuma utilizar eufemismos como investigação preventiva ou levantamentoa pretexto de legitimar um abuso que flerta com o Estado policial, propositalmente confundindo ato de polícia ostensiva com ato de investigação.

É preciso deixar claro que a exigência do respeito à divisão constitucional de atribuições em nada macula a importância da polícia castrense e a necessidade de convivência harmônica com a polícia investigativa. Porém, as precisas palavras do ministro Celso de Mello merecem destaque:

Essencial que se construa, com estrita observância do que dispõe a Carta Política, um sistema organizado de proteção social contra a violência arbitrária da Polícia Militar (lamentavelmente em processo de contínua expansão) e de imediata reação estatal. (...) É preciso advertir esses setores marginais que atuam criminosamente na periferia das corporações policiais que ninguém, absolutamente ninguém — inclusive a Polícia Militar — está acima das leis[29].

Nenhuma garantia constitucional é pequena demais para ser jogada no lixo. A escuridão da caserna não é lugar adequado para se apurar crimes comuns. A garantia de ser investigado apenas pela autoridade de polícia judiciária devida, em respeito ao princípio do delegado natural[30], revela-se verdadeiro direito fundamental do cidadão. Os fins não justificam os meios no campo da devida investigação criminal, em que forma significa garantia[31] e condição necessária da confiança dos cidadãos na Justiça[32].


[1] STF, Tribunal Pleno, ADI 3.441, rel. min. Carlos Britto, DJ 9/3/2007; STF, Tribunal Pleno, ADI 2.427, rel. min. Eros Grau, DJ 30/8/2006; STF, tribunal pleno, ADI 3.460, rel. min. Ayres Brito, DJ 31/8/2006.
[2] Artigo 2º da Lei 12.830/13.
[3] STF, RE 401.243, rel. min. Marco Aurelio, DP 18/10/2010.
[4] STJ, RMS 26.546, rel. min. Benedito Gonçalves, DJ 9/3/2010.
[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 827; TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 406; SANTOS, Célio Jacinto dos. In: DEZAN, Sandro Lúcio; PEREIRA, Eliomar da Silva (Org.).Investigação criminal. Curitiba: Juruá, 2013, p. 64.
[6] STF, Tribunal Pleno, ADI 2.427, rel. min. Eros Grau, DJ 30/8/2006.
[7] STF, Tribunal Pleno, ADI 3.441, rel. min. Carlos Britto, DJ 9/3/2007.
[8] ROSA, Alexandre Morais da; KHALED JUNIOR, Salah H. Polícia Militar não pode lavrar Termo Circunstanciado: cada um no seu quadrado. Justificando.com. 7/1/2014.
[9] FREITAS, Jéssica Oníria Ferreira de; PINTO, Felipe Martins. Da ilegitimidade dos atos probatórios desenvolvidos pela Polícia Militar: uma análise sob a ótica do princípio da legalidade. Revista Duc In Altum - Caderno de Direito. v. 4. n. 6. jul-dez. 2012.
[10] DOTTI, René Ariel. A autoridade policial na Lei 9.099/95. Boletim IBCCRIM. n. 41. maio/1996.
[11] STF, ACO 1856, rel. min. Carmen Lúcia, DJe 10/2/2014.
[12] CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Termo circunstanciado deve ser lavrado pelo delegado, e não pela PM ou PRFRevista Consultor Jurídico, set. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-set-29/academia-policia-termo-circunstanciado-lavrado-delegado>. Acesso em: 29.set.2015; CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. PM homicida deve ser investigado pela Polícia JudiciáriaRevista Consultor Jurídico, jan.2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-jan-05/academia-policia-pm-homicida-investigado-policia-judiciaria>. Acesso em: 5.jan.2016.
[13] CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de; COSTA, Adriano Sousa.Advogado é importante no inquérito policial, mas não obrigatórioRevista Consultor Jurídico, jan. 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-jan-14/advogado-importante-inquerito-policial-nao-obrigatorio>. Acesso em: 14.jan.2016.
[14] NUCCI, Guilherme de Souza. Juizados Especiais Criminais Federais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 57-58.
[15] CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de; SANNINI NETO, Francisco.Antes de discutir o ciclo completo, é preciso desmilitarizar a políciaRevista Consultor Jurídico, out.2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-out-19/antes-discutir-ciclo-completo-preciso-desmilitarizar-policia>. Acesso em: 6.dez.2015.
[16] VIANNA, Túlio. Desmilitarizar e unificar a políciaRevista Fórum, jan.2013. Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/01/desmilitarizar-e-unificar-a-policia>. Acesso em: 7.set.2015.
[17] MOURÃO, Janne Calhau. Só nos resta a escolha de Sofia? Tortura, Brasília, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2010, p. 215-216; MANSO, Bruno Paes. O homem x. Uma reportagem sobre a alma do assassino em São Paulo. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 220-221/249.
[18] SOUZA, Adilson Paes de. A educação em direitos humanos na Polícia Militar. 2012. 156 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
[19] Advertências à militarização da ideia de segurança pública. Editorial do Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 206, jan.2010. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4011-EDITORIAL-Advertncias-militarizao-da-ideia-de-segurana-pblica>. Acesso em: 8.set.2015;"Ciclo completo de Polícia": ou indevida investigação legal. Editorial do Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 199, jun.2009. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/boletim_editorial/236-199-Junho-2009>. Acesso em: 8.set.2015.
[20] Relatório do Grupo de Trabalho sobre o Exame Periódico Universal (EPU) do Brasil, de 2012.
[21] Caso Escher e Outros vs Brasil, Sentença de 6/7/2009; Caso Castillo Petruzzi e Outros vs Peru, Sentença de 30/5/1999.
[22] Anistia Internacional, Informe Anual 2014/15.
[23] Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Volume I. Parte V. Conclusões e recomendações. p. 971.
[24] Resolução 8/12, que busca, dentre outras coisas, coibir a investigação de crimes comuns pelo Serviço Reservado da Polícia Militar (P2).
[25] Artigo 37 da CF; artigo 2º, a da Lei 4.717/65; artigos 2º, 11, 13, III e 53 da Lei 9.784/99; artigos 1º e 2º Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (Resolução 34/169 da ONU).
[26] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 97.
[27] CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Termo circunstanciado deve ser lavrado pelo delegado, e não pela PM ou PRFRevista Consultor Jurídico, set. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-set-29/academia-policia-termo-circunstanciado-lavrado-delegado>. Acesso em: 6.dez.2015.
[28] CIDH, Caso Escher e Outros vs Brasil, Sentença de 6/7/2009.
[29] STF, ADI 1494, rel. min. Celso de Mello, DJ 9/4/1997.
[30] ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: JusPodivum, 2016, p. 148/149; NUCCI, Guilherme de Souza. Prática forense penal. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 32.
[31] HASSEMER, Winfried. Critica al derecho penal de hoy. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 82.
[32] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo: RT, 2002, p. 496.
 é delegado de Polícia Civil do Paraná, mestrando em Direito pela Uenp, especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UGF e em Segurança Pública pela Uniesp. Também é professor convidado da Escola Nacional de Polícia Judiciária, da Escola Superior de Polícia Civil do Paraná, da Escola da Magistratura do Paraná e da Escola do Ministério Público do Paraná e professor-coordenador do Curso CEI e da pós-graduação em Ciências Criminais da Facnopar. Redes sociais: Facebook,TwitterPeriscope e Instagram

Revista Consultor Jurídico, 14 de junho de 2016, 8h10

CONTAS À VISTA - Do Estado fiscal ao Estado endividado na sociedade desejante





A expressão Estado endividado foi utilizada por Wolfgang Streeck (não confundir com Lenio Streck, competente colunista da ConJur) em seu livro Tempo Comprado (Coimbra: Conjuntura Actual Editora, 2013), no qual faz uma instigante análise sobre a passagem do modelo de financiamento do Estado por tributos para o sistema de financiamento por meio de endividamento. É uma proposta teórica interessante, pois trata de dois diferentes institutos de Direito Financeiro: o da arrecadação tributária e o da arrecadação por meio de empréstimos públicos, sendo que este gera uma contrapartida de pagamento futuro, desdobrado em principal (pagamento do montante emprestado) e de seu custo (pagamento dos juros e demais encargos da dívida).

A ideia básica decorre do esgotamento da população em aceitar aumento da carga tributária, que no Brasil encontra-se por volta dos 35%. Logo, não existe mais suporte político para o crescimento da massa de tributos, apenas para eventuais ajustes dentro de cada incidência tributária, a fim de implementar a seletividade ou a indução fiscal.

O Estado é uma das mais fantásticas invenções humanas. Dentre outros, cumpre um papel distributivo, pois arrecada de todos para gastar com alguns por meio de políticas públicas destinadas a cumprir aquilo que o ordenamento jurídico estabelece como diretriz para uma dada sociedade. Todos sabemos que o tributo, em suas diferentes modalidades, é o montante que nos é cobrado para sustentar os serviços públicos que o Estado deve prestar à sua população.

Há quem afirme que, por meio do pagamento de tributos, o homem saiu de sua condição de servo e se transformou em cidadão. Antes, haveria umEstado patrimonial, em que o homem não possuía liberdade, sendo um servo da gleba, vinculado à terra que cultivava para seu amo, dono e senhor. O pagamento das obrigações (corveias e talhas) era feito em trabalho ou em produtos, não havendo nenhuma autonomia ou reconhecimento de direitos entre as partes envolvidas, apenas subordinação e subjugação de um homem pelo outro, fruto do sistema econômico estratificado existente. Um pagava porque era de um status inferior, e o outro recebia porque era de um status superior. Não havia nenhuma relação jurídica que obrigasse o uso desses recursos em prol do bem de todos, ou que se caracterizasse como uma fórmula de reconhecimento de autonomia pessoal daqueles que pagavam. As relações sociais eram assim “porque sempre haviam sido desse jeito”. Os homens, em qualquer posição que estivessem nesse contexto, não conseguiam se ver de outro modo que não fosse aquele. O Estado era o rei, como na célebre frase de Luiz XIV, avô do guilhotinado Luiz XVI — o que bem demonstra a mudança que iria ocorrer. E, como rei, recebia recursos pagos por seus vassalos, justamente por serem vassalos, e ele ser seu soberano.

Após várias revoluções burguesas em que este segmento social se insurgiu contra o estado de coisas acima brevemente esboçado, foi sendo paulatinamente criado um sistema em que as pessoas pagariam um valor em dinheiro, de forma periódica, desde que tivesse por substrato uma situação que revelasse capacidade econômica para pagamento, e, suprema necessidade, essa obrigação de pagar fosse determinada pelo Parlamento — que supostamente seria eleito e representaria todo o povo. Essa fórmula revolucionária foi o tributo, que apartou o patrimônio do rei daquele que seria o patrimônio do Estado. Surge daí o Estado fiscal, no qual a figura do tributo aparece como o preço da civilização. Mediante o recebimento de tributos, que todas as pessoas devem pagar, o Estado se obriga a prestar serviços públicos em prol da sociedade. Dessa maneira, ultrapassa-se a fase histórica anterior, surgindo direitos e deveres recíprocos entre as partes envolvidas.

A estratégia então vigente era que as receitas arrecadadas em um dado período fossem suficientes para cobrir as despesas necessárias dentro do período correspondente, havendo assim um orçamento equilibrado. Dessa forma, cada Estado deveria viver com o montante que tivesse sido autorizado a arrecadar de tributos por parte de seus cidadãos.

Claro que remanesciam problemas, pois uns pagavam mais do que outros, e, muitas vezes, se constatava que existiam aqueles que nada pagavam, muito embora tivessem expressivos signos de riqueza que admitiriam o suporte de carga tributária. E, mais ainda, as receitas públicas administradas pelos governos nem sempre focavam no interesse de toda a sociedade, sendo mais frequente o foco nos interesses do segmento burguês na sociedade, que, afinal, fez as revoluções que desembocaram nesse modelo de Estado. Não estava na pauta de análise desse Estado a redução das desigualdades sociais, pois servia muito mais como suporte para o desenvolvimento de relações econômicas desiguais que eram mantidas e se potencializavam. O Estado, nessas situações, se revelava muito mais um fiador da manutenção das desigualdades que um instrumento para sua ultrapassagem.

Desde meados do século XX, a dinâmica do Estado fiscal foi acelerada. Surgiu no pós-guerra uma sociedade de consumo, espetacularizada, onde a produção em massa de bens e serviços e o desenvolvimento de mecanismos de marketing geravam cada mais um desejo de consumo no seio da sociedade, como condição de bem-estar. Tornou-se mais importante ter bensdo que ser uma pessoa com autonomia e independência. Aliás, em muitos casos, a exteriorização da posse desses bens se tornou mais importante do que sua pertença — ter mais carros, mais roupas, mais computadores de última geração, mais objetos suntuários, mais tudo. Isso impactou fortemente as necessidades públicas, pois onde havia um patamar mínimo de prestações civilizatórias a serem concedidas pelo Estado passou-se a exigir cada vez mais suporte para essa disputa inglória entre pessoas, empresas, sociedades e países.

Ocorre que essa sociedade desejante tem um foco absolutamente individualizado, onde não se reconhece o outro, logo, a ideia de se pensar a sociedade como um todo, onde agimos e interagimos coletivamente, foi deixada de lado. O desejo é algo individual, e implica na busca de se ter tudo que se quer, a qualquer tempo e hora. Não há cunho social no desejo, apenas o “eu quero para mim”.

Essa sociedade desejante, fortemente individualizada, quer obter prestações civilizacionais de forma cada vez mais rápida, porém não tolera a ideia de aumentar a carga tributária. Mais estradas, escolas, hospitais, transporte público, lazer, teatros, segurança..., é preciso ter tudo isso agora, já, para que os atuais membros dessa sociedade gozem desse novo patamar de vida, não sendo possível aguardar a formação de poupança pública para fazer frente a tantos desejos. Aumentar a poupança da sociedade para satisfazer a esse novo patamar de desejos implicaria na modificação de hábitos econômicos, sendo uma tarefa de longo prazo. Como proceder a isso de forma acelerada e para todos, e não só para alguns?

Uma das fórmulas encontradas foi a da intensificação do endividamentopúblico, por meio do qual se obtém recursos agora, para pagamento futuro. É em razão dessa troca entre gasto público atual, mediante recursos hauridos por empréstimos, e o comprometimento de renda futura para seu pagamento, que se costuma dizer que empréstimos são tributos antecipados, ou seja, comprometem os tributos que serão arrecadados pelas futuras gerações para pagamento dos gastos feitos pela atual geração. Isso ocorreu em todos os países da chamada civilização ocidental.

Surge daí o Estado endividado, que nos leva ao debate sobre sustentabilidade orçamentária, que congrega não apenas as usuais categorias de receita egasto públicos, acrescendo a do crédito público e o debate sobre a qualidadedo gasto.

O fato é que o capital não tem fronteiras, e o Estado endividado é uma realidade nos dias que correm. A crise europeia relatada por Avelãs Nunes em magnífica obra (Quo Vadis, Europa), publicada pela editora Contracorrente (que é fruto do empreendedorismo do Rafael Valim), e a crise brasileira desta segunda década do século XXI demonstram que não se trata de um fenômeno isolado. Trata-se da decadência de um modelo adotado pelos países ocidentais, baseado no financiamento do Estado por meio do capital financeiro, que submete as decisões de Estado à sua lógica e sistema de apropriação de excedentes. O Estado vive para atender aos desejos da população atual e, para tanto, se endivida, sendo obrigado a pagar juros e a rolar sua dívida infinitamente, o que comprime os demais gastos necessários para o bem-estar de toda a sociedade, e as disponibilidades financeiras das gerações futuras, que serão comprimidas para pagamento do endividamento atual.

Se antes, durante o Estado patrimonial, a crise era decorrente de um déficit de cidadania, e durante o Estado fiscal a crise era de legitimidade entre o que era arrecadado de todos e usado em prol de alguns, agora, durante esta fase desejante da sociedade atual, o Estado endividado gera crises pela apropriação dos excedentes, subordinando até mesmo o capitalismo industrial, o comercial e o agrário às determinações do capitalismo financeiro — além dos trabalhadores, claro. Sujeitamo-nos, todos, ao papel de pagantes de juros das promessas civilizatórias de uma sociedadedesejante.

Os desequilíbrios socioeconômicos permanecem, dentro e fora das fronteiras nacionais, em face da acumulação histórica do capital e de sua completa globalização. Os fatos se aceleram e todos pagamos em favor de alguns poucos. Isso ocorre mesmo na União Europeia, que se pretende umaconstelação pós-nacional, mas que se configura em uma sociedade sem povo nem cultura comuns — qual a identidade entre um cidadão português e um cidadão alemão, além de terem nascido no mesmo continente, aglomerado geopolítico? Parece claro que não existe um povo europeu, o que bem demonstra o déficit democrático das tentativas de coordenação política em torno de uma Constituição europeia, como ensina Avelãs Nunes na referida obra. Sendo assim, em prol de quem está sendo construída esta estrutura política? A resposta dada por Avelãs revela o capitalismo financeiro como o grande artífice desse movimento.

Além da estrita análise europeia, isso pode ser perquirido ao longo do globo em diversos graus. A esperança de uma sociedade mais livre, justa e solidária se dissolve no ar que nos sufoca, transformando-se em uma miragem no deserto.

Antes, durante o Estado patrimonial, o enfeudamento se dava entre pessoas, suserano e vassalo. Hoje, no Estado endividado, o enfeudamento ocorre entre países, subordinando os mais pobres aos mais ricos, sob o pálio do capital financeiro, retirando a essência de sua soberania. Se antes haviam pessoas de 1ª e de 2ª classe, hoje existem países de 1ª e de 2ª classe. A dominação não mais ocorre de forma direta, entre pessoas, mas de maneira difusa, entre a população de diferentes países — os que permanecerão usufruindo as benesses de um Estado social às custas daqueles que terão que sair pela porta dos fundos desse sistema. Em vez de redimir o homem, o sistema atual agrava o problema, com a minoria subjugando a maioria das populações, que só terão a miragem como válvula de escape para alcançar as promessas civilizatórias da modernidade.

Uma alternativa para escapar dessa cilada seria transformar os desejos de nossa sociedade, de imediatos para futuros, de tal modo a permitir que venham a ser alcançados pela futura geração, que já está gestada e se caracteriza por nossos filhos e netos, e não para nós mesmos. A isso se poderia chamar de solidariedade intergeracional, e poderia diminuir o ritmo do endividamento.

Porém, se trata de uma alternativa ideal, que não serve para todas as sociedades, em especial para sociedades marcadas pela desigualdade, como a brasileira, que tem dentre seus principais problemas a falta de aproveitamento social das receitas públicas, sendo mais comum seu aproveitamento individualizado. Nosso gasto público, efetivo ou decorrente de renúncias fiscais, contempla muito mais benefícios individuais ou de categorias econômicas e muito menos benefícios em prol de toda asociedade. Aqui, a mudança de foco desejante não deve ser apenasintergeracional, mas contemporâneo, em prol da redução das desigualdades atualmente presentes na sociedade. O redirecionamento do gasto público e do sistema de financiamento do Estado — seja por tributos, seja pelo endividamento —, deve ter por diretriz a redução das desigualdades sociais contemporâneas, e não apenas as futuras.

Intui-se que o grau de desigualdade social pode gerar soluções diferentes. Nas sociedades menos desiguais, o foco pode ser por meio de soluções intergeracionais; nas sociedades mais desiguais, como a brasileira, o redirecionamento do gasto público deve ser mais imediato, buscando urgente redução das necessidades sociais. Para quem tem carência do que é básico, não há futuro a esperar, restando muito a desejar.

É necessário repensar nosso modelo, pois estamos em vias de naufragar, independente de quem seja o comandante desse transatlântico chamado Brasil.


Fernando Facury Scaff é advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados; professor da USP e livre docente em Direito pela mesma universidade.


Revista Consultor Jurídico, 14 de junho de 2016, 8h00