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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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quinta-feira, 31 de março de 2016

DESSERVIÇO À LIBERDADE


São tantas e tão grandes as lambanças aprontadas pelos que ocupam os poderes constituídos no Brasil, grande parte sabidamente de origem e com vínculos judaicos - em detrimento da crença na liberdade -, que corremos o risco de dar aos nazistas e fascistas fortes argumentos no sentido de que, onde a etnia hebreia põe a mão, a corrupção come solta. 
A parcela séria dos da "nação infecta" (como já nos chamaram, durante muitos anos, católicos e muçulmanos fundamentalistas) precisa reagir seriamente aos descaminhos escolhidos pelos corruptores e corruptos.
Caso contrário, não poderemos reclamar de qualquer regime duro, disciplinador e atrabiliário que venha ganhar simpatia popular, sob o argumento de moralizar a administração pública no nosso país.


Viagem oficial de cúpula do Congresso prevê turismo
O casal Cunha em Jerusalém, onde pediram perdão pelos pecados. Ele portando Kipá (ou solidéu)

quarta-feira, 30 de março de 2016

Começando a me agradar - Lava Jato busca elo de lavagem no TJ de Santa Catarina


O pedido de investigação a respeito de um "magistrado não identificado" está no STJ desde 2015
Agência Estado
O doleiro Alberto Youssef é peça central na Operação Lava JatoAgência Brasil
Investigadores da Lava Jato tentam identificar quem é o desembargador supostamente envolvido em uma operação de lavagem de dinheiro em Santa Catarina, denunciada no curso da apuração sobre o esquema de corrupção na Petrobras. O pedido de investigação a respeito de um "magistrado não identificado" está no STJ (Superior Tribunal de Justiça) desde o ano passado, mas o desencontro de indícios sobre o nome sob suspeita atrasa o andamento da apuração.
A investigação sobre o desembargador é mantida em segredo de justiça no STJ desde maio do ano passado. Documento encaminhado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) ao tribunal em 3 de fevereiro, ao qual o Estado teve acesso, aponta que as diligências feitas pela Polícia Federal até agora para identificar o magistrado "não foram conclusivas". Com base em novo levantamento de possível nome, feito pela PGR, o ministro Luís Felipe Salomão, relator da Lava Jato no STJ, encaminhou o caso novamente à PF local.
O caso foi descoberto quando, em depoimento, uma testemunha da Lava Jato narrou que um desembargador catarinense tinha relação com empresa de armazenagem de documentos que fez operações de lavagem de dinheiro para a Arxo Industrial do Brasil.
A Arxo também é de Santa Catarina e foi investigada na nona fase da Operação Lava Jato, intitulada "My Way", ocasião em que teve dois dirigentes presos por determinação do juiz Sérgio Moro. No depoimento, a testemunha da Lava Jato fez menção, ainda, a uma relação do desembargador citado com "tatuagem corporal".
Segundo fontes com acesso à investigação, a menção ao desembargador foi feita pela contadora Meire Pozza, que trabalhou para o doleiro Alberto Youssef, peça central na Lava Jato.
Possibilidades
O primeiro nome considerado pelos investigadores foi o do desembargador Luiz César Medeiros. A suspeita foi levantada porque o filho do juiz é sócio de uma empresa prestadora de serviços de armazenagem de documentos.
A testemunha não reconheceu em foto o rosto de Medeiros, mas indicou a imagem de outro magistrado: Joel Dias Figueira Júnior. Como a polícia não encontrou nenhum registro de vínculo entre Figueira Júnior e qualquer empresa de armazenagem de documentos, e considerando que o reconhecimento foi feito com "certo grau de dúvida, sem convicção", as buscas pelo nome investigado continuaram.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina tem em seu quadro 62 desembargadores, além dos juízes convocados para atuar eventualmente no órgão.
O Ministério Público chegou, então, a um terceiro suspeito, desta vez o juiz convocado para atuar no TJ-SC Rodolfo Cezar Ribeiro da Silva Tridapalli. Há uma decisão do juiz sobre a possibilidade de candidatos aos quadros da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros possuírem tatuagem no corpo.
A partir daí, a PGR apurou que Tridapalli é sócio da empresa RD Office Center, que realiza serviço de armazenagem de documentos. Ele também foi sócio da empresa Tridial — Serviços de Digitações, Arquivamento e Apoio Administrativo Ltda.
Com base nisso, a vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, pediu a remessa do caso de volta à Polícia Federal de Santa Catarina, para que investigadores confrontem a testemunha com a foto de Rodolfo Tripadalli.
Os desembargadores e o juiz não foram localizados pela reportagem nos telefones do tribunal, em razão do feriado da Páscoa.
A nona fase da Lava Jato, na qual os dirigentes da Arxo foram presos, teve como alvo 26 empresas que atuariam como fachadas em contratos da Petrobras com fornecedores.
Na sede da Arxo, em Piçarras (SC), foram apreendidos 518 relógios de luxo e o equivalente a R$ 3,2 milhões, em notas de real, euro e dólar. A empresa constrói tanques de combustíveis e tinha vínculos comerciais com a BR Distribuidora.
Quatro investigações
O STJ reúne até agora quatro investigações da Operação Lava Jato. Além da apuração a respeito do desembargador catarinense, o ministro Luís Felipe Salomão é responsável pelos inquéritos envolvendo o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), e seu antecessor, Sérgio Cabral; o governador do Acre, Tião Viana (PT), e o ex-ministro das Cidades Mário Negromonte, atual conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia.
A investigação mais avançada é a que corre sobre Negromonte, que foi deputado pelo PP, na qual é esperada uma futura denúncia pela Procuradoria-Geral da República. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

terça-feira, 29 de março de 2016

Concessionária responde por morte de 22 mil peixes em viveiros no Alto Vale do Itajaí


A 2ª Câmara de Direito Público do TJ confirmou sentença da comarca de Trombudo Central, no Alto Vale do Itajaí, e condenou concessionária de energia elétrica ao pagamento de R$ 10,8 mil a um piscicultor pela morte de 22 mil peixes de sua criação. O fato foi registrado no dia 15 de fevereiro de 2015, após interrupção no fornecimento de energia necessária para o funcionamento de aeradores, o que resultou na falta de oxigênio nos viveiros. 

A empresa alegou a ocorrência de caso fortuito e culpa exclusiva da vítima pelo aumento de carga instalada sem o devido aviso à concessionária. Também defendeu a desconsideração do laudo pericial apresentado pelo criador, além de questionar o valor levantado dos prejuízos apontados.

O relator, desembargador Sérgio Baasch Luz, não acolheu os argumentos e destacou que o fornecimento de energia elétrica é serviço público de natureza essencial e deve ser prestado pelo Estado, diretamente ou mediante concessão. Neste último caso, a empresa concessionária assume a responsabilidade, passando a responder objetivamente pelos danos causados ao consumidor. 

"Destarte, não merece prosperar a alegação de que a queda de energia se deu por culpa exclusiva da vítima em razão da carga instalada - aeradores movidos a energia elétrica - sem atualização dos dados na ficha cadastral da Celesc. Não foi juntada aos autos ficha cadastral, tampouco relatório de carga instalada. Ademais, é de responsabilidade da apelante os melhoramentos da rede de fornecimento de energia, uma vez que se trata de área agrícola e diversos produtores exigem grande demanda de energia para o exercício das atividades comerciais naquela região", concluiu Baasch Luz (Apelação Cível n. 2015.068178-9).
Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445(JP)
Textos: Américo Wisbeck, Ângelo Medeiros, Daniela Pacheco Costa e Sandra de Araujo

segunda-feira, 28 de março de 2016

A GLOBO CONTRA O 13º SALÁRIO

O Globo no Golpe (I): 1962 — a escalada das manchetes rumo à ditadura (por Ayrton Centeno)

O Globo no golpe (I):
1962 — a escalada das manchetes rumo à ditadura
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Para desagrado de O Globo e de Roberto Marinho, o ano de 1962 tinha João Belchior Marques Goulart como presidente. Mesmo com seus poderes cerceados por um parlamentarismo enjambrado e imposto pelos ministros militares, o estancieiro de São Borja personificava a detestada linhagem getulista. Jango era presidente por obra e graça do extravagante sistema eleitoral que permitia ao eleitor votar separadamente no candidato à Presidência e à Vice-Presidência. Que poderiam pertencer a partidos diferentes e até adversários. E se elegerem. E foi o que aconteceu em 1960.
Jânio Quadros, eleito pela União Democrática Nacional (UDN) e empossado em 1961, renunciou espetacularmente com sete meses de Planalto, dando corda a uma jogada bonapartista que resultou fracassada. Com o Waterloo janista, era a vez do vice assumir. E o vice, para horror da direitista UDN e da imprensa que a secundava, era o herdeiro político de Getúlio, seu antípoda político. Barrada a tentativa de travar a posse do sucessor legítimo pela via das armas – evento superlativo da vida do então governador Leonel Brizola com a Campanha da Legalidade – o conservadorismo nacional desatou a conspirar.
Quando o Brasil ingressou em 1962, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), fundado pelo coronel Golbery do Couto e Silva e futura eminência parda da ditadura – o “Satânico Dr. Go”, como era nomeado pelas costas — operava havia um mês. Recebia dinheiro de empresários brasileiros e dos EUA e da própria Casa Branca, via o embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, que sempre manteve estreito contato com a conspiração. Dos 36 diretores da poderosa Federação das Indústrias/SP (FIESP), nada menos do que 26 frequentavam o bunker golpista do Ipes. Além de grampear milhares de telefones e agitar os quartéis com seus boletins, o Ipes cobria o país plantando 500 artigos/mês nos jornais. Seu objetivo era o golpe.
Toda a mídia empresarial, com exceção da Última Hora, seguiria, minúcias à parte, na mesma toada. O diário da família Marinho, por exemplo, funcionou como um aríete diário contra o trabalhismo, suas propostas de reformas de base, seus aliados entre estudantes e trabalhadores, sua política interna e exterior. Agita-se então o fantasma do comunismo para demonizar o governo supostamente devorado pela subversão e a corrupção. Folheado 54 anos mais tarde, O Globo de 1962 surge como um agitprop, um panfleto rudimentar de agitação e propaganda americanófila, anticomunista e antitrabalhista. Comparado ao jornal de hoje, é formalmente tosco. Mas, no seu conteúdo, permanece muito semelhante na visão de país e mundo. E de método.
Adjetivadas, extensas, solenes, até grotescas, suas manchetes de capa marcharam contra o reformismo de Jango. Até o 31 de março de 1964, quando, meia volta-volver, marchariam durante 21 anos a favor da ditadura. Cinquenta delas, todas de 1962, estão abaixo:
………………………………………………………………………………………………………..
1) “Comício de desagravo da UNE degenerou em insultos e pregação subversiva” (10/01/1962)
2)“O governador acusa a UNE de ser órgão subversivo e condena o terrorismo” (10/01/1962)
3) “Cem milhões de prejuízo por dia com a greve da Petrobrás” (10/01/1962)
4) “Libelo da Comissão Interamericana de Paz contra o regime cubano” (18/01/1962)
5) “O governador gaúcho incita à rebelião! (25/01/1962)
6) “O regime de Cuba é incompatível com o sistema americano” (25/01/1962)
7) “Senador gaúcho acusa Brizola de estimular a invasão de propriedades” (30/01/1962)
8) “Líderes ferroviários articulam movimento subversivo para fazer do Brasil uma nova Cuba” (30/01/1962)
9) “Preocupa nossa embaixada nos EUA a expropriação da Telefonica” (03/03/1962)
10) “Errou o Brasil ao defender condição especial para Cuba” (10/03/1962)
11) “Vai ser apurada a denúncia do cardeal sobre dominação comunista no meio marítimo” (07/05/1962)
12) “A familia é o primeiro baluarte que se opõe aos totalitarismos” (30/05/1962)
13) “Exército, Marinha e Aeronáutica revelarão o perigo que pesa sobre a nação” (01/06/1962)
14) “Inquieta os arcebispos a ação subversiva da UNE, revela o cardeal Dom Jaime” (02/06/1962)
15) “Os comunistas adotam um sistema definido para a tomada do poder: dividir e usurpar” (03/06/1962)
16) “O ministro da Aeronáutica revela: há sintomas da ação comunista no país” (04/06/1962)
17) “Dom Jaime é o líder espiritual no combate contra o comunismo” (07/06/1962)
18) “Considerado desastroso para o país um 13º mês de salário” (26/04/1962)
19) “Agora, o sr. San Tiago Dantas preconiza o reconhecimento do Partido Comunista” (08/06/1962)
20) “Repulsa geral ao pronunciamento do chanceler San Tiago Dantas” (09/06/1962)
21) “Infiltração comunista através da doação de livros às escolas” (15/06/1962)
22)“Cálculos de votos apontam a derrota de San Tiago Dantas (26/06/1962)
23) “Padre Vidigal: a salvação está rejeição do nome de San Tiago” (26/06/1962)
24) “As bancadas ratificam a rejeição a San Tiago” (27/06/1962)
25) “San Tiago rejeitado pela Câmara dos Deputado como primeiro-ministro” (28/06/1962)
26) “Todos os países comunistas, inclusive a Rússia, devem dinheiro ao Brasil” (12/07/1962)
27) “Ação desagregadora dos comunistas no congresso da UNE em Quitandinha” (23/07/1962)
28) “O comunismo é o grande mal que nos ameaça, advertem os cardeais do Rio e da Bahia” (28/07/1962)
29) “Estudantes paulistas disposto a apoiar o repúdio contra a UNE e a UEE” (01/08/1962)
30) “Alastra-se a reação dos estudantes contra a UNE” (02/08/1962)
31) “Os comunistas ameaçam deflagrar nova greve geral em todo o país” (03/08/1962)
32) “União Nacional dos Extremistas” (06/08/1962)
33) “Deputado diz que o governo deseja esmagar a autonomia universitária” (06/08/1962)
34) “Solidifica-se na Câmara a reação contra a antecipação do plebiscito” (07/08/1962)
35)”Prepara-se no Brasil a implantação da ditadura” (08/08/1962)
36) “Brizola vai pedir a extinção da embaixada americana no Brasil e da nossa nos EUA” (02/09/1962)
37) “Se Dante fosse a Cuba hoje escreveria um novo Inferno” (04/09/1962)
38) “Lacerda pede ajuda do povo para a obra da honra e da liberdade” (25/09/1962)
39) “Comunistas provocaram novas desordens na Central do Brasil” (27/09/1962)
40) “Chefes cristãos fazem apelo aos eleitores do Rio por Deus, pelo Brasil, pela democracia” (01/10/1962)
41) “Os democratas encerraram a campanha apontando Lacerda para presidente” (05/10/1962)
42) “A mulher brasileira denuncia: livros subversivos nos colégios (09/10/1962)
43) “O exército não será respeitado sempre que se deixar misturar com os agentes da agitação”(07/11/1962)
44) “Amaral Neto: Brizola fez campanha a custa de dinheiro roubado do IRGA” (12/12/1962)
45) “O arroz gaúcho se transformou em fonte de corrupção e arma política” (12/12/1962)
46) “A polícia descobre plano de rebelião em todo o país marcado para janeiro” (18/12/1962)
47) “Apoiando Portugal na ONU o Brasil estará defendendo os seus próprios interesses” (18/12/1962)
48) “Alarmados os EUA com os rumos da política exterior do Brasil” (20/12/1962)
49) “O Congresso cometeu crime de lesa-pátria ao aprovar a lei da remessa de lucros” (22/12/1962)
50) “Falcão denuncia plano subversivo coordenado por Brizola e Julião” (28/12/1962)
Obs.- No ítem 5,o governador gaúcho é, claro, Leonel Brizola. No 11, o cardeal é o retrógrado Dom Jaime Câmara, do Rio, fonte cotidiana de O Globo. No 18, trata-se de Francisco de San Tiago Dantas, egresso do integralismo, chanceler e um dos autores da Política Externa Independente (PEI) adotada pelo país ainda no periodo Jânio Quadros. Deputado pelo PSD, Padre Vidigal (item 23) pertencia à ala conservadora na Igreja Católica. Figurando no ítem 44, Amaral Neto, foi repórter e deputado da UDN. E, depois, autor de reportagens que enalteciam a ditadura. D`O Pasquim ganharia a alcunha de “Amoral Nato”. No 47, percebe-se a postura do diário dos Marinho a favor do colonialismo português na África, apesar da condenação do Brasil e de grande parte da comunidade internacional. No 49, a Lei sobre a Remessa de Lucros — aprovada pelo Congresso em 1962 mas somente sancionada por Jango dois meses antes de sua deposição — impunha às empresas estrangeiras reinvestir no Brasil o lucro que aqui obtinham. Foi combatida ferozmente pela oposição e a mídia a ela associada. No 50, Falcão é o deputado do PSD, Armando Falcão, mais tarde ministro da justiça sob o regime militar. Cita-se ainda Francisco Julião, advogado e mentor das Ligas Camponesas.
Quanto às manchetes elas são, quase sempre o primeiro ou o segundo destaque da primeira página. Por absoluta impossibilidade de manuseio, desprezou-se o farto material das páginas interiores, editoriais, colunas e artigos.
.oOo.
Ayrton Centeno é jornalista.

Fonte: SUL 21

domingo, 27 de março de 2016

John Pilger: Guerra contra a Democracia na América Latina


24.03.2016


Após duas décadas de governos progressistas se espalhando pela região com ganhos econômicos, políticos e sociais sem precedentes, especialmente em direitos humanos ano a ano reconhecidos pela ONU e por várias organizações internacionais, a América Latina enfrenta hoje o avanço dos agressivos setores neoliberais, secretamente apoiados e financiados pelo regime de Washington.

Nesta entrevista exclusiva, o jornalista, escritor e cineasta John Pilger fala sobre a guerra dos EUA contra a democracia na América Latina. "O imperialismo da era moderna é uma guerra contra a democracia. A verdadeira democracia é uma ameaça ao poder ilimitado, e não pode ser tolerada", diz ele.

Pilger produziu War on Democracy na América Latina e nos EUA em 2006, quando ele viajou por toda a Venezuela com o então presidente Hugo Chávez. Ele conta o que o motivou para produzir esse documentário, ganhador do prêmio One World Media Awards, em 2008. O filme mostra como a escalada intervencionista dos EUA, aberta e encoberta, derrubou uma série de governos legítimos na América Latina desde a década de 1950.

Evidenciando o caráter democrático com profundas transformações sociais na Venezuela, John Pilger conta sobre suas experiências no berço da Revolução Bolivariana. "As crianças estavam aprendendo sobre a história e as artes, pela primeira vez; programa de alfabetização da Venezuela era o mais ousado do mundo."

Ele também fala de suas experiências com o então presidente Chávez, entrevistado pelo cineasta. "Viajei com Hugo Chávez por a Venezuela. Nunca conheci um líder nacional tão respeitado e tratado com tanto carinho quanto Chávez. Ele era um homem extraordinário que parecia nunca dormir, consumido pelas idéias. (...) Ele foi também, incorruptível e resistente - resistente no sentido de que ele era corajoso".

Pilger avalia a cobertura de mídia em relação à Venezuela: através de dados precisos, evidencia como as pessoas ao redor do mundo têm sido mal informadas pela propaganda da mídia. Os grandes meios de comunicação internacionais passam a ideia de que os governos de Chávez e hoje de Nicolás Maduro são ditatoriais, enquanto escondem conquistas sociais e políticas impressionantes: por exemplo, que já em 2005 a Venezuela foi considerada pela Unesco Estado livre do analfabetismo, e pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), da fome. A educação é gratuita e acessível a todos, do ensino básico ao universitário, assim como a assistência médica. Para a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), a Venezuela era um dos países mais desiguais da América Latina pré-governo bolivariano, e hoje o país é o menos desigual da região, e possui hoje o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os países latino-americanos. A Constituição de 1999, aprovada por referendo popular logo no primeiro ano de Chávez no Palácio de Miraflores, é o mais avançado do mundo em termos democráticos e de direitos humanos. Isso tudo, foi constatar John Pilger no país caribenho.

O destacado cineasta termina esta entrevista com previsões não muito positivas para o país que tem a maior reserva de petróleo do mundo, a Venezuela, e para a região mais rica em biodiversidade do planeta, exatamente América Latina. "Este é um momento perigoso para a América Latina. (...) Os Estados Unidos querem a sua 'fazenda' de volta", diz John Pilger entre outras observações importantes a esse respeito.

Ele também fala de sua nova produção que será publicado em um futuro próximo, The Coming War between America and China (A Próxima Guerra entre os Estados Unidos e a China).


Edu Montesanti: Obrigado, John, por conceder esta entrevista, estou muito honrado por ela. Você poderia comentar, por favor, sobre seu novo documentário The Coming War between America and China a ser publicado? O que ele vai trazer para nós, o que o motiva e qual seu objetivo com ele?

John Pilger: O novo filme descreve uma guerra fria, perigosa e desnecessária, entre Estados Unidos e China: a mesma guerra fria dirigida contra a Rússia. Ele examina o giro rumo á Ásia do presidente Obama - a mudança de dois terços do poder naval norte-americano para Ásia-Pacífico até 2020, como resposta militar à ascensão econômica da China.

O filme é gravado nas 'linhas de frente' insulares, do Pacífico e da Ásia: as Ilhas Marshall, onde os EUA testaram suas bombas nucleares durante a década de 1940 e de 50, e agora mantém uma base de 'Guerra nas Estrelas'; Okinawa, onde os EUA têm 32 instalações militares a menos de 400 milhas da China; Jeju Island (Coreia do Sul), onde uma base naval recentemente concluída permite que os EUA apontem seus mísseis Aegis à China; e Xangai, onde entrevistei várias pessoas sobre a ascensão da China; são vozes raramente ouvidas no Ocidente.

Como todos os meus filmes, o objetivo é desconstruir a fachada de propaganda que encobre muitos assuntos críticos, especialmente os de guerra e de paz.


Edu Montesanti: O que o motivou a produzir o filme de 2006 gravado na América Latina, The War on Democracy?

John Pilger: A era moderna do imperialismo é uma guerra contra a democracia. A verdadeira democracia é uma ameaça ao poder ilimitado, e não pode ser tolerada. A maioria dos governos os EUA têm derrubado ou tentaram derrubar, desde o final da Segunda Guerra Mundial, democracias; e a América Latina tem sido o parque temático do seu poder corrupto a fim de impor sua vontade. Um "sucesso" norte-americano foi a destruição do governo de Arbenz na Guatemala, em 1954.

Jacobo Arbenz foi um reformador democrata e modesto que não acreditava que a United Front Company deveria regular seu país, e reduzir a vida de seu povo à servidão. Para Washington, ele representava o que o governo norte-americano diria mais tarde da Nicarágua sob os sandinistas: a democracia na Guatemala era "a ameaça de um bom exemplo". Isto era intolerável para os EUA, e Arbenz foi derrubado, pessoalmente humilhado e expulso de seu próprio país.

Este fato estabeleceu o padrão para todo o continente.


Edu Montesanti: Você poderia comentar sua ideia, John, sobre a Venezuela quando deixou o país depois de ter produzido o filme? O que mais chamou sua atenção, e o que mudou (se alguma coisa mudou) em suas ideias sobre o país caribenho, e a própria Revolução Bolivariana?

John Pilger: Minha impressão foi que a Venezuela estava passando por mudanças imaginativas, históricas, até mesmo épicas.

Nos 'barrios' [grandes comunidades carentes], a democracia local na forma de conselhos comunais autônomos estava mudando a vida das pessoas. As crianças estavam aprendendo sobre a história e as artes, pela primeira vez; o programa de alfabetização da Venezuela era o mais ousado do mundo.

A taxa de pobreza caiu pela metade. O que me impressionou foi o orgulho que as pessoas comuns sentiam - o orgulho por suas vidas revitalizadas, pelo ineditismo das possibilidades que estavam adiante, e pelo governo delas, especialmente por Hugo Chávez.

Também ficou claro que a Venezuela não era revolucionária; que era e ainda é uma democracia social. Isso não quer dizer que muitas das ideias chavistas não são revolucionárias na essência; mas na prática a Venezuela apresentava semelhanças à Grã-Bretanha sob a reforma do governo do Attlee Labour de 1945-1951. 

A velha guarda, aqueles que vivem extremamente bem no leste de Caracas e olham para Miami como uma espécie de lar espiritual, manteve o poder econômico se não o poder político. Assim, 'duas Venezuelas' existiram lado a lado; em termos revolucionários, isto foi e continua sendo insustentável.


Edu Montesanti: Você entrevistou ex-Presidente Hugo Chávez durante horas, John, além de ter viajado por toda a Venezuela com ele. Levando isso em conta e também o que viu no país, o que você pode dizer sobre Hugo Chávez como presidente e como ser humano?

John Pilger: Nunca conheci um líder nacional tão respeitado e tratado com tanto carinho quanto Chávez. Ele era um homem extraordinário que parecia nunca dormir, consumido pelas idéias. Certa vez, ele chegou a uma reunião de agricultores com uma pilha de livros debaixo do braço: Dickens, Orwell, Chomsky, Zola.

Ele tinha marcado passagens para ler para sua audiência, e as pessoas ouviram atentamente; ele se via como educador do povo. Ele também foi incorruptível e resistente - resistente no sentido de que era corajoso.

Ele também era espirituoso. Uma vez, caí no sono debaixo do sol durante uma de suas longas reuniões ao ar livre: acordei ouvindo meu nome sendo gritado, e as pessoas rindo. Para aliviar o meu constrangimento, 'El Presidente' apresentou-me com um vinho local. "Ele é australiano; ele gosta de vinho tinto," Chávez disse à multidão.

Posso dizer que nunca falai com outros políticos desta forma. Sua imperfeição se devia a que o poder principal fluía naturalmente dele; era caudillo e idealista-chefe da Venezuela, e quando morreu, o vácuo se tornou muito intenso.


Edu Montesanti: Que semelhanças você vê entre a guerra econômica perpetrado pelos EUA contra Salvador Allende no Chile no início da década de 1970, e contra a Revolução Bolivariana na Venezuela hoje? Quanto você acha que esta guerra secreta por parte do regime de Washington, além da guerra de informação, tem influenciado a vitória da oposição nas eleições parlamentares na Venezuela, em dezembro de 2015?

John Pilger: Há uma terceira e contínua força dinâmica nos países latino-americanos, que tenta controlar os acontecimentos e destruir a justiça social - os Estados Unidos. A subversão dos EUA, por via direta ou através de fantoches em países que elegeram governos reformistas, os EUA promovem uma oposição permanentemente ofensiva. Quando você pensa sobre a doutrinação dos norte-americanos, que dizem seu país é um modelo de ideais, a ironia é medonha.

Esta 'guerra', como você descreve, tem sido significativa em todas as eleições da Venezuela - mas não tem sido o principal fator nas eleições parlamentares de 2015; e não pode ser comparada à campanha dos EUA contra Allende. A inflação, a escassez e a fadiga política foram elementos cruciais, para não mencionar a ausência dolorosa de Chávez.


Edu Montesanti: Comente, por favor, a cobertura da mídia predominante em relação à Venezuela desde que Hugo Chávez venceu a eleição presidencial de 1998.

John Pilger: A Universidade do Oeste da Inglaterra (University of the West of England) publicou um estudo de mais de dez anos sobre como a Venezuela é noticiada pela BBC. Os investigadores analisaram 304 reportagens da BBC transmitidos ou publicados entre 1998 e 2008, e descobriu que apenas três delas mencionaram algumas das políticas positivas introduzidas pelo governo de Chávez.

A BBC tem se equivocado em noticiar, de forma adequada, qualquer uma das iniciativas democráticas, a legislação de direitos humanos, os programas de alimentação, as iniciativas de saúde ou os programas de redução da pobreza. A Missão Robinson, maior programa de alfabetização da história da humanidade, recebeu apenas uma menção passageira.

O jornal The Guardian não esconde sua animosidade contra Chávez. O mesmo aconteceu com muitos correspondentes dos EUA e europeus.

Tem havido uma exposição tão implacável do jornalismo de má-fé? Eu duvido. Como resultado, às pessoas nos EUA, no Reino Unido e em outros lugares têm sido negado qualquer percepção real das mudanças notáveis na Venezuela.


Edu Montesanti: No final de seu documentário The War on Democracy, você disse que "o que aconteceu no Estádio Nacional, em Santiago no Chile, tem um lugar especial na luta pela liberdade e pela democracia na América Latina e no mundo. O imperativo é. 'nunca mais'".

Países da América Latina com governos progressistas têm vivido sob constante ameaça da "revolução colorida", método não-violenta para derrubar governos, aperfeiçoada pelo norte-americano Gene Sharp, professor de Ciências Políticas. Levando-se em consideração também vitória da oposição pró-EUA nas últimas eleições na Venezuela, na Argentina e do referendo na Bolívia, você teme uma nova dominância dos interesses dos EUA na região? Qual é sua perspectiva para a América Latina, e o que a Revolução Bolivariana significa para a região?

John Pilger: Este é um momento perigoso para a América Latina. Os ganhos obtidos pelas democracias sociais estão mais arriscadas que nunca. Os EUA costumavam a se referir à América Latina como sua "fazenda", nunca tendo aceitado a independência de Venezuela, Bolívia, Equador e, é claro, Cuba.

Os EUA querem sua "fazenda" de volta. Há muito a perder. Li outro dia que, de acordo com o Ministério da Saúde da Bolívia, 85 mil vidas foram salvas na Bolívia por médicos cubanos. É uma conquista dessa magnitude que está em risco agora.

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Juiz não é sócio do Ministério Público nem membro da Polícia Federal

JURISTAS25/MAR/2016 ÀS 13:25
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Lenio Luiz Streck lava jato juiz
O jurista e professor Lenio Luiz Streck
por Lenio Luiz Streck. Texto publicado no Consultor Jurídico
Calma. Calma. A frase não é minha. É de um ministro do Supremo Tribunal Federal, em acórdão que aprecia conduta de um juiz federal, no ano de 2013 (para fazer justiça e dar a César o que é de César, o advogado foi Cesar Bitencourt; já o nome do juiz implicado o leitor descobrirá lendo o acórdão). Por isso, dou o spoiler. Se o leitor estiver muito curioso, pode ir direto ao post scriptum. E ler a íntegra do acórdão. Ainda emspoiler, há outra frase do mesmo julgado que poderia estar no título desta coluna:
“Juízes que se pretendem versados na teoria e na prática do combate ao crime, juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais, transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas em um pedaço de papel sem utilidade prática” (grifei).
Mais uma frase:
A vinculação do juiz à ética da legalidade algumas vezes o coloca sob forte pressão dos que supõem que todos são culpados até prova em contrário” (grifei).
Isso tudo para dizer que, hoje, minha coluna é saudosista. É o que me resta, nestes tempos sombrios de descumprimento das leis e da Constituição. Em 1984 fazia meu mestrado e assisti a uma conferência de Cornelius Castoriadis, autor dos clássicos Instituição Imaginária da Sociedade,Ascensão da Insignificância entre outros. Lembro de uma de suas frases, que digo aqui de cor: o gesto do carrasco é real na sua essência e simbólico por excelência. Não fui conferir no livro, para manter a magia da memória de mais de 30 anos atrás. Mesmo que seja uma memória falsa ou uma falsa memória, a frase mostra o que é o simbólico. Como um gesto pode representar, simbolicamente, o comportamento e o imaginário de um tempo e de uma dada instituição.
Pego como exemplo — simbólico — o novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor dia 18 de março de 2016, que em seu artigo 940 diz que o prazo de devolução dos processos em pedido de vista é de 10 dias. Sim. Dez. Não é 60. Explico. O Superior Tribunal de Justiça, em reunião administrativa, decidiu que o CPC está errado e que o tempo ideal é de 60 dias, prorrogáveis por mais 30. Segundo o STJ, “o argumento é simples: como o STJ define tese jurídica e sua interpretação é aplicada por todos os demais tribunais, o prazo de 10 dias seria inviável para os julgadores se aprofundarem no estudo dos casos. Os pedidos de vista suspendem a discussão para dar mais tempo ao magistrado de analisar a questão e preparar o voto. ”
Quando li isso, logo tremi nas bases: o que mais o STJ considerará errado no novo CPC? Sim, porque no caso do prazo, sua resolução foi rápida e a justificação “simples”. Já a justiça do trabalho (lembro do magistrado Xerxes que me disse, em debate no TRT-SP, que, se tiver que aplicar o artigo 489 do CPC, mudar-se-á para o Zimbabwe) não deixou por menos. Entre outros enunciados aprovados no início de março no Fórum Nacional de Processo do Trabalho, está o de número 17, (leia aqui), verbais:
NCPC, ART. 10.  ART. 769 DA CLT. PROIBIÇÃO DE FUNDAMENTO “SURPRESA”. (…) INAPLICABILIDADE NO PROCESSO DO TRABALHO. (…) não se aplica ao processo do trabalho o art. 10 do NCPC, que veda motivação diversa da utilizada pelas partes, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. Prevalência dos princípios da simplicidade, da celeridade, da informalidade e do jus postulandi, norteadores do processo do trabalho. Resultado: aprovado unanimidade.
É preciso dizer algo mais? Pobre Montesquieu.
Ao mesmo tempo, vejo o Supremo Tribunal Federal decidir — contra a letra da lei e da Constituição — que é possível a execução provisória de uma sentença condenatória, sem que tenha declarado o artigo 283 do CPP inconstitucional. E parcela considerável dos juristas de Pindorama acha bonito que um juiz federal descumpra a lei e a CF de forma escandalosa, dizendo que, apesar de reconheceu que a escuta da presidente foi “irregular” (sic), nem se atentou porque considerou esse detalhe irrelevante (sic). Aliás, fui eu que disse pela primeira vez, no mesmo dia, em vários veículos nacionais e internacionais, que a conduta do juiz era ilegal e inconstitucional e que ali haviam sido cometidos vários crimes (leia aqui). Vejo, agora, que o ministro Teori Zavascki tem a mesma opinião, conforme se pode ver de sua decisão do dia 22 de março de 2016, quando deixou cristalinamente claro que a decisão de pôr fim ao sigilo das escutas foi feita à revelia da lei e da CF. Também fala da intercepção do escritório do advogado. Bom, leiam o acórdão. Para que não digam que é cisma de um constitucionalista chato. Ademais, para a comunidade jurídica que era (e é) mais morista que Moro, eis uma boa palhinha do que está por vir. A jurisprudência do STF é mansa e pacífica.
Sigo. Vejo contristado que advogados criminalistas consideram irrelevantes as formalidades atinentes às garantias processuais-constitucionais, tudo em nome dos “bons fins”. Ou seja, a pior coisa que existe para um advogado criminalista é um raciocínio consequencialista. Ele nem sabe disso. Aliás, é ruim quando nem se sabe que não se sabe…! Traduzindo isso em quadrinhos: combater uma conduta ilícita e condenar o réu sempre será, à luz de um juízo finalístico-consequencialista, uma “coisa boa” para a sociedade. Logo, aquilo que serve de garantia para exatamente impedir que o juiz decida por políticas e de forma consequencialista é o que? Eis o quiz: a) a opinião pessoal do juiz; b) as ordálias; c) qualquer coisa desde que se alcance o resultado condenatório, já que os fins justificam os meios e d) o processo penal e as garantias constitucionais. Pelo que se vê e ouve, a alternativa “c” terá maioria, seguida de perto pela letra “b” e depois “a”. A letra “d” terá a resposta minoritária.
Que (uma parcela considerável dos) economistas, engenheiros, filósofos, sociológicos, jornalistas, jornaleiros, donas de casa e frequentadores de facebook, tuiteiros e leitores de livros simplificados, mastigados e facilitados achem que os fins justificam os meios (alternativa “c” do quis), é normal e não surpreende. Compreendo que façam raciocínios consequencialistas. Afinal, a situação do país não vai nada bem e as acusações aos políticos do governo e da oposição aumentam a cada dia. Um torcedor também quer que seu time vença, mesmo que o gol seja feito com a mão ou em impedimento. Tudo isso é compreensível.
Mas que constitucionalistas ou processualistas ou advogados criminalistas digam que a formalidade (por exemplo, a licitude constitucional de uma prova) é despicienda, isso gera uma profunda tristeza. É como se o médico dissesse que a vida do paciente não é importante, na medida em que, afinal, vai morrer mesmo, ou que o paciente acabou de cometer um crime e, por isso, é melhor deixá-lo morrer ou, ainda, como “não gosto do meu vizinho e por azar ele caiu na minha mão, vou deixar que morra”. O juramento de Hipócrates que os esculápios prestam é o que um jurista faz em relação a Constituição.
Portanto, ser jurista é ter compromisso com a Constituição. Forma dat esse rei: esse é o lema do processo. Você pode ter até a certeza que alguém é culpado. Mas se a prova for ilícita, tem de absolver. E assim por diante. Caso contrário, direito vira filosofia moral. Ou opinião sociológica. Ou disputa política. Ou uma simples questão de opinião. Não esqueça que você poderia ter feito outra coisa. Mas, se optou pelo direito, algumas coisas você não pode dizer. Ah, mas não pode, mesmo.
Sendo saudosista, de novo: quando entrei para o doutorado, tivemos que ler o Espírito das Leis, de Montesquieu, Paz e Guerra, de Raymond Aron e Uma teoria da justiça, de John Rawls. Bons tempos na academia. No mestrado e doutorado, tínhamos tempo. Líamos livros ao sol e brincávamos com as cascas de bergamota, que atirávamos em forma de pequenos discos voadores.
Quando o que a lei (claramente) diz nada vale, chamemos o Barão!
E desse tempo, aprendi uma coisa que cai como uma luva nestes tempos em que se fragiliza a lei em nome de fins, de forma utilitarista. A lição do Barão de Montesquieu — que guardo em uma ficha de leitura feita com a firme vigilância do professor Cesar Pasold (que aqui homenageio) — é absolutamente atual. Colemos na parede ou na geladeira. No Livro Sexto, Capítulo III — denominado“Em que governos e em que casos deve-se julgar segundo um texto preciso da lei”, leio:
Quando mais o governo se aproxima da República, mais a forma de julgar se torna fixa; e era um vício da República da Lacedemônia que os éforos julgassem arbitrariamente, sem que houvesse leis para dirigi-los. Em Roma, os primeiros cônsules julgaram como os éforos: sentiram os inconvenientes disto e criaram leis precisas.
Mais:
Nos Estados despóticos, não há lei: o juiz é ele mesmo sua própria regra. Nos Estados monárquicos, existe uma lei: e onde ela é precisa o juiz segue-a; onde ela não o é, ele procura seu espírito.
E vem o arremate, de arrepiar a espinha epistêmica do vivente:
No governo republicano, é da natureza da Constituição que os juízes sigam a letra da lei. Não há cidadão contra quem se possa interpretar uma lei quando se trata de seus bens, de sua honra ou de sua vida.[1]
Meu acréscimo ao que disse o Barão: Bingo! Só isso!
Não vou discutir coisas do tipo “Lenio está voltando ao século XIX”; ele está fazendo uma ode a um olhar externo do direito (espécie de não cognotivismo ético)”, “está dizendo que o juiz deve ser a boca da lei” e coisas do gênero. Remeto os críticos apressados à minhas mais de duzentas colunas escritas aqui na ConJur e aos meus livros. Também à coluna (leia aqui) em que trato de uma aliança estratégica (leia aqui) com o positivismo, face ao estado de natureza interpretativo que se instaurou no país. Portanto, não é disso que estou tratando. Esta coluna é apenas para dizer que um livro escrito em 1748 está absolutamente atual. Só isso. Pode ser bobagem minha. Ou, sim, um saudosismo. Quando uma lei diz que o prazo é dez dias e o judiciário diz que pode ser noventa; o a justiça do trabalho diz que não cumprirá um dispositivo do CPC; quando uma lei diz que é crime fazer interceptação sem ordem judicial e o próprio juiz reconhece que a escuta foi irregular e mesmo assim a mandou publicizar por não considerar o dizer da lei relevante, nada melhor do que alguém da plateia levantar e gritar: “— chamem o Barão”!
Post scriptum. A propósito: O que o velho Barão diria ao ler o acórdão do HC 95518 / PR?
Tratou o Habeas Corpus do modus operandi de um juiz brasileiro. Algumas preciosidades merecem ser reproduzidas, como:
“[Juiz] tem uma função específica. Ele não é sócio do Ministério Público e, muito menos, membro da Polícia Federal, do órgão investigador, no desfecho da investigação.(…) A questão, portanto, cinge-se a verificar se o conjunto de decisões revela atuação parcial do magistrado.(…) “A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada (…); o juiz irroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional.
Vale a pena ler a íntegra. Têm muito mais coisas. Talvez a parte mais forte do acórdão seja esta:
“(…) a independência do juiz criminal impõe sua cabal desvinculação da atividade investigatória e do combate ativo do crime, na teoria e na prática. O resultado dessa perversa vinculação não tarda a mostrar-se, a partir dela, a pretexto de implantar-se a ordem, instalando-se pura anarquia. Dada a suposta violação da lei, nenhuma outra lei poderia ser invocada para regrar o comportamento do Estado na repressão dessa violação. Contra ‘bandidos’ o Estado e seus agentes atuam como se bandidos fossem, à margem da lei, fazendo mossa da Constituição. E tudo com a participação do juiz, ante a crença generalizada de que qualquer violência é legítima se praticada em decorrência de uma ordem judicial. Juízes que se pretendem versados na teoria e na prática do combate ao crime, juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas em um pedaço de papel sem utilidade prática, como diz Ferrajoli. Ou em papel pintado com tinta; uma coisa que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma, qual nos versos de Fernando Pessoa”. O “binguíssimo” aqui é meu.
Nesse acórdão também foi tratado um problema que se repete hoje: o monitoramento de advogados. Vejam o que disse o ministro Celso de Mello: “Parece-me, em face dos documentos que instruem esta impetração e da sequência dos fatos relatados neste processo, notadamente do gravíssimo episódio do monitoramento dos Advogados do ora paciente (…)”.
Só para lembrar o sinal dos tempos: na Espanha, o festejado juiz Baltazar Garçon, festejado no Brasil principalmente por setores da esquerda (depois viram que quebraram a cara), perdeu o cargo faz alguns anos. Sabem por que? Por que autorizou escuta ilegal de advogado com cliente na prisão. A Espanha não é mole, não.
É isso. Viva o velho Barão!

1 Cf. MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Trad. de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 87.