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quinta-feira, 28 de julho de 2016

CNMP afasta promotor do Ceará acusado de ter comportamento esdrúxulo


O Conselho Nacional do Ministério Público decidiu nesta quarta-feira (27/7) afastar cautelarmente do cargo um promotor do MP do Ceará até a conclusão de procedimento para verificar se ele tem aptidão para continuar na carreira. Ele é acusado de ter comportamentos incompatíveis com a de membros do órgão, como dirigir um carro usando capacete, pedir que outras pessoas provassem sua comida e bebida com medo de ser envenenado e fazer gesto de coração com as mãos para jurados.
O promotor é acusado também de retirar as calças na cozinha do Fórum para que uma servidora consertasse a vestimenta, atender população pelo portão da sede da promotoria, pegar refrigerantes que caíram de um caminhão tombado na rodovia e usar colete a prova de balas de forma “desnecessária e ostensiva”.
Há também diversas acusações em relação ao trabalho técnico do profissional. Segundo o processo, “atraso e morosidade em processos judiciais e procedimentos extrajudiciais, dificuldade em dar impulso aos procedimentos extrajudiciais, inassiduidade em audiências e atos judiciais e extrajudiciais, desobediência à taxonomia e resoluções que tratam sobre procedimentos extrajudiciais do CNMP e baixa qualidade das peças produzidas”.
O promotor teria agido dessa maneira quando ainda estava em estágio probatório. A decisão, unânime, foi tomada em um processo disciplinarrelatado pelo conselheiro Esdras Dantas de Souza. Caso o procedimento que será feito pela corregedoria do MP cearense conclua que o promotor não tem condições de ser membro vitalício do órgão, ele poderá ser demitido, conforme prevê a Lei Orgânica do Ministério Público do Ceará.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2016, 14h41

Advocacia virou exercício de humilhação e corrida de obstáculos

Por 

Caricatura Lenio Luiz Streck (nova) [Spacca]
Esta coluna tem um subtítulo, que poderia serAção penal fast food do Acre, indenização de R$ 7 na Bahia e fonte secreta para decretação de prisão no RN: o que mais vem ai? Por isso, peço paciência e muita reflexão. Deixemos o tempo da pós-modernidade de lado. Sejamos apenas bons modernos. E leiamos a coluna até o final, desarmados. Com efeito. Nestes tempos difíceis de descumprimento de leis, códigos e da Constituição e do marasmo da dogmática jurídica que insiste, regra geral, em repetir catilinárias que tecem loas às velhas posturas protagonistas, lembro de As Vinhas da Ira, de John Steinbeck. O bebê nascido morto e prematuro. Tio John leva o caixote em que jaz o pequeno cadáver para longe do acampamento. Mas, ao invés de enterrá-lo, deposita-o sobre as águas revoltas de um riacho que a enchente tornou violento. Ao ver o caixote — usado para o transporte de maçãs — sendo levado pelas forças das águas, ele, tão calado e contido, incapaz de se queixar das agruras do cotidiano, grita ao bebê morto, como em um “desabafo fundamental e transcendental”:
Vai, vai rio abaixo e diz aquilo para eles. Vai descendo e estaca na estrada e apodrece e diz para eles como é. É o único jeito de tu dizeres as coisas. Nem sei se tu és menino ou menina, mas nem quero saber. Vai descendo e apodrece na estrada. Talvez, então, eles fiquem sabendo.
Sim — acrescento — talvez então “eles” fiquem sabendo... Na metáfora dos caixotes navegam para o apodrecimento os restos da ciência jurídica e de uma dogmática que que entregou ao simplismo, ao concursismo e ao manualismo mais raso... Talvez o apodrecimento nas margens seja o único modo de dizer “coisas” para eles!
Por que a dramaticidade? Porque parece que está cada dia mais difícil dizer o óbvio. E clamar que acreditem no óbvio. Eu poderia começar com um caso ocorrido na Bahia, acerca da determinação de um juiz para que uma operadora de telefonia (companhias telefônicas são hipossuficientes!!!) pagasse uma indenização de R$7,47 (setereaisequarentaestecentavos) a uma cliente que foi molestada em R$ 193,50 (ler aqui). A Associação dos Magistrados da Bahia justificou a decisão, dizendo que “as decisões judiciais não refletem as posições pessoais dos magistrados. Elas são fundamentadas na legislação vigente e no livre convencimento do mesmo” (ler aqui). Bingo. Viva o livre convencimento. Ele está aí. Serve para blindar qualquer decisão. Ah: será que a associação de classe dos juízes esqueceu que o novo Código de Processo Civil retirou a palavra “livre” (artigo 371)? Portanto, nem a nota oficial se baseou na legalidade. Bem... o que mais precisaria ser dito?
Poderia parar a coluna com a notícia da Bahia. Mas vou seguir. Com John Steinbeck, que também achava difícil denunciar o sistema econômico-social dos Estados Unidos dos anos da grande depressão. Quem lê o livro ou vê o filme, chora. A metáfora do caixote e a mudez do Tio John nos apontam para modos de deixar que as coisas nos falem. Como dizia Gadamer, se queres dizer algo sobre um texto, deixe que o texto diga algo. Deixemos que as coisas nos digam. Talvez fazer palavras com coisas...
Abusos. Descumprimento de garantias. Coisas mínimas. Coisas máximas. Ministro da Justiça, que, como secretário, inventou um novo modo de reintegração de posse. Na marra. Advogados que não podem se entrevistar com os clientes face a uma portaria do Ministério da Justiça. A portaria vale mais do que a Constituição. E não é contestada pelo Ministério Público. Ainda aplicamos a tese da inversão do ônus da prova penal. Enunciados que valem mais do que o CPC. Presunção da inocência que vira a não-presunção. Positivismo jurisprudencialista tomando conta do direito (não há mais leis e CF; existe só o que o judiciário diz que as leis e a CF são; sai a lei e entra a jurisprudência... E tem gente dizendo que o CPC fundou um sistema de precedentes... que lástima). Somando tudo, temos o que temos. Sequer conseguimos fazer cumprir o novo CPC. Afora isso, as vinhas-da-ira-epistêmica aqui se voltam para as audiências de custódia, darwinianamente adaptadas por juízes e promotores para que as coisas continuem como estão. Claro que os números mostram avanços. Mas poderíamos avançar mais.
Vejam o caso ocorrido no Rio Grande do Norte. Audiência de custódia (AC). Presentes o advogado, a ré, a promotora e o juiz. Apresentado o réu (ou seja, dado o corpo ao juiz, como quando do surgimento do habeas corpus no século XIII), o Ministério Público pede a preventiva. O advogado pede a liberdade provisória com ou sem as medidas cautelares, invocando jurisprudência do STF no sentido de que a gravidade do crime não justifica,per se, a prisão cautelar. Até aqui, tudo normal. Tudo legítimo.
No entanto, disse o juiz que não seguia essa (sic) jurisprudência do Supremo. E falou da gravidade do crime imputado ao flagrado. Manteve a ré presa (houve mais duas pessoas que foram apresentadas, mas não interessam aqui). Mas isso até nem impressiona para os fins desta Coluna. O fato é que o magistrado, para “fundamentar” a prisão, disse que recebeu informações extra autos que justificavam a prisão de uma acusada e a soltura de outra. As informações teriam sido passadas a ele por fonte fidedigna. O causídico, então, requereu que essas palavras do juiz fossem colocadas em ata. Afinal, informações extra autos são coisa séria. Além disso, a própria questão relacionada a jurisprudência do STF, contestada pelo magistrado.
Qual é o busílis? O busílis é que o juiz se negou a relatar o que ocorreu, ou seja, escrever o que usara como fundamento. Segundo ele — há gravação de áudio dessa parte — esse procedimento de AC não tem ata ou formalidade para registrar o que se passou. Consequentemente, negou o pedido de transcrição no termo ou ata (seja lá o nome que se dê a isso). O causídico foi buscar socorro na OAB. Pediu, formalmente, que fosse registrada essa circunstância.
Pronto. Não importa, aqui, o resultado. Não importa, também, se o preso apresentado na AC deveria ou não ficar preso. Isso é mérito e nele não adentro. O que importa é o simbólico disso. Como é possível que o juiz diga que tem informações extra autos provenientes de fonte fidedigna e o advogado não tenha o direito de conhecer tais elementos que, provavelmente, foram fulcrais para a decretação da prisão? Íntima convicção do juiz? Isso pode vir de algum lugar secreto? De cocheira? Que fonte fidedigna seria essa? O que é isto, informação extra autos? Quer dizer que o sujeito pode ser preso porque o juiz ficou sabendo de coisas que não estão nos autos? O que está fora dos autos, nestes tempos de pós-modernidade, “virou” processo?
Acontece que isso ocorre todos os dias e nos vários campos do Direito. Trata-se de discutir o direito de o advogado ter a transparência do que ocorreu. O juiz agiu fora dos pressupostos previstos no CPP e no Estatuto da Advocacia,negando-se a colocar em ata coisas fundamentais ocorridas na audiência (de custódia). Ocorre que o que havia ali ocorrido fora uma audiência. Pública. É, pois, direito da parte, do réu, do preso, fazer constar tudo o que ocorreu na audiência. Ouvem-se pessoas. Inclusive são ouvidos o MP e a defesa. Logo, isso tem de ser formalizado. No caso aqui evidenciado, ouvi a gravação e o juiz dizendo que não fará constar em ata, com informações do tipo “esse é o meu procedimento”. Ah é? Será que o juiz leu a Resolução 18/2015, do TJ de seu estado, que diz no artigo 3º, §4, que “Será lavrado termo sucinto da audiência de custódia contendo os fundamentos da decisão judicial proferida, seu dispositivo e o que mais for relevante para o ato, o qual deverá permanecer em autos apartados do processo principal”. E o que dizer das resoluções do Conselho Nacional de Justiça (por exemplo, a 213, em seu artigo 8º, § 3º)? E a CF? E o CPP?
Pior ainda: o Ministério Público, fiscal da lei, nada fez. Quedou-se silente em relação ao requerimento do advogado, ao que sei. O que quero dizer é: no momento em que o advogado pede/requer para fazer constar por escrito isso que ocorreu (de que o juiz teria dito que tinha informações relevantes extra autos), das duas, uma: a) ou o advogado está faltando com a verdade, fazendo chicana e, portanto, o MP, fiscal da lei, deve agir, ou b) se de fato o juiz disse que tinha informações extra autos, o MP, ao nada fazer, corre o risco (estou sendo generoso) de prevaricar. Ou no mínimo de não ser diligente e se portar como um mero acusador e não como um promotor de justiça, como requer a CF.
Quando ao proceder do juiz, o que dizer? Milhares de advogados sofrem com esse tipo de coisa todos os dias. Exercer a advocacia nestes tempos difíceis é um exercício de humilhação cotidiana, como me disse dia desses uma pessoa muito próxima, que sofre cotidianamente com esse tipo de coisa. Só para registrar, de novo: eis um jogo de soma zero e que atinge também o MP, que não se dá conta dessas coisas, porque se comporta como o antigo “promotor público”. Explico:
a) se o advogado pediu algo que não ocorreu, então, mente ou
b) se o juiz se negou a transcrever o que houve, então o juiz pratica abuso. Logo, conclusão: há erro de um ou de outro.
Mas, nas duas hipóteses, o MP erra, ao se quedar silente diante de um dos dois erros. Tertius non datur.
Ah, essas coisas de Pindorama. Essa racionalidade teológica do direito, como diria Hans Albert. Depois ouvimos, em congressos por aí, juízes e promotores falando em direitos fundamentais. Isso, no público. No particular, ouve-se mais coisas do tipo “lá na minha vara não tem essa coisa de advogado...”. “Na minha promotoria...”. Bom, o resto os leitores podem completar. Nas audiências trabalhistas, o sofrimento dos advogados é cada vez pior. A demo-cracia não chegou à sala de audiência.
Eis um problema que venho denominando de PCJ (Privilégio Cognitivo do Juiz), sufragado pela dogmática jurídica nos livros e nas salas de aula em um país que nem tem quadros para lecionar em tantas faculdades. Professores formados a machado para suprir tantas vagas em tantas faculdades. Um país de direitos simplificados, facilitados, mastigados... Compêndios. Resumões. Coachings. Interessante: Essa mesma dogmática queijo suíço se queixa exatamente daquilo que ela mesma sempre fomentou: que no processo, há um PCJ. Tenho amigos, juristas importantes, que levaram anos para me dar razão. Eles achavam que, em sendo o livre convencimento “motivado”, estava atendido o requisito constitucional da fundamentação.Queriam me aplicar a velha história da prova tarifada (como disse um outro Amigo dia destes, ironicamente, “- hoje se a prova fosse tarifada, seria bem melhor...”!). De todo modo, para minha satisfação, hoje uma pequena parcela dos processualistas concorda comigo nessa cruzada contra o protagonismo, o instrumentalismo, o livre convencimento (que é um problema filosófico-paradigmático e não de história de tarifação de prova) e tudo o que disso decorre na vida dos causídicos e dos cidadãos submetidos ao MP e ao PJ. O acusado acaba dependendo do PCJ e não do arsenal de garantias que a CF e o CPP lhe dão. E isso não é democrático.
Aliás, sobre audiência de custódia, lembro aqui parte de texto publicado por Pedro Abramovay (aqui): “Em primeiro lugar, os juízes se utilizam da ideia de que não se julga o mérito nas audiências de custódia de maneira bastante arbitrária. As audiências de custódia, de fato, não são audiências finais, nas quais se profere uma sentença de condenação ou não do réu. Mas é claro que o mérito é relevante. Isso aparece em muitos momentos na justificativas dos juízes para manter os réus presos. Mas cada vez que a defesa tenta levantar uma questão de mérito os juízes não admitem escutá-los”. O texto de Abromovay é autoexplicativo. Não quero me estender porque colunas com mais de três páginas fracassam. Esta aqui já deu quatro. Provavelmente fracassará.
Post scriptum1: Paradoxo: atirar no tatu pode ser menos grave que atirar no fiscal
Um bom exemplo para me dar razão nas coisas que escrevo é o caso do dono de banca de jornal condenado a mais de 7 anos de prisão por ter cometido crime contra a honra de um juiz. Preso desde dezembro de 2015, teve três habeas negados. Pois não é que, saindo uma reportagem no jornal O Estado de S. Paulo (reproduzido pela ConJur) e, bingo. No dia seguinte foi concedido o habeas corpus pelo mesmo desembargador que negara três vezes. Eis aqui uma boa lição para a doutrina, que, como venho dizendo, deve voltar a doutrinar.
É a doutrina que deve constranger... e não a mídia. A doutrina deve ter o poder da mídia. Em 24 horas a mídia conseguiu o que o processo penal ordinário não conseguiu em 8 meses. Simples assim. É vergonhoso. Pavoroso. A pergunta que fica é: essa decisão apaga os erros das decisões anteriores? Qual teria sido a posição do Ministério Público? A malta toda quer saber. A qualidade da vítima foi fulcral, pois não? Ou alguém, de sã consciência, acredita que um crime de menor potencial ofensivo acarrete uma prisão cautelar de mais de 8 meses e uma pena maior do que de homicídio simples? Basta olhar a jurisprudência. Ou alguém acredita que, se a vítima não fosse um juiz, a pena seria essa? Isso é bizarro. Parece aquela piada do campesino que atira em um tatu e recebe o conselho de, na próxima vez, atirar no fiscal do Ibama em vez de tatu ou onça. Por que? Porque, por matar o tatu, a possibilidade de ficar preso antes da sentença era bem maior. É uma anedota-metáfora. Cultura popular. Exagero que diz muito.
Post scriptum 2: No Acre, uma ação penal em 24h? Fast food processual?
Fiquei sabendo que o MP do Acre está exultante com uma ação penal em que, no mesmo dia, houve denúncia, instrução, julgamento e sentença (ler aqui). Crime de roubo. Pena de 5 anos e 4 meses. O que dizer disso? Processo virou “isso”? Porque não dispensamos logo os advogados? Vamos fazer tudo sumarissimamente. Em um dia. Claro: para a patuleia. As experiências sempre se fazem com os patuleus em um país periférico. A propósito: em quanto tempo o MP devolve os autos de um habeas corpus lá no Acre? E no resto do país? E em quanto tempo é julgado um habeas no Acre? E no resto de Pindorama? E os recursos da LEP? Levam só 24 horas? Façam-me o favor. Vamos todos para Estocolmo. Este ano vai ter Nobel para o Brasil.
Uma palavra final...
Em um país com um milhão de advogados, os leitores não acham que estamos indo longe demais? Será que não estamos esticando a corda para além do permitido? Ainda temos uma demo-cracia?
Eis porque coloquei no início da coluna o romance premiado de Steinbeck,As Vinhas da Ira: “— Vai, vai rio abaixo e diz aquilo para eles”. Deixemos, pois, que as coisas digam para eles todos. Deixemos que as coisas falem. Já que não somos ouvidos, talvez “as coisas” falem mais alto.
E uma conclamação pela dignidade da advocacia: advogados de todo o Brasil, façamos do dia 11 de agosto um dia de reflexão. De verdade. Depois da ação penal fast food, da indenização de R$ 7, da prova secreta e do sujeito que ficou preso 8 meses por crime de menor potencial ofensivo, acho que chegou a hora de dizer que a quem vêm os advogados. Endireitar a coluna vertebral. Não mais passar por debaixo da porta do fórum. É isso. Só tem dia comemorativo quem não tem vez. Dia do negro (os outros dias são dos brancos); dia do trabalhador (os demais são dos patrões); dia do índio (o resto...); dia da mulher (o resto...). E assim por diante. Dia do advogado. Dia 11. Os outros dias são de quem? Responda você. Reflita. Façamos os outros dias de dignidade para os advogados. Sem súplicas. Sem humilhações. Sem corrida de obstáculos. Sem ter que discutir o óbvio para exigir os mínimos direitos como fazer constar alguma coisa em ata. Advogados de todo país: uni-vos. Nada tendes a perder depois de tudo que já perderam. Passem a frente esta corrente pela dignidade da profissão.

 é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados:www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 28 de julho de 2016, 8h00

quinta-feira, 14 de julho de 2016

INSTALAÇÃO CERTA - TJ do Rio de Janeiro mantém funcionamento da CPI das Olimpíadas


A legitimidade da CPI das Olimpíadas foi confirmada, nessa terça-feira (12/7), pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que negou, por unanimidade, recurso em agravo de instrumento interposto pela Câmara Municipal do Rio. O legislativo questionava decisão da 7ª Vara de Fazenda Pública que determinou a imediata instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito em mandado de segurança impetrado pelo vereador Jefferson Moura.

O colegiado corroborou decisão do relator do processo, desembargador Adolpho Corrêa de Andrade Mello Junior, que em abril já havia negado a suspensão da liminar concedida em primeira instância. Com isso, a CPI das Olimpíadas está confirmada, e os parlamentares poderão dar continuidade aos trabalhos. “A instalação da comissão é líquida e certa, ninguém discute isso”, justificou o magistrado.

Também participaram do julgamento os desembargadores Luiz Felipe Francisco, que presidiu a sessão, e Carlos Azeredo de Araujo. A CPI das Olimpíadas se destina a investigar, no prazo de 120 dias, o uso de recursos, incentivos e benefícios fiscais relacionados à organização dos Jogos Olímpicos 2016. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RJ.

Processo 0115814-96.2016.8.19.0001
Agravo de instrumento 0018872-05.2016.8.19.0000


Revista Consultor Jurídico, 13 de julho de 2016, 16h00

DISPUTA BILIONÁRIA - Em votação apertada, Carf manda Gerdau pagar R$ 3,7 bilhões ao Fisco



Depois de um mês de julgamento, a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) determinou nesta quarta-feira (13/7) que o grupo siderúrgico Gerdau pague mais de R$ 3 bilhões à Receita Federal por autuações fiscais. A companhia foi derrotada em quatro recursos que questionavam a tributação de operações de aquisição entre empresas do mesmo grupo. 
Placar contra Gerdau foi definido por voto de qualidade do presidente do Carf.
Reprodução

O julgamento na Câmara Superior — última instância do Carf — terminou empatado, por 5 votos a 5. Coube ao presidente do Carf, Carlos Alberto Barreto, decidir a votação em favor do Fisco.

De acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o grupo Gerdau trocava bens e ativos entre empresas do mesmo grupo. Conhecido como ágio interno, esse tipo de operação diminui artificialmente, segundo a PGFN, o pagamento de Imposto de Renda e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Isso ocorre porque as aquisições de produtos de uma empresa de um mesmo grupo são registradas como despesa, reduzindo o lucro e, portanto, a tributação.

A companhia argumentou ter passado por uma reestruturação, que incluiu a entrada de sócios minoritários e justificaria as operações de trocas de ativos.

Dos quatro recursos julgados nesta quarta, três tiveram início em 2010 e um em 2011. A Receita estima que as dívidas cheguem a R$ 4 bilhões, enquanto a siderúrgica divulgou que os autos de infração somam R$ 3,7 bilhões: R$ 1,252 milhão de principal, R$ 939 milhões de multa e R$ 1,576 milhão de juros.

A tramitação desses processos foi investigada pela operação zelotes, que aponta um esquema de propinas para influenciar decisões do Carf. Em maio, o presidente da companhia, André Gerdau, e mais 18 pessoas foram indiciados pela Polícia Federal.

O grupo já planeja recorrer. Em comunicado a investidores, disse que aguarda a publicação do acórdão para analisar se tentará derrubar a decisão no próprio conselho. Caso o pedido seja rejeitado, moverá ação no Judiciário, “uma vez que em seu entendimento e de seus consultores jurídicos a probabilidade de ganho da causa é possível”. Com informações da Agência Brasil.

Processos: 10680.724392/2010-28, 11080.723701/2010-74,
11080.723702/2010-19 e 16682.720271/2011-54


Revista Consultor Jurídico, 13 de julho de 2016, 19h19

Judiciário comete crime de obstrução hermenêutica com o CPC





 
Juarez Tavares fez palestra comigo na abertura do Congresso do Ebac – Encontro Brasileiro de Advogados Criminalistas em Curitiba. Dizia ele que continuamos com uma coisa que acontecia antes da modernidade: o crime de heresia. Referia-se à comparação do “crime” de antanho com o “crime” — sem tipificação — de “obstrução da Justiça” que hoje viceja. Leo Yaroschewski escreveu interessante artigo sobre isso. Isso quer dizer que basta alguém dizer que não gosta do proceder de determinado juiz ou conversar com outra pessoa a respeito de estratégia para reverter o feito e, pronto: está obstruindo a Justiça. Isso é antidogmático (no sentido de quanto necessitamos de uma dogmática penal séria). E por quê? Porque o utente pode ser condenado por intenção. Por cogitação. Até na Faculdade do Balão Mágico se sabe disso nas primeiras aulas de Direito Penal: ninguém pode ser processado pelacogitatio. Onde ficou a teoria do bem jurídico, indagava Juarez?

Hoje em dia, se você estiver em um fórum e olhar atravessado para um funcionário ou o próprio juiz, pode ser processado... por obstrução da Justiça. É o novo “crime de heresia”. Vejam o perigo disso. Condutas efetivamente nocivas à devida prestação jurisdicional, especialmente penal, como os casos de coação no curso do processo etc., podem ficar diluídas em meio a inferências abstratas de que tal ou qual age para "obstruir" a "Justiça". Alto lá! Houvesse uma dogmática confiável, que auxiliasse nossos aplicadores na interpretação dessas questões, tudo bem. Mas não há. Parcela considerável de nossa dogmática ainda acredita em coisas como verdade real e livre apreciação da prova (ou no livre convencimento). Semana passada li em um livro de processo penal e descobri “o princípio da busca da verdade, que se faria por intermédio da livre investigação”. O que seria isso[1]? Pois nesse contexto, todo, corre-se o risco de o exercício do direito de defesa (que engloba, sim, por exemplo, a montagem de estratégias, a interposição de recursos e o ajuste das narrativas — desde que não se altere a verdade e nem se ofendam as regras do jogo) acaba muitas vezes confundido com obstrução. Portanto, muito cuidado, causídicos de todo o Brasil.

Sigo. Para falar de como é engraçado e estranho isso tudo. Explico: ao mesmo tempo em que exsurgem acusações de obstrução no atacado, estamos presenciando uma obstrução de verdade. Real. O quero dizer é que hoje assistimos a uma verdadeira obstrução em relação à aplicação do novo CPC. E isso não é cometer heresia na acusação. Não. Setores do Judiciário não ficaram na mera cogitatio. Foram para a ação.

Ou seria uma "desobediência civil" de parte do Judiciário? Se for, faria um Thoreau corar. Lembremos que não se trata de um exercício de cidadania. Isto porque se tratam de agentes públicos (autorizados, pois, a mobilizar o uso da força coletiva) que, com a obrigação de aplicar leis aprovadas pelo Parlamento, escondem-se por trás de uma "objeção de consciência" (ou algo assim) para negar aplicação ao CPC. É isso: do "decido conforme minha consciência" parte-se ao "eu objeto a aplicação conforme minha consciência" ou "conforme aquilo que eu acho melhor para o processo brasileiro". Como isso é possível em uma demo-cracia? Ou estaríamos (já) em uma juristo-cracia? 

Afinal, o que dizer quando membros do Poder Judiciário se reúnem para conspirar — epistemicamente — contra uma lei aprovada pelo Parlamento? Ora, se uma lei é inválida — e há muitas — assim deve ser declarada. Já de há muito que apresentei à comunidade jurídica as seis hipóteses (aqui) pelas quais um juiz pode deixar de aplicar uma lei. Fora delas, a aplicação é obrigatória. Aliás, de dever fundamental de aplicar a lei passa-se ao direito fundamental que o cidadão tem de ver a lei aplicada. Simples assim.

Desculpem a minha chatice epistêmica de ficar pregando essa coisa velha que é a defesa da aplicação... da lei e (até) da Constituição (desculpem também a ironia...!). Do jeito que vai, quem defende a aplicação da legislação deve pedir desculpas pelo “conservadorismo” e por ser “serôdio”. Mas é para o bem do Direito e do país. Judiciário não faz lei. A CF diz: são poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Não é possível que se leia a frase pelo seu lado contrário. Qualquer jurista do mundo, quando descobre o que aqui se faz, fica espantado (lembram-se da entrevista dos dois professores alemães que aqui estiveram e se espantaram com o pamprincipiologismo?). Penso até que, quando os juízes e membros do MP vão estudar no exterior (mestrado, doutorado ou pós-doc), não contam, com detalhes, o que aqui ocorre. Seria altamente embaraçoso. Seus professores não acreditariam.

A história nos prega peças
Veja-se a peça que a história nos prega. Luís Gama, o Apóstolo Negro da Escravidão, usava a letra da lei, que proibia o tráfico de escravos, para mostrar que qualquer lei posterior devia ser nula e que, estando o tráfico proibido desde 1833, a escravidão não era mais legal. Isso no século XIX. Já o juiz Alcides de Mendonça Lima, ao abrir a sessão do júri na Comarca de Rio Grande, no dia 28 de março de 1896, declarou contrários à Constituição dispositivos de lei estadual. Vejam: declarou-os contrários à Constituição. Foi processado. Ele fez aquilo que estava implícito na Constituição de 1891: o controle difuso de constitucionalidade. Seu advogado foi nada menos que Rui Barbosa, cuja tese foi: estão processando o juiz pelo crime de hermenêutica. Foi absolvido pelo STF.

Tempos difíceis, diria o ministro Marco Aurélio. Hoje, passados tantos e tantos anos, com centenas de livros escritos sobre controle de constitucionalidade, sobre vigência e validade, sobre teoria constitucional e tantos temas, deparamo-nos com um conjunto enorme de juízes e membros de tribunais que se negam a aplicar um código, sem fazer aquilo que Mendonça Lima ousou fazer: controle de constitucionalidade. Porque hoje o Judiciário simplesmente se nega a cumprir um código (e a própria Constituição) pelo motivo de que... bem, na verdade, nem motivo dão. Cortam caminho e, em vez de dizer o porquê, fazem enunciados e resoluções dizendo: onde está escrito x, leia-se y. Simples assim.

Ética e moralmente, em uma democracia, seus agentes políticos (juízes, membros do MP) estão comprometidos até o pescoço em cumprir a lei. Esse é o compromisso que assumem os agentes políticos. Quando assumi o cargo de promotor de Justiça em 1986, jurei cumprir as leis e a Constituição. E aqui valem todos os argumentos expostos pelos maiores teóricos do mundo sobre o que é o Direito e o seu papel na sociedade. O convescote epistêmico da Dacha aqui contado na coluna passada deve ser relido para melhor compreendermos o que aqui agora discuto. Da reivindicação de autoridade que o direito faz (Raz, cujo argumento pode ser visto na ADC 44) à integridade que deve ter o Direito (Dworkin — que pode ser visto no artigo 926 do CPC), passando pelo que dizem Hart, Kelsen, Müller e tantos outros. Nenhum deles aceitaria o que estão fazendo no Brasil com o CPC (para falar só no CPC e não no restante do ordenamento, incluindo... a CF). Já é até motivo de piada nas redes sociais a reiteração de decisões cuja conclusão foi feita pós-CPC/2015 citando exclusivamente o CPC/1973. 

Então, em face desse dever moral de os juízes aplicarem o Direito, pode-se dizer que os membros do Judiciário que se negam a aplicar o CPC sem fundamentação constitucional ou intrassistêmica estão obstruindo hermeneuticamente a própria democracia. Não queremos e nem pretendemos, Juarez e eu, dizer que, assim agindo em relação ao CPC e em relação à CF (por exemplo, a presunção da inocência), o Judiciário estaria cometendo heresia contra o Direito aprovado democraticamente. Apenas queremos chamar a atenção para essa estranha peça que a história nos prega, uma vez que:

a) Alcides de Mendonça Lima, no século XIX, foi processado por se negar a aplicar uma lei considerada e justificada como inconstitucional.

b) Hoje, deixa-se de aplicar uma lei recente, recentíssima, novinha, sem, nem de longe, invocar a Constituição.

c) Mais: não somente o Judiciário deixa de aplicar leis sem justificativa constitucional, como também seus membros “constroem leis” (enunciados) que dizem o contrário da lei (no caso, o novo CPC).

Aqui na ConJur já discuti com dois magistrados sobre o significado histórico-ideológico de um “enunciado”. E de como “elaborar enunciados representa a repristinação do velho positivismo da Begriffjurisprudence” (jurisprudência dos conceitos), como sempre tão bem denunciou Castanheira Neves. O sonho de quem “gosta de enunciados” é fazer pequenas pandectas, só que sem a responsabilidade de um Windscheid ou um Puchta. Ou alguém pensa que os alemães se reuniam em workshop para fazer seus “enunciados”?

Além disso, nossos neopandectistas esquecem a distância histórica-temporal. Chamei inclusive Müller à colação (ler aqui) no debate. Enunciados são tentativas de dar respostas antes das perguntas. E, bingo. Como bem perguntou Habermas, quando de sua estada na Dacha, “é o Fonaje o nome de vosso Parlamento?”. Será que é?

Para ilustrar, é só recordar a coluna da semana passada, em que discuti uma decisão do STJ. Cabe como uma luva aqui. E, já que sofro de LEER, pela primeira vez coloco o ler aqui duas vezes. Também é relevante que os conjuristas leiam o artigo de Dierle Nunes, Jéssica Galvão Chaves e Giselle Santos Couy. Mais: em comentário a essa coluna, o advogado Maxuel Moura contou que fez uma audiência em um JEC, juntou procuração específica para o filho da proprietária da empresa representar a pessoa jurídica em audiência, como permite o artigo 334, parágrafo 10, do CPC/2015. Todavia, foi surpreendido pela informação do magistrado de que, nos JECs, quando a pessoa jurídica é parte autora, deve ser representada somente pelo empresário individual ou pelo sócio dirigente, consoante enunciado 141, do Fonaje, aprovado antes do CPC/2015. O advogado arguiu nada mais, nada menos, do que... o CPC. E o juiz brandiu o enunciado do Fonaje. Luta desigual, meu caro causídico. Perdeu.

Enunciado 1º: juiz deve obedecer à lei que não ofende a Constituição
A propósito: que tal uma filtragem constitucional desses enunciados do Fonaje (e de outros feitos por aí)? Sugiro um: "O juiz deve cumprir a lei que não ofenda a Constituição"[2]. Seria uma espécie de “enunciado fundamental”. Um “Grund” enunciado. Que seria o fundamento de todos os demais enunciados. Uma norma fundamental dos enunciados (a Grundnormdos enunciados). Parece-lhes bom? Ora, sei bem do que falo: uso alternativo do Direito não combina com democracia. Se o Direito for democraticamente produzido (respeitados os princípios da dignidade, num plano mais geral, para falarmos com Dworkin), temos, sim, o dever moral de observar seus ditames. O resto é decisionismo, mesmo. É desobediência. Ou obstrução hermenêutica da aplicação da lei. Escolham.

P.S. Habermas tem toda razão ao fazer aquela pergunta quando da reunião na Dacha.



[1] De que modo podemos enfrentar esse quadro de crise da dogmática jurídica com professores que ainda defendem o jusnaturalismo como modo de “superar a letra da lei”? Ainda estamos nessa dicotomia? Como enfrentar esse quadro quando há professores discutindo o conceito e aplicação de prazos com base no “princípio” (sic) da continuidade? Isso é princípio? Logo, vai aparecer alguém que defenda o princípio do motocontínuo (ou do contínuo de moto, o que dá no mesmo). Essa overdose de voluntarismo e pamprincípios ainda vai intoxicar tanto o Direito a ponto de explodi-lo.
Bom, li, há pouco, que a Constituição não necessita de cláusulas pétreas... Será um novo constitucionalismo à brasileira? Cartas para a coluna, com o título “quem nos salvará do ativismo”.
[2] Em Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica (Saraiva, 2014), conto o que ocorreu em Espanha, dois anos após a Constituição de 1978. Em face a constante desobediência de os juízes não aplicarem a Constituição, o Tribunal Constitucional estabeleceu em um acórdão que os juízes deveriam interpretar todas as leis de acordo com a Constituição.

Lenio Luiz Streck é doutor em Direito (UFSC), pós-doutor em Direito (FDUL), professor titular da Unisinos e Unesa, membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional, ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e advogado.



Revista Consultor Jurídico, 14 de julho de 2016, 8h00

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Federação Israelita do RJ impõe censura e ameaça acadêmico brasileiro

24.06.2016
Federação Israelita do RJ impõe censura e ameaça acadêmico brasileiro. 24584.jpeg
Mais uma vez a Federação Israelita do Rio de Janeiro (Fierj) leva a público uma denúncia infundada e persegue pessoas que fazem críticas ao sionismo e a Israel, acusando-as, de maneira injusta e leviana, de "antissemitas" **. Já havia feito isso com o cartunista Carlos Latuff, com o jornalista José Reinaldo de Carvalho, do Portal Vermelho, e com um dos fundadores do Pink Floyd, Roger Waters, todos contrários às políticas de Israel em relação ao povo palestino. Dessa vez a vítima foi Thomas de Toledo, historiador formado pela USP, com mestrado em desenvolvimento econômico pela Unicamp. Essa sólida formação acadêmica, unida a informações que a mídia corporativa brasileira omite mas que a internacional publica, levou-o a escrever o artigo "Os dedos de Israel e dos Estados Unidos no golpe no Brasil", publicado em seu blogue, no portal de notícias Vermelho, do PCdoB, e em vários outros portais, como o Pravda.
Por Baby Siqueira Abrão e Marcos Tenório*
A Fierj fez críticas duras e sem nenhum fundamento ao texto. Seu presidente, Paulo Matz, postou um vídeo na página do Facebook da Federação ameaçando processar Toledo, o portal Vermelho e o partido por racismo e antissemitismo. As pressões estenderam-se ao trabalho do acadêmico na Universidade Paulista (Unip), e provocaram sua demissão em 20 de junho, sob a justificativa de "ordens superiores". As ameaças dos sionistas e da Fierj foram tantas que o professor e o portal Vermelho decidiram retirar o artigo do ar. Toledo ainda publicou uma retratação, esclarecendo que em momento algum atacou ou teve a intenção de atacar os judeus - algo que nem precisaria de esclarecimento, uma vez que de seu texto não consta uma única palavra sobre a comunidade judaica.
O que Toledo fez, em somente três parágrafos de um artigo bem mais longo, foi reportar fatos comentados abertamente por jornalistas bem informados em sites internacionais, além de criticar os sionistas e Israel pela ingerência em assuntos que não lhes dizem respeito, pois se trata da soberania do povo brasileiro. Matéria no jornal Times of Israel mostra que o professor teve razão em suas considerações: o governo israelense aplaudiu o golpe, considerando Michel Temer um "amigo do país" e lembrando que Dilma Rousseff desagradou as autoridades sionistas ao classificar o ataque militar massivo de Israel a Gaza, em 2014, de "massacre" e ao se negar a receber, como embaixador no Brasil, o sionista Dani Dayan, conhecido por sua defesa intransigente das colônias judaicas construídas ilegalmente em terras confiscadas aos palestinos - ele chegou a presidir a entidade que as congrega, Yesha, além de residir numa delas, Ma'ale Shomron - e por advogar a anexação, por Israel, de toda a Palestina histórica, posição contrária à do Brasil, que tampouco apoia a construção ilegal das colônias exclusivamente judaicas na Palestina.
A ilegalidade das colônias - verdadeiras cidades com toda a infraestrutura necessária a quem vive nelas - que os governos israelenses vêm construindo, ao longo dos anos, em território palestino, e do muro de oito metros de altura mínima usado para confiscar terras pertencentes à Palestina e segregar seu povo, bem como todo o aparato que lhes é relacionado (estradas de uso proibido a palestinos, postos militares e torres de controle, câmeras, cercas eletrificadas etc.), foi estabelecida por parecer do Tribunal Internacional de Justiça em 9 de junho de 2004 e aprovada por ampla maioria pela ONU. Em seu parecer, que tem força de lei (Veja-se o artigo 38 (d) dos Estatutos da instituição Confira: http://port.pravda.ru/news/mundo/20-06-2016/41204-israel_estados_unidos-0/.), o Tribunal solicita, aos países-membros da ONU, evitar todo tipo de apoio às colônias e ao muro - solicitação cumprida pela presidenta eleita Dilma Rousseff ao recusar Dayan como embaixador de Israel no Brasil.
Essa posição firme da presidenta Dilma, e sua recusa a negociar a soberania brasileira, incomodaram corporações e países de olho em nossos recursos naturais, como o pré-sal, a água, a grande extensão de terras cultiváveis, a riqueza dos minérios e a biodiversidade. Dizer que Israel e empresas com sócios sionistas não fazem parte desse grupo é faltar com a verdade. Todas as companhias e todos os países com interesse em petróleo, gás, água, minérios e biodiversidade salivam pela América Latina, e por isso apoiam, direta ou indiretamente, a atual política externa estadunidense em sua tentativa de retomar o controle dos governos do continente. Também é fato conhecido que, para isso, utiliza-se o método da desestabilização crescente dos países-alvo, até a derrubada de dirigentes progressistas por meio de golpes a um só tempo judiciais, legislativos e midiáticos. A obra do professor Gene Sharp e os manuais da CIA nunca esconderam esse método. Não se trata de segredo.
Tampouco é segredo que o Mossad, serviço de inteligência israelense ao qual o professor Thomas de Toledo faz referência em seu artigo, dirige operações em solo estrangeiro. Sendo responsável por atuar fora de Israel, é o Mossad que leva a cabo as ações que as autoridades israelenses decidem realizar em outros países.
O mais grave é que, em sua sanha em defender Israel e o sionismo, a Fierj fez acusações apoiadas numa leitura apressada e descuidada do artigo do professor Toledo e desrespeitou a Constituição do país onde está sediada, cujo art. 5º garante, em II, que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei"; em III, que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante" e, em IV, que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal (In A Constituição e o Supremo, versão completa. Brasília: STF, 2011. Disponível em:. Acesso em: 20 jun. 2016.), o "rol de liberdades" contido no art. 5º da Constituição inclui "livre manifestação do pensamento, livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação e livre acesso à informação".
A Fierj não pode tentar impor a censura num país onde ela não existe mais. E sua atitude, destinada a identificar o sionismo com o judaísmo é, no mínimo, equivocada (Associações de judeus no mundo inteiro (Israel incluído), como Neturei Karta e Jewish Voice for Peace, rejeitam o sionismo, insistindo que o movimento não representa o judaísmo nem fala por ele. Além disso, o sionismo não congrega somente judeus, mas praticantes de outras religiões, além de seculares e ateus.), e tem como objetivo criminalizar, sob a acusação de "antissemitas", aqueles que criticam o modo como Israel trata os palestinos e as operações dos sionistas ao redor do planeta. Feitas por milhões de cidadãos e cidadãs do mundo todo, reunidos em grupos organizados de apoio à soberania do povo palestino, tais críticas acabaram isolando politica e economicamente Israel, que vem sofrendo perdas consideráveis com a campanha BDS - de boicote, desinvestimento e sanções às empresas apoiadoras do Estado sionista ou sediadas nele, em particular aquelas estabelecidas nas colônias exclusivamente judaicas a que já nos referimos, construídas de modo ilegal no território palestino ocupado por Israel.
Em lugar de respeitar o direito internacional e desocupar a Palestina, recolhendo-se às fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias (junho de 1967), reconhecidas pela comunidade internacional, as autoridades israelenses, os sionistas e seus apoiadores exercem pressão e censura em diversos países, chegando a alterar leis para criminalizar indivíduos e grupos críticos a Israel. Isso aconteceu recentemente na França e nos Estados Unidos, países em que a legislação foi modificada para transformar o apoio à campanha BDS em delito judicialmente punível.
Tanto a Fierj como os sionistas que criticaram duramente Thomas de Toledo exerceram seu direito de fazê-lo, assegurado pelo art. 5º, IV, de nossa Constituição. Acontece que suas críticas não tinham fundamento no artigo do professor. O que eles não podiam e não podem fazer, de modo algum, é persegui-lo com ameaças, assediá-lo a todo momento por telefone e em redes sociais, exigir sua demissão e submetê-lo a tratamento degradante, principalmente em público. Esses são crimes que não podem ficar impunes. Uma coisa é discordar da posição de alguém e manifestar tal discordância; outra, muito diferente, é transformar a vida de um cidadão respeitado num inferno, imputar-lhe acusações falsas, tirar-lhe o ganha-pão e ameaçar sua integridade moral e física.
Não podemos ficar calados diante desse grave cenário montado pela Fierj. É preciso denunciar atos e intenções inconstitucionais, portanto criminosos, contra alguém que apenas cumpriu a obrigação de informar seu público e exerceu o direito de manifestar seu pensamento.
Esperamos que esse tipo de atitude, atentatória à nossa Constituição e à nossa liberdade, tão duramente conquistada, não se repita.
Todo apoio ao professor Thomas de Toledo e ao portal Vermelho.



* Baby Siqueira Abrão, jornalista e filósofa, estuda o sionismo e a questão palestina há nove anos e foi correspondente do jornal Brasil de Fato no Oriente Médio, sediada na Palestina. Marcos Tenório, historiador, é especialista em relações internacionais. Ambos são ativistas da luta anticolonialista e antissionista, têm ascendência árabe e portanto provêm de grupo étnico de língua semita.
**Até mesmo a expressão "antissemitismo" é mal colocada. Os sionistas europeus que migraram para Israel não têm ligações com os antigos semitas - que na verdade não constituem um povo com história estabelecida e sim um tronco linguístico - mas com os casares, tardiamente convertidos ao judaísmo. Os prováveis descendentes dos semitas são os árabes. A palavra correta, assim, é antijudaísmo, e não antissemitismo. Nesse crime, porém, Thomas de Toledo não incorreu, ao contrário do que afirmam seus críticos.

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