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sábado, 31 de outubro de 2015

ONU afirma que esforço para deter aquecimento global não é suficiente


Após avaliar compromisso de países, órgão diz que emissão de gases seguirá subindo

Boa notícia é que projeção de alta na temperatura caiu e deve ser de 2,7 graus em 2100

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Piscina ao ar livre em um edifício do distrito financeiro de Cingapura, onde as autoridades alertaram para a poluição causada pelos incêndios provocados na vizinha Indonésia. /EDGAR SU (REUTERS)
Os esforços dos Governos para mitigar o aquecimento global não são suficientes, segundo alertou nesta sexta-feira Christiana Figueres, responsável na ONU pela questão das mudanças climáticas. Figueres apresentou o relatório de análise dos compromissos voluntários de 147 países para a redução das emissões de gases do efeito estufa nos próximos 15 anos.
Uma das conclusões dessa avaliação é que as emissões mundiais continuarão crescendo até 2030. Se for tomado como ponto de referência o ano 1990, a expansão das emissões será em média de 41% em 2025 e de 45% em 2030. Se o ponto de comparação for 2010, o crescimento será de 13% em 2023 e de 17% em 2030.
Essa é a má notícia da análise dos compromissos desses quase 150 Estados, que emitem ao redor de 90% dos gases do efeito estufa do mundo. A boa, a que foi destacada nesta sexta-feira pela ONU, é que no mesmo período as emissões per capita se reduzirão. No relatório é apontada uma queda de 8% –em relação a 1990– nas emissões per capita em 2025. Em 2030, esse corte chegaria a 9%. As Nações Unidas falam de “um ponto de inflexão”.
A ONU também destacou a previsível desaceleração no incremento das emissões com a aplicação dos compromissos voluntários de cada nação. Entre 1990 e 2010, os gases lançados na atmosfera no mundo cresceram 24%. Entre 2010 e 2020, o relatório calcula que o aumento estará entre 11% e 22%.
Figueres reiterou nesta sexta-feira que, se for feita uma projeção desses compromissos no longo prazo, não vai ser possível chegar à meta de um aumento da temperatura de 2 graus no final do século – o teto imposto no âmbito científico para que esse fenômeno não tenha consequências desastrosas.
A ONU leva em conta o cálculo da Agência Internacional de Energia e afirma que esse incremento em 2100 será de 2,7 graus se os esforços não forem maiores a partir de 2030. No entanto, outras organizações falam de crescimentos entre 3 e 4 graus. “Em nenhum caso é suficiente, mas é de fato muito menos que a previsão de 4 ou 5, ou até mais, graus de aquecimento” aos quais se chegaria se não houvesse essas propostas de redução sobre a mesa, afirmou Figueres.
Os compromissos apresentados são voluntários e para o período 2020-2030. Ou seja, cada Governo decide se reduzirá suas emissões de gases –principalmente de CO2– ou não. E também o esforço que quer fazer. O que existe, sim, é uma meta comum em longo prazo: conseguir em 2100 emissões zero para que a temperatura não aumente mais de 2 graus.
A ONU também destacou nesta sexta-feira a ampla participação dos países. A entidade lembrou que os planos de mitigação representam “86% das emissões globais de gases do efeito estufa, o que significa quatro vezes mais” que o “englobado” dentro do primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto.
Em 30 de novembro tem início em Paris a cúpula mundial do clima. Esses compromissos de redução das emissões fazem parte do processo para concluir o novo protocolo, que substituirá o de Kyoto. Dentro desse acordo deverão ser introduzidos também mecanismos de controle e transparência. E um dos pontos que também está sendo discutido é a revisão para cima dos compromissos nacionais a cada cinco anos.

Fonte; http://brasil.elpais.com/

A VOLTA DA USURA NUMA SOCIEDADE GANGRENADA PELO CRÉDITO - Nos Estados Unidos, a arte de esfolar os pobres

A dívida contraída pelos estudantes norte-americanos atingiu US$ 1,2 trilhão em 2014. Diante das dificuldades dos clientes em fazer os reembolsos, os bancos aumentam as multas e... os lucros. Ao mesmo tempo, eles se recusam a abrir agências em bairros empobrecidos.


por Maxime Robin


No balcão de um check casher, ao longo da Broadway, uma artéria do Brooklyn Central sombreada pelo metrô aéreo de Nova York, Carlos Rivera pede mais prazo. “No tengo los 10 pesos”, diz à funcionária atrás do vidro. No Brooklyn, essas lojas estão por toda parte: as páginas amarelas registram 236. São reconhecidas pelas fachadas coloridas e decrépitas, por seus letreiros em neon, pelo símbolo do dólar e pela palavra cash nas vitrines. Além de transferências de dinheiro vivo, descontam cheques cruzados de moradores que não têm conta bancária: o montante é convertido em espécie mediante comissão (cerca de 2% para US$ 100, mais taxas). As lojas oferecem também empréstimos a curtíssimo prazo com juros altíssimos.


Em escala nacional, esses milhares de muquifos formam uma indústria financeira poderosa, multiforme, designada pelo termo genérico predatory lenders ou “emprestadores vorazes”, nome devido a um modelo comercial agressivo: o devedor jamais se safa, pois frequentemente tem de pagar um empréstimo anterior com um novo.


Mais caixas que no McDonald’s


Apesar de seu sucesso fulgurante, esses prestamistas sem escrúpulos não são vistos com bons olhos no país. Os estados tentam de todos os modos regulamentar suas atividades. O produto financeiro mais devastador é proibido no estado de Nova York, mas legal na Califórnia: trata-se do payday loan, “empréstimo consignado”, isto é, de ultracurto prazo (quinze dias no máximo), que se liquida no dia do recebimento do salário com juros extorsivos. Um cliente pode, assim, obter um empréstimo de US$ 300, que reembolsará no valor de US$ 346.

Essa indústria, que há duas décadas não existia, teve um lucro de US$ 46 bilhões em 2014. Há hoje nos Estados Unidos mais check cashers do que McDonald’s e Starbucks juntos. O Center for Responsible Lending (Centro para o Empréstimo Responsável [CRL]), encarregado de documentar seus abusos, estimava, quando foi criado, em 2002, que o lucro total desses empréstimos chegava a US$ 9,1 bilhões em juros dos mais variados tipos e em execuções de penhora no caso de insolvência. Treze anos depois, ele se declara incapaz de calcular o impacto do negócio: “O total alcança centenas de bilhões de dólares”, informou o Centro, alarmado, em junho. “Isso afunda a vida de milhões de norte-americanos, mas também a do país como um todo.”1


Um pobre nos Estados Unidos já paga muito por qualquer coisa: prestações, alimentação, seguros.2 O conceito de poverty penalty (punição da pobreza) não é novo: David Caplovitz elaborou essa teoria em 1967 num texto de sociologia que se tornou clássico, The Poor Pay More.3 Sua análise continua pertinente. “Os pobres pagam mais por um litro de leite e por moradias de qualidade inferior”, denunciava em 2009 Earl Blumenauer, deputado democrata pelo Oregon. Os 37 milhões de norte-americanos que vivem abaixo do limite de pobreza e os outros 100 milhões que se debatem para integrar a classe média “pagam por aquilo que a burguesia considera um direito”.4


Apenas um exemplo: segundo um relatório da Consumer Federation for America, a associação dos consumidores local, as tabelas das principais companhias de seguros de automóveis dão mais importância ao nível de estudos e à situação profissional dos clientes do que à confiabilidade de sua condução. Em dois terços dos casos examinados, “os bons motoristas pobres pagam mais [cerca de 25%] do que os ricos que já provocaram acidentes”.5 “É preciso ser rico para levar vida de pobre”, ironizou o Washington Post,6 catalogando as pequenas coisas da vida que castigam os trabalhadores sem dinheiro: tempo perdido nos transportes, filas de espera de todos os tipos para serviços de qualidade inferior etc. Não há tempo para o lazer nem direito ao erro.


Essas vidas de marionete assumem por vezes um contorno trágico, como a de Maria Fernandes, morta em setembro de 2014 dentro de seu carro num estacionamento de Nova Jersey. Funcionária havia quatro anos da rede de lanchonetes Dunkin’ Donuts, a mulher de 32 anos acumulava três turnos (tarde, noite e fim de semana) em três estabelecimentos diferentes para garantir a educação da filha e ganhar o salário mínimo então em vigor no estado de Nova Jersey: US$ 8,25 por hora. Alugava, por US$ 550, um apartamento mobiliado onde raramente dormia. Descansava dentro do carro mesmo, com o motor e o ar-condicionado ligados para refrescar o habitáculo, onde guardava uma lata de gasolina no banco traseiro. A lata virou acidentalmente durante um de seus cochilos, espalhando emanações tóxicas que a asfixiaram. Um porta-voz da Dunkin’ Donuts prestou-lhe homenagem num comunicado em que a chamava de “funcionária-modelo”.7


Voltemos ao check casherdo Brooklyn. A moça do guichê propôs um acordo a Carlos: ele poderia saldar sua dívida no dia seguinte. Tratava-o pelo primeiro nome: ele era, portanto, um cliente habitual. Aliviado, ele deu um telefonema, prometeu em inglês que não deixaria de pagar e saiu empurrando um carrinho de supermercado pelas ruas. Encheu-o de garrafas para reciclagem; os supermercados da área lhe pagavam 10 centavos por unidade. Vivia também de bicos “na construção”. Tivera conta num banco, mas já nem se lembrava de quando fora isso.


Os estabelecimentos financeiros instalam menos agências nos bairros de baixa renda. A área definida pelo código postal de Rivera, Stuyvesant Heights, tem apenas duas para 85 mil habitantes: um deserto bancário, igual a outros 650 país afora.8 Num paradoxo vertiginoso, Stuyvesant Heights se situa a apenas dez estações de metrô de Wall Street, o centro nevrálgico das finanças mundiais. “Não é vantajoso, para os bancos, abrir agências em bairros desfavorecidos”, explica Lisa Servon, professora de políticas urbanas na New School de Nova York. “Ali, os moradores são mais um fardo que uma fonte de lucros. Não depositam dinheiro e passam tempo demais no guichê. Os bancos querem o inverso: clientes que eles não veem nunca e que fazem depósitos.”


Os check cashers substituíram então os bancos nos bairros pobres, adotando um modelo econômico baseado na familiaridade, na diversificação de serviços (venda de cartões para celulares pré-pagos, loterias...) e em porcentagens cobradas a cada transação. “Os bancos querem um só cliente rico com US$ 1 milhão; nós queremos 1 milhão de clientes pobres com um dólar”, resume sem rodeios Joe Coleman, presidente da RiteCheck, importante rede com doze lojas no Bronx e no Harlem.9 Para os pobres, esses estabelecimentos são o último recurso antes dos empréstimos informais de rua, com seus riscos e desvantagens, fora do esquema legal, junto aos loan sharks (agiotas). Estes, ligados à pequena ou grande criminalidade, recorrem à violência para recuperar as somas emprestadas, sobrecarregadas de juros.


Servon nota igualmente que as comunidades de imigrantes de Nova York, em particular as hispânicas, mas também as senegalesas e árabes, importaram um método informal de microcrédito com taxa zero. O princípio é simples: várias pessoas investem uma pequena quantia numa conta comum. “Toda semana, segundo um sistema rotativo, um investidor diferente fica com o total”, explica a professora, que estuda esses círculos de crédito alternativos sem poder ainda avaliar seu número ou seu peso econômico.


Se os pobres não atraem o Chase ou o Bank of America, a recíproca também é verdadeira, segundo os trabalhos de Servon. “Os pobres preferem os check cashers porque pagariam ainda mais aos bancos em custos operacionais e ágio”, explica. Os bancos são mais gulosos e não concedem créditos pequenos a curto prazo, convenientes aos pobres. Cada estabelecimento dispõe de um arsenal médio de 49 sanções possíveis para as contas correntes: ultrapassar, mesmo que pouco, o limite autorizado pode acarretar penalidades sem fim. Conforme as estatísticas obtidas junto aos dez maiores bancos norte-americanos pela Federal Deposit Insurance Corporation – o organismo que garante os bancos –, metade dos saques sem fundos é provocada por despesas inferiores a US$ 36. Se esses saques forem considerados empréstimos a curto prazo, os juros chegarão a taxas que mal se podem imaginar: 5.000% ao ano.


Em 2011, os bancos dos Estados Unidos tiveram um lucro de US$ 38 bilhões apenas com ágio.10 “Eles estão ficando cada vez mais caros”, comenta Servon. “A instabilidade financeira dos norte-americanos aumentou e suas rendas se tornaram voláteis. As pessoas acumulam empregos, tentam arranjar tempo de qualquer jeito. Seus holerites não chegam com o mesmo valor ao fim de cada mês. Não têm poupança. Não têm dinheiro. Ficam no vermelho regularmente e as multas se acumulam.” Não é raro encontrar quem, com salário estável antes da crise, agora trabalhe em dois empregos de meio expediente, remunerados por hora. Os gastos com saúde, educação e creche explodiram, e “os empregadores já não oferecem vantagens sociais, enquanto as despesas aumentaram. Não há margem de erro... Aí é que está o problema”.


Um norte-americano comum é um endividado que paga suas contas pontualmente. Longe dos radares do sistema bancário, perto de 10 milhões de lares não dispõem de um instrumento essencial para gozar de status social nos Estados Unidos: o credit score (cota de crédito). Esse número de três algarismos começa geralmente em 300 (bastante medíocre) e se estabiliza em 850 (muito bom), com variantes que vão de 100 a 990, conforme o estabelecimento. É uma identificação pessoal tão importante quanto o número do seguro social. Desconhecida fora dos Estados Unidos, a cota de crédito condiciona a vida inteira de um cidadão norte-americano. Ela atesta se a pessoa paga suas contas em dia e é suficientemente digna de confiança para contrair empréstimos.


De início usado pelos bancos para empréstimos imobiliários, a cota de crédito pode ser consultada por lojas, seguradoras, donos de imóveis para alugar ou por um empregador em potencial. Uma boa cota é motivo de orgulho. Ela se imiscui até nos sites de encontros pela internet, permitindo julgar se a situação financeira do pretendente é saudável o bastante para que valha a pena conversar com ele.11 Uma fatura em atraso afeta-a imediatamente; se os problemas se acumulam, ela vai por água abaixo e os bancos se dão o direito de aumentar seus juros.


O pior é a exclusão bancária para quem não conseguiu perfazer uma “cota de solvência”: ele fica então com um “crédito invisível”. As portas se fecham; a vida se torna mais cara e complicada. Segundo um relatório do Consumer Financial Protection Bureau (Agência de Proteção Financeira do Consumidor), 30% da população dos bairros de baixa renda está excluída do crédito. Essa marca de infâmia afeta principalmente negros e hispânicos: 15%, contra 9% de brancos e asiáticos.12


Enquanto a Europa privilegia a poupança, a sociedade norte-americana estimula vigorosamente o crédito.13 O endividamento das famílias aumenta a olhos vistos. Não ter dívidas é sinal de má situação financeira. Hoje, cada família possui em média oito cartões de crédito e, segundo o Urban Institute, seus gastos se elevam a US$ 15 mil.


Um fato ocorrido no final dos anos 1980 abalou, sem fazer muito alarde, as estruturas econômicas antigas:14 a desregulamentação da taxa de usura, ou seja, a eliminação do teto máximo de juros bancários. Isso permitiu a um grande número de norte-americanos o acesso ao empréstimo; em contrapartida, os bancos obtiveram o direito de fixar as taxas de juros dentro de uma opacidade quase total. O número de falências individuais cresceu astronomicamente e o crédito ao consumidor atingiu níveis jamais vistos desde a Grande Depressão. “É a única indústria capaz de agir assim”,15 insurgiu-se em 2004 Elizabeth Warren, membro da ala esquerda do Partido Democrata que durante toda a sua carreira denunciou os abusos das empresas de crédito. Ela inspirou em 2010, depois da crise, a criação da Agência de Proteção Financeira do Consumidor, um órgão federal. Durante muito tempo, foi professora de direito financeiro em Harvard. Para ilustrar a opacidade da indústria bancária, Elizabeth se declara incapaz, ela própria, de calcular os juros dos empréstimos que contraiu.



Dívidas para garantir a sobrevivência


Os membros da classe média e os que trabalham para um dia pertencer a ela continuam sendo a principal fonte de lucros dos bancos, em virtude das dificuldades que encontram para pagar seus empréstimos e das multas que se acumulam. Para Warren, são eles que carregam nos ombros a indústria do crédito: “As pessoas em má situação, à beira da falência, que só podem pagar o mínimo da fatura, que pagam com atraso, que passam de vez em quando um cheque sem fundos, que vez por outra não saldam uma dívida...”.16


No Oregon, a enfermeira Claire Shrout, casada e mãe de dois filhos, pertence a essa categoria. Um contratempo desarranjou sua vida familiar: o câncer do marido, quando ela estava grávida do segundo filho. “Quando dei à luz, meu marido acabara de fazer sua quimioterapia”, conta. Claire nunca conseguiu poupar e fazer um fundo de reserva por causa dos empréstimos contraídos durante seus anos de estudo: “Milhares de dólares, todos os meses, desapareciam com o pagamento de faturas”. O marido precisou deixar o emprego por causa da doença e ela fez o mesmo durante quatro meses. “Sem renda, tivemos de pedir empréstimos para pagar as despesas médicas e sobreviver. A fim de pagar o primeiro, pedimos um segundo. A fim de pagar o segundo, pedimos um terceiro... Assim começaram os aborrecimentos. E tudo isso só para continuar vivos.” Doença do cônjuge, correia de transmissão do carro que se solta, empréstimo de juventude que não se paga nunca: a perspectiva de falência pessoal é cada vez menos abstrata, mesmo no seio da classe média.


Para a indústria do crédito, os Shrout são os clientes perfeitos. Ela obteve seu diploma na Universidade do Oregon em meados dos anos 1990. O preço do curso foi “bastante módico, sobretudo se comparado ao de hoje”. No primeiro dia, espalhadas pelo campus, havia grandes tendas onde, num clima de festa, se ofereciam aos alunos cartões de crédito. “Os vendedores eram jovens como nós, vestiam camisetas coloridas. Quem ficava com um cartão ganhava um almoço grátis ou um frisbee. Uma idiotice, mas quando se tem 17 anos é uma maravilha. Dizemos a nós mesmos que poderemos fazer o que quisermos com um simples toque no teclado: mais tarde, ganharemos o suficiente para pagar...” Em quatro anos de curso, ela solicitou cinco cartões diferentes. “Era uma maneira de resolver os problemas.” Quando se casou, aos 28 anos, ganhava US$ 25 mil por ano, mas devia US$ 13 mil; seu marido, US$ 8 mil.


Os pais dela fizeram seus estudos no Boston College, “mas nenhum pediu empréstimo para pagá-los, como é regra atualmente”. No caso do pai, um emprego num posto de gasolina mais a bolsa bastaram. Em 2015, um ano de estudos no Boston College custa US$ 48.540 – US$ 62.820 com alojamento no campus, conforme a localização do estabelecimento.


As famílias norte-americanas não fazem dívidas para ter uma piscina ou um 4×4, mas para garantir o essencial: casa, saúde, carro, educação, seguros. “Em outros países mais bem organizados, as pessoas não pagam pela saúde ou pela educação”, suspira com inveja Shrout. “Se eu fosse mãe na Suécia, nossa história seria bem diferente. Teria tido mais de dez dias de licença-maternidade. Não quero acusar a sociedade ou as empresas de crédito, pois a culpa também é minha. Mas, nos Estados Unidos, os jovens contraem mais dívidas do que em qualquer outra parte. Ficam entregues a si mesmos, o que é uma porta aberta para situações dramáticas. O sistema todo se torna predador.”


As dívidas do senhor Rivera ou da senhora Shrout são apenas pequenos córregos. Na escala nacional, formam o rio gigantesco dos empréstimos que engrossou 22% nos últimos três anos. Em 2014, o crédito ao consumidor atingiu um pico histórico de US$ 3,2 trilhões...


1 “The cumulative costs of predatory practices” [Os custos acumulados de práticas predatórias], Center of Responsible Lending, Durham, jun. 2015.


2 Ver Serge Halimi, “Pauvreté à américaine dans l’autre Californie” [Pobreza à americana na outra Califórnia], Le Monde diplomatique, set. 1988.


3 David Caplovitz, The Poor Pay More: Consumer Practices of Low-Income Families [Os pobres pagam mais: práticas de consumo das famílias de baixa renda], Free Press, Nova York, 1967.


4 DeNeen L. Brown, “The high cost of poverty: Why the poor pay more” [O alto custo da pobreza: por que os pobres pagam mais], The Washington Post, 18 maio 2009.


5 “Largest auto insurers frequently charge higher premiums to safe drivers than to those responsible for acidentes” [As grandes companhias de seguros de automóveis frequentemente cobram mais dos bons motoristas do que daqueles que provocaram acidentes], Consumer Federation of America, Washington, 28 jan. 2013.


6 DeNeen L. Brown, op. cit.


7 Rachel L. Swarns, “For a worker with little time between 3 jobs, a nap has fatal consequences” [Para uma trabalhadora com pouco tempo livre entre três empregos, um cochilo tem consequências fatais], The New York Times, 28 set. 2014.


8 Russell D. Kashian, Ran Tao e Claudia Perez-Valdez, “Banking the unbanked: Bank deserts in the United States” [Bancos para quem não tem banco: desertos bancários nos Estados Unidos], Universidade de Wisconsin, Madison, 2015.


9 Lisa Servon, “The high cost, for the poor, of using a bank” [O alto custo, para os pobres, do uso de um banco], The New Yorker, 9 out. 2013.


10 “Graphic: Checking account risks at a glance” [Gráfico: visão rápida dos riscos de uma conta-corrente], The Pew Charitable Trust, Filadélfia, 2011.


11 “Where Good Credit Is Sexy!!” [Onde ter crédito é sexy!!]. Disponível em: .


12 “Data point: credit invisibles” [Ponto de dados: créditos invisíveis], Consumer Finance Protection Bureau, maio 2015. Disponível em: .


13 Ver Christopher Newfield, “La dette étudiante, une bombe à retardement” [A dívida estudantil, uma bomba de efeito retardado], Le Monde diplomatique, set. 2012.


14 As leis de usura norte-americanas derivam da common law inglesa. Cf. Steven Mercatante, “The deregulation of usury ceilings, rise of easy credit, and increasing consumer debt” [Desregulamentação dos tetos de usura, ascensão do crédito fácil e aumento crescente da dívida dos consumidores], South Dakota Law Review, Vermillion, 2008.


15 “Frontline”, PBS, 23 nov. 2004.


16 Ibidem.


Maxime Robin


Jornalista


Ilustração: Filipe Rocha


NADANDO EM PRIVILÉGIOS


Em 5 de junho de 2015, em McKinney, no subúrbio de Dallas (Texas), um policial branco foi filmado enquanto maltratava adolescentes negros em trajes de banho. Vemos o agente perder a cabeça, apontar a arma, empurrar e imobilizar uma garota de 15 anos de biquíni. Os jovens tinham ido comemorar um aniversário à beira da piscina do Craig Ranch, uma gated community (condomínio fechado). Muitos eram negros e nem todos tinham o direito de estar lá. Num contexto nacional de brutalidades policiais em série, o vídeo amador provocou um escândalo. Na revista mensal The Atlantic, o historiador e jornalista Yoni Applebaum analisa o incidente de um ponto de vista racial e histórico. Observa aí o resultado da privatização de serviços públicos para afastar grupos indesejáveis – no caso, os negros. “Antes de 1950”, lembra, “os norte-americanos nadavam nas piscinas municipais tão frequentemente quanto iam ao cinema. Havia poucos clubes de natação, e as raras piscinas particulares eram sinal de grande riqueza.” Meio século depois, “o número de piscinas particulares nos Estados Unidos passou de 2.300 para mais de 4 milhões”.1 Para mergulhar nelas, é preciso morar em certos bairros ou se tornar sócio de um clube. Applebaum se apoia no historiador Jeff Wiltse para afirmar que a luta pelos direitos civis está diretamente na origem desse processo: “Muitos brancos abandonaram as piscinas públicas após o fim da segregação, mas não deixaram de nadar. Construíram suas próprias piscinas, em casa ou em clubes náuticos, de modo a poder controlar a classe social e a cor da pele dos banhistas”.2


Essa evolução não diz respeito só às piscinas. O oximoro “espaços públicos de propriedade privada” define todo espaço cujo acesso é estritamente regulamentado pelas empresas proprietárias ou por quem de direito. Esse fenômeno se multiplicou e compreende hoje parques e algumas praias ou beiras de lagos.


Michael Sandel, professor de direito em Harvard, debruçou-se sobre a economia dos “salvo-condutos” vendidos às pessoas e que valem em praticamente todas as ocasiões.3 “Nunca tivemos realmente um debate sobre esse assunto”, observa. “Até onde deixaremos agir o mercado? Em que medida ele serve ao bem público e a partir de que ponto o prejudica?” Hoje, pode-se pagar para furar a fila em inúmeros lugares, como parques de diversões. Nas estradas de Minneapolis, Seattle, San Diego e outras metrópoles congestionadas dos Estados Unidos, podemos comprar o acesso à via rápida com tarifas que variam conforme o grau do engarrafamento. A possibilidade de adquirir privilégios estendeu-se até mesmo... às prisões: no condado de Santa Barbara, Califórnia, um detento pode conseguir uma cela mais confortável pagando US$ 90 por noite. Sandel menciona também novas maneiras de ganhar dinheiro: servir de cobaia humana para a indústria farmacêutica (por volta de US$ 7,5 mil, às vezes mais, se o tratamento for perigoso ou complicações puderem ocorrer) ou alugar seus serviços a empresas que aliciam mercenários para lutar no Oriente Médio (US$ 1 mil por dia).


A demonstração assume novos contornos quando, nesse inventário da mercantilização pós-moderna, o jurista descobre uma transação que subverte o ideal democrático norte-americano. Ela ocorre diariamente no Capitólio de Washington. As reuniões do Congresso são públicas, mas a fila para assistir a elas é interminável, para grande frustração dos lobistas. Assim, empresas recrutam pessoas para ficar na fila em seu lugar, mediante pagamento. Esses indivíduos, afirma Sandel, são na maioria gente sem domicílio fixo. “No entanto”, lamenta, “todos deveriam ter livre acesso às instituições.”


O valor que a sociedade de mercado coloca mais em perigo, segundo Sandel, é a communality, o senso de vida coletiva. Ele próprio foi criado em Minneapolis em meados da década de 1960 e era torcedor dos Twins, a equipe de beisebol da cidade. No estádio, todos os lugares custavam quase o mesmo: US$ 3,50 para a tribuna de honra, US$ 1 para as arquibancadas. “Patrões e empregados faziam fila para comer os mesmos cachorros-quentes e beber as mesmas cervejas sem espuma. Quando chovia, todos se molhavam... Isso acabou. Se você for a um estádio hoje, verá espaços reservados, envidraçados, onde a elite se isola do resto do mundo. Já não há mistura de classes. Já não há fila única para os banheiros. Se chove, nem todos se molham.”4 Cada vez mais, acrescenta, ricos e pobres “vivem vidas separadas, vão à escola e passeiam sem se cruzar”. Os tobogãs da piscina de McKinney são testemunhas dessa transformação social. A cidade tem três piscinas públicas, todas no lado onde se concentra a baixa renda. Nos bairros prósperos, as piscinas são particulares ou semiparticulares, com acesso exclusivo e controlado. No caso do Craig Ranch, cada condômino tem direito a um número de lugares limitado, que distribui a seu gosto.


A piscina onde nadavam os adolescentes que foram comemorar o aniversário em McKinney não era pública, mas reservada aos moradores de um bairro social e racialmente muito homogêneo. Esses moradores eram donos de um antigo bem comum que se tornara privilégio deles. (M.R.)


1 “McKinney, Texas, and the racial history of American swimming pools” [McKinney, Texas, e a história racial das piscinas norte-americanas], The Atlantic, Washington, 8 jun. 2015.


2 Jeff Wiltse, Contested Waters: A Social History of Swimming Pools in America [Águas contestadas: uma história social das piscinas na América], The University of North Carolina Press, Chapel Hill, 2010.


3 Michael J. Sandel, What Money Can’t Buy: The Moral Limits of Markets [O que o dinheiro não pode comprar: os limites morais dos mercados], Farrar, Straus and Giroux, Nova York, 2013.


4 Ver Richard A. Keiser, “Sportifs de salon” [Esportistas de salão], Le Monde diplomatique, jul. 2008.


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Chorando pitangas, araçás e camarinhas

Os pescadores da Ilha e seus filhos, atraídos pelo dinheiro dos adventícios, venderam tudo, até a própria dignidade. Receberam tão bem a cultura de outros rincões, que até Centros de Tradição Gaúcha espalharam na região. Os compradores suprimiram rios e não reagimos, invadiram restingas e concordamos, compraram ranchos de pesca e os demoliram, sem que o Poder Público fizesse qualquer questionamento. O turismo triunfou, dominou, tornou-se o interesse público prevalente. Como diria o vulgo, "cagaram na nossa cabeça", digo, nas nossas águas, sem a menor reclamação. É lamentável que o último rancho do Caldeirão (como antes se chamava o Jurerê) esteja a ser demolido e, com a destruição, o desaparecimento da pesca artesanal no Norte da Ilha. Foram-se os batelões, as canoas bordadas e chegaram, atropelando tudo, as "voadeiras", as motos aquáticas, as pranchas de surf e equipamentos assemelhados, que cortam redes e espinhéis. Além disto, o governo, faminto por arrecadação, entrou taxando tudo. Tarrafeadores são vigiados, "pescadores" de siri, de camarão instados a registrar-se, portar carteira, dentre outras exigências; pescadores com caniços são olhados de soslaio e considerados repugnantes. Marisco sumiu das pedras. Berbigão da mesma forma. Só as tatuíras ainda resistem. Agora é tarde, amigos "amarelos". Deixamo-nos encantar pelo "canto da sereia" (dinheiro do turismo) e nos ferramos, em termos culturais. A Ilha de Santa Catarina, de costumes açorianos, já era. Isto aqui, agora, voltou a ser território paulista (já o foi no passado), dividido com gaúchos e argentinos. Paciência. Resta relaxar e gozar, ou dar no pé, que o valor do IPTU ficará insuportável, o trânsito caótico, as águas do mar uma cloaca, o ar poluído, o meio-ambiente infestado de "sonzeira" insuportável (música eletrônica), a noite tomada por festas "raves", a mendicância e a roubalheira (falo dos grandes, não dos mendigos) um descaramento só. O "amarelo", presentemente, já está cheio de "marra", procurando parecer moderno, na ânsia de equiparar-se aos cariocas, paulistas e gaúchos, arriscando até um portunhol, no afã de servir e explorar os "gringos". Perdemos nossos elos, nossa identidade está para lá de afetada. Nossos referenciais foram completamente anulados. Vivemos numa profusão de cuias de chimarrão, que até nas praias proliferam. No falar, muitos "então", começando as frases. Lá se foi o nosso "'oi, ói, ó" e o falar cantado, agalegado, que nos caracterizava. É o fim, melancólico, mas previsível. 
Quanto aos adventícios, já estão brigando entre si (as Justiças federal e estadual estão cheias de litígios, nos quais eles são partes) e, num futuro não muito distante, a Ilha será dos estrangeiros, só deles. Os brasileiros, daqui e de fora, que para cá migraram - assediados pela força do capital e pelas pressões governamentais - estarão morando nas adjacências e só visitarão a Ilha para servir como mão de obra menos qualificada (policiais, marinheiros, jardineiros, pintores, carpinteiros, pedreiros, lixeiros, taxistas, carregadores de malas, recepcionistas e camareiras de hotel e profissões afins).
E quando isto acontecer, então, os poderes públicos acharão solução para os problemas estruturais da região, porque os abastados saberão exigi-lo, mas não para o desaparecimento da cultura, que estará sepultada, sem ter como ressurgir, diante dos incontáveis elementos "alienígenas" que a sufocarão, cada vez mais.

Diferente de certos brasileiros...- El juez antiestrella


El barcelonés de 30 años que dirige la investigación del 3% no usa corbata y habla en catalán con los guardias civiles de Tarragona



El fiscal José Grinda, una secretaria judicial y el juez Josep Bosch LVE


Sara Sans Tarragona | Sigue a este autor en Twitter

Casi 50 minutos estuvo el juez Josep Bosch Mitjavila (Barcelona, 1985) reflexionando, solo en su pequeño despacho del juzgado de instrucción número uno de El Vendrell, si atendía la petición de los dos fiscales anticorrupción y ordenaba el ingreso en prisión del responsable de Infraestructures.cat, Josep Antoni Rosell. Finalmente decidió dejarle en libertad con cargos y retirarle el pasaporte. Fue la primera vez en este proceso que arrancó hace dos años que el juez discrepaba de los fiscales José Grinda y Fernando Bermejo. Hay quienes aseguran que ese día, tras una semana de infarto en el ojo del huracán político, el magistrado dio medio paso atrás. Pero sigue firme frente a una de las investigaciones más complejas e importantes de los últimos años: el caso del 3% y la presunta financiación ilegal de CDC.

"No se si tiene más presiones de las que seguro que él mismo se impone. Pero hasta ahora no se ha arrugado y con apenas 30 años ha firmado autos, como el registro de CDC y la detención de los dos últimos tesoreros de la formación, de gran trascendencia", apuntan quienes le conocen. Por el momento, ni el 3%, ni ser uno de los jueces que en su día obtuvo mejor valoración al final de la carrera se le han subido a la cabeza.

Bosch Mitjavila es lo menos parecido que pueda haber a un juez estrella. Accesible, amable, metódico y trabajador, lo que nunca ha hecho es exhibirse. Consciente o no del caso que tenía entre manos, desde que asumió la investigación de la presunta corrupción en Torredembarra, se ha protegido de la prensa. Ni una sola vez ha dado una declaración y cuando saltó su nombre a la palestra y se le quiso fotografiar, ya era demasiado tarde. Literalmente se lo tragó la tierra.


Estos días que los juzgados de El Vendrell han estado custodiados por medios de comunicación, ni una sola vez se le ha podido retratar. La imagen que acompaña este texto, se hizo el pasado agosto, cuando el caso Torredembarra ya estaba en marcha pero nadie imaginaba que Bosch, el juez que habla en catalán con los guardias civiles de la comandancia de Tarragona, llegaría tan lejos. Sabía que todo el mundo le buscaría, y por eso el miércoles prefirió no desplazarse a Barcelona. Sin corbata, como siempre, coordinó el operativo de detenciones y registros desde su despacho.


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Estado brasileiro é denunciado à OEA por violência contra jornalistas


Thiago Guimarães - @thiaguimaDa BBC Brasil em Londres


Arquivo pessoalImage captionRadialista Gleydson Carvalho, morto dentro de rádio no Ceará em agosto; crime teve repercussão internacional e investigação responsabilizou políticos

No último dia 6 de agosto, um radialista foi morto a tiros enquanto apresentava um programa em Camocim, no Ceará. O relógio da Liberdade FM marcava 12h40. Um homem rendeu a recepcionista e outro mandou o operador de áudio se abaixar. Gleydson Carvalho levou três tiros, um deles na cabeça.

A investigação apontou envolvimento de sete pessoas no crime - entre elas o tio e o sobrinho do prefeito de uma cidade vizinha. Conhecido pelas denúncias e cobranças contra políticos da região, Gleydson morreu por "falar demais".

O caso de Gleydson não é isolado. De 2012 a 2014, houve 87 graves violações contra comunicadores no Brasil - 14 assassinatos, 18 tentativas de homicídio, 51 ameaças de morte e quatro sequestros. E em 74% dos casos há indícios de participação de agentes do Estado: policiais, políticos ou agentes públicos, aponta levantamento da associação Artigo 19, braço brasileiro de organização pró-liberdade de expressão sediada em Londres.

A violência continua em 2015. Apenas no primeiro semestre, um jornalista e três radialistas já foram mortos em decorrência de sua atividade profissional, e investiga-se a relação com a profissão em outros três homicídios.

A gravidade do cenário levou o Estado brasileiro a ser denunciado, na última sexta-feira, na CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), órgão ligado à OEA (Organização dos Estados Americanos).

"Ao não desenvolver políticas efetivas de garantia da liberdade de expressão de comunicadores, o Estado brasileiro viola suas obrigações internacionais e por isso foi denunciado nesta audiência", afirmou Paula Martins, diretora-executiva da Artigo 19.

Ao lado da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e da Fitert (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão), a associação denunciou o Brasil por violação ao direito à liberdade de expressão, firmado na Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário desde 1992.

"Os números são expressivos, e mostram que o quadro é sistemático: as violações ocorrem em todas as regiões, e em cidades de todos os portes", disse à BBC Brasil Júlia Lima, coordenadoras do programa de proteção e segurança da liberdade de expressão da Artigo 19.

Procurada pela BBC Brasil, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República diz que não se trata de uma denúncia contra o Estado brasileiro, mas "sim de uma solicitação de informações a respeito 'da violação sistemática de direitos humanos de comunicadores nos últimos três anos'".
Contra o senso comum

Em julho de 2012, o cronista esportivo Valério Luiz foi morto a tiros na saída da rádio Jornal 820 AM, de Goiânia. A apuração concluiu que ele foi morto pelas críticas que fazia à diretoria do Atlético Goianiense, um dos maiores times de futebol do Estado. O ex-vice presidente do clube foi acusado de encomendar o crime a dois policiais militares - todos esperam em liberdade pelo júri popular.

Violência contra comunicadores no Brasil
Casos de 2012 a 2014


87

violações graves, sendo:


14 homicídios


18 tentativas de homicídio


51 ameaças de morte


4 sequestros

Artigo 19, Abraji e Fitert

O levantamento dos casos, diz Lima, contraria a ideia de que esse tipo de violação seria mais comum em regiões menos desenvolvidas - o Sudeste, por exemplo, concentrou 28% dos ataques registrados de 2012 a 2014.

Usando metodologia própria, a Artigo 19 descobriu que a maioria dos episódios (83% do total) resultou da tentativa dos comunicadores (sobretudo jornalistas, radialistas e blogueiros) de promoverem investigações e denúncias sobre temas de interesse público.

Um deles foi Pedro Palma, morto em fevereiro de 2014 na porta de casa em Miguel Pereira, município de 25 mil habitantes na região serrana do Rio. Dono e único repórter do jornal local Panorama Regional, ele cobria corrupção (como o desvio de patrocínio para um festival de jazz que não ocorreu) e já havia sido alvo de ameaças.

E embora casos como o de Palma ainda tramitam na Justiça, o relatório apresentado na sessão da CIDH em Washington (EUA) indica que três em cada quatro violações tiveram envolvimento de agentes públicos.

"Não levamos em conta apenas as investigações oficiais. Entrevistamos pessoas envolvidas em cada caso, como familiares, colegas de profissão e autoridades, para chegar a essas conclusões", diz Júlia Lima.

Em busca de soluções

As entidades consideram que o governo brasileiro está longe de oferecer segurança devida aos comunicadores. O relatório diz que houve avanços com a ação, entre 2013 e 2014, de um grupo de trabalho sobre o tema na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

"Ainda assim, passado mais de um ano da finalização dos trabalhos do grupo, nenhuma das recomendações foi implementada", afirma o relatório da Artigo 19, Abraji e Fitert.Image copyrightDaniel CimaImage captionJúlia Lima e Paula Martins (à esq.), da ONG Artigo 19, apresentam denúncia contra Estado brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Entre as recomendações por cumprir estão a ampliação do Sistema Nacional de Proteção para incluir comunicadores ameaçados, a criação de um Observatório de Violência contra Comunicadores e a padronização da ação da segurança pública em manifestações, para evitar a violência nessas ocasiões.

"O Estado oferece um Programa de Proteção para Defensores de Direitos Humanos que, de maneira isolada, atendeu casos de comunicadores, mas sem inseri-los formalmente em sua estrutura, o que acarreta na ausência de medidas específicas para esse público e na falta de reconhecimento por parte dos comunicadores de que esse mecanismo poderá atendê-los", diz o relatório.

Questionada pela BBC Brasil sobre isso, a secretaria, hoje parte do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, afirma que "os comunicadores que estão sofrendo ameaças em razão do exercício da profissão podem, sim, solicitar sua inclusão" no programa. Segundo o órgão, o "procedimento já está em pleno vigor" e já há profissionais da área sendo atendidos.

Outras entidades vêm lançando alertas ao governo brasileiro sobre o agravamento da situação. Em junho deste ano, após dois assassinatos de jornalistas em uma semana, a ONG internacional Repórteres sem Fronteiras divulgou carta aberta à presidente Dilma Rousseff pedindo "medidas concretas e efetivas" contra esse tipo de violência.

A ONG diz que o Brasil "fracassou" na tarefa de prover segurança a esses profissionais, e hoje é o terceiro país do Ocidente mais perigoso para trabalhadores de mídia, atrás apenas de México e Honduras.

A impunidade em relação aos crimes também é uma das principais preocupações. Segundo a Artigo 19, dos casos registrados em 2014, por exemplo, 61% estavam arquivados ou ainda em apuração um ano depois. Outro número a corroborar esse diagnóstico partiu do CPJ (Comitê para Proteção de Jornalistas), que classificou o Brasil em 2015 como o 11º país no mundo com maior índice de impunidade em crimes contra comunicadores, e o segundo na América Latina.
Próximos passos

Para as entidades que denunciaram o Brasil na OEA, é preciso ação conjunta para enfrentar esses crimes, como no caso no jornalista Rodrigo Neto, morto em março de 2013. Neto investigava a ação de grupos de extermínio na região do Vale do Aço, em Minas Gerais, e um fotógrafo que trabalhava com ele foi morto um mês depois.

A mobilização de órgãos estaduais e federais ajudou a prender o acusado de matar os dois profissionais - os eventuais mandantes, contudo, continuam em liberdade.

O objetivo da denúncia apresentada na semana passada nos EUA é que o Brasil seja instado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos a adotar as recomendações das entidades.

Um primeiro passo nesse sentido foi dado logo após a audiência, quando o relator especial para liberdade de expressão da comissão, Edison Lanza, decidiu pedir informações ao Estado brasileiro sobre o cenário de ataques contra comunicadores.
Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/10/151027_mortes_comunicadores_tg

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

CHINA »As 60 milhões de crianças chinesas deixadas para trás por seus pais

Milhões migraram para a cidade, mas muitos deixaram os filhos nos vilarejos de origem




A creche que gerencia a professora Ping, na aldeia de Beikou. / M. VIDAL

Xiu Jiaqi tem cinco anos, um longo rabo-de-cavalo e um sorriso maroto. Hoje, porém, está um pouco mais triste do que de costume. Seu pai acaba de partir para trabalhar como operário na construção de estradas. Não vê a mãe, que trabalha em Pequim (China), há vários meses. “Ela vai voltar quando o trabalho terminar”, diz a menina, que ficou sob os cuidados de seus avós e lamenta que estes não têm condições de ajuda-las com os deveres de casa. Sua professora, Ping Xiaorong, explica: “São analfabetos”.

Zhao Yicheng, de seis anos, se senta ao lado de Xiu. Diz que não verá os pais até o Ano Novo chinês, que é a única vez em que isso acontecerá ao longo de todo um ano. Nessa ocasião, “eles vão me trazer presentes. Roupas cor-de-rosa, que é a minha preferida. E brincaremos juntos. O que eu mais gosto é de esconde-esconde”.

As duas meninas fazem parte de um fenômeno provocado pelo crescimento econômico da China. Desde 1995, mais de 300 milhões de pessoas mudaram do campo para a cidade em busca de uma vida melhor. Mas muitas delas tiveram de deixar os filhos em seus vilarejos de origem, geralmente sob os cuidados dos avós. São as crianças “deixadas para trás”: segundo a Federação das Mulheres Chinesas, uma organização oficial, elas constituem um total de 61 milhões de crianças, uma em cada cinco dentre os menores de todo o país.

No vilarejo de Beikou, em Songjiazhuang, na província de Hebei (norte da China), restam apenas 1.770 pessoas dentre os 2.600 habitantes que havia ali quatro ou cinco anos atrás. As condições de vida são rigorosíssimas: ao pé da montanha, já próximo do deserto do Gobi, a temperatura no inverno pode chegar a 30 graus abaixo de zero. A maior parte das casas não tem aquecimento nem água quente. Em algumas delas, as janelas ainda são de papel. A possibilidade de emprego é limitada: ou pastor ou camponês. E conseguir fazer uma colheita anual de cerais —painço e milho, principalmente— é extremamente trabalhoso.

“Quem sai daqui o faz principalmente pela educação de seus filhos”, explica a professora Ping. “Aqui, eles sempre têm garantido pelo menos um prato de comida. Mas ensino, não”. Em Beikou, só há ensino até o segundo ano primário; depois disso, as crianças são obrigadas a se mudar para um vilarejo maior. Aqueles que almejam uma formação melhor para seus filhos, e podem arcar com isso, precisam manda-los para uma escola particular na cidade maior da comarca. E isso custa caro. Por isso, os pais emigram, segundo Ping, para obter o dinheiro.

O problema é acentuado pela exigência do hukou, uma certidão de residência concedida no local de nascimento e sem a qual os imigrantes das zonas rurais não podem ter acesso a serviços básicos como educação e saúde. Mesmo que os pais de Beikou levassem seus filhos junto com eles para Pequim, não teriam como coloca-los na escola.

Ping cuida de 40 crianças, entre dois e seis anos de idade. No ano passado, cuidava de 60; 20 se mudaram para a cidade ou passaram para o ensino primário. A creche do vilarejo, Shibo, foi fundada por ela há seis anos, como uma iniciativa integralmente privada, diante da falta de opções para deixar seu filho, na época com quatro anos de idade. Em suas aulas, os alunos aprendem o mandarim, matemática e um pouco de inglês, que ela mesma aprendeu por conta própria.

As crianças Xiu e Zhao na creche de Beikou. / M. V.

Cerca de metade de seus alunos, diz ela, são crianças “deixadas para trás”. “Percebe-se a diferença”, afirma. “São mais retraídas. Outro dia, uma menina começou a chorar na classe porque via muito pouco o pai... Também são um pouco mais fracos do ponto de vista do aprendizado. Há casos, como o de Xiu Jiaqi, em que os avós não sabem ler nem escrever, e é preciso, então, lhe dar um apoio especial”.

De acordo com um relatório do programa beneficente Road to School, a ansiedade das crianças aumenta exponencialmente quando ficam mais de três meses sem ver os pais. Cerca de 15% das crianças “deixadas para trás” só vem os seus uma vez por ano; e 15 milhões delas só recebem um telefonema a cada três meses. São menores de idade mais suscetíveis a problemas psicológicos, abusos sexuais ou de cair nas mãos do crime organizado.

Para tentar reduzir o problema, o Governo chinês fixou como objetivo formar, em 2016, três milhões de assistentes sociais, uma profissão praticamente desconhecida até hoje no país, assinala Tong Xiaojun, professora de Trabalho Social no Instituto para a Juventude e a Adolescência da China. Um programa piloto criou uma rede de assistentes locais em 120 zonas distantes das cinco províncias mais atingidas pelo problema, o que atinge, ainda, apenas 250.000 crianças, uma quantidade ínfima.

Outras ONGs também procuram estimular a comunicação entre as crianças “deixadas para trás” e seus pais e convencer as empresas a flexibilizarem os horários de trabalho e os dias de férias, explica Pia McRae, diretora da Save The Children para a China.

Pais infelizes

Xu Yingxia, faxineira doméstica de 41 anos de idade originária de Anhui, no sul do país, também menciona a educação como o fator determinante para viver separada de seu filho. O menino, de 11 anos, é interno em Hefei, a capital de sua província natal. “Poderíamos levá-lo conosco para Pequim. Mas não seria bom para ele. Na nossa opinião, o mais importante é que ele receba uma boa educação e tenha mais oportunidades na vida”.

Para os pais, a separação também é muito difícil, algo a que cedem por não haver alternativas. Um estudo da consultoria CCR CSR registra que cerca de 80% daqueles que deixaram seus filhos “para trás” carregam um sentimento de culpa por isso. Sessenta e oito por cento afirmam não ter tempo para cuidar dos filhos; cerca de 53% alegam não ter dinheiro para bancar as despesas básicas. Algo como 30% se queixam de que na cidade seus filhos não podem ter acesso à educação e a outros serviços sociais apropriados.

Cerca de 59% desses pais dizem que “não se sentem compromissados com seu posto de trabalho” em razão dessa separação familiar. Aproximadamente 38% admitem cometer “erros frequentes” no trabalho por causa da preocupação com seus filhos. Cerca de 33% admitem estar “infelizes e desestimulados”.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/18/internacional/1445186487_881325.html

CORRUPÇÃO NO FUTEBOL - FIFA revela que está investigando Ricardo Teixeira e Beckenbauer

Comitê de Ética da entidade informou que diversos cartolas estão na lista


Villar durante a assembleia da RFEF no passado mês de julho. / ZIPI (EFE)

O Comitê de Ética da FIFA divulgou nesta quarta-feira um comunicado confirmando que está investigando o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira. O alemão Franz Beckenbauer também aparece na lista de cartolas que estão na mira da entidade.

Segundo o comunicado, publicado no site da FIFA, Teixeira e Beckenbauer teriam infringido as regras do código de ética.

Ángel María Villar, presidente da Federação Espanhola, também é investigado pela suposta compra de votos na escolha dos Mundiais da Rússia 2018 e Qatar 2022.

A entidade assegura que os casos de Villar e de Franz Beckenbauer —por corrupção na escolha da Copa do Mundo da Alemanha, em 2006—, já chegaram às mãos do presidente do Comitê de Ética, Hans-Joachim Eckert.

Os dirigentes Worawi Makudi, Jeffrey Webb, Amos Adamu, Eugenio Figueredo e Nicolás Leoz (ex-presidente da Conmebol) também são investigados. Suspensos por 90 dias de qualquer atividade relacionada ao futebol, Joseph Blatter, Michel Platini e Jerome Valcke também estão na mira do comitê de ética.

Fonte: EL PAIS

RACISMO NA REDE SOCIAL » Executivos do Facebook na Alemanha investigados por incitar o ódio racial





Promotoria de Hamburgo abre investigação após uma denúncia por mensagens xenófobas




Seguidores do Pegida na tarde em Dresden. / R. MICHAEL (AFP)

Em uma ação inédita da justiça alemã, a promotoria de Hamburgo confirmou na segunda-feira que abriu uma investigação oficial contra três executivos de alto escalão do Facebook, responsáveis pela rede social na Alemanha, para determinar se cometeram o crime de “incitação ao ódio racial”, por não tomarem medidas para censurar as mensagens que se propagam na rede social dirigidas contra a chegada de refugiados ao país, como as difundidas pelo movimento xenófobo Pegida e o partido neonazista NPD.

Segundo a promotoria, os executivos Athwal Jaspal Singh, Shane Crehan e David William Kling deverão responder, como responsáveis pelo Facebook Germany GmbH, à acusação de cumplicidade no crime de incitação ao ódio racial e de ter utilizado logotipos de organizações anticonstitucionais. A medida foi adotada depois do estudo de uma denúncia do advogado Chan-jo Sun, apresentada em 16 de setembro e na qual o advogado acusa a rede social de ganhar dinheiro com a difusão de mensagens xenófobas.

“A promotoria iniciou uma investigação porque a denúncia menciona fatos concretos”, disse a porta-voz da Promotoria, Nana Frombach, “mas ainda é cedo para afirmar se a investigação se traduzirá em fatos concretos”, acrescentou.

Em sua denúncia, o advogado argumenta que sem os rendimentos de publicidade o site não pode continuar funcionando. “Com esse fato o Facebook Germany GmbH alimenta de sua sede em Hamburgo a difusão de conteúdos xenófobos proibidos por lei”. O advogado acusa o Facebook de difundir mensagens de ódio que não foram apagadas da página do Facebook e que aumentaram desde o início da crise dos refugiados no país.

“Não são fatos isolados e se trata de uma política empresarial habitual do Facebook consentir e difundir conteúdos ilegais”, disse o advogado, citado pelo jornal Spiegel Online. Segunda sua alegação, os acusados são responsáveis por cometer atos ilegais. Para fundamentar sua acusação contra os três executivos de alto escalão do Facebook, Chan-jo Sun enviou à promotoria uma lista com 60 mensagens onde seus autores incitam à violência, propagam o ódio racial e insultam os estrangeiros.

A maioria das mensagens ainda pode ser lida em diversas páginas do Facebook, entre elas a seguinte: “É preciso armar as forças da ordem para que fuzilem todos os falsos refugiados”. “O Facebook não mostrou nenhum interesse em mudar sua política em relação às mensagens de ódio. Todos denunciam que o Facebook difunde mensagens que incitam ao ódio racial e que a promotoria deveria agir. Mas ninguém fez nada e por isso decidi apresentar a denúncia”, explica o advogado.


A decisão da promotoria de iniciar uma investigação oficial contra os três executivos não foi comentada pelo Facebook, mas a ação pode reviver um antigo desejo do Governo alemão, que já havia tentado sem sucesso obter a colaboração do Facebook para eliminar do site as mensagens xenófobas. Durante um encontro realizado em Berlim, Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, prometeu à chanceler Angela Merkel tomar uma atitude sobre o assunto. A promessa não foi cumprida.

Na segunda-feira, por exemplo, quando o Pegida completou um ano de vida, foi possível ler no Facebook que o movimento xenófobo se autoproclama como “a única voz” de todas as pessoas que são contrárias à chegada dos refugiados, e convida toda a população de Dresden a participar de uma manifestação com o lema “Por amor ao seu país”.

O Pegida tem 171. 346 seguidores no Facebook e o mais famoso de todos os partidos neonazistas do país, o NPD, tem 138.256 seguidores.

Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/19/internacional/1445273931_947958.html

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