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sexta-feira, 9 de outubro de 2015

TRANSEXUAL - USO DE BANHEIRO FEMININO - Decisão do TJ/SC

Apelação Cível n. 2012.019304-1, da Capital / Distrital do Norte da Ilha
Relator: Des. Fernando Carioni
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABORDAGEM DE SEGURANÇA DE "SHOPPING CENTER" EM TOALETE FEMININO. SUSTENTADO ATO DISCRIMINATÓRIO. FRAGILIDADE DO ACERVO PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE CONDUTA CULPOSA ATRIBUÍVEL AO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. ABALO MORAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO. CONDUTA EMOLDURADA COMO UM MERO DISSABOR. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO CONFIGURADOS. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO. DEVER DE COMPENSAR AFASTADO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO DA RÉ E PREJUDICADO O DO AUTOR.
"O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extra-patrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu o dano moral passível de ressarcimento. Para evitar a abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá indenização. O reconhecimento do dano moral exige determinada envergadura" (doutrina).
Inaplicável a responsabilidade objetiva prevista no Código Consumerista aos fatos ocorridos no interior de shopping center que não guardam relação com defeito ou fato do serviço.
Para que se caracterize o ato ilícito, necessária se faz a conjugação de três requisitos, quais sejam, fato lesivo causado pelo agente, a ocorrência de dano moral ou patrimonial e o nexo causal entre o dano e a conduta do agente. Ausente um desses elementos, o pedido de indenização deverá ser julgado improcedente.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.019304-1, da comarca da Capital / Distrital do Norte da Ilha (Juizado Especial Cível e Criminal de Santo Antônio de Lisboa), em que são apelantes e apelados Beiramar Empresa de Shopping Center Ltda. e André dos Santos Fialho:
A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, dar provimento ao recurso da ré, nos termos da fundamentação exposta. Prejudicado o recurso do autor. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado no dia 8 de maio de 2012, os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Florianópolis, 15 de maio de 2012.
Fernando Carioni
PRESIDENTE E RELATOR

RELATÓRIO
André dos Santos Fialho ajuizou ação de indenização por danos morais contra Beiramar Empresa Shopping Center Ltda., na qual relatou que, ao passear pelo estabelecimento réu e tentar fazer uso de um banheiro, foi vítima de discriminação praticada por seguranças do local em razão de ser transexual.
Esclareceu que, ao entrar no banheiro feminino, como costumeiramente faz em locais públicos, foi abordado por uma funcionária do estabelecimento que, de modo nada sutil, forçou-o a se retirar sob o argumento de que sua presença causaria constrangimento às usuárias do local.
Mencionou que entrou em uma loja do estabelecimento na tentativa de utilizar um banheiro que não fosse de uso comum e foi informado de que as lojas do shopping não possuem banheiros privativos.
Afirmou que, impedido de utilizar o banheiro e estando demasiadamente nervoso, não conseguiu controlar suas necessidades fisiológicas e as fez nas suas próprias vestes, mesmo sob o olhar das pessoas que ali transitavam.
Ressaltou, por fim, que, após passar por essa situação vexatória, teve ainda de fazer uso do transporte coletivo para voltar para sua casa.
Requereu, diante desses fatos, a condenação da empresa ré ao pagamento de indenização por danos morais.
Foi deferido ao autor o benefício da justiça gratuita.
Citada, Beiramar Empresa de Shopping Center Ltda. ofereceu resposta na forma de contestação, na qual aduziu, em apertada síntese, que seus empregados não cometeram nenhum ato ilícito, tampouco agiram de forma a provocar abalo à honra ou à imagem do autor.
Afirmou, ainda, que o autor, na ocasião, nada mencionou sobre ter feito as necessidades fisiológicas em suas roupas, tampouco tal notícia chegou ao seu conhecimento por funcionários, lojistas ou clientes do estabelecimento.
Impugnou, por fim, os documentos apresentados com a inicial.
Houve réplica à contestação.
Realizada audiência, foram ouvidas as testemunhas e informantes arrolados pelas partes.
Apresentadas alegações finais, sobreveio sentença, na qual o Magistrado a quo,Dr. Vilson Fontana, resolveu a lide nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial do autor, condenando o réu ao pagamento de uma indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), atualizado monetariamente e acrescido de juros de mora, no percentua l de 1% (um por cento) ao mês, a contar da data desta sentença.
Extingo o feito, com resolução do mérito, na forma do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Arcará o réu com as despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10 % (dez por cento) sobre o montante da condenação, com base no art. 20, p. 3º, letras "a", "b" e "c", do CPC, eis que o grau de zelo profissional, a complexidade da demanda e o local da prestação do serviço indicam como adequada a verba em tal patamar (fl. 118 e 124).
Beiramar Empresa de Shopping Center Ltda. interpôs apelação cível, na qual requereu a reforma da decisão para o fim de julgar improcedente a ação. Igualmente inconformado, André dos Santos Fialho apelou da sentença e postulou a majoração da verba indenizatória para o valor equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos.
Com as contrarrazões, ascenderam os autos a esta Corte.
Este é o relatório.

VOTO
Examina-se, primeiramente, o recurso de apelação interposto por Beiramar Empresa de Shopping Center Ltda., já que presentes os seus pressupostos de admissibilidade recursal.
Retira-se dos autos que o autor pretende ser indenizado pelos prejuízos, de ordem moral, que advém da situação vexatória a que teria sido submetido em razão de ser transexual.
Sustenta, em apertada síntese, que, ao entrar em um dos banheiros femininos do Beiramar Shopping foi abordado por uma funcionária do estabelecimento que o forçou a se retirar do local; e que, impedido de utilizar o toalete e estando demasiadamente nervoso, não teria conseguido controlar suas necessidades fisiológicas, mesmo sob o olhar das pessoas que ali transitavam.
De início, importante registrar que não se aplica à hipótese a responsabilidade civil objetiva prevista pelo Código de Defesa do Consumidor. Isso porque, embora evidenciada a condição de consumidor daquele que transita emshopping center, a situação descrita nos autos, em que o autor pretende ser indenizado pelo fato de ter sido impedido de fazer uso do banheiro feminino por um empregado do estabelecimento, não se caracteriza como defeito do serviço ou fato do serviço, razão pela qual aplica-se a responsabilidade subjetiva do Código Civil.
Dispõe o caput do art. 14 do Código Consumerista que "o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".
Em contrapartida, o § 1º do dispositivo esclarece que "o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar".
A respeito, Sérgio Cavlieri Filho enfatiza que "o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em conta as circunstâncias relevantes, tais como o modo do seu funcionamento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi fornecido (art. 14, § 1º). Como se vê, a responsabilidade do fornecedor de serviços tem por fundamento o dever de segurança" (Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 484).
Diante desse contexto, o serviço somente será considerado defeituoso quando não oferecer a segurança que dele legitimamente espera o consumidor. Logo, não é porque se está diante de uma atividade de prestação de serviço, regulada pelo Código Consumerista, que o dano supostamente causado ao autor será automaticamente considerado defeito na prestação do serviço; para tanto deverá ficar caracterizada a infringência ao dever de segurança, o que não ocorreu no caso em viso.
Mutatis mutandis, colhe-se precedente do Superior Tribunal de Jusiça:
AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SHOPPING CENTER. FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRESCRIÇÃO. ART. 206, § 3º, V, DO CC/2002. DECISÃO AGRAVADA. MANUTENÇÃO.
I. Prescreve em três anos (art. 206, § 3º, V, do CC/2002) a ação indenizatória que tem como causa de pedir fato que se passou no interior do shopping center, o qual não se confunde com o fato do produto ou do serviço, consoante enumera os arts. 12, caput e 14, § 1º, do CDC (AgRg no REsp 1190574/RJ, rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. em 22-6-2010) (sublinhei).
Extrai-se do corpo do acórdão:
Por fato do produto ou do serviço, o CDC enumera "defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos" (art. 12, caput) e ainda "o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar" (art. 14, § 1º).
Extrai-se do acórdão (e-STJ fls. 207) que: A ação de indenização tem como causa de pedir fato que se passou no interior de um shopping, no qual os seguranças impediram o autor e seus amigos de permanecerem sentados sem consumir numa praça de alimentação.
Vê-se que a pretensão da recorrida - em nada - se confunde com "fato do produto ou do serviço".
Dito isso, passa-se ao exame dos pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, elencados no art. 186 do Código Civil, verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Interpretando o dispositivo, Sérgio Cavalieri Filho enfatiza que "sendo o ato ilícito o conjunto de pressupostos da responsabilidade, quais seriam esses pressupostos na responsabilidade subjetiva? Há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. [...] Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar" (op. cit. p. 18).
Cumpre, assim, ao ofendido, ao ajuizar ação em que pretende a indenização por ato ilícito, demonstrar a presença dos pressupostos da responsabilidade civil, na forma do artigo 333, I, do Código de Processo Civil, verbis:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito.
Sobre o tema, lecionam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
A regra estampada no art. 333 é bastante simples, e recorre a paradigmas já consolidados no direito processual. O ônus da prova incumbe a quem alega (ou, mais precisamente, a quem tem o ônus de alegar). Assim, incumbe ao autor demonstrar os fatos constitutivos de seu direito, cabendo ao réu comprovar as exceções indiretas, ou seja, os fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do autor (Manual de processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 310).
Na hipótese dos autos, não se evidenciou, por meio de prova contundente, nenhuma conduta reprovável praticada pelo estabelecimento comercial. Isso porque, da prova testemunhal produzida, não há relato de que a abordagem realizada pela funcionária do Beiramar Shopping tenha sido fruto de discriminação por ser o autor transexual, tampouco há informação de que o requerente tenha sido abordado de forma rude ou agressiva.
Foram inquiridas duas testemunhas e dois informantes arrolados pelo autor e uma informante arrolada pela empresa ré. Os dois informantes e uma das testemunhas do autor não estavam presentes no shopping no momento dos fatos narrados na inicial, e afirmaram que não presenciaram o contato entre o funcionário do estabelecimento e o requerente, bem como que souberam dos acontecimentos tão-somente por meio do próprio autor (fls. 76-78).
A única testemunha do autor que estava no estabelecimento comercial no dia do fato e foi a primeira pessoa a encontrá-lo após o acontecimento, Inessa Alione Neves, consignou em seu depoimento: "Que trabalha no Beiramar Shopping na Lili meias e lingeries, que fica no térreo; que não presenciou qualquer contato do autor com os seguranças do shopping; que o autor é cliente da loja e no dia 08/08/2008 esteve loja [...] e comentou que tentou ir nobanheiro feminino e foi brecada pelos seguranças; que a loja que trabalha não tem banheiro; que não tem maiores conhecimentos sobre os fatos descritos na inicial. Que não recorda de o autor ter-lhe contado maiores detalhes sobre seu impedimento de acesso ao banheiro, ou sobre o modo como agiram os seguranças, ou sobre alguma humilhação. O autor ficou mais ou menos uns 20 minutos na sua loja; que não notou que o autor estava necessitando utilizar obanheiro com urgência no momento em que esteve na loja; que quando entrou na loja o autor estava bastante nervoso e ao sair estava mais calmo, não saiu chorando; [...] que não soube nem viu o autor fazer as necessidades fisiológicas nas roupas" (fl. 79).
Em contrapartida, Suzana da Rosa, testemunha arrolada pela ré e ouvida como informante, declarou que "trabalhava como vigilante na época dos fatos; que após a autora entrar no banheiro feminino a depoente a abordou e solicitou para que utilizasse o banheiro masculino [...]; que então a autora saiu e a depoente não mais a acompanhou; que quando a entrou no banheiro a autora estava defronte ao espelho [...]. Que a depoente não pode concluir se a autora necessitava ou não utilizar o banheiro" (fl. 92).
Nesse contexto, não há comprovação de que a conduta do estabelecimento comercial seja passível de reprovação, ou seja, não há prova da conduta culposa do agente, porquanto o único acontecimento que ficou demonstrado nos autos foi o fato de o requerente ter sido abordado no toalete feminino por uma funcionária do shopping, que solicitou a ele que fizesse uso do banheiromasculino.
Vale lembrar que, para haver a obrigação de indenizar, é imprescíndivel a demonstração de que o agente agiu com culpa. Agir com culpa, por sua vez,"significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser pessoalmente censurado, ou reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba afirmar que ele podia e devia ter agido de outro modo"(GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 490).
Por oportuno, colhem-se os seguintes precedentes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO DISCRIMINATÓRIO PRATICADO POR FUNCIONÁRIO DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL RÉU. PROVA. AUSÊNCIA. REVELIA. OPERADOS OS SEUS EFEITOS, QUE NÃO SÃO ABSOLUTOS, NÃO FICA A PARTE AUTORA DISPENSADA DO ÔNUS DA PROVA DOS FATOS CONSTITUTIVOS DO SEU DIREITO (ART. 333, I, CPC), DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU NA HIPÓTESE. NÃO CONSTAM DOS AUTOS ELEMENTOS A EVIDENCIAR O ELEMENTO ANÍMICO DO COMPORTAMENTO DA ATENDENTE DO ESTABELECIMENTO, ISTO É, DE QUE AGIU NO INTENTO DE DISCRIMINAR O DEMANDANTE EM RAZÃO DE SER TRANSEXUAL. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. APELO PROVIDO (Ap. Cív. n. 70031435985, de Caxias do Sul, rel. Des. Paulo Antônio Kretzmann, j. em 26-11-2009).
RESPONSABILIDADE CIVIL. PERSEGUIÇÃO E DISCRIMINAÇÃO. TRANSEXUAL.NÃO VERIFICADA.
A alegação de perseguição e discriminação em virtude de a autora tratar-se detransexual não restou confortada pelo lastro probatório do caderno processual. Ônus que incumbia à autora, por força do art. 333, I, do CPC (Ap. Cív. n. 70019490549, de São Leopoldo, rel. Des. Paulo Sérgio Scarparo, j. em 6-6-2007).
Verifica-se, assim, que não houve a prática de conduta reprovável pela funcionária do Beiramar Shopping, e que ausente um dos pressupostos da responsabilidade civil.
Não fosse isso, o acontecimento narrado, embora lamentável, não enseja o pagamento de indenização, porquanto o dano moral indenizável é aquele que corresponde à lesão a direito da personalidade, que repercute sobremaneira no psiquismo do lesado; e não se enquadra no conceito o mero incômodo ou aborrecimento.
Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa:
Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade. [...] Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bonus pater familias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. O sofrimento como contraposição reflexa da alegria é uma constante do comportamento humano universal (Direito civil: responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 35-36).
Por sua vez, ensina Antonio Jeová Santos:
O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extra-patrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu o dano moral passível de ressarcimento. Para evitar a abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá indenização. O reconhecimento do dano moral exige determinada envergadura. Necessário, também, que o dano se prolongue durante algum tempo e que seja justa a medida do ultraje às afeições sentimentais.
As sensações desagradáveis, por si sós, que não trazem em seu bojo lesividade a algum direito personalíssimo, não merecerão ser indenizadas. Existe um piso de inconvenientes que o ser humano tem de tolerar, sem que exista o autêntico dano moral (Dano moral indenizável. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 113).
Como dito, o fato discutido por certo desencadeou algum incômodo ao autor, todavia, não sobrepujou o razoável ou lesou direito da personalidade.
Nesse sentido, extrai-se julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que examinou situação semelhante a dos autos:
Ação de Indenização por danos morais - Transexual - Ação promovida pelo apelante/apelado Izaias, pretendendo pagamento de indenização por ter tido sua honra atingida em episódio em que funcionário do estabelecimento do apelante/apelado Alfa Café o teria retirado do local por conta de estar com vestimenta destinada a mulheres - Sentença de procedência, em parte para condenação do réu da ação no pagamento de 10 salários mínimos a título de danos morais - Apelo do autor para aumento do valor da condenação e do réu para reforma da sentença - Não provimento do recurso do autor e provimento do recurso do réu (Ap. Cív. n. 994.09.287513-8, de Sorocaba, rel. Des. Enio Zuliani, j. em 25-3-2010).
Colhe-se do corpo do acórdão:
Conforme cediço, o dano moral ensejador de indenização é aquele que carrega, para quem dele é vítima, dor, vexame e humilhação que fujam à normalidade e que causem séria interferência no bem-estar do indivíduo. É essa a teleologia da Constituição Federal de 1988 quando trouxe tal modalidade de dano ao ordenamento no art. 5º, V e X.
Assim, diferentemente do quanto alegado pelo autor, e, conforme análise das provas testemunhais colhidas nos autos, não houve para o autor, com o pedido de retirada da empresa-ré, dor moral profunda, que possa causar transformação em seu comportamento, em seu bem-estar. O caso narrado trata de um mal-entendido, sendo que o único fato que restou incontroverso nos autos foi a retirada do autor da pista de dança, situação que, apesar de desagradável, não é causa bastante a ensejar pagamento de indenização por dano moral.
Por conseguinte, não demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil, a improcedência do pedido de indenização é medida que se impõe.
Sobre o tema, encontramos na jurisprudência:
Não há que se cogitar em responsabilidade civil por ato ilícito e reparação de danos sem comprovação dos requisitos insculpidos no art. 186 do atual Código Civil. Ademais, é da dicção do art. 333, I, do Código de Processo Civil que incumbe ao autor o ônus da prova acerca dos fatos constitutivos de seu direito. (TJSC, Ap. Cív. n. 2012.015938-6, de Ituporanga, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. em 24-4-2012).
Para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva, devem coexistir o ato ilícito culposo, o dano e o nexo causal. À mingua de qualquer de tais requisitos, não vingará a pretensão indenizatória (TJSC, Ap. Cív. n. 2012.001015-6, de Tubarão, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. em 8-3-2012).
À míngua de prova de um dos pressupostos da responsabilidade civil, cujo ônus incumbe ao autor, nos termos do artigo 333, I, do Código de Processo Civil, inexiste o dever de indenizar (TJSC, Ap. Cív. n. 2009.027200-0, de Balneário Camboriú, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. em 30-9-2010).
Por tais motivos, merece reforma a sentença singular para o fim de julgar-se improcedente o pedido inicial. Prejudicado, por conseguinte, o recurso do autor que pretendia a majoração da indenização fixada.
Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso interposto por Beiramar Empresa de Shopping Center Ltda. para o fim de julgar improcedente o pedido formulado por André dos Santos Fialho. Julga-se, ainda, prejudicado o recurso do autor.
Condena-se, por fim, o requerente ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), com base no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, observado o disposto no art. 12 da Lei n. 1.060/1950, porquanto é o sucumbente beneficiário da justiça gratuita, conforme decisão de fl. 28.
Este é o voto.

Fonte: Portal do TJ/SC


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