Texto
Decreto-Lei n.º 30-A/2015
de 27 de fevereiro
Designam-se de judeus sefarditas, os judeus descendentes das antigas e tradicionais comunidades judaicas da Península Ibérica.
A
presença dessas comunidades na Península Ibérica é muito antiga, sendo
mesmo anterior à formação dos reinos ibéricos cristãos, como sucedeu com
Portugal a partir do século XII.
Tendo essas comunidades
judaicas, a partir de finais do século XV e após o Édito de Alhambra de
1492, sido objeto de perseguição por parte da Inquisição espanhola,
muitos dos seus membros refugiaram-se então em Portugal.
Porém, o
rei D. Manuel, que inicialmente havia promulgado uma lei que lhes
garantia proteção, determinou, a partir de 1496, a expulsão de todos os
judeus sefarditas (também conhecidos por marranos) que não se
sujeitassem ao batismo católico. Assim, numerosos judeus sefarditas
foram expulsos de Portugal nos finais do século XV e inícios do século
XVI.
De modo geral, estes judeus peninsulares estabeleceram-se,
entre outros, em países como a Holanda, o Reino Unido e a Turquia, bem
como em regiões do Norte de África e, mais tarde, em territórios
americanos, nomeadamente no Brasil, Argentina, México e Estados Unidos
da América (EUA).
Apesar das perseguições e do afastamento do seu
território ancestral, muitos judeus sefarditas de origem portuguesa e
seus descendentes mantiveram não só a língua portuguesa, mas também os
ritos tradicionais do antigo culto judaico em Portugal, conservando, ao
longo de gerações, os seus apelidos de família, objetos e documentos
comprovativos da sua origem portuguesa, a par de uma forte relação
memorial que os leva a denominarem-se a si mesmos como «judeus
portugueses» ou «judeus da Nação portuguesa».
Com a «conversão em
pé», denominação pela qual ficou conhecida a conversão forçada dos
judeus, decretada por D. Manuel, deixaram, então, de existir
oficialmente judeus em Portugal, e apenas cristãos-velhos e
cristãos-novos, sendo que esta nova denominação de cristãos-novos
escondia a origem judaica.
Durante o período da Inquisição muitos
desses cristãos-novos e judeus portugueses conseguiram escapar e sair do
Reino, estabelecendo-se em algumas regiões do Mediterrâneo (Gibraltar,
Marrocos, Sul de França, Itália, Croácia, Grécia, Turquia, Síria,
Líbano, Israel, Jordânia, Egito, Líbia, Tunísia e Argélia), norte da
Europa (Londres, Nantes, Paris, Antuérpia, Bruxelas, Roterdão e
Amesterdão), Brasil, Antilhas e EUA, entre outras, aí criando
comunidades de grande renome e fundado sinagogas notáveis, tais como a
Sinagoga Portuguesa de Amesterdão, a Sinagoga Shearith Israel de Nova
York, a Sinagoga Bevis Marks de Londres, a Sinagoga de Touro em Newport
(Rhode Island - EUA), a Sinagoga Portuguesa de Montreal e a Sinagoga
Tzur Israel em Recife.
No início do século XIX regressaram a
Portugal alguns descendentes de judeus sefarditas que se tinham
refugiado em Marrocos e Gibraltar, tendo, em 1801, sido criado o
primeiro cemitério judeu moderno, junto ao cemitério inglês em Lisboa,
e, em 1868, por alvará de D. Luís, sido concedido aos «judeus de Lisboa a
permissão de instalar um cemitério para a inumação dos seus
correligionários», o atual cemitério da Rua D. Afonso III, em Lisboa.
Ainda
hoje, em muitos dos apelidos de famílias judaico-sefarditas,
conserva-se a matriz portuguesa, embora, nalguns casos, esteja misturada
com a castelhana.
Na diáspora da Holanda e Reino Unido subsistem,
entre outros, apelidos de família como: Abrantes, Aguilar, Andrade,
Brandão, Brito, Bueno, Cardoso, Carvalho, Castro, Costa, Coutinho,
Dourado, Fonseca, Furtado, Gomes, Gouveia, Granjo, Henriques, Lara,
Marques, Melo e Prado, Mesquita, Mendes, Neto, Nunes, Pereira, Pinheiro,
Rodrigues, Rosa, Sarmento, Silva, Soares, Teixeira e Teles.
Já na
diáspora da América Latina mantêm-se, por exemplo, também entre outros,
os apelidos: Almeida, Avelar, Bravo, Carvajal, Crespo, Duarte,
Ferreira, Franco, Gato, Gonçalves, Guerreiro, Leão, Lopes, Leiria, Lobo,
Lousada, Machorro, Martins, Montesino, Moreno, Mota, Macias, Miranda,
Oliveira, Osório, Pardo, Pina, Pinto, Pimentel, Pizarro, Querido, Rei,
Ribeiro, Salvador, Torres e Viana.
Para além disso, noutras
regiões do Mundo, existem igualmente descendentes de judeus sefarditas
de origem portuguesa que conservam, para além dos acima indicados, entre
outros, os seguintes apelidos: Amorim, Azevedo, Álvares, Barros, Basto,
Belmonte, Cáceres, Caetano, Campos, Carneiro, Cruz, Dias, Duarte,
Elias, Estrela, Gaiola, Josué, Lemos, Lombroso, Lopes, Machado,
Mascarenhas, Mattos, Meira, Mello e Canto, Mendes da Costa, Miranda,
Morão, Morões, Mota, Moucada, Negro, Oliveira, Osório (ou Ozório),
Paiva, Pilão, Pinto, Pessoa, Preto, Souza, Vaz e Vargas.
Para além
dos apelidos familiares e do uso da língua portuguesa, designadamente
nos ritos, há descendentes de judeus sefarditas portugueses que, ainda
hoje, falam entre si o ladino, língua usada pelos sefarditas expulsos de
Espanha e de Portugal no século XV, derivada do castelhano e do
português e atualmente falada por cerca de 150 000 pessoas em
comunidades existentes em Israel, Turquia, antiga Jugoslávia, Grécia,
Marrocos e nas Américas, entre muitos outros locais.
O presente
diploma vem permitir o exercício do direito ao retorno dos descendentes
judeus sefarditas de origem portuguesa que o desejem, mediante a
aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, e sua
integração na comunidade nacional, com os inerentes direitos e
obrigações.
Foram ouvidos, a título facultativo, a Comunidade
Israelita de Lisboa, a Comunidade Israelita do Porto, o Conselho
Superior da Magistratura, o Conselho Superior dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, o Conselho Superior do Ministério Público, a
Ordem dos Advogados, a Ordem dos Notários, a Câmara dos Solicitadores, a
Associação Sindical dos Conservadores dos Registos e o Conselho dos
Oficiais de Justiça.
Foi promovida a audição, a título
facultativo, da Comunidade Judaica de Belmonte, da Associação Sindical
dos Juízes Portugueses, do Sindicato dos Magistrados do Ministério
Público, da Associação Sindical dos Oficiais dos Registos e do
Notariado, do Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado da
Região Norte, do Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do
Notariado da Zona Sul e Ilhas, do Sindicato dos Funcionários Judiciais,
do Sindicato dos Oficiais de Justiça e da Associação dos Oficiais de
Justiça.
Assim:
Ao abrigo do disposto no artigo 2.º da Lei
Orgânica n.º 1/2013, de 29 de julho, e nos termos da alínea a) do n.º 1
do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
O
presente diploma procede à segunda alteração ao Regulamento da
Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de
14 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 43/2013, de 1 de abril,
permitindo a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, a
descendentes de judeus sefarditas.
Artigo 2.º
Aditamento ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa
É
aditado ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei
n.º 43/2013, de 1 de abril, o artigo 24.º-A, com a seguinte redação:
«Artigo 24.º-A
Naturalização de estrangeiros que sejam descendentes de judeus sefarditas portugueses
1
- O Governo pode conceder a nacionalidade portuguesa, por
naturalização, aos descendentes de judeus sefarditas, quando satisfaçam
os seguintes requisitos:
a) Sejam maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b)
Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela
prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a
três anos, segundo a lei portuguesa.
2 - No requerimento a
apresentar pelo interessado são indicadas e demonstradas as
circunstâncias que determinam a tradição de pertença a uma comunidade
sefardita de origem portuguesa, designadamente, apelidos de família,
idioma familiar, descendência direta ou relação familiar na linha
colateral de progenitor comum a partir da comunidade sefardita de origem
portuguesa.
3 - O requerimento é instruído com os seguintes
documentos, sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo
interessado nos termos do artigo 37.º:
a) Certidão do registo de nascimento;
b)
Certificados do registo criminal emitidos pelos serviços competentes
portugueses, do país da naturalidade e da nacionalidade, bem como dos
países onde tenha tido e tenha residência, os quais devem ser
autenticados, quando emitidos por autoridades estrangeiras;
c)
Certificado de comunidade judaica com estatuto de pessoa coletiva
religiosa, radicada em Portugal, nos termos da lei, à data de entrada em
vigor do presente artigo, que ateste a tradição de pertença a uma
comunidade sefardita de origem portuguesa, materializada,
designadamente, no apelido do requerente, no idioma familiar, na
genealogia e na memória familiar.
4 - O certificado referido na
alínea c) do número anterior deve conter o nome completo, a data de
nascimento, a naturalidade, a filiação, a nacionalidade e a residência
do requerente, bem como a indicação da descendência direta ou relação
familiar na linha colateral de progenitor comum a partir da comunidade
sefardita de origem portuguesa, acompanhado de todos os elementos de
prova.
5 - Na falta do certificado referido na alínea c) do n.º 3,
e para demonstração da descendência direta ou relação familiar na linha
colateral de progenitor comum a partir da comunidade sefardita de
origem portuguesa e tradição de pertença a uma comunidade sefardita de
origem portuguesa, são admitidos os seguintes meios de prova:
a)
Documento autenticado, emitido pela comunidade judaica a que o
requerente pertença, que ateste o uso pelo mesmo de expressões em
português em ritos judaicos ou, como língua falada por si no seio dessa
comunidade, do ladino;
b) Registos documentais autenticados, tais
como registos de sinagogas e cemitérios judaicos, bem como títulos de
residência, títulos de propriedade, testamentos e outros comprovativos
da ligação familiar do requerente, por via de descendência direta ou
relação familiar na linha colateral de progenitor comum a partir da
comunidade sefardita de origem portuguesa.
6 - Em caso de dúvida
sobre a autenticidade do conteúdo dos documentos emitidos no
estrangeiro, o membro do Governo responsável pela área da justiça pode
solicitar, à comunidade judaica a que se refere a alínea c) do n.º 3,
parecer sobre os meios de prova apresentados ao abrigo do disposto no
número anterior.»
Artigo 3.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no 1.º dia do mês seguinte ao da sua publicação.
Visto
e aprovado em Conselho de Ministros de 29 de janeiro de 2015. - Pedro
Passos Coelho - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete - Anabela
Maria Pinto de Miranda Rodrigues - Paula Maria von Hafe Teixeira da Cruz
- Nuno Paulo de Sousa Arrobas Crato - Luís Pedro Russo da Mota Soares.
Promulgado em 24 de fevereiro de 2015.
Publique-se.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 26 de fevereiro de 2015.
O Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho.
Fonte: https://dre.pt/home/-/dre/66619927/details/maximized?serie=I&dreId=66619925