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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Pensador critica nova "ecochatice"




A ecologia nasceu do nazismo? O encontro de Copenhague serve para algo? Os ambientalistas querem que a gente pare de comprar carros e iPods? Sabia que golfinhos já foram processados? Na entrevista a seguir, O filósofo Luc Ferry revela o que você nunca imaginou sobre o passado e o futuro do meio ambiente Rita Loiola



A ecologia nasceu do nazismo? O encontro de Copenhague serve para algo? Os ambientalistas querem que a gente pare de comprar carros e iPods? Sabia que golfinhos já foram processados? Na entrevista a seguir, O filósofo Luc Ferry revela o que você nunca imaginou sobre o passado e o futuro do meio ambiente




O filósofo francês Luc Ferry pratica a dolorida arte de cutucar certezas. Dê uma olhada, por exemplo, no que ele acha de alguns dos movimentos ambientais que brandem seus cartazes recicláveis por aí: “Os ecologistas radicais pensam que, para se chegar a uma solução, é preciso destruir o capitalismo e até a democracia. Mas a verdadeira ecologia é aquela que acredita na inovação, na razão e na ciência”.

O autor de A Nova Ordem Ecológica (Ed. Difel), que acaba de sair no Brasil, não espera grandes mudanças de encontros como o de Copenhague. Eventos desse tipo servem mais para resolver problemas políticos e econômicos do que fazer algo de bom para a saúde do planeta. Ferry entende que a saída para o aquecimento global está na tecnologia e nada mais.

Polêmico? O pensador, que ficou conhecido mundialmente por ter banido o véu das escolas francesas em 2004, enquanto foi ministro da educação, vai mais longe. Seu ganha-pão é mostrar o inusitado escondido nas coisas mais comuns. Um exemplo? Você sabia que o movimento ambiental pode ser visto como um sucessor direto do... nazismo? De Paris, Ferry, que é presidente do Conselho de Análises da Sociedade, ligado à Presidência da França, explicou essa história. E falou também sobre radicalismo ecológico, o julgamento de insetos e os direitos das árvores.




* Encontros como o de Copenhague servem para colocar em questão os movimentos ecológicos mundiais. Você acha que eles resolvem alguma coisa?
Ferry: No fundo, o problema é que a ecologia tenta resolver um conflito econômico e político. O mundo vive a seguinte contradição: de um lado, temos que continuar crescendo para sair da crise econômica. Sem crescimento há falência, miséria e desemprego. Mas, por outro, se o Brasil, a Índia e a China crescerem tanto quanto os americanos, se vocês tiverem tantos carros, computadores ou televisões quanto eles, seriam necessários muitos planetas para tudo isso! Então, o que vários ecologistas defendem é o “decrescimento”. O problema é que eles são totalmente incapazes de assumir as consequências humanas, sociais e políticas de um processo como esse.

* Os ecologistas são contra o capitalismo?
Ferry: A civilização ocidental moderna é baseada em uma cultura de consumo sem fim, ou seja, de um esgotamento das riquezas naturais. Aqueles que defendem o “decrescimento” são, desse ponto de vista, também anticapitalistas — e daí vem a forte ligação do altermundialismo (corrente política que usa o lema “um outro mundo é possível” e combate a globalização) e da ecologia. E há também uma forte crítica ao humanismo, à filosofia que está na base da modernidade.

* Como assim?
Ferry: Com o nascimento dos direitos humanos, o Ocidente colocou o homem no centro do Universo. Alguns ecologistas querem tirar o homem do centro e colocar a natureza, defendendo, por exemplo, o direito dos animais ou das árvores. Essa ideia é, principalmente, uma arma de guerra, mas guarda uma certa verdade. Afinal, com o desmatamento, o Homo occidentalis se portou mal com a natureza e com os seus habitantes. E esse é o problema da ecologia: ela sempre tem um fundo de verdade. Se tudo estivesse errado, seria muito fácil... mas esse fundo de verdade é quase sempre transformado em arma de guerra contra a democracia moderna.


AS PEDRAS E AS ÁRVORES TAMBÉM TÊM DIREITOS!


Nos anos 70, uma tremenda confusão no vale de Sierra Nevada, nos Estados Unidos, resgatou a discussão dos direitos de montanhas e rochedos. Na época, o governo americano permitiu que a Disney construísse um parque na região, e a Sierra Club, então uma das mais fortes associações de ecologistas do mundo, entrou com uma ação contrária. O argumento é que a entrada da Disney iria destruir o equilíbrio da região. Para impedir a construção, o advogado da entidade pedia diretos legais às florestas, oceanos, rios e ao meio ambiente em geral. Ele chega até a cogitar uma representação proporcional para as árvores no legislativo. Assim, a natureza teria uma personalidade jurídica e poderia ser defendida por advogado ou uma associação.

* Aliás, em seu livro, você fala sobre pessoas que, na Idade Média, não só quiseram colocar a natureza no centro de tudo como também defender carunchos, ratos e árvores em tribunais de verdade... Será que estamos dando um passo atrás, caminhando de novo para isso?
Ferry: Os processos de animais na Idade Média europeia são completamente ignorados pelo grande público, mas bastante significativos — e divertidos. Entre os séculos 13 e 18, houve na Europa centenas de processos de porcos, ratos, pulgas... com tribunais, juízes e até advogados de verdade! Esses processos que hoje nos fariam gargalhar não eram absurdos. A ideia de base era o direito antigo, o direito romano, segundo o qual o juiz está lá, um pouco como o médico, para colocar em ordem o “cosmos”, a natureza, cada vez que ela fica bagunçada. Quando um porco comia a mão de um menino na rua (na época os porcos viviam pela rua, não nos currais), era o porco a vítima do processo, e não seu proprietário. Quando o porquinho era condenado à morte, quem o executava era um carrasco... de verdade! A ordem cósmica era restabelecida, eliminando-se o fator problema, humano ou animal. Então, de certa forma, sim, você tem razão, as discussões sobre os direitos animais ou das árvores são uma forma de retorno às visões antigas do mundo. O problema, a princípio, é que, hoje, quando alguém tem direitos, tem também deveres, algo que para os animais e as árvores é um tanto complicado...

* Em 1992, você previu que a discussão ecológica de hoje seria sobre o “grau de desprezo dos animais”. Haveria uma proporcionalidade entre o grau de humanidade de uma pessoa e seu respeito pelos animais. O que me coloca em uma situação bem complicada cada vez que eu quero que um porco morra para virar linguicinha, ou um ganso seja torturado para que eu coma um bom foie gras...
Ferry: Essa é uma questão e tanto. Como sempre, há um lado de verdade na ecologia, e o sofrimento animal não é algo evidente. E nós sentimos isso, intuitivamente. Não temos nenhuma piedade pelas ostras ou pelos mariscos que comemos, não vemos problema nenhum com a morte deles. Mas, veja só, alguém que tortura um animal de estimação, como um cachorro ou um gato, nos horroriza. Não precisamos fazer uma declaração dos direitos animais, como na Europa, para achar o sofrimento animal algo realmente problemático e complicado. Como mostro no livro, a questão do limite é muito difícil de resolver... Isso posto, eu diria que, por trás do amor aos animais, se esconde também um ódio aos homens. Então é preciso desconfiar bastante desse amor.

* Ativistas-celebridades como Brigitte Bardot e Woody Harrelson odeiam mesmo os homens?
Ferry: O ponto é que o interesse pela natureza, mesmo não envolvendo a pressuposição do ódio aos homens, pode não proibi-lo. Vamos confessar: Hitler aliou a mais ardorosa defesa dos animais com o ódio aos homens mais feroz que se conheceu na história. O fato de não nos servirmos dessa constatação em uma polêmica apressada contra todas as formas de ecologia não proíbe a reflexão sobre seu significado.


CULPA DE MACHO


Ambientalismo radical mais feminismo é igual a ecofeminismo, uma corrente que vê o sexo masculino na origem da opressão das mulheres e da natureza. O termo aparece pela primeira vez em 1974 e parte do princípio de que a teoria e prática feministas devem incluir a luta ecológica. O problema não é o antropocentrismo, mas o centro da existência ser o macho. Essa vertente acredita que a solução para os impasses ecológicos vem da mulher. Da mesma forma que o proletariado encarnaria a fração salvadora da humanidade, para o ecofeminismo, a mulher que vai dar a luz no fim do túnel.

* Falando em nazistas, há mesmo uma relação entre a política da diversidade, o nazismo e a ecologia?
Ferry: Historicamente, sim. Os nazistas foram os primeiros no mundo a colocar em prática, nos anos 30, uma grande legislação ecológica. E isso é uma herança direta do romantismo alemão. Hitler supervisionou pessoalmente a elaboração de três grandes leis: a lei de caça, a lei de proteção da natureza e a lei de proteção dos animais. O ideal que inspira os nazistas é duplo: primeiro há, como disse, a herança do movimento romântico, a ideia de que a natureza original, selvagem, não destruída pelos homens, deve ser defendida. Hitler mandou imprimir dezenas de milhares de cartões-postais com fotos dele na floresta alemã acariciando cervos. A busca da raça pura, do germânico puro, análogo à floresta virgem, também se inscreve nessa perspectiva. E existe também uma grande hostilidade à França, explícita no texto dessas leis ecológicas. O país é acusado de ridicularizar a diversidade, principalmente em sua relação com os povos colonizados, que podem ser “assimilados”. Para os nazistas as diferenças devem ser preservadas a todo custo e os povos primitivos devem ser mantidos em seu estado original. Eu cito textos nazistas incríveis sobre isso, que poderiam ser assinados tranquilamente por ecologistas e etnólogos contemporâneos!




* Olha, mas cuidado, viu? Em seu livro, você escreve sobre um processo de membros do partido verde europeu contra o diretor da revista Actuel, que os tratou de “fascistas”. Os ecologistas poderiam processar você por fazer uma relação dessas...
Ferry: E perderiam!

* Por que você diz que “partidos verdes são impossíveis”?
Ferry: A ecologia política é cada vez mais forte em todo o mundo ocidental. No entanto, em lugar nenhum ela é o partido do governo. Por quê? Simplesmente porque a política compreende todos os setores da vida humana, e não apenas o meio ambiente. Quando alguém é presidente da república, precisa falar também de escolas, de exército, do conflito no Oriente Médio ou no Iraque e, aí, não se trata mais de ecologia. A ecologia é, sobretudo, um lobby, que pode ser muito poderoso, mas que precisa se aliar à direita ou à esquerda para atingir o poder.


O JULGAMENTO DOS CARUNCHOS


Os insetos do vilarejo de Saint Julien, na França, foram processados em 1545. É sério! Os habitantes da vila estavam irritados com o prejuízo que os bichinhos estavam dando às vinhas. Defendidos por um advogado, os carunchos ganharam a disputa, com o argumento de que os animais, criados por Deus, possuíam o mesmo direito que os homens de se alimentarem de vegetais — no caso, as parreiras. Processos como esse estenderam-se por toda a Idade Média até o século 18, na Europa. Insetos, répteis, camundongos, sanguessugas, golfinhos (eles foram até excomungados do porto de Marselha), eram intimados a comparecer ao tribunal, ou então, “nomear” um advogado. Na época, os animais eram “sujeitos de direito”, representados pela lei, com tribunal, defesa, acusação e sentença. O papel do juiz era restabelecer a ordem do cosmos, quebrado por alguma atitude que desregula a harmonia do mundo. No século 18, com o nascimento do Humanismo, essa ordem foi para o espaço. Mas, em 1978, surgiu a primeira “declaração universal dos direitos do animal”, na França. Seu texto diz, por exemplo, que “todos os animais nascem iguais”.



* Você acredita que esse tipo de ecologia é um bom substituto para as utopias dos anos 60?
Ferry: Sim, claro! Aliás, é daí que vem a famosa piada francesa: os ecologistas são como as melancias, verdes por fora e vermelhos por dentro! Na Europa, quase todos os eco-líderes são uns comunas antigos que precisaram abandonar o maoísmo ou o trotskismo, mas que substituíram essas correntes pela ecologia para continuar sua luta anticapitalista. Basicamente, é isso. Como diria um líder francês dos verdes, “cheguei ao verde pelo vermelho”!

* É possível cuidar da natureza sem ser extremista?
Ferry: É possível! Óbvio que é. Somos todos ecologistas, e eu sou o primeiro deles! Ninguém quer um desenvolvimento “insustentável”, ou o esgotamento dos recursos naturais e a destruição do planeta. Os ecologistas radicais pensam que, para chegar a uma solução, é preciso destruir o capitalismo e talvez até a democracia, já que é necessário impor medidas de urgência à humanidade. E é aí que a divergência começa. Aos meus olhos, a verdadeira ecologia, é aquela que quer o crescimento sustentável e que acredita que a solução se encontra na inovação, na razão e na ciência, não no decrescimento e no ódio à democracia.


HITLER, O AMBIENTALISTA


Apesar de pouco (ou nada) conhecida, a primeira legislação do mundo que uniu proteção da natureza a um projeto político foi assinada por Hitler. Na década de 30, os nazistas foram os desbravadores das leis ecológicas. Inspirados pelo romantismo alemão, eles reuniram em um volume de 300 páginas todas as disposições jurídicas sobre o meio ambiente, encabeçadas por uma introdução com os motivos filosóficos e políticos. “É uma série de textos muito elaborados”, afirma Ferry. Hitler, que diziam ser vegetariano, chegou a discursar: “No novo Reich não haverá mais lugar para a crueldade com os animais”.

* A solução para a ecologia é a tecnologia?
Ferry: Existe uma outra leva de ecologistas — da qual faço parte — que apostam na inovação, na ciência e no desenvolvimento sustentável. Por quê? Simplesmente porque não é possível regular o desenvolvimento de países como Índia ou China: nem o Lula nem o Sarkozy têm poder para impedir isso. Os indianos e os chineses fazem o que querem, e o que eles querem é crescer, certo? Então precisamos urgentemente inventar produtos “sustentáveis”, não-poluentes, como os carros elétricos, por exemplo. O caminho é esse...

Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,ERT113923-17579,00.html




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