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quarta-feira, 15 de outubro de 2025

LUTAS NO SAHEL que deveriam servir de exemplo para os brasileiros e outros povos colonizados


Legado de Thomas Sankara sobrevive em Burkina Faso 38 anos após sua morte: “Não queremos perder mais nossos heróis”
Massacre liderado por Blaise Compaoré, aliado da França, pôs fim à revolução de 1983, que, hoje, inspira lutas no Sahel

15.out.2025 às 06h25
Uagadugu (Burkina Faso)
Pedro Stropasolas


Simone Prosper se considera um "filho de Sankara". Ele vê o governo de Ibrahim Traoré como a continuidade da revolução de 1983. - Pedro Stropasolas


Há exatos 38 anos, Burkina Faso perdia o líder revolucionário Thoma Sankara. O ex-presidente do país foi morto durante um golpe de Estado que também tirou a vida de 12 de seus companheiros em 15 de outubro de 1987.

O massacre ocorreu na sede do Conselho Nacional Revolucionário e foi comandado por seu então aliado, Blaise Compaoré, com apoio direto de forças estrangeiras, principalmente da França.


O golpe pôs fim a quatro anos de uma revolução sem precedentes no continente africano. Em pouco tempo, Sankara transformou um dos países mais pobres do mundo em um símbolo de soberania e dignidade.
https://www.youtube.com/shorts/vXSD5FcnWk8

Para Valentin Sankara, irmão mais novo do líder burkinabé, o ex-presidente governou o país com um princípio inegociável: servir ao povo do país. “Ele não gostava de injustiça, mesmo em casa, com a gente, seus irmãos e irmãs. Posso dizer que foi esse comportamento que o levou a assumir o poder”, destaca Valentin.


O “Che Guevara africano”, como é chamado, liderou a revolução de 4 de agosto de 1983 em Burkina Faso. No ano seguinte, Sankara mudou o nome do país, de República do Alto Volta, herança do poder colonial francês, para República Democrática e Popular do Burkina Faso, que significa a “Terra dos Homens Íntegros”.

O líder visionário, conhecido pelo seu estilo de vida modesto, promoveu a fabricação e consumo de produtos locais em Burkina Faso. Ele próprio dava exemplo ao usar somente o algodão fabricado em Burkina Faso.
Em apenas quatro anos, Sankara elevou a taxa de alfabetização de 13% em 1983 para 73% em 1987. A transformação radical se estendeu à distribuição de terras e à saúde pública, com 2,5 milhões de crianças vacinadas | Daniel Laine/AFP

Liderando um movimento de ruptura da tutela neocolonial, Sankara levou a cabo reformas radicais no setor da saúde, na educação e na agricultura, traçando um caminho de autossuficiência alimentar até então inédito no país. O músico Sawadogo Pasmamde, conhecido por Oceán, dá detalhes.

“A revolução de Sankara já desencadeou algo que até mesmo Ibrahim Traoré [atual presidente] hoje, com sua revolução, está restabelecendo. Ou seja, para libertar o povo, é preciso que ele tenha direito à sua terra. Um povo sem terra é um povo escravo”, explica o artista.

“Ele compreendeu que para que o povo pudesse ser livre e digno, era necessário que tivesse o que comer. Por isso, a sua política fundamental era a reforma agrária. A terra pertence ao Estado, que agora a devolve à população para que esta a cultive, com acompanhamento em termos de assistência técnica e meios agrícolas”, completa.

O assassinato

Num discurso histórico feito em julho de 1987 na União Africana, em Addis Abeba, Etiópia, o primeiro presidente de Burkina Faso denunciou a dívida e as instituições de Bretton Woods, acordo internacional feito após a 2ª Guerra Mundial que criou as regras da economia global. Segundo Sankara, tanto o Banco Mundial como o Fundo Monetário Internacional (FMI) foram herdados do colonialismo. Meses depois ele seria morto.

O ex-presidente foi fuzilado a sangue frio por soldados aliados de Compaoré em 15 de outubro de 1987. Seu ex-amigo assumiu o poder logo em seguida, governando Burkina Faso por 27 anos sob forte repressão e alinhamento com o Ocidente.

“O assassinato de Sankara, em 15 de outubro de 1987, marcou o fim da revolução. No entanto, a revolução liderada por Sankara tinha uma visão de felicidade, desenvolvimento e prosperidade para Burkina Faso, para a África e para o mundo. Ele sempre dizia que aqueles que amam outros povos também amam o seu próprio povo. Sankara amava outros povos e eles também amavam o povo de Burkina”, considera Luc Damiba, conselheiro especial do primeiro ministro de Burkina Faso e coordenador do Comitê Memorial Thomas Sankara.

Durante quase três décadas, falar de Thomas Sankara passou a ser um tabu em Burkina Faso. Seus retratos, livros e discursos foram proibidos. Em meio ao silêncio imposto pelo regime de Compaoré, surgiram vozes dispostas a preservar sua memória, como a de Simone Prosper, que hoje é guia e vendedor no Memorial Thomas Sankara.

“Depois de assassinar o presidente Thomas Sankara, o objetivo deles era eliminar todos os vestígios da revolução, ou seja, os jornais que falavam do presidente Sankara e as fotos do presidente Sankara foram recolhidos e queimados. Eu era muito jovem na época e pensei: enquanto eu viver, a imagem do capitão dará a volta ao mundo”, assinala Prosper.Legado de Thomas Sankara foi eternizado em monumento construído no centro de Niamei, capital do Níger | Pedro Stropasolas
Investigação e condenação de Compaoré

Após a insurreição popular de 2014 e o fim ao regime de Compaoré, o país conseguiu dar início às investigações e julgamentos da morte do líder africano.

Contra todas as evidências, a certidão de óbito de Sankara foi classificada como morte natural até abril de 2008. Vários pedidos de acesso aos arquivos franceses para se tentar apurar se a antiga força colonial esteve envolvida na morte de Sankara foram ignorados pelo governo francês.

As investigações em Burkina Faso estabeleceram a responsabilidade direta de Compaoré, então ministro da Justiça, após confirmada a presença de soldados de sua guarda próxima entre os comandantes do massacre. Os assassinos partiram da residência de Compaoré, segundo a investigação, alguns levando emprestado um dos seus veículos. O poder judiciário burkinabé revelou ainda a presença de agentes franceses em Uagadugu em 16 de Outubro de 1987, no dia seguinte ao golpe de Estado. Durante o processo, foram ouvidas mais de 110 testemunhas.

Em 2022, o ditador foi condenado à prisão perpétua pela Justiça Militar de Burkina Faso e “pediu perdão” à família de Sankara. A Justiça também condenou com a mesma pena o comandante da sua guarda pessoal, Hyacinthe Kafando, e o general Gilbert Diendéré, um dos líderes das Forças Armadas na época do golpe de 1987.

Os três foram considerados culpados por “cumplicidade em assassinato”, “ocultação de cadáver” e “violação da segurança do Estado”, perdendo todas as as condecorações militares.

Compaoré vive hoje exilado na Costa do Marfim, cujo presidente Allassane Outtara é um dos principais aliados da França na África do Oeste.
Inspiração, não vingança

O músico Oceán, que cresceu sob a inspiração de Sankara, lembra o impacto que o assassinato teve em todo o país.

“Pessoalmente, fui pioneiro da revolução de Thomas Sankara. Desde a escola primária, fomos escolhidos e começaram a nos ensinar a ideologia e, de acordo com nosso nível escolar na época, já nos diziam o que era o capitalismo de forma simples, nos ensinavam que o capitalismo é a exploração do homem pelo homem, e nos diziam que é um crime contra a humanidade, nos preparavam para continuar a revolução quando ele envelhecesse. Infelizmente, ele não conseguiu terminar sua ação e fomos abandonados como órfãos. Mas cada um de nós manteve seus valores revolucionários em suas áreas de atividade”, relembra Oceán.

“Crescemos com a vontade não de vingar Sankara, porque não podemos responder à violência com violência, mas de trazer Burkina de volta ao caminho certo, porque tínhamos a firme certeza e convicção de que esse era o único caminho para o nosso povo”, completa.

Entre os jovens até 35 anos, 75% da população do país, o pensamento de Sankara permanece vivo sobretudo nas medidas do capitão Ibrahim Traoré, atual chefe de Estado e figura central da nova revolução patriótica em curso hoje no Sahel.
Ibrahim Traoré, presidente de Burkina Faso, foi uma das primeiras vozes a contestar a atuação militar francesa na África do Oeste | Governo de Burkina Faso

Sankara e as lutas atuais no Sahel

O coordenador nacional da juventude burkinabé, Lianhoué Imhotep Bayala, reafirma o apoio dos jovens às medidas de ruptura com a França implementadas pela Aliança dos Estados do Sahel.

“É preciso dizer que a juventude africana está em uma encruzilhada e em um momento decisivo em que não quer mais que lhe imponham o que fazer, como disse Thomas Sankara, em 1984 na conferência internacional da ONU em Nova York, dizendo não a qualquer forma de imposição. Estamos descolonizados. E, porque sabemos que a colonização foi um massacre, foi um crime contra a humanidade, isso nos permite ter uma mentalidade própria em relação ao discurso francês ocidental”, explica Imhotep Bayala.

“Lumumba foi morto pela Bélgica. Kwame Nkrumah foi morto pela Inglaterra e pela CIA americana. Sékou Touré foi morto pela DGES francesa. Amílcar Cabral foi morto pelos portugueses. Thomas Sankara foi morto pela França. Não queremos perder mais nossos heróis”, completa. Liderada por Sankara, a revolução de 1983 em Burkina Faso completou 42 anos de aniversário no dia 4 de agosto. | Pedro Stropasolas/ Brasil de Fato

Com Traore, o país tem pela primeira vez um memorial para homenagear Sankara. O espaço, onde também está o mausoléu do líder revolucionário, foi inaugurado em maio deste ano no mesmo local onde o ex-presidente e seus 12 colegas foram assassinados. Valentin Sankara celebrou em entrevista publicada pelo Brasil de Fato:

“O capitão pensou em todos aqueles que permaneceram no dia 15 de outubro para realizar isso. É realmente uma alegria para as famílias”, disse Valentin.

Assim como o irmão de Sankara, Luc Damiba, conselheiro especial do primeiro-ministro de Burkina Faso, vê no atual governo a continuidade do projeto interrompido em 1987. Ele destaca dois episódios que aconteceram justamente no local que ele dá entrevista, o Memorial Thomas Sankara. 

“Ele assumiu o poder no dia 14, e no dia 15 de outubro de 2022, ele veio aqui, pegou a tocha da revolução e disse que continuaria a revolução que Sankara havia começado. Portanto, é a continuidade da revolução que está presente atualmente. Segundo ato, ele aceitou renomear Thomas Sankara e erguer este projeto do mausoléu em nome de Thomas Sankara. Ele reabilitou a memória de Thomas Sankara. Então, todos os dias, ele cita suas frases, cita sua memória, cita suas referências, os trabalhos que ele realizou e diz que fará melhor”.

Para a contadora de histórias e educadora infantil Mahi, a Princesa Kirikara, Traoré leva a cabo uma prioridade incontestável durante os quatro anos de governo de Sankara: a certeza de que revolução não pode triunfar sem a emancipação das mulheres.

“Sankara, ele previa a emancipação das mulheres e, com Ibrahim Traoré, isso é uma confirmação total, porque vemos muitas mulheres hoje em dia que não têm medo de se afirmar em qualquer profissão. Elas se afirmam em todas as profissões. Você encontra mulheres policiais, você encontra mulheres que estão à frente de várias empresas. E há muitas mulheres no governo, o que é muito bom. É uma mensagem para os jovens, para nós, e para as crianças”, finaliza Mahi.


Editado por: Luís Indriunas

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