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segunda-feira, 4 de agosto de 2025

MISÉRIA E ORDEM PÚBLICA

Quando a ordem é injusta, a desordem é já um princípio de Justiça - ROMAIN ROLLAND.

O corajoso e erudito escritor português EÇA DE QUEIROZ escreveu sobre a Ordem Pública em contraposição à Justiça Social:

É muito bonito falar na ordem, no respeito à propriedade, no sentimento de obediência à lei, etc.. quando milhares de homens vêm suas famílias sem lume na lareira, sem um pedaço de pão, os filhos a morrer na miséria, e ao mesmo tempo os patrões prósperos e fartos, comprando propriedades, quadros, apostando nas corridas e dando bailes que custam centos de libras, bom Deus, é difícil ir falar aos desgraçados de regras de economia política, e convencê-los de que, em virtude dos melhores autores da ciência econômica, eles devem continuar por alguns meses mais a comer vento e aquecer-se à cal das paredes.  

Outras manifestações contundentes sobre a miséria:

- A miséria, que alastra por este mundo, protesta demasiado alto contra a hipótese de uma obra perfeita devida a um ser absolutamente sábio, absolutamente bom, e também todo poderoso (...) - SCHOPENHAUER - As dores do mundo.

- Meu senhor - começou quase com solenidade -, a pobreza não é um pecado, é a verdade. Sei também que a embriaguez não é nenhuma virtude.
Mas a miséria, meu senhor, a miséria... essa sim, essa é pecado. Na pobreza ainda se conserva a nobreza dos sentimentos inatos; na miséria não há nem nunca houve nada que os conserve.
A um homem na miséria quase que o correm a paulada; afugentam-no a vassouradas da companhia dos seus semelhantes, para que a ofensa seja ainda maior, e é justo, porque na miséria sou eu o primeiro que estou disposto a ofender-me a mim próprio. - DOSTOIEVSKI - Crime e castigo.

- Era um triste grupo, que a miséria pouco a pouco foi abraçando e apertando no seu círculo de ferro (...) - VICTOR HUGO - Os miseráveis - Livro Segundo/Cap. VI.

- Necessitamos conhecer a miséria para descobrir ações desinteressadas. Provavelmente elas existem na vida comum. Falta-nos, porém, meio de percebê-las. - GRACILIANO RAMOS - Memórias do cárcere.

- Pela cidade pairava o murmúrio da miséria, abafado, sem forças para se fazer ouvir. - GORKI - Camaradas.

- Dia a dia, com forças que iam minguando, a miséria escalavrava mais a cara sórdida, e mais fortemente os feria com a sua garra desapiedada. Só talvez por um milagre iam aguentando tanta fome, tanta sede, tanto sol. O comer era quando Deus fosse servido. Às vezes paravam num povoado, numa vila.
Chico Bento, a custo, sujeitando-se às ocupações mais penosas, arranjava um cruzado, uma rapadura, algum litro de farinha. Mas isso de longe em longe. E se não fosse uma raiz de mucunã arrancada aqui e além, ou alguma batata-brava que a seca ensina a comer, teriam ficado todos pelo caminho, nessas estradas de barro ruivo, semeado de pedras, por onde eles trotavam trôpegos, se arrastando e gemendo.
Pedro, o mais velho dos pequenos, também tentava um ganho; mas em tempo assim, com tanto homem sem trabalho, quem vai dar o que fazer a menino?
E Cordulina, botando a vergonha de lado, com o Duquinha no quadril — que as privações tinham desensinado de andar, e agora mal engatinhava — dirigia-se às casas, pedindo um leitinho para dar ao filho, um restinho de farinha ou de goma pra fazer uma papa...
A pobre da burra, que vinha sustentando Deus sabe como, com casca seca de pau e sabugos de monturo, foi emagrecendo, descarnando, até ficar uma dura armação de ossos, envolvida num couro sujo, esburacado de vermelho. Chico Bento julgou melhor trocá-la por qualquer cinco mil-réis, que ser forçado a abandoná-la por aí, meio morta, em algum pedaço de caminho. Um bodegueiro, em Baturité, lhe ofereceu 6$000.
E deixaram a companheira de tantas léguas amarrada a uma estaca de cerca, a cabeça pendendo do cabresto, a cauda roída e suja batendo as moscas das pisaduras. - RAQUEL DE QUEIROZ - O quinze.

- Na várzea, varada de trilhos claros que riscavam o chão negro, ela encontrou, àquela triste hora da tarde, magotes de retirantes, cobertos de pó, marchando em filas tortuosas, das quais, como de um rastilho de suplício marcado pelas vítimas, se destacavam individuos ou famílias, que paravam emaciados, rendidos de cansaço e se sentavam para repoisarem, recobrarem alento e comporem os andrajos, antes de penetrarem na cidade.
Esse espetáculo de todos os dias, na sua monotonia sinistra, não a impressionava mais, porque se habituara à vizinhança da miséria nas formas mais lúgubres e vis.
Vira crianças, a sugarem os seios murchos das mães mortas; cadáveres desses entezinhos abandonados sobre a estrada, devorados por urubus e cães vorazes: criaturas, ainda vivas e exangues, torturadas pelas bicadas de carcarás a lhes arrancarem, aos pedaços, as carnes ulceradas e podres.
Vira mães desnaturadas ocultarem em crateras de formigueiros, o fruto de amores criminosos, ou traficarem com filhas impúberes; pais desalmados, incestuosos e delinqüentes dos mais torpes crimes, como se o concurso de todas as dores e de todas as baixezas, condensando-se em enorme e fantástico suplício, os houvera transformado em monstros hediondos, rebalçando-se em lances trágicos de ferocidade inconsciente.
Diante dela haviam tombado, fulminados pela fome, indivíduos de aparência sadia e robusta, estrebuchando no chão como epilépticos a tragarem terra aderente aos dedos sangrentos e blasfemarem contra o Deus impassível que os desamparava, os renegava filhos pecadores, condenados, em vida, às torturas daquele inominável inferno da miséria. Milhares de criaturas haviam sido provadas nesses transes inenarráveis; no entanto, ela havia apenas sofrido o ferrete da ignomínia. Era, pois, incomparavelmente, mais feliz que aqueles pobres alquebrados, que passavam lentamente, restos de uma raça de trabalhadores heróicos e fortes, desbaratada sob o látego do castigo do céu. Se devia cair mais, descer mais fundo no sorvedoiro da infâmia, padecer como aqueles mártires, desejaria ser levada por uma moléstia para a vida onde ninguém sofre. - DOMINGOS OLÍMPIO - Luzia Homem.

- Era um triste grupo, que a miséria pouco a pouco foi abraçando e apertando no seu círculo de ferro (...) - VICTOR HUGO - Os miseráveis - Livro Segundo/Cap. VI.

A sorte dos poderosos e impiedosos com as mazelas das grandes massas desassistidas é que na afeição de um homem pela vida há qualquer coisa de mais forte que todas as misérias do mundo - ALBERT CAMUS - O mito de Sísifo.




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