Luiz Eduardo Soares classifica como equivocadas as medidas propostas pelo ministro da Justiça do governo Bolsonaro
João Paulo Saconi
06/02/2019 - 08:00 / Atualizado em 06/02/2019 - 12:12Luiz Eduardo Soares é especialista em segurança pública, cuidou da área durante o primeiro mandato de Lula e se diz 'chocado' com o pacote de medidas apresentado pelo ministro Sergio Moro Foto: Gustavo Miranda / O Globo
O pacote de medidas anticrime que o ministro da Justiça Sergio Moro vai apresentar ao Congresso Nacional não conta, desde o início, com a aprovação do antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares, um dos maiores especialistas sobre o tema no país.
À ÉPOCA, o ex-secretário nacional da Segurança Pública (cargo incorporado hoje às atribuições de Moro) criticou, entre outras propostas anunciadas nesta segunda-feira, a possibilidade de redução ou não aplicação da pena à policiais que matarem em serviço.
O texto apresentado ontem sugere que a Justiça considere essa alternativa quando, em serviço, o agente agir neste sentido por "escusável medo, surpresa ou violenta emoção". A ideia é um eco do que o presidente Jair Bolsonaro já prometia durante a campanha.
Para Luiz Eduardo Soares, trata-se da intensificação do que ele aponta como o genocídio das parcelas pobre e negra da população brasileira — o que deve ser visto, segundo ele, de maneira escandalosa e perplexa pela comunidade internacional.
"Praticamente instaura a pena de morte e sem julgamento. E esse tipo de pena me parece inaceitável e repulsiva, inclusive diante da Constituição. Qualquer situação de risco em que um policial está envolve tensão, medo, surpresa e forte emoção.
Isso pode ser alegado em qualquer situação", alerta o especialista, que encampou a área da segurança durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Para além das críticas ao conteúdo do conjunto levado por Moro aos governadores recém-empossados e membros de seus secretariado, Soares diz ter ficado "chocado" com a forma "despudorada" que o ex-juiz federal escolheu para tratar de medidas de alto impacto. O maior deles, na opinião do estudioso, é o aumento do número da comunidade encarcerada:
"(O projeto) É um equívoco que aponta na direção do enrrijecimento da política de encarceramento. Vai torná-lo mais rápido, ágil, fácil e voraz. Mas isso alimenta as facções criminosas. Colocamos forças de trabalho dentro dos presídios e alimentamos esses grupos, que dominam o sistema penitenciário", conta.
Coautor dos livros "Elite da Tropa" e "Elite da Tropa 2" (inspirações para a franquia cinematográfica "Tropa de Elite"), Luiz Eduardo Soares acredita que o caminho traçado a partir da possível aprovação pela Câmara e pelo Senado das mudanças na legislação é o de um "país autoritário", "dominado pela Justiça criminal" e onde as "liberdades individuais deixarão de ser respeitadas".
'PLEA BARGAIN', CAIXA DOIS E VIDEOCONFERÊNCIA
Aventada por Moro, a intenção de permitir que o Ministério Público feche acordos com investigados que confessem crimes de improbidade administrativa também assustam Soares. A ideia é inspirada em um príncipio do direito norte-americano chamado "plea bargain" e não se aplica a casos que envolvam violência ou ameaças graves.
"A negociação com o MP sem passar pela Justiça é complicada. O investigado não foi julgado e os acusadores se tornam monopolistas de um processo supostamente judicial. É completamente contrário aos nossos príncipios constitucionais", diz o escritor, que teceu outra crítica aos promotores públicos: para ele, a impunidade no Brasil passa pela falta de elucidação dos crimes pela polícia, da ausência de denúncias contundentes do MP sobre eles e da "bênção do Judiciário" para que o ciclo continue funcionando.
Soares também desaprova a tipificação do crime de caixa dois e a flexibilização das situações em que um juiz pode ouvir o réu através de videoconferência (antes, isso acontecia apenas em "excepcionalidades"). Ambas são medidas que fazem parte do pacote de Moro, previsto para ser enviado ao Legislativo quando Bolsonaro deixar o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde está internado enquanto se recupera da cirurgia para a reversão da colostomia.
"Seguimos criminalizando todas as práticas das quais discordamos e não nos empenhamos em desmontar o sistema que as leva a acontecer. No caso do caixa dois, me refiro ao cenário competitivo e monetarizado das corridas eleitorais no país. Quando pensamos que se trata de uma simples questão burocrática, como a videoconferência, vemos que o momento de encontro do réu com o magistrado pode não acontecer. E isso prejudica a defesa", lamenta o antropólogo, que considera importante o aspecto presencial das oitivas (é o momento, para ele, em que a comunicação oral e corporal é possível e ocorre sem pressões externas, o que pode deixar de acontecer em um depoimento por vídeo).
Fonte: https://epoca.globo.com/projeto-de-moro-instaura-pena-de-morte-sem-julgamento-no-brasil-diz-especialista-em-seguranca-23430895
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