Perfil

Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

Mensagem aos leitores

Benvindo ao universo dos leitores do Izidoro.
Você está convidado a tecer comentários sobre as matérias postadas, os quais serão publicados automaticamente e mantidos neste blog, mesmo que contenham opinião contrária à emitida pelo mantenedor, salvo opiniões extremamente ofensivas, que serão expurgadas, ao critério exclusivo do blogueiro.
Não serão aceitas mensagens destinadas a propaganda comercial ou de serviços, sem que previamente consultado o responsável pelo blog.



quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

A atual recuperação da economia só beneficia uma minoria

por Murilo Ferreira* — publicado 09/01/2018 00h21, última modificação 09/01/2018 12h52

O Brasil continua distante do minimamente aceitável para reduzir as desigualdades e iniciar um ciclo de desenvolvimento sustentável e duradouro




inShare1



Aloisio Mauricio/Fotoarena


A pobreza aumentou de forma acentuada a partir de 2014


A economia mundial voltou do purgatório e deverá estar normal em 2018, segundo o Fundo Monetário Internacional, crescendo ao redor de 3,7% e, melhor ainda, indo da América do Norte para a Ásia, da Europa Ocidental à Oriental, e assim por diante. Enfim, o desastre de 2007-2009 foi embora e haverá um crescimento disseminado.

Para uma minoria dos brasileiros, a recuperação da economia em 2018 terá um bom impulso a partir de dados disponíveis e consubstanciados na produção agrícola, na recuperação dos preços dos recursos minerais baseada em um crescimento do “novo normal chinês” assentado em expulsar agentes poluidores do seu território, assim como do preço do petróleo internacional sustentado pela disputa interna na Arábia Saudita. E, internamente, uma melhora no consumo dos brasileiros.

Mas, para a maioria dos cidadãos no Brasil, a verdadeira recuperação precisaria vir atrelada à taxa de investimento. E, nesse aspecto, estamos bem distantes do minimamente aceitável para um país que necessita urgentemente reduzir as desigualdades, que aumentaram acentuadamente desde o fim de 2014.

O total de investimento precisaria ser igual à poupança total, ou seja, a soma das poupanças interna e externa. O setor privado tem poupado mais, enquanto o setor publico está pior do que nunca. Precisamos também levar em conta que a carga tributária brasileira é uma das mais altas do mundo. Ou seja, não há milagre a se fazer.

Leia também:
Quatro cenários para o futuro próximo do Brasil
O Brasil no fundo do poço

O Estado não consegue realizar mais investimentos. A sociedade brasileira novamente fracassou na redução de suas despesas, seja no âmbito do Judiciário, seja no do Legislativo, ou do Executivo.

Prefiro dizer “a sociedade” porque não vejo qualquer sinal dos líderes mais representativos de cada poder exigindo que as coisas mudem. Acreditam que o problema está com o outro. Ou melhor, o único sinal é uma repulsa generalizada ao aumento de impostos. A pequena melhora no consumo das famílias não sustenta o otimismo com a "retomada" (Nelson Almeida/AFP)E, mesmo nesse aspecto, temos situações intoleráveis, como a proposta de criação dos royalties “do vento” em 10%, que trará um ônus à energia eólica que não polui e salva o Nordeste do racionamento, que neste momento seria inevitável, caso não tivesse sido amplamente implantada na região. No caso da mineração, houve o aumento de mais de 100%, que trará ao País o título de “campeão do mundo” em impostos, taxas e contribuições no setor mineral.

Até a famigerada reforma da Previdência promovida pelo Executivo tenta camuflar a realidade, ou seja, a necessidade de se resolver a aposentadoria do setor público. O déficit per capita no regime da União é de quase 80 mil reais e o do INSS, 5 mil. Portanto, sabe-se onde está o tumor.

Prefere-se, no entanto, o caminho perverso de ameaças de calote das aposentadorias, especialmente àqueles que recebem montantes menores. Até a campanha do PMDB esquece do promotor-presidente que se aposentou aos 55 anos para discutir privilégios dos outros. Assim está o Brasil no novo MDB. Coitado do Dr. Ulysses.

E o crédito? Os defensores de um BNDES anão deveriam vir a público explicar o fracasso continuado das novas missões por meio do mercado de capitais em época de tempo bom. Imagine quando houver chuvas e trovoadas.

São analistas distantes da realidade do Brasil que trabalha e cresce, como no Mapito, no Triângulo Mineiro e em Santa Catarina, para citar apenas alguns.

Aliado a isso vemos sem horizonte razoável de melhora o caos da segurança e dos serviços públicos. Ilustrando esse deboche com os menos favorecidos, vimos a decisão recente de eliminar a linha do BRT no Rio de Janeiro, construído para ser um legado dos Jogos Olímpicos, deixando ao abandono milhares de cariocas que precisam desse transporte.

E agora querem os investimentos limpos em energia eólica. Faz sentido?E até mesmo os investidores sofrem, pois, como vimos, mesmo os contratos não valem tanto quanto se poderia imaginar em um país tão carente de infraestrutura. O consórcio vencedor da licitação do Aeroporto de Confins acaba de ser surpreendido com a permissão de pousos e decolagens no Aeroporto da Pampulha. A justificativa seria obter votos de uma bancada a favor do presidente da República, não a favor do Brasil.

Vivemos o pior dos mundos. Não temos serviços decentes nem oportunidades aos menos favorecidos. Temos pouco tempo para corrigir, mas sem esquecer as lições que a cada dia o papa Francisco nos oferece e que ele conhece muito bem, como o infortúnio dos argentinos neste século XXI e dos italianos nos últimos dez anos.

Em um vídeo que circulou freneticamente na internet nas últimas semanas, ouvimos um mendigo polonês que mora em Roma dizer: “O papa ama os pobres”. Desde que assumiu como bispo de Roma, ele faz um grande trabalho na assistência direta aos desabrigados, seja com comida, seja com banho descente e barbeiro ou com roupa lavada. Ou ainda apenas com algo suficiente para restaurar a dignidade humana. Que as reformas brasileiras comunguem desse espírito.

A correção da economia a que me referi, amparada no amor de um Francisco, precisaria ser feita por meio de uma nova Constituição exclusivamente dedicada a isso e não por meio de “um toma lá, dá cá” tão amoral como usar sarcasticamente São Francisco nos comentários políticos.

Todos sabemos que a nossa Constituição foi atropelada ainda em sua infância por uma mudança radical no mundo, tanto pelos acontecimentos do Leste Europeu no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990 quanto pela inovação e tecnologia que ganharam uma velocidade inimaginável. A China caminha a passos largos para consolidar sua liderança global

O desemprego brasileiro mudou de nome. Saiu o formal, entrou o informal. Mas isso é apenas o prenúncio, pois se percebe que as tarefas desempenhadas pelo trabalhador serão substituídas por robôs. A China produz três vezes mais desses equipamentos do que os Estados Unidos, 2,5 vezes do que o Japão e mais de 80 vezes do que o Brasil.

E a inteligência artificial será mais devastadora ainda. Péssimo para o emprego e a inflação, ótimo para a produtividade. E o mercado financeiro será substituído no papel de vilão que desempenha há décadas. Operações financeiras serão mais bem conduzidas por não humanos. Aliás, vi o prenúncio disso no MIT, de onde saíam 50% dos alunos para o dito mercado, em 2008, para modestos 8%, em 2016.

Não podemos visualizar nada de bom em um país que terá eleições provavelmente polarizadas pelo ódio e a desarmonia. Nossa comunidade política vive em um mundo particular, que permite ter um presidente com recorde mundial de impopularidade com maioria precária no Congresso. Precária, mas maioria.

O resultado das eleições não pode significar a vitória daqueles que se alimentam da discórdia e do rancor. Se isso acontecer, podemos ver a corda arrebentar. Por outro lado, a vitória de uma tese que confronte a realidade do mundo será tão ruim ou pior do que a nossa falta de sintonia com o mundo surgido da queda do Muro de Berlim.

Assim como as grandes questões do quase finado 2017 eram o processo político na China, o primeiro ano do governo Donald Trump e os passos políticos em uma Europa incerta a respeito das eleições francesas e alemãs, que resultaram de fato, sob a ótica econômica no ano, em um total desalinhamento das correlações usuais de moedas, ações, renda fixa e petróleo.

Em 2018, teremos o resultado mais visível do que pode significar a enorme mudança tributária nos EUA, tendo sido aprovada na Câmara Baixa e seguido para o Senado, onde deverá ser modificada. Como os projetos devem ser aprovados com divergência entre as Casas, um consenso poderá ser obtido no primeiro semestre de 2018.

Leia também:
Os governos do PT reduziram ou não a desigualdade?

Ainda para o ano-novo, veremos um governo chinês muito comprometido com a austeridade e com medidas duras contra a poluição, com resultados positivos e negativos sobre a economia. Os efeitos de cortes de produção em diversos setores serão sentidos especialmente sobre siderurgia, alumínio e cimento.

O corte na produção de aço poderá atingir até 50 milhões de toneladas adicionais, consolidando um total de 200 milhões de toneladas nos últimos três anos. Com isso, a eficiência da indústria chinesa terá aumentado ainda mais.

Os discursos e, principalmente, as atitudes do papa Francisco estão aí para ser copiadosSerão claros os sinais geopolíticos dos passos previstos para uma liderança mundial chinesa até 2049, quando se completam os cem anos da Nova China. Ao mesmo tempo, viveremos uma grande incerteza gerada pela recusa de entendimento entre países que formam os territórios existentes e aqueles que estão sendo construídos a partir do nada no Sul da China.

Teremos também a definição do Brexit em um momento de estresse para a economia do Reino Unido, que, segundo o FMI, terá um desempenho apenas melhor do que a Itália em 2018, com o previsto 1,5%.

Um fenômeno mundial que se aprofunda é de quem tem entre 20 e 40 anos e ganha cada vez menos em termos reais. Como poderão ter acesso aos recursos para formar, por exemplo, uma família? Ou a desigualdade que tem aumentado muito, inclusive nos Estados Unidos?

Dados informados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) mostram que os rendimentos do 1% mais rico do mundo são compatíveis com os de 57% da população mais pobre.

No Brasil, é preciso investir nos indivíduos, para que tenham condições de competir em igualdade de condições. Isso deverá levar algumas gerações. Mas a peça-mãe do País, seu Orçamento, não nos diz isso. Portanto, não estamos no caminho certo.

*Administrador de empresas e ex-presidente da Vale
Fonte: https://www.cartacapital.com.br

Nenhum comentário: