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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Padre católico tentou, sem êxito, habeas corpus no TJ/SC, após ser acusado de crimes sexuais



Habeas Corpus n. 2012.048767-0, de Forquilhinha

Relator: Desa.Subst. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer

HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. MODUS OPERANDI. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. RISCO DE REITERAÇÃO DA CONDUTA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA EVIDENCIADA. COMPROMETIMENTO DA PROVA TESTEMUNHAL. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. PADRE CATÓLICO QUE EXERCE RELEVANTE INFLUÊNCIA EM RELAÇÃO ÀS VÍTIMAS, FAMILIARES, E COMUNIDADE. SEGREGAÇÃO JUSTIFICADA E NECESSÁRIA. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA DO JUIZ DA CAUSA, PELO FATO DE ESTAR MAIS PERTO DOS FATOS. BONS ANTECEDENTES, RESIDÊNCIA FIXA, OCUPAÇÃO DEFINIDA E PRIMARIEDADE. ELEMENTOS QUE, DE PER SI, NÃO AUTORIZAM A CONCESSÃO DA BENESSE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 2012.048767-0, da comarca de Forquilhinha (Vara Única), em que é impetrante André Mello Filho e outros, e paciente P. B.:

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por maioria de votos, denegar a ordem, e de ofício, sugerir à Autoridade Judiciária de Primeiro Grau que verifique a possibilidade de colocar o paciente em cela especial, em razão de ter essa condição assentada em Lei e, caso não seja possível, o recolhimento em prisão domiciliar, vencido o Exmo. Des. Jorge Schaefer Martins que votou pela concessão da ordem, com aplicação das medidas cautelares previstas nos incisos do art. 319 do Código de Processo Penal.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Jorge Schaefer Martins (Presidente com voto), e o Exmo. Sr. Desembargador José Everaldo Silva.

Florianópolis, 26 de julho de 2012.

Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer

Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus com pedido liminar impetrado por André Mello Filho, Ricardo Fagundes e Marcelo Luciano Vieira de Mello em favor de P. B., qualificado nos autos, que teve sua liberdade cerceada por meio de Prisão Preventiva decretada pela Vara Única da Comarca de Forquilhinhas, deferida e cumprida no dia 06.07.12 pela suposta infração do artigo 217-A do Código Penal contra crianças e adolescentes da localidade.

Aduz, sumariamente, que a decisão combatida atenta de forma direta e violenta contra o direito de ir, vir e ficar do paciente, pois ausentes os pressupostos para expedição de decreto preventivo na espécie.

Argumentou em suma, que a decisão restou apoiada em mera conjectura, eis que fundamentada na simples possibilidade do paciente praticar em tese, fatos semelhantes aos investigados, apoiados exclusivamente, aos fatos narrados na representação feita pela autoridade policial, não se podendo presumir que o agente voltará a delinquir, logo o argumento usado é inidôneo a amparar a segregação cautelar, eis que o paciente não ameaça à ordem pública.

Aduziu ainda, que foram suspensas todas as atividades do paciente relacionadas ao ministério, de modo que, não existe mais o risco de reiteração criminosa ou de prejuízo à produção de provas.

Ao final, acrescentou que o paciente é primário e de bons antecedentes, pugnando pela concessão da liminar, e ao final, a confirmação da concessão da ordem de "habeas corpus", para revogação do decreto prisional e consequente soltura do paciente, garantindo assim, o direito de permanecer em liberdade durante o inquérito e de eventual ação penal.

A liminar foi indeferida (fls. 96/98).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Robison Westphal, no qual opinou pela denegação da ordem.

Este é o relato essencial.

VOTO

Trata-se de prisão preventiva decretada em vista de representação criminal ofertada pela autoridade policial, por ter o paciente, supostamente, cometido o delito do art. 217-A do Código Penal.

As teses aventadas pelos impetrantes são a de falta de fundamentação idônea por parte da autoridade coatora; de ser possível a adoção das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal em virtude de ser o paciente primário, possuir residência fixa e trabalho lícito.

Com efeito, não há que se falar em falta de fundamentação do decisum que decretou a prisão preventiva do paciente, porquanto, a autoridade apontada como coatora, explicitou de maneira hialina os argumentos fáticos e jurídicos que a levaram a decretar a prisão cautelar, afastando a possibilidade de aplicação das medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.

Quanto a garantia da ordem pública, asseverou o magistrado singular:

"O representando é paroco da Igreja Católica da cidade de Forquilhinha e conta atualmente com mais de sessenta anos de idade. Diante da sua idade e da própria função de sacerdote desempenhada neste munícipio, conta com a confiança das pessoas e tem o indiciado acesso falicitado às suas supostas vítimas já que exerce diversas atividades envolvendo crianças e adolescentes junto à igreja, como por exemplo: ministrando catequese, praticando confissão, etc. Essa condição facilitada, por certo, permite-lhe assediar os menores e , assim, levar a cabo a atividade ilícita narrada na peça inicial, que de certa forma, repita-se, restou corroborada com os indícios de autoria pelos depoimentos que a instruem.

O indiciado é pessoa aparentemente respeitada na sociedade e conta com alto grau de confiança por parte das pessoas que aqui vivem, ate que é de conhecimento público e notório que a população de Forquilhinha é predominantemente católica. Tal situação, acredita-se, faz o representando pensar serem seus atos impunes, seja pelo temor das pessoas em denunciarem os delitos supostamente perpetrados, seja pela condescendência que vigora na própria organização religiosa que está inserido, fazendo-se com que ocorra a reiteração da suposta atividade criminosa, a qual, ao que parece, vem sendo praticada há anos, ou melhor, há décadas.

(...) Existem no caso grandes probabilidades de que o representando seja contumaz em práticas delitivas dessa natureza, destacando-se o seu modus operandi, sempre demonstrando astúcia e, assim, aproveitando-se da fragilidade mental que é peculiar das crianças e adolescentes, fatores que ratificam a necessidade da sua segregação. (fl.38 e 39).

Quanto à conveniência da instrução criminal:

"Como dito, o representando, pároco da Igreja católica de Forquilhinha, está inserido numa sociedade preponderantemente adepta à sua religião, status que lhe confere certa confiança e credibilidade na cidade. Além disso, não se pode olvidar o próprio poder de persuasão que as religiões exercem sobre a pessoas. Tais circunstâncias evidenciam a possiblidade do representado, pessoas a si ligadas e até a própria igreja de buscarem influenciar nos depoimentos das vítimas e testemunhas, tendo em conta a busca de se preservar a imagem da instituição e do próprio sacerdote envolvido. Deve-se ressaltar, outrossim, que as próprias vítimas possuem ligação com a Igreja aqui gerenciada até o momento pelo pároco representando.

Consta dos autos, inclusive, que na comunidade já se ouve falar das atividades ilícitas do representando há algum tempo, mas até então ninguém havia levado tais fatos ao conhecimento das autoridade, o que não acontecia, acredita-se, pelo receio ou temor em atribuir fato tão grave a alguém que exerce atividade relevante e se trata de pessoa pública conhecida, com influência sobre as pessoas.

Por isso, também entendo necessária a prisão para a conveniência da instrução criminal, possibilitando-se que a produção da prova durante a persecução penal ocorra de forma a garantir depoimentos isentos de qualquer influência externa, sempre buscando estabelecer a verdade e garantindo, por certo, ao representando, o contraditório e o amplo direito de defesa (fl.40 e 41).


Depreende-se que o magistrado a quo, bem fundamentou a segregação cautelar, demostrando de forma clara e evidente, o perigo para ordem pública, no risco de reiteração criminosa e, principalmente, ao meu ver, na conveniência da instrução criminal, eis que o paciente, como pároco da pequena localidade, exerce forte influência sobre a comunidade eminentemente católica, e caso solto, prejudicaria a produção da prova.

Ao contrário do que sustenta o impetrante, entendo estar suficientemente fundamentada a segregação cautelar do paciente, eis que alicerçada em argumentos concretos e idôneos.

Ademais, há nos autos, provas concretas da materialidade e autoria, eis que os relatos das vítimas são verossímeis quanto aos abusos perpetrados contra crianças e adolescentes, seguindo-se sempre o mesmo "modus operandi", sendo que os ilícitos eram cometidos durante o exercício do sacerdócio, onde o paciente abusava da confiança que lhe era depositada, demonstrando desta forma a gravidade concreta do delito cometido.

Destarte, é cediço que a prisão cautelar é constitucionalmente admitida como medida excepcional, sendo regra a liberdade. Contudo, uma vez presentes indícios suficientes de autoria e comprovada a materialidade, possível a segregação cautelar ante a presença do fumus commissi delicti (fumaça da prática de um fato punível).

A segregação cautelar se justifica na garantia da ordem pública e da instrução processual, posto que a principal prova a ser produzida nos autos é a prova oral, ou seja, o relato das vítimas.

Sobre os requisitos da prisão preventiva, Júlio Fabbrini Mirabete explica

"Havendo prova da materialidade do crime e indícios suficientes da autoria, o juiz pode decretar a prisão preventiva somente quando exista também um dos fundamentos que a autorizem: para garantir a ordem pública; da ordem econômica; por conveniência da instrução criminal; ou para assegurar a aplicação da lei penal. Preocupa-se a lei com o periculum in mora, o fundamento de toda medida cautelar. [...] Fundamenta em primeiro lugar a decretação da prisão preventiva a garantia da ordem pública, evitando-se com a medida que o delinqüente pratique novos crimes contra a vítima ou qualquer outra pessoa, quer porque seja acentuadamente propenso à prática delituosa, quer porque, em liberdade, encontrará os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida. Mas o conceito de ordem pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão. A conveniência da medida deve ser regulada pela sensibilidade do juiz à reação do meio ambiente à prática delituosa. Embora seja certo que a gravidade do delito, por si, não basta para a decretação da custódia, a forma e execução do crime, a conduta do acusado, antes e depois do ilícito, e outras circunstâncias podem provocar imensa repercussão e clamor público, abalando a própria garantia da ordem pública, impondo-se a medida como garantia do próprio prestígio e segurança da atividade jurisdicional. A simples repercussão do fato, porém, sem outras conseqüências, não se constitui em motivo suficiente para a decretação da custódia, mas está ela justificada se o acusado é dotado de periculosidade, na perseverança da prática delituosa, ou quando denuncia na prática do crime perversão, malvadez, cupidez e insensibilidade moral [...]. Também pode ser decretada a prisão preventiva por conveniência da instrução criminal, ou seja, para assegurar a prova processual contra a ação criminosa, que pode fazer desaparecer provas do crime, apagando vestígios, subornando, aliciando ou ameaçando testemunhas etc". (Código de Processo Penal, 9º ed., São Paulo: Atlas, 2002, p.801/811).

O fato de o paciente estar suspenso e afastado das funções de pároco, não é fato idôneo a derruir o decreto de prisão cautelar, eis que, não o impede de voltar a delinquir, nem de usar de sua influência perante a comunidade para desvirtuar a instrução criminal.

Como bem salientado pelo magistrado singular "Consta dos autos, inclusive, que na comunidade já se ouve falar das atividades ilícitas do representando há algum tempo, mas até então ninguém havia levado tais fatos ao conhecimento das autoridade, o que não acontecia, acredita-se, pelo receio ou temor em atribuir fato tão grave a alguém que exerce atividade relevante e se trata de pessoa pública conhecida, com influência sobre as pessoas".

O ilustre representante do "parquet" neste grau de jurisdição, assim se manifestou:

"Apesar do paciente estar afastado de suas atividades de sacerdote, isso não garante que, uma vez em liberdade, não retornará a delinquir (...)

Além disso, não há dúvidas de que a segregação é necessária para proteger a produção da prova, já que o paciente, na condição de sacerdote da comunidade, poderá influenciar testemunhas". (fl.105)

Dessa feita, em que pesem as considerações efetuadas pelo impetrante, entendo que a concessão da ordem contrapõe-se ao interesse maior da sociedade e da própria Justiça, sendo a segregação necessária, sobretudo para garantia da ordem pública e para conveniência da instrução criminal.

Em caso análogo, recentemente julgou o Superior Tribunal de Justiça:

"HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR (6 X) E TENTATIVA DE ESTUPRO, AMBOS COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA. TRÊS VÍTIMAS MENORES 14 ANOS. PRISÃO PREVENTIVA EM 17.02.08. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA A CUSTÓDIA CAUTELAR. DECRETO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. PADRE CATÓLICO QUE EXERCE RELEVANTE INFLUÊNCIA EM RELAÇÃO ÀS VÍTIMAS E SEUS FAMILIARES. [...] PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA, NO ENTANTO. 1. Sendo induvidosa a ocorrência do crime e presentes suficientes indícios de sua autoria, não há ilegalidade na decisão que determina a custódia cautelar do paciente, se presentes os temores receados pelo art. 312 do CPP. 2. In casu, além de comprovada a materialidade do delito e de indícios suficientes de autoria, a prisão cautelar foi decretada por conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal, uma vez que o ora paciente, que é padre católico, exerce grande influência em relação a uma das menores e sua mãe, que sabia dos fatos e, por conta deles, recebia ajuda financeira. Ademais, o ora paciente possui vários endereços, o que pode dificultar a sua localização durante a instrução processual.3. [.. .] 4. Ordem denegada, em que pese o parecer ministerial em sentido contrário. (Habeas Corpus n. 106.903 - 2008/0110132-8 RS; Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. 18-6-2009). (grifado)

"HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO FUNDAMENTADO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E INSTRUÇÃO CRIMINAL.PERICULOSIDADE CONCRETA DO PACIENTE. PRISÃO DOMICILIAR.INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. O Tribunal de origem demonstrou de forma concreta os motivos que justificam a imposição da medida extrema, notadamente na garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal, levando em conta a periculosidade do acusado, que abusou, além da vítima, na época com 12 anos de idade, de outras meninas, que só vieram a noticiar o fato após a instauração do presente feito, havendo nos autos, ademais, prova da reiteração da conduta criminosa, bem como notícia de ameaças proferidas por ele contra a vítima e testemunhas, inexistindo, assim, o alegado constrangimento ilegal. 2. As condições pessoais favoráveis do paciente, além do fato de ter 76 anos de idade, por si sós, não inviabilizam a decretação da segregação antecipada, se existirem nos autos outros elementos capazes de autorizar a adoção da providência extrema. 3. Pacífico o entendimento desta Corte de que para se inserir o réu preso cautelarmente em regime domiciliar é imprescindível a comprovação de que esteja acometido de doença grave e inexistam condições do estabelecimento prisional de prestar a devida assistência médica. 4. Habeas corpus denegado". (HC 194.502/SP, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 14/06/2011, DJe 01/07/2011) grifei.

Nesta esteira, vê-se que a manutenção da segregação do paciente está escorada nos permissivos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal, devendo-se observar, outrossim, o princípio da confiança no juiz da causa que, por estar mais próximo dos fatos, tem, sem dúvida, maior noção da necessidade da prisão cautelar.

Ademais, tem-se que os bons antecedentes, residência fixa e ocupação definida, em que pese sejam elementos que podem e devem ser considerados pelo Juiz ao analisar a segregação cautelar, não são suficientes, por si só, para conceder a benesse pretendida, podendo a medida excepcional ser decretada quando presentes seus pressupostos. Assim, os "bons antecentes, residência fixa e ocupação definida. elementos que, de per si, não autorizam a concessão da benesse". (Habeas Corpus n. 2011.082415-0, de Braço do Norte, Relator: Des. Volnei Celso Tomazini, j. 8.11.2011).

A respeito, menciona-se julgados desta corte:

"[...] REQUISITOS PARA A MANUTENÇÃO DA SEGREGAÇÃO PRESENTES. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRISÃO CAUTELAR NECESSÁRIA PARA GARANTIR A ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. BONS ANTECEDENTES, RESIDÊNCIA FIXA, OCUPAÇÃO DEFINIDA E PRIMARIEDADE. ELEMENTOS QUE, DE PER SI, NÃO AUTORIZAM A CONCESSÃO DA BENESSE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA (Habeas Corpus n. 2010.005801-9, de Dionísio Cerqueira, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, Primeira Câmara Criminal, j. 26/03/2010).

[...] II - O fato de a paciente não ostentar antecedentes criminais e possuir residência fixa, por si só, não justificam o afastamento da segregação cautelar, quando presentes os requisitos para tanto. III - A manutenção da custódia cautelar do paciente não fere o princípio constitucional da presunção de inocência, pois devidamente contemplados, no caso em tela, os pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal, tratando-se de hipótese ressalvada pelo próprio constituinte originário (CF/88, art. 5º, LXI), desde que suas razões venham expressamente fundamentadas pela autoridade competente. (Habeas Corpus n. 2011.087512-6, de Biguaçu, Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva, j. 5.12.2011).

E ainda, colaciona-se julgado do Superior Tribunal de Justiça, do eminente Ministro Catarinense Jorge Mussi:

"HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRISÃO PREVENTIVA. MODUS OPERANDI. GRAVIDADE CONCRETA DOS DELITOS. PERICULOSIDADE DO AGENTE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. COMPROMETIMENTO DA PROVA TESTEMUNHAL. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E APLICAÇÃO DA LEI PENAL. SEGREGAÇÃO JUSTIFICADA E NECESSÁRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA". 1. Não há que se falar em constrangimento ilegal quando evidenciada a imprescindibilidade da segregação preventiva para a garantia da ordem pública, em razão da gravidade concreta dos delitos em tese praticados - estupros praticados contra criança de apenas 4 anos de idade - e da periculosidade do agente, e quando há notícia do potencial comprometimento da prova testemunhal caso o acusado seja posto em liberdade. 2. Condições pessoais, mesmo que favoráveis, não têm, em princípio, o condão de, por si sós, garantirem a concessão de liberdade provisória, se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a necessidade da custódia antecipada, como ocorre in casu. 3. Habeas corpus denegado. (HC 180.879/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 18/05/2011).

De mais a mais, a manutenção da segregação não significa desrespeito ao princípio constitucional de presunção de inocência, quando presentes seus pressupostos, como o caso em apreço.

Este Tribunal já decidiu:

[...] A pretendida aplicação do princípio da presunção de inocência não é cabida, pois por demais sabido que tal preceito constitucional não impede a medida cautelar uma vez ocorrentes qualquer dos pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Ora, a própria Constituição Federal faz previsão da possibilidade da prisão exceção, seja preventiva, seja nos casos de flagrante, o que não torna soberano o princípio invocado. (Habeas Corpus n. 2005.022101-8, de Campo Erê. Rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 30-8-2005).

Por todo o exposto, entendo que são inaplicáveis no caso em apreço as medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal.

Assim sendo, não há como conceder a medida pleiteada ante a legalidade da manutenção da prisão do paciente.

Ante o exposto, voto pela denegação da ordem, bem como para que seja sugerido ao Magistrado a quo verifique a possibilidade de colocar o paciente em cela especial, em razão de ter essa condição assentada em Lei e, caso não seja possível, o recolhimento em prisão domiciliar.

Este é o voto.

Declaração de voto vencido do Exmo. Des. Jorge Schaefer Martins

Ementa Aditiva:

CRIMES SEXUAIS. PRISÃO PREVENTIVA. PEDIDO DE REVOGAÇÃO INDEFERIDO. MANUTENÇÃO DA MEDIDA EXTREMA COM FUNDAMENTO NA CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA .

ARGUMENTO DA CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO QUE NÃO SE SUSTENTA NO CASO CONCRETO. AFIRMAÇÃO DE RISCO À HIGIDEZ DA COLETA DA PROVA DECORRENTE DA CONDIÇÃO PESSOAL DO PACIENTE, DA RELEVÂNCIA DA INSTITUIÇÃO NA QUAL ESTÁ INSERIDO, COMO DO INTERESSE DE PESSOAS À ELA VINCULADAS EM PRESERVÁ-LA. CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO PODEM SER ATRIBUÍDAS À PESSOA DO PACIENTE, E QUE, EM TESE, PODERIAM SE VERIFICAR, INDEPENDENTEMENTE DE SEU APRISIONAMENTO.

A conveniência da instrução criminal estará configurada como fundamento da prisão preventiva, quando houver indicação, embasada em elementos concretos, de que o réu, em liberdade, poderá criar obstáculos de qualquer ordem à apuração da verdade. Eventual possibilidade de que terceiros venham a influir no ânimo de testemunhas, sem a demonstração inequívoca de sua ação nesse sentido, como conclusão decorrente de hipotético posicionamento do Igreja, não permite a validação do raciocínio.

GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. MENÇÃO À ILÍCITO PENAL PRATICADO CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE, COM INDICAÇÃO TESTEMUNHAL DE QUE NO PASSADO, EPISÓDIOS SEMELHANTES TERIAM OCORRIDO. INDICAÇÃO DE NECESSIDADE DE SE EVITAR A REITERAÇÃO CRIMINOSA. OBSERVÂNCIA, TODAVIA, DE PECULIARIDADE DO CASO CONCRETO. SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES ECLESIÁSTICAS E DETERMINAÇÃO DE REMOÇÃO E RECOLHIMENTO EM ESTABELECIMENTO RELIGIOSO. MEDIDAS PREVENTIVAS IGUALMENTE APTAS A IMPEDIR O SUPOSTO RISCO DE RECALCITRÂNCIA. REFLEXÃO ACERCA DA SUFICIÊNCIA DE MEDIDAS CAUTELARES PRECONIZADAS NO ART. 319, DO CPP.

É lícito supor, quando há indicação da ocorrência de prática criminosa e notícias de fatos assemelhados praticados no passado, seja necessária a segregação para evitar a reiteração. Todavia, presentes circunstâncias específicas, consistentes em determinação superior de afastamento das funções e respectivo recolhimento pelo superior hierárquico, impõe-se a análise da questão sob o prisma da cautelaridade com suporte nas medidas diversas da prisão previstas no Código de Processo Penal.

OBRIGAÇÃO DE COMPARECIMENTO OBRIGATÓRIO A JUÍZO, PROIBIÇÃO DE CONTATO COM PESSOAS DETERMINADAS, DE AUSÊNCIA DA COMARCA E DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DOMICILIAR, QUE SUPREM A MEDIDA COERCITIVA DA PRISÃO.

A nova ótica do processo penal ditada pela reforma contida no bojo da Lei n. 12.403/2011, determina que se busque observar se medidas outras que não a prisão, não se mostram suficientes para o acautelamento social ou do próprio processo. Cuida-se de legislação que confirma, ainda mais, a prisão como ultima ratio, buscando evitar o encarceramento provisório quando seja possível substituí-lo. Constatada a suficiência da substituição, imperiosa a transmudação da prisão cautelar em medidas cautelares diversas da prisão

VOTO PELA CONCESSÃO DA ORDEM, COM APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES.

Na sessão de julgamento, dissenti da douta maioria, que concluiu pela necessidade de manutenção do decreto preventivo exarado em primeiro grau, concordando com os argumentos orais trazidos pelos impetrantes e com a motivação, igualmente apresentada oralmente, pelo dr. Ernani Guetten de Almeida, Procurador de Justiça.

Não obstante reconheça que o Juiz de Direito, ao apreciar a situação que lhe foi apresentada tenha agido com extremo cuidado, tendo explanado de forma absolutamente clara os seus pontos de vista - o que não permite se possa dizer que a decisão carecesse de fundamentação -, tenho que os argumentos declinados não se sustentam.

Explicito.

A autoridade judiciária de primeiro grau, ao decretar a prisão preventiva do paciente, manifestou-se no sentido de entender imprescindível o aprisionamento do paciente P. B., pois convinha à salvaguarda da instrução criminal, assim como se constituía em medida que garantia a ordem pública, na medida em que prevenia a reiteração criminosa.

Quanto ao argumento da conveniência da instrução criminal, já tive a oportunidade de frisar que:

A conveniência da instrução criminal está direta e indissoluvelmente ligada à coleta dos informes necessários à apuração da verdade. Havendo demonstração de que, de alguma forma, o indiciado ou acusado poderá vir a obstá-la, seja por buscar alterar a prova, como frustá-la ou impedir sua produção, utilizando-se para isso de sua condição pessoal e social, de artifícios econômicos ou mesmo de violência ou grave ameaça, viável será a decretação.

Importante frisar que este argumento somente pode ser aceito quando ainda estiver pendente a produção da prova, ou seja, quando ainda houver a possibilidade de se obter informes por intermédio de alguma das modalidades probantes admissível no conserto jurídico-processual penal, no processo-crime. Isso determina a afirmação de que encerrada a instrução, estando pendente o processo apenas da manifestação das partes e prolação da decisão judicial, não mais há de se cogitar da continuidade da prisão sob esse fundamento (Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2008, p. 111 e 112).

Sua Excelência, ao motivar o aprisionamento por esse fundamento, justificou:

Como dito, o representado, pároco da Igreja Católica de Forquilhinha, está inserido numa sociedade preponderantemente adepta à sua religião, status que lhe confere certa confiança e credibilidade na cidade. Além disso, não se pode olvidar o próprio poder de persuasão que as religiões exercem sobre as pessoas. Tais circunstâncias evidenciam a possibilidade do representado, pessoas a si ligadas e até a própria igreja de buscarem influenciar nos depoimentos de vítimas e testemunhas, tendo em conta a busca de se preservar a imagem da instituição e do próprio sacerdote envolvido. Deve-se ressaltar, outrossim, que as próprias vítimas possuem ligação com a Igreja aqui gerenciada até o momento pelo pároco representado (fl. 40 dos autos apensados).

Não há crítica a fazer à preocupação do magistrado em preservar a higidez da prova. Todavia, o raciocínio empregado parte de suposições, iniciando pela ilação de que o paciente pudesse vir a influir na coleta da prova, sem que exista fato concreto a justificar a conclusão. Em seguida, menciona o círculo de pessoas a ele ligadas, e mesmo a instituição na qual está inserido. No que tange às pessoas que tem relações com o paciente, trata-se, novamente, de conjectura, uma vez que não houve menção à situação específica, apenas uma dedução livre do ínclito Juiz, com suporte na posição por ele ocupada. Além disso, não seria suficiente para justificar o encarceramento do paciente a atuação de terceiros, desde que não demonstrada a sua interferência em prol desse objetivo. Por último, a intervenção da Igreja Católica em favor do paciente também não encontra respaldo nos autos, pois ao contrário, a ação por ela levada a efeito foi exatamente no sentido oposto, pois suspendeu-o do uso da Ordem (fls. 62 e 63 dos autos apensados) e determinou sua remoção e recolhimento, caso "relaxada" sua prisão preventiva (fl. 64 dos mesmos autos).

Aliás, é de se dizer que a Igreja não está em julgamento, muito menos a sociedade formada por seus adeptos. A religião é um componente da sociedade humana e, em nosso país, a convivência pacífica entre as mais diversas crenças, ou mesmo o sincretismo religioso, é condição de todos conhecida. Sendo assim, a profissão de fé em um ou outro sentido, a simpatia ou antipatia contra qualquer tipo de crença, não pode ser tida como razão motivadora do aprisionamento de quem quer que seja, em face do que seus partidários possam pensar ou fazer. Em conclusão a tal linha de raciocínio, deve-se acrescentar que o risco apontado na decisão, se é que existente, poderia vir a ocorrer estando o paciente preso ou solto, em face de não depender de suas atitudes.

Assim, não se sustenta o fundamento da prisão preventiva calcado na conveniência da instrução criminal.

Quanto ao segundo fundamento enfatiza-se, em primeiro lugar, que a garantia da ordem pública restará configurada quando se mostrar possível concluir, ante o conjunto de elementos trazidos aos autos, cuidar-se de indivíduo com inclinação para práticas delituosas, o que se poderá aferir pelas condutas havidas em seu passado e registradas em ações penais ou investigações policiais, ou concluir em razão da periculosidade da conduta quando da prática criminosa, a qual demonstra o caráter perverso e sua periculosidade, enfim, quando for viável observar e afirmar que a manutenção em liberdade colocará em risco a tranquilidade no meio social (Apud Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 110).

Na hipótese dos autos, a indicação da possibilidade de reiteração criminosa esteve calcada em depoimentos coletados pela autoridade policial, dando conta da possibilidade de ocorrência, em oportunidades pretéritas, de fatos assemelhados aos que estavam sendo apurados no inquérito policial. Concluiu o magistrado de primeiro grau, e diga-se, com boa dose de acerto em face dos informes que lhe foram disponibilizados, estar configurada a necessidade de assegurar a quebra de continuidade em eventos daquela natureza.

Mas apesar de não se apontar equívoco na conclusão, fatos outros existem e determinam obrigatória reflexão: houve ação da Igreja Católica, suspendendo o paciente de suas atribuições, além de determinar sua remoção e recolhimento. Presente essa circunstância, obrigatória a verificação da indispensabilidade do aprisionamento ante o fato peculiar - afastamento das atividades e possibilidade da própria instituição recolher o indigitado autor do crime -, como em face da nova ótica determinada pela Lei n. 12.403/2011.

É de geral sabença que o Estado, por intermédio do Juiz, está autorizado a confrontar o direito à liberdade e a presunção de inocência, pondo em destaque, no caso concreto, o interesse geral da Sociedade, mas ao fazê-lo, não pode esquecer que a liberdade é a regra, o aprisionamento cautelar a exceção (Apud Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 168).

A linha de que a prisão provisória é a ultima ratio, ficou ainda mais evidenciada após a entrada em vigor da Lei n. 12.403/2011 (que trata da prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares), buscando-se privilegiar a aplicação de medidas diversas do enclausuramento, tanto quanto possível.

Na hipótese, como já mencionado, existe determinação de superior hierárquico do paciente, no sentido de ser ele recolhido, além de afastado de suas atividades habituais. Tendo-se o receio de que os fatos, em tese criminosos, poderiam se repetir estando ele em liberdade e no exercício de seu ofício, observa-se que seu afastamento, assim como seu recolhimento, já se constituem em providências que previnem as práticas. Assim, a convalidação de recolhimento domiciliar, agora por determinação judicial, igualmente surtiria tal efeito, pois ele e a restrição de exercício do sacerdócio, estão a afastar o paciente da atividade que lhe teria facilitado o comportamento.

Também caminha no mesmo sentido, a proibição de contato com as vítimas e demais testemunhas, e mesmo com crianças e adolescentes, de forma indiscriminada. Prevenir-se-ia, dessa forma, qualquer risco de interferência direta na prova, como a repetição dos atos incriminadores.

Por fim, a cautelaridade ainda seria complementada com a proibição de ausência da comarca (no caso a de Criciúma, uma vez que o Instituto Sagrada Família, no qual deveria ocorrer o recolhimento situa-se no município de Nova Veneza, integrante daquela comarca) e obrigação de comparecimento obrigatório ao Juízo do processo (comarca de Forquilhinhas).

Tenho, pois, que a prisão preventiva, no caso em estudo, deveria ser substituída pelas medidas cautelares mencionadas, contidas nos incisos I, III, IV e V, do art. 319 do Código de Processo Penal, com a redação ditada pela Lei n. 12.403/2011, pois com elas seriam atingidos os mesmos objetivos perseguidos pela decisão exarada pelo MM. Juiz de Direito.

Essas foram, portanto, as razões de meu dissenso.

Florianópolis, 06 de agosto de 2012.

Jorge Schaefer Martins

DESEMBARGADOR


Gabinete Desa.Subst. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer

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