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domingo, 16 de fevereiro de 2014

A Diáspora Dos Anussim Açorianos Para o Brasil Colonial

A Diáspora Dos Anussim Açorianos Para o Brasil Colonial
http://www.rabimor.org/hayym2.php

I – O TRIBUNAL DA INQUISIÇÃO EM PORTUGAL

O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição em Portugal foi instituído, definitivamente, depois de diversas tentativas, pela Bula do Papa Paulo III, em 23 de maio de 1536, isto é, quarenta anos após a "expulsão" dos judeus das terras lusitanas, em 5 de dezembro de 1496, por édito promulgado pelo Rei D.Manuel I, em Muge, próximo a Lisboa. D.Manuel, como seus antecessores, sempre protegeram os "seus" judeus, mas devido a seu interesse em casar-se com uma princesa espanhola, aceitou a condição que lhe foi imposta pela noiva: a expulsão dos judeus de Portugal. Entretanto, a vontade do rei não era essa já que os judeus emprestavam dinheiro à Coroa e lhe pagavam muitos impostos. D. Manuel disse que daria barcos para quem quisesse sair do Reino, o que foi feito para poucas famílias abastadas, entre elas as famílias de Abraham Zacuto, cosmógrafo, matemático e filósofo que aperfeiçoou as Tábuas de Navegação criando o Almanach Perpetuum, trabalho que permitiu o desenvolvimento das navegações portuguesas e a de Isaac Abravanel, banqueiro. A grande massa dos judeus de Lisboa e arredores, num total de aproximadamente vinte mil pessoas, ficou "a ver navios", isto é, sem os barcos prometidos pelo rei. Era o que o monarca queria e ordenou aos sacerdotes católicos que batizassem a todos os que estavam na Ribeira à espera dos barcos que não chegaram. Os cronistas da época contam que o desespero era grande entre judeus devotos. Os infelizes judeus portugueses foram arrastados a pia batismal ou simplesmente lhes era jogada a água benta na cabeça para que se tornassem cristãos. Houve mães que jogaram seus filhos ao mar ou se suicidaram rejeitando o chamado "batismo em pé". É que os filhos até catorze anos eram arrancados dos braços das mães e entregues a famílias cristãs para adoção ou eram degredados para o arquipélago africano de São Tomé, onde grande parte morreu devido às condições inóspitas daquelas ilhas, chamadas à época as dos Crocodilos.

Foi assim o surgimento dos cristãos-novos em Portugal. Ao serem batizados, tomavam o nome do padrinho, ou traduziam seus nomes hebraicos para o português, como Jacob Shalom tornou-se Thiago da Paz, havendo transformações de nomes de toda a ordem, tornando-se hoje, mais difícil a pesquisa para se saber quem descende de judeus. Eles adotaram, praticamente, todos os sobrenomes portugueses, inclusive nomes de árvore como Carvalho, e de animais como Leão e Lobo símbolos totêmicos das tribos de Judá e de Benjamim respectivamente, Passarinho, tradução de Zippor, nomes de cidades como Porto, Lisboa, Almada além de outros critérios. Um batismo famoso foi o de Gaspar da Gama, cujo nome verdadeiro não se tem certeza, o intérprete de Pedro Álvares Cabral, o primeiro cristão-novo a pisar oficialmente o solo brasileiro. Ele foi encontrado em Angediva, Índia, em 1498, quando Vasco da Gama lá chegou pela primeira vez descobrindo o caminho para as Índias, com o nome de Yusuf Adil, dizendo-se natural da Polônia e falando vários idiomas, entre eles o espanhol. Vasco da Gama obrigou-o a ser batizado como católico, oferecendo-se como padrinho e dando-lhe, daí em diante, o nome de Gaspar da Gama. Embarcado para Portugal sem a família, já que sua mulher recusou-se ao batismo e fugiu, Gaspar tornou-se famoso na Corte portuguesa onde era conhecido como Gaspar das Índias e ganhou muitas mercês. Convocado por Cabral integrou a frota como marinheiro e intérprete, ou "língua" como chamavam na época. Mais tarde envolveu-se, Gaspar da Gama, com o contrabando proibido de Bíblias hebraicas para as sinagogas orientais, principalmente a de Cochim, a mais antiga do Oriente em funcionamento desde o Século XVI até os dias atuais. Essas bíblias, rolos contendo em hebraico os cinco primeiros livros da Bíblia e que se chamam Torá e no plural Torot, tinham sido confiscadas das sinagogas de Lisboa e de outros lugares do país. Mas Gaspar safou-se destas acusações e teve uma vida de fidalgo em Portugal. A solução dada por D. Manuel foi cruel para os judeus portugueses, que desde épocas imemoriais viviam em Portugal talvez trazidos pelos romanos. Em 1300, na tomada de Santarém aos mouros, foi encontrada uma sinagoga na Judiaria, como eram chamadas as comunidades judaicas no território luso, daquela cidade. Na verdade existiam Judiarias, também chamadas de Alfamas, ou Rua dos Judeus, em praticamente todas as cidades lusitanas. Em Lisboa chegou a existir três comunidades, cada uma com sua escola, açougue casher, que segue as leis dietéticas judaicas, sinagoga ou esnoga como denominavam os judeus lusitanos e com seu Arrabi-Mór, o rabino chefe. A comunidade judaico-portuguesa era estimada em torno de 100 mil pessoas para uma população geral de um milhão de habitantes, tendo sido acrescida em 1492, quando da expulsão dos judeus da Espanha, de outros 100 mil. Conforme estimativas da época, formavam um quinto da população portuguesa, muitos deles ricos banqueiros ou mercadores, mas, em sua maioria artesãos, alfaiates, sapateiros, armadores, boticários, médicos, ferreiros etc.

Os cristãos-novos viveram anos sem serem molestados, muitos deles praticando sua religião em casa, até o surgimento do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição em Portugal em 1536, instituição que já existia na Espanha e tomou os moldes desta. As Inquisições surgiram com as heresias praticadas no Sul da França (Cátaros e Albigenses) e mesmo na própria Roma. A heresia era tudo aquilo que contrariasse os cânones católicos, um afastamento dos dogmas da Igreja Romana. Tendo sido sempre reprimidas com força e violência pelas autoridades eclesiásticas. Morrer queimado na fogueira era a pena maior, às vezes, queimados vivos, mas na maioria das vezes já garroteados. As penas eram muitas, entre elas passar o resto da vida vestindo os Sambenitos, que eram roupões compridos com dizeres e desenhos de insígnias de fogo e demônios. Depois da morte dos penitenciados, esses Sambenitos eram pendurados nas Igrejas sempre identificados com o nome de quem os usou, para que seus descendentes ficassem com fama de judeus para o resto de suas vidas. Eram penitenciados também com a pena das galés, remando ou trabalhando nas naus, por anos ou para sempre, isto é, até morrer. A melhor pena era o desterro para o Brasil ou para as colônias portuguesas na África. Nesses territórios colonizados pelos lusitanos, os cristãos-novos tinham mais liberdade, e não enfrentaram tribunais inquisitoriais, tendo apenas recebido, como no Brasil, nas Ilhas Atlânticas (Arquipélago dos Açores, Madeira, São Tomé e Príncipe) e Angola, Visitações, que consistiam em visitas de bispos com poderes para receber denúncias de práticas das religiões: judaica, maometana, protestante, e ainda, feitiçaria, bruxaria, blasfêmia, sodomia, solicitação, e outros "delitos" menores. O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição só foi abolido em Portugal em 1820.

II – OS CRISTÃOS-NOVOS NO BRASIL

Depois do descobrimento, quando Gaspar da Gama aqui desembarcou, os cristãos-novos não pararam de chegar ao Brasil. Logo em 1502, o Brasil foi arrendado a um consórcio de comerciantes cristãos-novos comandados por Fernando de Noronha, descobridor da ilha que leva hoje seu nome. Eles exploraram, numa espécie de contrato de risco, o comércio de pau-brasil por alguns anos até que a Coroa se interessasse mais pelo novo território descoberto, uma vez que os olhos dos monarcas lusitanos estavam voltados para o Oriente, especialmente a Índia, de onde vinham as especiarias vendidas em toda a Europa. Em seguida, 1516, com a implantação das feitorias na costa e os engenhos de açúcar, chegam mais imigrantes e degredados portugueses, entre eles, muitos cristãos-novos. Os chamados degredados, em sua maioria, eram penitenciados pela Inquisição cujo delito era ter atentado contra fé católica e os costumes então vigentes e não a escória de Portugal como querem fazer crer algumas pessoas. Esses cristãos-novos conheciam o trabalho da moagem de açúcar, da Ilha da Madeira ou da Sicília, enriquecendo nesse trabalho como donos de engenhos no Nordeste brasileiro. Esta riqueza talvez tenha sido o fato que despertou a cobiça do tribunal inquisitorial que tentou, mas não conseguiu ser implantado no país. O que de fato ocorreu foram as Visitações do Santo Ofício, sendo a primeira em 1591-1595 na Bahia e em Pernambuco, chefiada por Heitor Furtado de Mendonça. Seguiram-se outras em 1599 e 1610, em Olinda e Salvador, respectivamente, quando foram denunciados e presos centenas de cristãos-novos. Durante esse período, em 1605, houve um grande perdão geral em Portugal aos cristãos-novos, permitindo, inclusive, sua saída legal do país para as colônias. Em 1618, o bispo visitador D. Marcos Teixeira, recebeu a denúncia de 134 pessoas, sendo 90 delas pela prática do Judaísmo. Entre eles estava Simão Nunes de Mattos, que além de judaizar, praticar a religião judaica, possuía uma Sefer Torá, livro sagrado dos judeus. Foi denunciado também por ter colocado uma moeda na boca do falecido costume esse adquirido dos gregos da lenda da moeda de Caronte, Gaspar Dias de Moura, em seu velório num engenho de açúcar.

No período holandês em Pernambuco, quando havia liberdade de culto, floresceu uma comunidade judaica portuguesa em Recife, com duas sinagogas a Zur Kadosh Israel, a primeira das três Américas comandada pelo famoso rabino Isaac Aboab da Fonseca, natural de Castro D'Aire, Portugal, que escreveu o primeiro poema em hebraico nas Américas era um dos inúmeros exilados em Amsterdã, como outros judeus portugueses e espanhóis que lá encontraram grande liberdade e prosperidade. Existe ainda hoje em perfeitas condições a Grande sinagoga de Amsterdã, conhecida como a Esnoga da Portugees Israelitisch Gemeente (Comunidade Israelita Portuguesa, em Neerlandês). A outra sinagoga de Recife, em Mauricia, era a Maguen Abraham dirigida pelo rabino Moses Raphael de Aguilar. Calcula-se que havia nas duas comunidades recifenses 600 pessoas que professavam a religião judaica. Embora existissem muitos cristãos-novos no Nordeste brasileiro, poucos retornaram a fé de seus ancestrais, a maioria ficou com o temor de os portugueses expulsarem os holandeses, fato que terminou ocorrendo, para não serem novamente perseguidos. Com a expulsão dos batavos, muitos judeus retornaram a Holanda, se internaram nos sertões nordestinos ou se dirigiram para suas colônias americanas, como Suriname, Curaçao, e outras ilhas do Caribe além de Nova Amsterdã, a atual Nova York. Teriam sido 23 judeus saídos de Recife os fundadores da primeira comunidade judaica dos Estados Unidos existente ainda hoje, a Shearith Israel. Como prova, existe uma lousa no cemitério comunal onde se lê o nome de Benjamin Bueno de Mesquita, um dos ex-moradores do Recife holandês. Proveniente de Amsterdã, Manuel Viegas vivia no Espírito Santo onde cuidava dos negócios de seu pai Antonio Martins Viegas residente na capital holandesa. Viegas Júnior, como era conhecido, foi solicitado, em 19 de abril de 1627, pelo comerciante holandês Leonard De Beer, a ajudar seu compatriota Dirck Pietersz que estava no Brasil para carregar um navio com madeira, conforme nos relatam os arquivos notariais de Amsterdã.

Passado o ciclo holandês, as perseguições aos cristãos-novos no Brasil recrudesceram, quando muitos foram levados presos para a Metrópole, e depois uma parte deles foi "relaxada ao braço secular", isto é, condenados à morte na fogueira depois dos Autos-de-Fé. Estas cerimônias eram procissões de condenados trajando os sambenitos e chapéus cônicos (as carochas), com uma vela numa das mãos, transformadas em espetáculos populares assistidos inclusive pela realeza, nobreza e autoridades eclesiásticas. Era o espetáculo dos horrores de uma época de intolerância religiosa e de pensamento que avassalava a nação lusitana. As fogueiras ardendo na Ribeira, geralmente nas madrugadas, tiraram a vida de pessoas que queriam somente ter a liberdade de consciência. O mais famoso condenado brasileiro foi o advogado, poeta e dramaturgo Antonio José da Silva, de alcunha "O Judeu", nascido no Rio de Janeiro em 1705, de família cristã-nova da classe média e pertencente à comunidade judaizante do Rio de Janeiro, com centenas de integrantes da qual faziam parte muitos senhores de engenho, mercadores e autoridades. Toda sua família foi presa e levada para Lisboa, onde depois de o terem prendido pela segunda vez, foi condenado à morte na fogueira aos 34 anos de idade. Ele chegou a estudar Direito em Coimbra, porém ficou famoso por suas obras no teatro de fantoches do Bairro Alto de Lisboa, sendo considerado, hoje, um clássico da literatura portuguesa. Foi garroteado e queimado na Ribeira, em Lisboa, aos 18 de outubro de 1739, mais de dois anos após a fundação do Rio Grande de São Pedro, feita em 19 de fevereiro de 1737, pelo brigadeiro José da Silva Pais. Isto prova que enquanto o Rio Grande do Sul estava nascendo e povoado, as fogueiras da Inquisição ainda crepitavam...

Além dos Estados do Nordeste brasileiro, havia cristãos-novos em todo o Brasil, ou como dizem alguns historiadores em todos os poros da colonização portuguesa, mas digo ainda mais, eles estiveram e alguns descendentes ainda estão, em todas as partes do mundo. Foram estudadas até agora as comunidades do Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo e Minas Gerais, principalmente durante o Ciclo do Ouro e do Diamante. A região Sul, como sendo mais recente na formação brasileira, ficou meio esquecida de nossas universidades e seus pesquisadores. Eu sei que é árdua a missão, entretanto depois de trinta anos de pesquisa sobre esse tema posso dizer que vejo uma luz no fim do túnel. Os cristãos-novos vieram para o Sul com os bandeirantes, pela imigração de Portugal e principalmente pela imigração proveniente dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira. Nos estudos do Prof. José Gonçalves Salvador, catedrático da USP-Universidade de São Paulo, estão desvendadas muitas atitudes de bandeirantes e mesmo confissões de fé judaica. O professor demonstra com clareza, quer através de genealogias, de costumes praticados, de documentação inédita por ele compulsada nos Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, que os cristãos-novos, judaizantes ou não, influenciaram muito a formação de nosso país. Ao bandeirante Raposo Tavares, cuja mãe Maria Pinheiro da Costa era uma cristã-nova da cidade de Beja no Alentejo, foi-lhe perguntado pelo padre espanhol Cristóbal de Mendoza, em Jesus-Maria, povoação arrasada por ele no território do atual Estado do Rio Grande do Sul, "acerca do título que se estribara para lhes mover guerra, declarou que 'pelo título que Deus lhe dava pelos livros de Moisés". Outros bandeirantes citados por Salvador como de etnia hebraica: André Fernandes, João e Manuel Preto filhos de Amador Bueno (dos judeus Boino da Espanha); Belchior Dias Carneiro, Manuel Pires e Jerônimo Pedroso de Barros. Fernão Dias Paes Leme não era dessa etnia, mas era casado com uma cristã-nova. Todos com passagem pelo território gaúcho.

Cristãos-Novos açorianos e madeirenses no Brasil

Eram numerosos os cristãos-novos portugueses que se movimentavam da Metrópole para as colônias, mercadejando ou simplesmente imigrando para lugares mais seguros para as suas famílias, e as ilhas atlânticas não foram exceções. Os judeus portugueses estiveram, como já disseram alguns historiadores, em todos os poros da colonização portuguesa. Eu diria que eles trilharam por todos os cantos do planeta, e ainda hoje são encontrados seus vestígios nos mais distantes ou diferentes países. Sem contar as colônias do Caribe, as Índias de Castela, a América do Norte e as colônias africanas. Os próprios judeus açorianos estão presentes em todo lado. Vem para o Brasil no final do século XVII o cristão-novo Pedro Fernandes de Mello, comerciante da Ilha de São Miguel. Com o perdão de 1605, muitos se aproveitam para saírem de Portugal, indo muitos para a Holanda. Entretanto em 16l8, chega à Ilha Terceira um barco com 40 judeus portugueses provenientes da Holanda, entre eles Antonio Rodrigues Pardo. De São Miguel, chega ao Rio de Janeiro o mercador judeu Manuel Homem de Carvalho, da família Homem de Almeida que teve como mártir em Coimbra o Dr. Antonio Homem, líder religioso dos judaizantes. Manuel confessou ter retornado ao Judaísmo na Holanda onde havia estado. Um pouco antes de 1600, vêm para a Bahia os cristãos-novos terceirenses Antonio Rodrigues Pardo e Pero Garcia. Em 1592, o Pe. Jerônimo Teixeira Cabral, comissário da Inquisição nos Açores, denuncia a infiltração de cristãos-novos na Igreja como clérigos. Muitos partidários de D. Antonio Prior do Crato, pretendente ao trono português, e de etnia hebraica, são expulsos da Ilha por Felipe II da Espanha, então detentor das duas coroas Ibéricas, que fugiram para os Países Baixos e para o Brasil. Entre eles, Manuel Serrão Botelho, que chega ao Brasil logo após 1582. Um contratador dos Açores foi o cristão-novo Miguel Gomes Bravo, natural do Porto que nomeou como arrendatário o cristão-novo Francisco Bocarro. Miguel veio para o Brasil em 1585, e em 16l0 vai morar no Rio de Janeiro. Era casado com Isabel Pedrosa de Gouveia, tendo grande descendência. Álvaro Fernandes Teixeira, natural da Ilha Terceira, cristão-novo casado com Maria de Azevedo, filha do cristão-novo Diogo Cristóvão, do Porto, e seus parentes vieram residir no Rio de Janeiro no século XVII. Da ilha de São Miguel, vem residir na mesma cidade o cristão-novo Pedro Fernandes de Mello, casado com a congênere Ana Garcia de origem espanhola. Diogo Teixeira de Azevedo, cristão-novo nascido no Rio de Janeiro e filho do casal da Ilha Terceira, Álvaro Fernandes Teixeira e Maria de Azevedo, foi preso pela Inquisição e saiu em Auto-de-Fé em Lisboa em 5 de abril de 1620, condenado a hábito penitencial e cárcere a arbítrio terminou solto em junho daquele mesmo ano .

III – CRISTÃOS-NOVOS NOS AÇORES

Nos primórdios da colonização

O Arquipélago dos Açores formado pelas nove ilhas, São Miguel, Terceira, Faial, São Jorge, Santa Maria, Pico, Flores, Graciosa e Corvo, descoberto pelo navegador Diogo de Silves em 1427, e depois povoado pelo frei Gonçalo Velho Cabral com portugueses do continente, seguidos por famílias flamengas (belgas e holandesas), francesas, inglesas e de outras minorias étnicas, foi abrigo, também, dos cristãos-novos fugitivos da Inquisição. A presença judaica nos Açores é anotada pelo grande historiador, de origem judaica, Alexandre Herculano, em sua monumental obra "História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal" à página 80 do volume I, como fato ocorrido em 1501: "uma caravela lotada de cristãos-novos, que saíra de Portugal para a África, batida pelos temporais arribou aos Açores, e os infelizes passageiros, presos aí e condenados depois a serem escravos, foram dados de presente por El Rey a Vasqueanes Corte-Real". O historiador Alfredo da Silva Sampaio também cita o mesmo naufrágio na Ilha Terceira, diz ele: "em 1501 aportaram a Ilha Terceira náufragos hebraicos fugindo à perseguição". Em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, há uma freguesia denominada Porto Judeu, cujo nome é explicado pelos moradores que, em épocas passadas, o mar estava bravio e então, passaram a chamar o lugar de "judeu". Mas esta explicação e este significado, embora usado por pescadores de origem açoriana em Santa Catarina, não convence. Aquela localidade pode ter sido o local onde tantos cristãos-novos desembarcaram como náufragos ou não. O navio citado por Herculano e Sampaio não é o único citado em documentação. Outro barco é mencionado na "Carta de Gaspar Dias de Landim, a El Rey, sobre a prisão de indivíduos que fugiam à Inquisição, de 19 de novembro de 1548", onde descreve: "Senhor – Eu tenho escrito a V.A. como há muitos dias estou neste porto esperando Pero Vaz de Siqueira, pêra me pasar aos luguares a fazer os paguamentos, como me V.A. mamda," e em seguida cita "...a dez de novembro tomou a justiça desta vila ( Santa Maria) na barra embarcados em hua nao, dezanove omens em que yão molheres e moços, os quais yãm na via de Veneza; acharão-lhe pouquo dinheiro, comtia de dozentos cruzados e algum fato (roupa);são de Lixboa, çapateiros, e tudo um casal de filhos e gemros, ficam presos por parte da santa Imquisição. O Senhor Deos acrecente a vida e real estado de V.A.; do porto de Santa Maria ( Açores) a XIX ( 19) de novembro de 548 (1548) – Gaspar Dias de Landim – sobre scripto – A elrey nosso senhor". (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte 1ª, maço 81 n° 85).

O mesmo Sampaio, já mencionado, diz que, em 1558, a comunidade cristã-nova dos Açores pagou 150.000 cruzeiros exigido pela rainha regente Dona Catarina para prover as armadas da Índia. Em troca, D. Catarina prorrogou a pena de confisco de bens aos cristãos-novos por dez anos.

A ação inquisitorial nos Açores

Em 1592, o Inquisidor nos Açores Pe. Jerônimo Teixeira Cabral, denuncia a infiltração de cristãos-novos na Igreja como clérigos. A primeira ação inquisitorial nos Açores foi em 1555, quando o bispo de Angra, D. Frei Jorge de Santiago mandou verificar vários casos de Judaísmo, mandando prender alguns homens e enviá-los para Lisboa. Dois anos após foram enviadas para Lisboa 22 pessoas acusadas de práticas judaicas. São elas: Ana Lopes; André Moniz; Antonio Fernandes; Branca Dias, Cecília Rodrigues, Diogo Lopes; Fernão Lobo; Francisco Lopes; Mestre Gabriel; Gabriel de Andrade; Henrique Ribeiro; Inês Dias; Isabel Mendes; Isabel Moniz; Isabel Pinta; João Tomás; Jorge Álvares; Manuel Álvares; Rui Dias; Rui Fernandes e Violante Henriques. Logo seguiram para a capital da Metrópole: Pero Galvão; Antonio Carvalhais; Jácome Gonçalves e Maria Dias. Já em 1608 começava a ser montada a rede de funcionários inquisitoriais. Iniciando pelos Comissários do Santo Ofício, e logo em 1612 a dos Familiares (os esbirros mais infames). Entretanto, desde 1597, já atuava como Comissário da Inquisição em Ponta Delgada o pe. Luís Pinheiro, reitor da residência da Companhia de Jesus e, como primeiro Familiar, o tanoeiro Pero Fernandes, residente em Ponta Delgada. E, em Angra, atuava como Comissário o Pe. Francisco Valente, reitor do Colégio Jesuíta. Para a Ilha do Faial, somente em 1749 foi nomeado Comissário o frei José de Santo Antonio de Pádua. Existiram comissários do Santo Ofício no arquipélago açoriano até 1806 quando, então, perseguiam os franco-maçons. Outros burocratas da Inquisição eram os Notários, os Qualificadores e os Visitadores das Naus. Havia também o trabalho de redução de estrangeiros, que procuravam converter para o catolicismo como foi o caso da família inglesa Fisher, residente no arquipélago. A primeira Visitação ao arquipélago foi a de D. Marcos Teixeira entre 1575-1576, o mesmo que esteve no Nordeste do Brasil. Ele visitou as ilhas de São Miguel, Terceira e Faial. A segunda foi em 1592, feita por D. Jerônimo Teixeira Cabral, tendo visitado as ilhas Terceira e São Miguel. Já a terceira e derradeira visita, foi realizada entre 1619-1620, por D. Francisco Cardoso do Torneio, que esteve nas ilhas de São Miguel e Terceira. Do total de 354 pessoas denunciadas, 172 foram por Judaísmo que, somadas às 27 prisões de 1555-1557, totalizam 199 cristãos-novos denunciados nos Açores. Foram gerados 114 processos entre 1557 e 1802, envolvendo 112 pessoas, sendo apenas 26 pela "heresia judaica". E, destes, somente 10 foram enviados a Lisboa, e apenas três condenados à morte na fogueira. Os condenados à pena capital foram: Leonor Marques, em 1584; Antonio Borges, em 1559 e Maria Lopes, em 1576.

A produção maior do arquipélago açoriano nessa época era o trigo, o linho, o vinho a urzela, uma tintura de cor castanha e o pastel, tintura em tom de azul, largamente utilizadas nas indústrias têxteis de Flandres para onde eram exportadas. Este comércio chamava a atenção de cristãos-novos como Duarte da Silva, rico comerciante de Lisboa. Ele mantinha nos Açores os agentes: Simão Lopes, na ilha do Faial, João de Afonseca Chacon e ilha Terceira Pero Martins Negrão, todos da grei judaica. O comércio do ouro, da prata das Índias de Castela e o açúcar da Madeira despertam o interesse dos judeus portugueses de Amsterdã, Londres, Bordéus, Hamburgo e também seus parentes residentes em Portugal colônias. Era o começo do século XVII e os mercadores Belchior Gomes de Leão e Diogo Lopes de Andrade agem neste contexto principalmente na Madeira. De Rouen, França, o judeu Simão Lopes Maciel, de família cristã-nova fugitiva da Inquisição portuguesa, desenvolveu uma rede de comércio internacional colocando na Madeira como representantes seus os congêneres Bento de Matos Coutinho e Diogo Fernandes Branco. Na Ilha Terceira mantinha os cristãos-novos Antonio Dias Homem e Bento Fernandes Homem. Para o Brasil designou o correligionário Belchior Rodrigues Ribeiro. Viviam como judeus em Amsterdã os madeirenses Jerônimo de Andrade e Manuel Cardoso ambos com suas famílias. Outro comerciante judeu português que comerciava com os Açores a partir de Amsterdã foi Jerônimo Doria de Andrade conforme registros no Arquivo Municipal daquela capital holandesa em 18 de março de 1627. Em Cabo Verde era fornecedor de "peças", isto é escravos negros africanos, o cristão-novo Manuel Caldeira juntamente com seu congênere Luiz de Carvalhal que atuava também em todo Golfo e rios da Guiné. Negociavam, juntamente com João Soeiro da Madeira, escravos para as Antilhas e outros países. Com negócios de ouro e prata e dono do navio "São Mateus" passa pelo Rio de Janeiro e vai ao Prata, o mercador judeu português Bartolomeu Rodrigues, em 1609. Em Buenos Aires desde o início da colonização, mas principalmente em 1618, quando chega ali chega uma embarcação lotada de cristãos-novos proveniente da Bahia, a população local é considerada de maioria portuguesa e judaica. Fato que alarmou os clérigos da cidade que solicitaram providências às autoridades da Inquisição espanhola. A explicação para a fuga de cristãos-novos brasileiros para o Prata era a de que se alarmaram com a notícia vinda de Lisboa dizendo que nova Visitação do Santo Ofício estava programada para o Brasil naquela época.
Com a quantidade de judeus portugueses em Buenos Aires o termo português tornou-se sinônimo de judeu em toda a América espanhola.

Costumes, hábitos e crenças judaicas

Os cristãos-novos encontraram nas Ilhas Atlânticas um local privilegiado para seu estabelecimento, uma vez que, ali, podiam praticar mais ou menos, livremente, seus rituais cripto-judaicos, pelo menos, longe da Inquisição, que só esteve em três das nove ilhas, como vimos. Essas crenças e costumes, resumidamente, eram os seguintes: dizer que a Lei de Moisés é mais suave e mais delgada que a de Cristo; invocar o Deus de Israel; a guarda do sábado, o Shabat, não trabalhando nesse dia; limpar candeeiros e neles colocar azeite limpo e torcidas novas às sextas-feiras, vestindo camisas lavadas e lançando lençóis limpos na cama, além de casarem nesse dia da semana; dizer orações em língua hebraica; a recusa em comer carne de porco, lebre, coelho, aves asfixiadas ou afogadas e peixe sem escama; tirar a gordura e o sangue da carne; refogar os alimentos com azeite; degolar animais cortando-o de alto a baixo com uma faca afiada e rezando uma oração e deitando fora o sangue do animal; fazer cerimônias judaicas como o jejum da Rainha Ester ou do Purim; o jejum de Yom Kippur, jejum Maior ou do Perdão, em setembro; a Páscoa do pão ázimo, o Pesah ou do cordeiro, em março; usar alguidar ou louças e utensílios novos nesses dias de festa. Além desses costumes, eram praticados os seguintes: carpir meneando o corpo e amortalhar os defuntos colocando-lhe uma moeda na mão; despejar toda a água existente na casa quando falecia alguém por acreditar que o anjo da morte lavasse a espada com que matara o falecido; lançar uma moeda ou peça de ouro na água do banho dos recém nascidos; olhar para o oriente meneando o corpo; a benção judaica e a circuncisão. E, também, o conhecimento de lendas e histórias judaicas. Toda essa tradição era transmitida à família pela via feminina. A condenada à morte na fogueira Maria Lopes, denunciada pelo filho Fernão Lopes, de praticar ritos judaicos tinha, entre seus pertences, rezas escritas em hebraico que, traduzidas, se verificou tratar, dentre outras, do Shemá Israel (Ouve ó Israel), um trecho: "Ouve ó Israel. Adonai é nosso Deus. Adonai é uno. Bendito é o nome para a eternidade e perfeição". Nem os nobres escaparam da perseguição da Inquisição nos Açores. D. Rodrigo da Câmara, Conde da Vila Franca, preso em 1650, em São Miguel, foi condenado à prisão perpétua com a perda de honras e títulos. D. José, seu filho, conseguiu herdar o título mudado para Conde da Ribeira Grande. É sabido que os Câmaras descendem todos de João Gonçalves Zarco, natural de Matosinhos, Portugal, que adotou o sobrenome Câmara de Lobos e depois somente Câmara, referindo-se a uma gruta na Ilha da Madeira que era refúgio dos leões marinhos, descobridor da Ilha da Madeira e Porto Santo. Os Zarcos descendem de família judaica espanhola, provavelmente fugida dos massacres de Sevilha de 1391. Em Portugal, convertidos ao cristianismo, logo se tornaram fidalgos e obtiveram mercês reais ao entrarem para a Ordem de Cristo, a antiga Ordem dos Templários, sediada no castelo de Tomar. Exatamente nessa cidade existe, ainda hoje, uma das duas sinagogas reconhecidas oficialmente como representantes dos antigos templos das comunidades hebraicas. A outra, é a sinagoga de Castelo de Vide, ambas transformadas em museus judaico-portugueses. O grande Fernando Pessoa, descendente de Martinho da Cunha Pessoa de Oliveira, pertencente a uma numerosa família de cristãos-novos judaizantes do Fundão, tinha conhecimento de sua origem, daí a explicação para seus heterônimos. Pessoa dedicou um poema ao Infante D. Henrique a cuja Casa pertencia João Gonçalves Zarco, navegador descobridor da ilha de Porto Santo com Tristão Vaz Teixeira (1418) e da ilha da Madeira com Bartolomeu Perestrello, navegador italiano (1419). Eis o poema que publicou em Mensagem:

O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E, viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te sagrou criou-te português. Do mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Vestígios atuais da presença judaica nos Açores

No início do século XIX, vieram para a Ilha Terceira, imigrantes judeus marroquinos, muitos deles descendentes de judeus fugitivos de Portugal. Já em 1835, constroem sinagoga e cemitério naquela ilha. A família de maior destaque é a Bensaúde, que teve e continua tendo grande influência nos Açores e Portugal até os dias atuais. Empresas de transporte, inclusive aéreo, entre as ilhas e o continente, são desta família. O presidente português Jorge Sampaio é Bensaúde por parte materna, entretanto, em sua maioria, se tornaram cristãos-novos. Nos Açores que se tenha conhecimento, existe apenas um judeu da família Waldemar, do ramo Sefaradita (ibérico), e uma senhora judia norte-americana aposentada, do ramo Asquenazita (germânico). A sinagoga está semi-destruida, bem como os três cemitérios. A família Azulay, residente no Rio de Janeiro, descende de judeus açorianos de origem marroquina.

Em 1976, o capitão-aviador norte-americano Marvin Feldman, de fé judaica e sediado na base aérea de Lajes, na Ilha Terceira, relatou na revista Herança Judaica número 26 de 1976 ao articulista Aaron Zeff ter comprado uma Torá, rolo contendo o Pentateuco hebraico, numa taberna por apenas cinco dólares, mas teve que entregá-la para as autoridades ao sair do Arquipélago. Encontrou também, um cemitério com inscrições em hebraico, mas isto se explica por ter havido nos Açores uma comunidade judaico-marroquina. Contou ter encontrado uma comunidade marrana, cripto-judaica ativa, porém clandestina. Diziam praticar o Judaísmo secretamente com medo da repressão da ditadura de Salazar. Mal sabiam eles que Salazar era descendente direto de judeus. Sua sétima avó, Catarina Salazar, cristã-nova de Coimbra residia na rua Corpo de Deus, freguesia de São Tiago. De seu lado paterno por parte dos Andrades de Trancoso, é suspeito de descender de judeus e era também cristão-novo por parte de uma avó paterna da família Gaspar, da localidade de Tábua. Recentemente, a canadense Maria Pimentel, residente em Toronto e filha de açorianos, relatou que num jornal ilhéu daquela cidade, foi publicada uma notícia do achado de uma Sefer Torá (o Pentateuco, rolos escritos em hebraico antigo em pele de carneiro), numa gruta da localidade de Rabo de Peixe, na Ilha de São Miguel. Segundo e-mail por ela enviado em 11 de novembro de 2002, a Torá teria sido levada à Europa para ser autenticada e lá teria sido datada como sendo do século XVI. Entretanto, os pesquisadores açorianos por ela contatados em sua visita ao Arquipélago, não sabiam dar maiores informações desse achado de grande importância para história judaico-portuguesa-açoriana.

IV - Cristãos-novos na Ilha da Madeira

E, em 1638, chegam à Madeira judeus portugueses provenientes de Rouen, França, na maioria da família Cáceres. Pero ficou na Madeira, Jerônimo foi para o Rio de Janeiro, enquanto Antonio ficou em Rouen. Estava assim formado um perfeito triangulo para negócios entre parentes da mesma religião. Era a globalização mercantilista em andamento e a todo vapor entre continentes e ilhas. O contrato do açúcar na Madeira está nas mãos do cristão-novo Miguel Gomes Bravo, sob fiança do correligionário Francisco Bocarro. Em 1617 numa Visitação da Inquisição à Madeira, foram denunciados os judeus: Manuel Álvares Fausto, ouvidor de Funchal; Faustino Dias, boticário; Diogo Barbosa, ourives; Bento de Matos Coutinho, licenciado; Manuel Tomás, mercador e Rabino da comunidade judaica secreta da Madeira; Luis Fernandes de Oliveira, contratador da Fazenda e Simão Roiz Rodrigues Vila Real, sogro de Luís e que teve uma irmã queimada pela Inquisição. Esses judeus madeirenses eram ativos no comércio com seus congêneres da França, Inglaterra e Holanda. Desse último país há o registro no Arquivo Notarial de Amsterdã, do contrato de três de maio de 1627, feito pelos judeus portugueses, lá refugiados, Francisco da Costa d'Elvas e Matias Rodrigues Cardoso, de fretamento do barco De Liffde pertencente ao holandês Pieter Franssen, para o transporte de mercadorias de e para a Ilha da Madeira. As Ilhas serviam de trampolim para o Caribe, o Brasil e o Rio da Prata. Talvez o judeu mais famoso nascido na Madeira tenha sido Manuel Soeiro, de família abastada de mercadores locais, que após ter passado pela França, chegou a Amsterdã, onde estudou para tornar-se o famoso Rabino Menasseh Ben Israel. Na vida laica era editor e impressor, tendo produzido grandes publicações de autores judeus portugueses e espanhóis da comunidade holandesa e alemã sefaradita. Seu Parente João Soeiro chega ao Brasil como contratador de escravos e comércio com embarcações próprias. Outro madeirense da etnia judaica foi Paulo Cardoso de Vargas que casou na Bahia com Margarida Diniz filha dos cristãos-novos Diniz Bravo e Beatriz Nunes Diniz, em 1663.

V - A Imigração Açoriana e Madeirense para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina: segredos que começam a ser desvendados

Os segredos e mistérios acerca de serem ou não descendentes de cristãos-novos, pelo menos uma parte dos imigrantes ilhéus para o sul do Brasil, no final de século XVIII, começam a ser desvendados. A própria Enciclopédia Britânica cita uma informação, não se sabendo de onde retirada, que os casais açorianos que povoaram Porto Alegre seriam cristãos-novos, isto é, judeus portugueses. Na verdade, nada ficou provado até o momento, mas como vimos anteriormente sobre a presença judaica nas Ilhas Atlânticas, é fácil deduzir que alguns casais ou cônjuges certamente eram de descendência judaica, e que trouxeram em sua bagagem uma parcela da herança judaica que conseguiram manter secretamente em seus lares. E, esse é o nosso objetivo o de levantar o véu que encobre os segredos desse passado tenebroso e que algumas pessoas gostariam que ficassem enterrados para sempre. Os reflexos tanto no Rio Grande do Sul como em Santa Catarina com certeza foram de grande efeito embora não tenham ainda sido dimensionados. Algo da cultura judaica está classificada nos estudos de folclore e considerado como tal sem conhecerem os estudiosos os traços judaicos que permaneceram vivos depois da grande devastação causada pela "Santa Inquisição". O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição pouco fez contra a grande quantidade de refugiados nas ilhas, e poucos foram os denunciados e sentenciados. Nos Açores, apenas três ilhas foram visitadas pelos esbirros inquisitoriais: São Miguel, Terceira e Faial. Os cristãos-novos que viviam nas outras ilhas nem foram molestados. Na Madeira e Porto Santo, muito poucos foram presos e condenados, e é sabido que lá existia uma grande comunidade secreta de cristãos-novos portugueses, da qual fazia parte o comerciante Domingos Mendes de Cea, notório judaizante que lá residia no final do século XIV. Como saber se haviam cristãos-novos entre os chamados "casais de número"? Os documentos existentes da época não esclarecem nada porque ninguém declarava suas crenças secretas, eis que sabedores da perseguição religiosa ainda em vigor quando da chegada ao extremo sul brasileiro. Na documentação, podemos ver apenas sutilezas e um ou outro detalhe, certamente judaico, principalmente nos inventários. Como, por exemplo, as esmolas depois da morte de pessoa da família lembrando a "Sedacá", a caridade judaica ainda hoje praticada pelos judeus de todos os ritos. É apenas um dos fatos mencionados no livro "A Vila da Serra" de Clóvis Stenzel Filho, juntamente com outros costumes judaicos existentes entre descendentes de açorianos no município de Osório no final do século XIX, quando era chamada de Conceição do Arroio.

É justamente aí, nos costumes e crenças que poderemos descobrir as origens judaicas de muitos açorianos gaúchos e catarinenses. Em Florianópolis algumas famílias de origem açoriana sabedoras de suas origens, freqüentam às vezes a sinagoga local fato que ocorre em diversos pontos do Brasil. É naquela capital, também, comum a fabricação do pão torcido, conhecido pelos judeus como "chalá". O nome Raquel é muito usado entre as filhas de descendentes de ilhéus. No Rio Grande do Sul, já temos catalogado diversos costumes judaicos praticados tanto pelas populações de descendentes de açorianos, como de luso-brasileiros provenientes de São Paulo. Só para citar alguns: o "sinu saimão" ou "sin salamão", a estrela de Salomão de cinco pontas, símbolo mágico de origem judaica e conhecido desde o Brasil colonial, é largamente usado como proteção de barcos, portais de casas e janelas, lembrando uma "mezuzá" ( caixinha contendo orações e salmos usada pelos judeus para proteção de seus lares) além de roupas de crianças recém nascidas ou como amuleto no pescoço. O bebê não pode antes de ser batizado ficar sem iluminação no quarto porque os espíritos maus podem atacá-lo. Isto é, simplesmente, a lembrança da deusa-demoníaca Lilith, que roubava e matava criancinhas, lenda do imaginário judaico levado para Portugal. Derramar a águas de todos os cântaros, após o falecimento de uma pessoa em casa, era praticado até poucos anos atrás quando não existiam torneiras no interior gaúcho. Este costume é o mais representativo da cultura religiosa judaica do rito sefaradita, constante inclusive de um Siddur (livro de orações), do qual não pode haver contestações, porque o ritual é o mesmo. O folclorista Câmara Cascudo menciona a larga prática deste costume no Nordeste além de outros tipicamente judaicos, também encontrados no Rio Grande do Sul. A coletânea destes costumes e sua prática ainda em nossos dias serão divulgadas juntamente com entrevistas e relatos contando fatos inéditos, como o Romance medieval português, Dona Silvana ou Silvaninha, preferido de judeus portugueses que se espalharam pelo mundo e o cantaram até na Bósnia-Herzegovina. Em nossos próximos trabalhos serão relatados mais detalhes desses costumes reprimidos pelo medo da Santa Inquisição e pelas repressões ditatoriais. São fatos que desagradam muita gente que preferem não lembrá-los devido ao horror desses tribunais que grassaram em diversos países da Europa, consumindo pela labareda das fogueiras a vida de milhares de pessoas inocentes, pelo simples fato de quererem ter outro credo, discordar dos dogmas cristãos vigentes ou simplesmente desejarem liberdade de consciência.

Na História do surgimento do Estado do Rio Grande do Sul, tem a mão firme de muitos cristãos-novos que podem não ter sido judaizantes, mas tinham a amizade destes no Brasil colonial. Todo o empreendimento da fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento às margens do Rio da Prata, em 1680 teve o concurso de diversos cristãos-novos, incluindo entre eles o próprio governador D. Manuel Lobo com origens cristãs-novas bem como seus principais auxiliares. Essa praça portuguesa plantada defronte a Buenos Aires que serviu mais ao contrabando da prata de Potosí e mais tarde trocada pelos Sete Povos das Missões teve papel fundamental na colonização do Rio Grande do Sul. O próprio madeirense Jerônimo de Ornellas Menezes e Vasconcelos, primeiro povoador de Porto Alegre, onde recebeu sesmaria em 1740, que era de família fidalga da ilha da Madeira e descendente de príncipes e reis de toda a Europa, tem em sua ascendência descendentes de judeus como João Gonçalves Zarco, que se tornou Câmara, dando início a essa linhagem que hoje existe em diversos países, e os De La Rua, espanhóis cujo nome denuncia a origem cristão-nova, porque essa Rua era exatamente o "Kahal" dos Judeus, "La Calle" ou "La Juderia", como diziam os espanhóis. A infiltração de cristãos-novos na nobreza européia é por demais sabido, eis que até a Casa de Bragança tem uma cristã-nova em sua origem. Daí, talvez, o interesse de D. Pedro II em aprender o hebraico, corresponder-se com rabinos franceses e adquirir uma Sefer Torah, (rolos do Pentateuco em hebraico) iemenita de cerca de 800 anos, uma das relíquias deixadas por ele para o Brasil está sob a guarda da BIBLIOTECA Nacional, no Rio de Janeiro.

V – Considerações finais

Creio que ficou claro que nas Ilhas Atlânticas e Brasil colonial houve grande atividade dos judeus portugueses transformados em cristãos-novos, em sua maioria à força, pela água benta que lhes jogaram compulsoriamente. Pretendo, num próximo trabalho, comprovar melhor a influência dos cristãos-novos na economia, cultura e no caráter do Brasil. O caráter foi construído com muitos traços judaicos a começar pelo jeitinho brasileiro. Nos Açores, ainda falta estudar e descobrir muito mais sobre as atividades e costumes dos cristãos-novos, bem como na Madeira. Sabe-se, através de documentação ainda existente, que os cristãos-novos açorianos exerciam as mais diversas profissões como cirurgiões, advogados, boticários, licenciados, mercadores, ourives, confeiteiros, sombreireiros (que fabricavam chapéus) e uma série de outras atividades ligadas ao artesanato. Mas poucos eram ricos daí, talvez, a falta de interesse da Inquisição em processá-los já que os confiscos não valeriam a pena. A lista parcial de sobrenomes a seguir pertence ao periodo de 1604 a 1623, encontrados em algumas Fintas de cobrança de impostos exclusivos dos cristãos-novos, das Ilhas de São Miguel, Terceira, Graciosa e Pico, faltando aqui das outras ilhas e de outros períodos da História. Vejamos, então, os sobrenomes: Andrade, Azevedo, Álvares, Alemão, Braga, Borges, Barcelos, Câmara, Cunha, Carvalhais, Cerqueira, Carlos, Carvalho, Costa, Dias, Delgado, Duarte, Eça, Fernandes, Fontes, Gralia, Geralda, Gonçalves, Henriques, Heitor, Jacinto, Lopes, Mendes, Medeiros, Morais, Manuel, Pereira, Preto, Piseiro, Rodrigues, Ruivo, Santiago, Soares, Tomás, Vaz e Vieira. Existem outros nomes e sobrenomes mencionados no texto daqueles que foram presos e penitenciados pelo Tribunal do Santo Ofício. Paradoxalmente, graças aos arquivos inquisitoriais existentes em Portugal, podemos estudar melhor e sabermos os nomes e o modus vivendi desses judeus portugueses que estiveram nas Ilhas Atlânticas e que fizeram nova diáspora para o Brasil, para as Índias de Castela, Caribe inglês e holandês além da América do Norte e outros países da África e Oriente.

Referências Bibliográficas

- BRAGA, Paulo Drumond – A Inquisição nos Açores - Tese de Doutoramento em História dos Descobrimentos e da Expansão, defendida pelo autor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa em 4 de abril de 1997. Publicação do Instituto Cultural de Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Região Autônoma dos Açores, Portugal, dezembro de 1997. - AZEVEDO, J. Lúcio de – História dos Cristãos-Novos Portugueses – Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1975. - SARAIVA, Antonio José – A Inquisição Portuguesa - Lisboa, Coleção Saber, Publicações Europa-América Ltda., 3ª edição, dezembro de 1964. - HERCULANO, Alexandre - História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal – Vol. I, Lisboa, Edições Europa-América Ltda., 1984. - DORIA, Antonio Álvaro – Damião de Góis - Lisboa, Clássicos Portugueses, Livraria Clássica Editora, 1944. - SALVADOR, José Gonçalves – Os Cristãos-Novos e o Comércio no Atlântico Meridional – São Paulo, Livraria e Editora Pioneira/MEC, 1978. - STENZEL F°, Antonio - A Vila da Serra – Caxias do Sul, UCS, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1980.

Outras fontes

- STUDIA ROSENTHALIANA – Volume 34, número 1, Notarial Records Relating to the Portuguese Jews in Amsterdam before 1639. Amsterdã, 2000. - ZEFF, Aaron - "Os Judeus Secretos dos Açores" – São Paulo Revista Herança Judaica n° 26 – Vol. 12, Editora B'nai Brith - 1976, páginas 36 a 38.

Fonte: http://judaismohumanista.ning.com/

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