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segunda-feira, 2 de junho de 2014

Max Hastings: "Guerras são necessárias"

O historiador britânico, especialista em conflitos armados, diz que a Primeira Guerra Mundial foi tão necessária para livrar o mundo de uma tirania quanto a Segunda

RODRIGO TURRER
02/06/2014 07h00 - Atualizado em 02/06/2014 09h13
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SEM A TERCEIRA Hastings, em  sua casa, na Inglaterra. Ele não acredita numa nova guerra mundial (Foto: John Lawrence/The Guardian)
O historiador e jornalista britânico Max Hastings – desde 2002, com o título de Sir – é um dos mais consagrados especialistas nas duas Guerras Mundiais. Autor de uma dezena de livros sobre os conflitos, ele acaba de lançar no Brasil Catástrofe – 1914 a Europa vai à guerra (Intrínseca, 704 páginas, R$ 49,90), obra em que reconstrói a paulatina deterioração das relações entre os países europeus meses antes da Primeira Guerra, iniciada há 100 anos. Nesta entrevista a ÉPOCA, Hastings, de 68 anos, afirma que a visão de uma Europa idílica em 1914, às vésperas do conflito, é equivocada. Diz ainda ser “difícil para as pessoas aceitarem que existam guerras necessárias”.
ÉPOCA – Há uma imagem de uma Europa idílica no período que antecedeu à Primeira Guerra Mundial. Isso é verdade?
Max Hastings – De forma alguma. Esse é um dos mitos que tento derrubar em meu livro. A única coisa idílica sobre o verão europeu de 1914 era o clima. Hoje acreditamos que passamos por uma era de mudanças extraordinárias, mas as mudanças no começo do século XX eram maiores e mais radicais – sociais e culturais. A Europa efervescia. Muitos países estavam à beira da revolução, com a classe trabalhadora cada vez mais desencantada e greves gigantescas eclodindo por Reino Unido, França, Rússia. Havia também os extraordinários avanços científicos, industriais e tecnológicos: o homem começava a voar, havia o telefone, o cinema, a Teoria da Relatividade de Einstein, o primeiro material sintético encontrado. Não é surpresa que os estadistas de 1914, homens nascidos e crescidos na época das carruagens e dos cavalos do século XIX, tivessem tanta dificuldade para entender o que se passava no século XX, na era da eletricidade. Era um período que eles ainda não compreendiam direito.
ÉPOCA – Essa incompreensão levou o mundo à guerra?
Hastings – Ajudou a levar. Em 1914, duques ainda mantinham serviçais obrigados a usar fraques e perucas. Jantares de 12 pratos eram servidos com naturalidade. Duelar por questões morais era corriqueiro. Os líderes do século XIX não compreendiam as mudanças sociais radicais do começo do século XX. Há muitas teorias sobre o que levou o mundo à guerra. A mais estapafúrdia é a ideia de que a Primeira Guerra Mundial foi acidental e era evitável, só aconteceu porque os líderes mundiais corriam irracionalmente em busca de seus interesses nacionais. Não foi o nacionalismo exacerbado que causou a Primeira Guerra.
ÉPOCA – Não havia como evitar a Primeira Guerra Mundial?
Hastings – A visão da guerra mudou muito. Hoje temos asco de conflitos e acreditamos que guerras sejam o último recurso disponível. Em 1914, muitas nações consideravam a guerra um instrumento eficaz e necessário de política nacional. Os generais germânicos conduziram de modo triunfante a Prússia a três guerras, contra a Dinamarca, a Áustria e a França. Para eles, a guerra não era um fenômeno terrível, como é hoje para nós. Em 1914, o Império Alemão era a mais poderosa e bem-sucedida nação europeia. Era a sociedade mais avançada do ponto de vista tecnológico, industrial, econômico e cultural. A produtividade germânica era maior que no Reino Unido, na Rússia, na França. Se o Kaiser Guilherme II não tivesse cometido tantas tolices e dado tanta importância ao poderio militar do império, nada poderia ter evitado que os alemães dominassem a Europa em 20 anos, no aspecto industrial e político. O sonho dos alemães era expandir cada vez mais seus domínios.
ÉPOCA – Assim como na Segunda Guerra Mundial, a responsabilidade pela Primeira foi da Alemanha?
Hastings – Nenhuma nação merece todo o peso da responsabilidade. Mas a Alemanha merece mais responsabilidade que qualquer outra nação. A Alemanha tinha a capacidade de evitar que o conflito se espalhasse. Em julho de 1914, se os alemães tivessem dito aos austríacos “parem, este conflito está ficando grave demais, vocês precisam parar a invasão da Sérvia e se retirar do país”, não teria havido guerra. Não digo que não houvesse um conflito europeu, mas aquela crise de julho, em particular, eles poderiam ter evitado. Por que não evitaram? Porque os estadistas germânicos, principalmente os generais e o Kaiser, acreditavam que a guerra aconteceria cedo ou tarde – e preferiam que fosse cedo, enquanto tinham um poder econômico inigualável.
ÉPOCA – O senhor acredita que, se houvesse uma Liga das Nações (1919-1946) ou a Organização das Nações Unidas, a Primeira Guerra poderia ter sido evitada?
Hastings – 
Não vejo como. Nem mesmo hoje a ONU é capaz de evitar conflitos graves. Basta ver a dificuldade das Nações Unidas na crise da Ucrânia, diante da ambição do presidente russo, Vladimir Putin. As grandes questões mundiais são definidas pelas nações mais poderosas de seu tempo, isso é inevitável. Organizações como ONU e Liga das Nações conseguem controlar e atuar em conflitos pequenos, de escala menor. Quando grandes interesses de nações poderosas estão envolvidos, as Nações Unidas pouco podem fazer. A Rússia não dá bola para a ONU, tampouco a China se interessa que a ONU arbitre a disputa por ilhas com o Japão e Taiwan. Não vemos nenhuma das nações poderosas dando o apoio necessário para a ONU agir no grave conflito na Síria. Sempre que houver grandes questões envolvendo nações poderosas, esses conflitos serão resolvidos por um pequeno grupo de nações – e organizações como a ONU terão papel secundário.
"Quando interesses de nações poderosas estão envolvidos, a ONU pouco pode fazer"
ÉPOCA – O senhor acredita que guerras sejam inevitáveis? 
Hastings – 
Guerras são necessárias, sem dúvida. Se olharmos o grande curso da história, veremos que aconteceram muito mais guerras ruins do que guerras boas. A humanidade sempre tenta simplificar as questões. Hoje, o Ocidente enxerga, quase de forma unânime, a Segunda Guerra Mundial como a guerra “boa”, “necessária”, “inevitável”, enquanto a Primeira Guerra Mundial foi a guerra ruim. Exagera-se nos dois casos. Para derrotar os alemães na Segunda Guerra Mundial, os Aliados tiveram de se juntar à União Soviética, que do ponto de vista moral, em nada diferia dos nazistas. Em 1939, Stálin matou mais pessoas que Hitler. Moralmente, a tirania de Stálin e a tirania de Hitler eram indistinguíveis. A verdade é que, em 1914, o mundo estava uma bagunça. Vários países europeus estavam em guerra civil ou à beira da guerra civil. Talvez não haja uma justificativa moral tão forte para a Primeira Guerra quanto havia para a Segunda, mas ela também foi necessária. Não compararia as ideias e as políticas de Hitler às do Kaiser Guilherme II, mas, se o Império Alemão tivesse vencido, e o Kaiser tivesse triunfado, a liberdade e a democracia estariam ameaçadas. Outro dia conversava com a historiadora Margaret MacMillan. Ela disse: “Não é estranho que o mundo jamais tenha perdoado Hitler pelo que ele fez, mas tenha perdoado o Kaiser?”. Ela tem razão. O Kaiser governava a Alemanha em 1914 e decidiu quem lideraria o país, que generais comandariam o Exército e de que forma o império deveria se comportar no conflito. É difícil aceitar que existam guerras necessárias, pelas quais vale a pena lutar. As pessoas veem mortes, desemprego, fome. O argumento de que é para tornar o mundo mais livre e melhor não soa como um bom argumento.
ÉPOCA – O senhor vê paralelos entre o período antes da Primeira Guerra Mundial e hoje?
Hastings – 
O maior paralelo que vejo entre o fim do século XIX e começo do século XX e o fim do século XX e começo do século XXI é este: governantes capazes de cometer atos estúpidos. Não me refiro apenas a Putin e seus rompantes nacionalistas. Vejo paralelo entre a China de hoje e o Império Alemão antes de 1914. A Alemanha era a grande potência ascendente. Os alemães cometeram a besteira de acreditar que o melhor meio de conseguir o domínio que almejavam era militar. Se mantivessem seu crescimento industrial e tecnológico, teriam sido invencíveis. Vejo a China cometer erros similares. As latentes ambições militares chinesas começam a aflorar. Se os líderes chineses caírem na tolice da militarização e entrarem em guerra, seja com Taiwan ou com o Japão, cometerão um erro parecido com o dos alemães. Já conversei com generais chineses sobre isso, e a resposta é sempre: “Mas temos direito àquele território”. Ao que sempre retruco: “Em face do extraordinário crescimento econômico chinês, é preciso se perguntar se vale a pena ir à guerra por um punhado de ilhas estúpidas”.
ÉPOCA – O mundo corre o risco de uma Terceira Guerra?
Hastings –
 Não acredito. Haverá conflitos regionais, disputas entre a China e o Ocidente, muitos ciberconflitos. Mas uma Guerra Mundial é improvável. Meu pai me escreveu uma carta, quando eu tinha 3 anos, que ele me entregou quando fiz 21. Era sobre o mundo. Ele acreditava numa Terceira Guerra Mundial, entre o Ocidente e a União Soviética. Em 1945, era mais provável que a Terceira Guerra opusesse Ocidente e soviéticos do que era possível a Primeira Guerra Mundial em 1914. Nada é inevitável. Quero acreditar que tenhamos passado incólumes por uma das mais perigosas eras da história – e que ela não se repetirá.

Fonte: http://www.ruajudaica.com/

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