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quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
“A realidade do Rio, de três facções criminosas em disputa, se revela no país inteiro”
Secretário
de Segurança Pública enfrenta corte de orçamento em 2018 e índices
violentos em alta. As convalidas UPPs terão 10.000 reais para despesas,
contra 5,4 milhões do último ano
Faz um ano e dois meses que Roberto Sá
(Barra do Piraí, 1964) assumiu a Secretaria de Segurança Pública do Rio
de Janeiro. As Olimpíadas acabavam de terminar, o Estado já tinha
decretado calamidade financeira, e os índices de letalidade violenta
prenunciavam níveis de dez anos atrás. “Eu gosto de desafios, mas não
esperava que fosse dessa monta”, afirma.
O
cenário, desde então, não melhorou, a violência continua aumentando, e o
horizonte não é nada esperançoso. O orçamento da pasta em 2018 vai
diminuir quase 5% e um corte de 500 milhões, quase 10% do total, vai
fazer tremer a Polícia Militar, que já tem mais da metade das viaturas
paradas por falta de manutenção. O ajuste vai deixar as convalidas
Unidades de Polícia Pacificadora com apenas 10.000 reais para despesas, o
equivalente a cerca de 50 pneus, contra os 5,4 milhões deste ano. Sá,
no entanto, diz que recuou do seu plano, anunciado em agosto, de enxugar
o programa e deslocar 3.000 homens das UPPs para patrulharem o asfalto.
Os constantes conflitos na Rocinha lhe fizeram repensar a estratégia.
Em encontro com um grupo de correspondentes estrangeiros no
dia 13 de dezembro, o secretário voltou a cobrar um rigor maior da
progressão de pena e das leis para punir criminosos e abriu a porta a
delações premiadas de narcotraficantes. O secretário, que já protagonizou embates com o Governo federal
elogiou, desta vez, a presença das Forças Armadas no Estado que vêm
apoiando operações contra o tráfico com resultados modestos. Na
avaliação de aliados de Michel Temer e do governador Luiz Fernado Pezão,
do PMDB, a participação dos militares no Estado coroou o "sequestro" do
Governo do Rio pela gestão federal, mas para Sá trata-se de o Governo
federal ter entendido que tem sua responsabilidade num contexto de
violência urbana. O Rio, lamentou o secretário, vive “um momento
dramático”. Preocupado, segundo ele, com a letalidade das ações
policiais, afirmou não saber o que aconteceu na madrugada do dia 11 de
novembro quando uma operação da Polícia Civil com apoio do Exército
deixou sete mortos –um oitavo morreu um mês depois.
Pergunta. O senhor anunciou que pode recuar
do pedido de transferência de Rogério 157, pivô do conflito na Rocinha,
a um presídio federal se ele fizer delação. Se isso acontecer, poderia
abrir a porta a novas delações premiadas
e, em consequência, uma nova maneira de combater o tráfico de drogas?
Poderia se esperar um impacto comparável ao que as delações estão tendo
na Lava Jato? Resposta. Em princípio ele vai para um
presídio federal para prejudicar sua articulação local. Se me
apresentarem formalmente uma proposta de delação que diz que ele está
disposto a delatar o chefe dele, que ele vai dizer quem é o cara do
asfalto que banca, se é que tem, ou entregar o criminoso que está em
outros locais, a gente pode ver a permanência dele no Rio enquanto está
depondo e fazendo delação. Mas não como prêmio, se não porque seria uma
maneira mais fácil de tomar depoimentos. A delação tem suas regras
também, não adianta me apresentar para baixo. Ele tem que entregar
pessoas mais importantes que ele. O cumprimento da pena é algo para ser
dialogado durante a delação num segundo momento. É preciso considerar
que o criminoso de colarinho branco é um cidadão com RG, com empresa e
com um status social que tende a falar para ver reduzida sua pena. O
criminoso do crime organizado não tem esse status e não está se
importando muito com isso, está se importando com a vida. Se ele fala
muito, ele morre. Há uma tendência, e eu espero que mude, a falarem
muito pouco. Há um desejo grande de que essas pessoas comecem a fazer
delações e a gente comece a prender cada vez mais pessoas da hierarquia. P. O senhor fala bastante do aprimoramento das ações policiais. O jornal O Globo publicou uma reportagem que revelava que, de 2010 a 2015, apenas 20 policiais militares são responsáveis por 10% das mortes por suposta resistência à ação policial
no Estado todo. A matéria diz ainda que metade desses policiais
respondem por crimes como tráfico de drogas. A PM qualificou de injusta
essa apresentação de dados. Gostaria de saber qual é sua análise. R. É uma dado que revela o quanto foi
perniciosa essa lógica da gratificação faroeste [que de 1995 até 1998
bonificou os policiais que mais matassem]. Aqueles policiais mais
corajosos, que buscavam maior remuneração, lembremos que a gratificação
chegava a 150% do salário, foram em busca de confronto. Esse dado é até
2015 e não pega minha gestão, mas como estamos tendo um número de autos
de resistência relativamente elevado eu determinei imediatamente ao
comandante da PM que verificasse onde esses policiais estão agora, se
passaram pelo programa de aperfeiçoamento profissional, como está o
comportamento deles de lá para cá e como é que está a situação judicial e
administrativa deles. Pedi também que mapeassem quem está com os
índices de disparo de arma elevado. Aquele dado me acendeu um farol e
pedi saber sobre a situação daqueles e de outros.
Por enquanto a participação do PCC é comercial e
vamos torcer para que fique por aí, pois nós sabemos o grau de
organização deles.
P. Do final do ano passado para cá, vimos
um incremento da violência entre facções criminosas, com os massacres
nas prisões, mas também nas ruas. Qual é a situação atual dessa guerra? R. Essa realidade que nós temos no Rio de
três facções criminosas disputando espaço está se revelando no país
inteiro. Aqui tem essa lógica expansionista que, na minha opinião, só e
possível em razão desse poder bélico que eles têm. O enfrentamento mais
violento que nós tivemos, embora com menos vítimas, foi o da Rocinha,
que foi uma dissidência dentro da mesma facção. E tivemos uma confusão
no Caju, perto da Avenida Brasil. Mas essa briga está como sempre foi.
Não aumentou. P. A situação não parece ser a mesma quando
o PCC vem ganhando importância no Rio e com o recrudescimento da
violência na Rocinha pela disputa agora de duas facções rivais. R. É que o PCC para nós é uma realidade no Brasil, é uma realidade no Paraguai, e no Rio de Janeiro ainda é parceiro comercial.
Então fisicamente não tem algo significante. Há ainda muita lenda, o
que não significa que amanhã resolva se instalar para competir com
outras facções. Por enquanto a participação do PCC é essa e vamos torcer
para que fique por aí, pois nós sabemos o grau de organização deles. Na
Rocinha, especificamente, temos pessoas que se sentem de um grupo e
outras de outro o que me faz manter 550 homens ali diariamente. Mas as
inteligências da PM, da Polícia Civil, da Secretaria de Administração
Penitenciaria e da Polícia Federal estão estudando a situação para me
apresentarem cenários e eu poder decidir a estratégia. P. O que aconteceu no complexo do Salgueiro no dia 11 de novembro, quando uma operação conjunta entre a Polícia Civil e o Exército deixou sete mortes – após um mês, mais uma vítima não resistiu? R. Essa operação se dá após um contato
direto entre uma força especial [Coordenadoria de Recursos Especiais da
Polícia Civil, Core] e outra força especial [Exército] que resolvem ir
até lá para fazer um reconhecimento. A história que os senhores conhecem
é a que nós conhecemos [nem Polícia Civil nem Exército reconheceram ter
atirado contra as vítimas]. Estamos dando todo o apoio ao Ministério
Público e à Delegacia de Homicídios para identificar os autores. No
entanto, nenhum dos policiais da Core afirma ter atirado. Não houve
disparo por parte das nossas forças especiais. P. Com todo respeito, não acredito que os
senhores não saibam o que aconteceu. Sete mortos podem se contabilizar
todos os dias no Rio de Janeiro. Mas a questão do Salgueiro é que, pelo
que parece, foi o Exército quem matou, de um jeito nada convencional. As testemunhas relatam a presença de helicópteros, homens de preto descendo de rapel e o que parece ter sido uma armadilha para matar. Se a gente não cobrar abre-se uma porta e um precedente perigoso, dado que uma nova lei não permite mais investigar militares como antes eram investigados. R. É obvio que a gente tem que respeitar a
opinião de cada um, mas nós somos profissionais de segurança e não
devemos falar de investigações em curso sem conclusão. São hipóteses que
não estão comprovadas. O que eu sei é o que está nos autos da Divisão
de Homicídios. Tenho e cobro uma ação muito forte das policias civil e
militar, para além disso não tenho nem competência legal. Já há uma
orientação nossa para eles terem muito cuidado nessas operações
pontuais. Mas a gente tem que dar autonomia e cobrar. Neste caso está
sendo cobrado e está sendo investigado. Respeito sua percepção, mas não
posso falar sobre hipóteses e onde não há nada concreto. P. Mas secretário, como é possível que o
senhor, máximo representante da Segurança Pública do Estado, não saiba
como morreram sete pessoas numa operação conjunta da qual se diz que
ninguém atirou? R. A gente tem cerca de 400 homicídios
dolosos por mês, mais ou menos. Você acha que a gente consegue saber a
autoria de todos eles? P. Têm o Exército no meio, não são sete homicídios convencionais. R. O máximo representante da Segurança
Pública tem suas estruturas para investigar, mas minha função é
estratégica, eu só posso saber aquilo que minha estrutura me apresenta.
Entendo sua curiosidade jornalística, só que você está numa posição que
pode falar de suas hipóteses, mas eu estou numa situação de
responsabilidade. Quem antecipa fatos de investigação tende a se
atropelar e cometer equívocos, então eu só posso falar o que está nos
autos. Como diz o mundo do direito o que não está nos autos, não está no
mundo. A autoria vai ser elucidada, mas não imediatamente. P. O Estado não tem uma estatística para
acompanhar o número de vítimas de balas perdidas. Neste ano, vimos uma
explosão do número de casos. O senhor não acha que as operações
policiais são responsáveis por esses danos? Não seria importante ter um
diagnóstico preciso e constante dos prejuízos que uma operação policial
causa para avaliar se foi bem sucedida? Por exemplo, se a operação
apreende armas ou drogas, mas uma criança é baleada, não pode ser considerada bem sucedida.
A prioridade não são as operações mas elas
infelizmente ainda são necessárias. Concordo que não vale a pena nenhuma
perda de vida para apreender uma pistola. A ação do Estado tem que ser
qualificada para proteger a sociedade e não aumentar o risco.
R. Cada bala perdida é investigada como
homicídio ou lesão corporal. Mas, em termos estatísticos, seria muito
ruim o Estado dar uma informação que tem caráter oficial e ser
equivocada. A própria descrição do fato é complicada. Como vai se saber
se foi bala perdida? Só pelas circunstâncias, não há uma questão
objetiva e isso gera desconfiança do próprio número. Entendemos que é
melhor tratar isso como crime e investigar, ao invés de ter uma
estatística oficial que não podemos confirmar. Em relação às operações,
você tem razão. A gente diminuiu bastante, mas não zeramos. A prioridade
não são as operações mas elas infelizmente ainda são necessárias.
Concordo que não vale a pena nenhuma perda de vida para apreender uma
pistola. A ação do Estado tem que ser qualificada para proteger a
sociedade e não aumentar o risco. A polícia tem que proteger a
população. P. Poderia fazer um balanço da atuação do Exército nesses meses no Estado? R. Eu vejo vantagens. Nem sempre é o
resultado da prisão ou apreensão, embora estejam sendo números
relevantes. A vinda das Forças Armadas é a ação do Governo federal no
sentido de entender que, num contexto de violência urbana, ele tem seu
papel, com a Polícia Federal, com a Polícia Rodoviária, com a Agência
Nacional de Inteligência, com as Forças Armadas... Vejo muito positivo o Governo federal entender sua participação e trabalhar de forma conjunta e coordenada, uma vez que eles têm muitas pessoas e recursos materiais que podem nos auxiliar nos tempos que temos pela frente. P. Qual é sua avaliação da política de UPPs e o que vai acontecer com elas? R. Elas tiveram seu momento de muito
impacto, elas se expandiram, mas a partir de 2013 começou a haver
episódios que ligaram um alerta. Começamos a ter policiais baleados.
Hoje há uma tendência natural a uma retração, a um cuidado maior no
patrulhamento de becos e vielas. Por sobrevivência, porque as armas
continuam chegando e as pessoas atirando. A polícia continua nesses
lugares, mas de forma mais cautelosa. Eu não penso em acabar com elas,
mas em redirecionar essa ação. As UPPs existem, não tem o grau que
tinham no início da sua implementação de patrulhamento total, mas elas
continuam representando a presença do Estado. Há muita cobrança para
recuar, é uma das estratégias, mas no meu caso é a última, porque a
gente tem que enfrentar o crime. A UPP não pode ficar sozinha. Hoje
penso em implementar o que não consegui até hoje que é a Polícia Civil e
a PM trabalharem junto e quiçá, inclusive, com as Forças Armadas, para
fazer operação de grande porte que iniba troca de tiro. P. O que vai acontecer com os 3.000 agentes que o senhor anunciou que iriam se deslocar das favelas ao asfalto? R. Vamos rever esse número para baixo em
razão do que aconteceu na Rocinha. Aquilo chamou minha atenção pelo fato
de termos uma UPP lá e não ter podido evitar o que aconteceu.
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