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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

ONDE FORAM PARAR AS "DENSAS FLORESTAS" DA ILHA DE SC




A Ilha de Santa Catarina, até meados do século XVII, era uma densa floresta habitada por índios Carijós e inçada de onças e veados.



A afirmação foi feita por um dos mais festejados cronistas franceses que por aqui andaram, por volta de 1816/20, ou seja, cerca de dois séculos após o período que o naturalista-escritor mencionou, mas deve ter tomado por fonte outros visitantes que o antecederam.



O conceito de floresta, não consta da legislação vigente, nem mesmo do Código Florestal de 2012. Doutrina e jurisprudência buscaram construir um conceito, por necessidade prática, já que como se pode ver abaixo:







(...) o que poderia ser entendido como floresta?





Nem a lei 9.605/98 nem o Código Florestal (lei 12.651/12) esclarecem tal conceito. Dessa forma, ante ao silêncio legislativo, deve-se buscar determinar a extensão do vocábulo em apreço na doutrina e jurisprudência.

Segundo a doutrina e a jurisprudência pátrias, o termo floresta designa vegetação cerrada, composta de árvores de grande porte. De fato, neste sentido leciona Fernando Pereira Sodero, senão veja-se:

"Toda vegetação, genericamente considerada, é flora. Floresta é espécie, qual seja, 'a vegetação cerrada, constituída de árvores de grande porte, cobrindo grande extensão de terras'". (Enciclopédia Saraiva de Direito, São Paulo. v.37;507, p.510).

Conceito idêntico é dado por Vladmir e Gilberto Passos de Freitas, para quem floresta é a "vegetação cerrada, constituída por árvores de grande porte, cobrindo grande extensão de terras" (Crimes Contra a Natureza, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais ,7ª ed., p. 114).

Corroborando o consenso na doutrina acerca de tal conceito, assevera Luiz Régis Prado que floresta "é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa." (Crimes contra o meio ambiente, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 97).

O STJ, manifestando-se sobre tal conceito, decidiu que:

"O elemento normativo `floresta', constante do tipo de injusto do art. 38 da Lei 9.605/98, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte. Dessa forma, não abarca a vegetação rasteira". (STJ, Habeas corpus nº. 74.950/SP, rel. Min. Felix Fischer, j. em 21/6/2007). (Grifou-se)

Dada a relevância, pinça-se do voto proferido pelo ministro Felix Fischer:

"A exordial acusatória, em contrapartida, faz menção à destruição de vegetação rasteira nativa em estágio pioneiro inicial de regeneração, em área de preservação permanente (fl. 15). E tal vegetação não se ajusta à melhor definição de floresta. Esta, consoante doutrina abalizada, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte. Nessa linha, tem-se o escólio dos seguintes autores:

José Afonso da Silva (in Direito ambiental constitucional, 5ª ed., Malheiros, 2004, p. 161), Paulo Affonso Leme Machado (in Direito ambiental brasileiro, 13ª ed., Malheiros, 2005, p. 719), Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (in Crimes contra a natureza, 7ª ed., RT, 2001, p. 114), Luiz Régis Prado (in Crimes contra o ambiente, 2ª ed., RT, 2001, p. 103), Luís Paulo Sirvinkas (in Tutela penal do meio ambiente, 2ª ed., Saraiva, 2002, p.145), Hely Lopes Meirelles (in Direito administrativo brasileiro, 28ª ed., Malheiros, 2003, p. 540) etc.

"[...]

"Além do mais, é de se ressaltar que o Código Florestal (Lei nº 4771⁄65) não equipara a floresta com as demais formas de vegetação, mas muito pelo contrário, distingue-as. Pode-se mencionar, à título de exemplo, os seguintes dispositivos: Art. 1° 'As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem' (...), art. 2º 'Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:' (...). A própria Lei nº 9605⁄98 cuidou de distinguir tais conceitos, consoante se depreende dos seguintes artigos: Art. 42. 'Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano:' (...), Art. 48. 'Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:' (...), Art. 50. 'Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação:' (...), Art. 51. 'Comercializar motosserra ou utilizá-la em florestas e nas demais formas de vegetação, sem licença ou registro da autoridade competente:' (...) etc."

Como é sabido, em matéria penal as normas incriminadoras devem ser interpretadas restritivamente e, não havendo a destruição ou danificação de área de terra mais ou menos extensa, coberta de árvores de grande porte (ou seja, de floresta), mas, por exemplo, apenas a supressão de vegetação rasteira, não há como se falar na existência do delito tipificado no artigo 38 da lei 9.605/98.

Corroborando tal entendimento, Édis Milaré e Paulo José da Costa Júnior salientam:

"Note-se que referido tipo penal não alude a outras formas de vegetação, a exemplo do que se verifica nos crimes previstos nos art. 41, 42, 48, 50 e 51. Assim sendo, a destruição e o dano a outras formas de vegetação, ainda que sejam de preservação permanente, a teor do disposto no art. 2º do Código Florestal, não estão abrangidas no referido art. 38 da Lei Ambiental" (Direito Penal Ambiental: comentários à Lei n. 9.605/98. Campinas: Millennium, 2002. p. 107).

A eventual ampliação do conceito de floresta inserto no preceito incriminador, a fim de que sejam subsumidos os casos de destruição ou danificação de quaisquer outras formas de vegetação, viola o princípio da legalidade estrita, haja vista que se estaria promovendo indesejável analogia in malam partem.

Segundo Fernando Capez, a analogia:

"consiste em aplicar-se a uma hipótese não regulamentada por lei disposição relativa a um caso semelhante. Na analogia, o fato não é regido por qualquer norma e, por essa razão, aplica-se uma de caso analógico". O autor afirma que "a aplicação da analogia em norma penal incriminadora fere o princípio da reserva legal, uma vez que um fato não definido em lei como crime estaria sendo considerado como tal. [...] Nesse caso, um fato não considerado criminoso passaria a sê-lo, em evidente afronta ao princípio constitucional do art. 5°, XXXIX da Constituição Federal (reserva legal)" (Curso de direito penal: parte geral. v. 1. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 34 e 36).

Por fim, cabe destacar que o TJ/MG, em inúmeros julgados já decidiu que a supressão de vegetação que não se enquadre na definição de floresta não caracteriza o crime em apreço, não se podendo ser utilizada a analogia para ampliar o alcance do artigo 38 da lei 9.605/98 sob pena de violação do princípio da legalidade, senão veja-se:

"APELAÇÃO DE CRIME AMBIENTAL - ART. 38 DA LEI 9.605/1998 - ELEMENTAR FLORESTA NÃO CONFIGURADA - CONDENAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO NÃO PROVIDO. O crime do artigo 38 da Lei 9.605/1998 exige que a área desmatada seja de floresta de preservação permanente, mesmo que em formação. Se o acusado promoveu a aração em área considerada de preservação permanente, causando a supressão de vegetação rasteira, o crime não se caracteriza, pois, como cediço, não há como adotar no Direito Penal uma extensão analógica do termo floresta para abarcar outras formas de vegetação, sob pena de violação ao princípio da legalidade". (Apelação Criminal nº 1.0701.10.035380-7/001 – Rel.: Des. Flávio Leite – Data Julg.: 12/03/2013 – Data Publ.: 21/03/2013). (Grifou-se).

"APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME AMBIENTAL - DESTRUIÇÃO DE VEGETAÇÃO RASTEIRA - DELITO NÃO CONFIGURADO - RECURSO PROVIDO. I - Para a configuração do crime do art. 38 da Lei nº 9.605/98 não basta que o agente intervenha em área de preservação permanente. O tipo penal exige destruição ou danificação de floresta (formada ou em formação). A supressão de vegetação rasteira, por não se incluir no conceito de floresta, não é suficiente para a caracterização do delito. II - Recurso provido". (Apelação Criminal nº 1.0471.09.112014-0/001 – Rel.: Des. Eduardo Brum – Data Julg.: 12/12/2012 – Data Publ.: 19/12/2012). (Grifou-se).

"CRIME AMBIENTAL - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO RASTEIRA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - DELITO NÃO CARACTERIZAÇÃO - ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1. Não há como se imputar ao réu a prática do delito previsto no art. 38 da Lei 9.605/98, uma vez que o referido tipo penal destaca que a destruição ou danificação deve ocorrer em "floresta" considerada de preservação permanente, não abrangendo a supressão de vegetação rasteira. 2. O laudo pericial realizado nove meses depois da notícia de supressão de vegetação não pode ser tido como prova robusta da materialidade do crime, já que a vegetação pode ter sido alterada nesse período por ato de terceiros ou por causas naturais. 3. Recurso não provido". (Apelação Criminal nº 1.0596.08.051150-1/001– Rel.: Des. Antônio Armando dos Anjos – Data Julg.: 10/05/2011 – Data Publ.: 09/06/2011). (Grifou-se).

Assim, ao final desta breve análise, pode-se concluir, com base no anteriormente salientado, que o artigo 38 da lei 9.605/98 proíbe as condutas de destruir, danificar ou utilizar com infringência das normas de proteção, vegetação cerrada, que cobre uma grande extensão de terras e é composta por árvores de grande porte, não sendo aplicável quando o dano ocorre em pequena área ou em qualquer outra espécie de vegetação (rasteira, arbustiva, etc).




Como se vê, fala-se em árvores de "grande porte", mas aí surgem outras dúvidas:

- Quais as dimensões (diâmetro do tronco, altura, diâmetro da copa) que poderiam ser consideradas parâmetros para a classificação de árvores como de grande porte?

- A classificação, tendo-se em conta os vários ecosssitemas brasileiros, teria que partir das realidades locais?

Ademais, seria necessário levar-se em consideração a "densidade", isto é, o número de espécies de grande porte presentes em determinado espaço?

Todas essas questões ganham importância ante a exigência, em qualquer estado democrático de direito, do "devido processo legal", ou seja, do direito à ampla defesa e contraditório, quer nos processos administrativos, cíveis ou penais.


Voltando-se à Ilha de Santa Catarina:


- Teriam os navegadores, que nos visitaram desde os primeiros contatos, encontrado árvores de grande porte?

- O que temos por aqui não passam de "capoeirões", por força, até mesmo, da prolongada antropização?


- Seria possível identificar-se alguma floresta, isto é formações vegetais que incluam exemplares de grande porte?


- Espécies como o garapuvu, a canela preta, o olandi, dentre outros sabidamente existentes aqui na Ilha, podem ser consideradas de grande porte? 


Cumpre lembrar que um dos bairros da  Capital, citados pomr vários visitantes, (como TAUNAY, por exemplo), no século XIX, era denominado "Mato Grosso", existindo remanescentes de tal mata na encosta de morro da região do Hospital de  Caridade. 

Ainda: recentemente,foi sancionada a lei municipal de n. 10.530/2019, onde se pode ler: 


Art. 7º No MONA da Lagoa do Peri fica proibido:
 

 (...)

IV - Animais domésticos nas trilhas, lagoa, orla da lagoa, faixa de praia e áreas de florestas nativas.


Como se vê, o legislador municipal e o Prefeito GEAN MARQUES LOUREIRO, admitem a existência de florestas nativas na Ilha de SC, pelo menos na região que aquela lei busca tutelar. O que não sei é se atentaram para o conceito de árvores  de grande porte exigido para a configuração de floresta, dentre outros aspectos acima aventados.
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