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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A outra história de Itaipu

Leia também minha postagem que tem o título Jornal Paraguayo não alivia campanha contra "neoimperialismo" brasileiro, datada de ontem.

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Na década de 1960, o Brasil começou a realizar estudos para o aproveitamento hidrelétrico na região das Sete Quedas, na divisa entre o Paraná e o estado do Mato Grosso. O Paraguai logo percebeu que a construção dessa hidrelétrica inviabilizaria outra mais a jusante, no trecho do rio que divide Paraguai e Brasil, porque não há desnível suficiente no rio Paraná para duas usinas. Para o Paraguai, que não tem reservas de hidrocarbonetos ou carvão e tampouco potencial hidrelétrico de monta, exceto no rio Paraná, na fronteira com Brasil e Argentina, isso seria um grande problema. Para impedir a construção da usina brasileira, somente havia uma saída: provar que parte do trecho que seria aproveitado pertencia ao Paraguai, o que não ocorria. Isso, no entanto, não foi um impedimento, e aquele país “inventou” uma questão de fronteira.
Segundo o tratado de limites de 1872, jamais questionado pelo Paraguai, a fronteira entre os dois países passa pelo leito do rio Paraná desde a foz do rio Iguaçu até o Salto Grande das Sete Quedas, quando passa a correr “pelo mais alto da Serra de Maracaju”. O Paraguai, na época presidido pelo General Stroessner, passou a defender que o setor mais alto da serra seria sua vertente norte, que termina antes de chegar ao rio Paraná, a montante das Sete Quedas. Para o Brasil, o que valia era a vertente sul, que termina em frente ao Salto Grande. Sustentam a posição brasileira coordenadas geográficas do Salto Grande, jamais contestadas pelo Paraguai. Consciente de que seria difícil refutar os argumentos brasileiros em discussão técnica, Stroessner apelou para outros meios e orquestrou virulenta campanha antibrasileira, apresentando o Brasil como expansionista e truculento.
As negociações sobre a fronteira e o aproveitamento hidrelétrico foram difíceis, e o impasse somente foi superado quando as duas partes chegaram à conclusão de que a construção de uma hidrelétrica na fronteira entre os dois países resolveria a questão ao submergir a zona contestada pelo Paraguai. O resultado da negociação foi a Ata das Cataratas, também conhecida como Ata do Iguaçu, firmada em 22 de junho de 1966, na qual se lê que “a energia elétrica eventualmente produzida pelos desníveis do rio Paraná, desde e inclusive o Salto Grande de Sete Quedas ou Salto de Guaíra até a Foz do rio Iguaçu, será dividida em partes iguais entre os dois países”, tendo cada país a preferência para adquirir a energia não utilizada pelo outro. Detalhe curioso: a Ata do Iguaçu foi assinada sem o conhecimento do presidente da Eletrobras .
Apesar de o Chanceler Juracy Magalhães afirmar que o encontro terminou “com êxito”, até hoje não foi possível resolver a questão de limites. O lago de Itaipu, que deveria solucionar o problema, inundou apenas 10% da área disputada pelo Paraguai. A solução paliativa foi transformar o local em refúgio biológico, administrado pela empresa Itaipu Binacional desde 1984. O Brasil nega que haja um litígio, mas jamais conseguiu convencer os paraguaios a demarcar a fronteira na região.
Para o Paraguai, a Ata das Cataratas foi uma vitória, mas ainda havia obstáculos a transpor. O principal era a oposição de vários setores no Brasil, que preferiam construir hidrelétricas inteiramente em território nacional. Já havia àquela época vários locais identificados para construção ou ampliação de usinas existentes, como Jupiá, Furnas, Estreito, Cubatão III, Cachoeira Dourada, Jaguará, Ilha Solteira, Três Irmãos, Ilha Grande, Itumbiara, Capim Branco, Igarapava, Canoas, Taquaruçu, Segredo, Santiago, Pinheiro, Itaúba e Dona Francisca, além de Ilha Grande e Porto Primavera, com capacidade total superior à de Itaipu .
Energia com Itaipu versus energia sem Itaipu
O grande potencial hidrelétrico brasileiro é a maior resposta aos que afirmam que não havia alternativa à construção de Itaipu. Como se nota, o dilema nunca foi Itaipu x falta de energia, mas sim energia com Itaipu x energia sem Itaipu.
A opção de construir várias hidrelétricas teria algumas vantagens. Teria sido possível distribuir as obras por todo o país, levando empregos e renda a vários estados, além de permitir uma “sintonia fina” que evitasse excesso de oferta, como ocorreu durante os primeiros anos de operação de Itaipu, quando o Brasil teve de adquirir energia daquela central em razão da chamada “lei de Itaipu”, sancionada pelo presidente Médici.
Voltando aos que eram contra a construção de uma usina binacional, havia outro grupo que favorecia a opção nuclear, além dos que apontavam que o Paraguai não dispunha dos meios para financiar uma hidrelétrica cuja capacidade instalada original de 12,6 GW equivalia a 75% da capacidade de geração elétrica do Brasil em 1973. A título de comparação, a capacidade instalada do Brasil, em 2010, era de 112,4 GW. Setenta e cinco por cento de 112 é 84, o equivalente a seis Itaipus com a potência atual de 14 GW. O fato de que, do ponto de vista técnico, o local mais apropriado para a construção de uma hidrelétrica seria em águas na fronteira entre os dois países não influía nas críticas, uma vez que o fulcro da questão era que o Brasil arcaria com a totalidade dos custos e riscos, mas somente colheria metade dos resultados.
Apesar das muitas críticas, os defensores de Itaipu conseguiram impor sua vontade, em razão de conjunção de fatores internos e externos. No front externo, pesou a disputa geopolítica travada com a Argentina e a questão da fronteira com o Paraguai. Outra justificativa seria a suposta dívida moral que o Brasil teria com o Paraguai em razão da guerra. E aqui cabe um pequeno parêntese.
Não é objetivo deste artigo discutir a Guerra da Tríplice Aliança, abordada por Francisco Doratioto, Boris Fausto, Ricardo Salles, Vitor Izecksohn e outros. Convém, no entanto, esclarecer que a visão de que o Paraguai era um país progressista e que teria sido vítima de complô orquestrado pela Inglaterra é cada vez menos aceita. Não é verdade, por exemplo, que o Paraguai era uma sociedade igualitária. Apesar de uma lei de ventre livre haver sido promulgada em 1842, a escravidão no Paraguai somente foi extinta pela Constituição de 1870. O próprio Solano López era dono de escravos .
É comum atribuir-se ao Itamaraty a principal responsabilidade pela construção da usina. Segundo o diretor-geral brasileiro de Itaipu, Jorge Samek, Itaipu foi “a única obra do setor hidrelétrico brasileiro que não foi concebida originalmente pela Eletrobras nem pelos órgãos de planejamento do setor. Sua gênese está associada à resolução definitiva de uma disputa de fronteira entre Brasil e Paraguai, que se arrastava desde o período colonial. A ideia de construir Itaipu, como um instrumento de desenvolvimento e integração, foi arquitetada pelas chancelarias brasileira e paraguaia” .
Repete-se à exaustão que a decisão de construir Itaipu foi política. Tendo em vista a magnitude da obra, é difícil crer que fatores políticos tenham sido preponderantes. Por mais importante que fosse a disputa geopolítica com a Argentina ou a questão de fronteira com o Paraguai, nenhuma seria suficiente para levar o Brasil a construir usina com produção equivalente a 75% de toda a capacidade instalada do país.
Principais motivos para a construção da usina
Os dois principais motivos que levaram à construção de Itaipu foram deficiência de planejamento do governo federal e interesse das empreiteiras. Indício desse interesse encontra-se em pesquisa realizada pela revista Exame, em 1976, com três ministros e 12 empresários, na qual estes apontam Itaipu como primeira prioridade para o governo, enquanto os ministros defendiam a exploração de petróleo, cabendo à hidrelétrica o décimo lugar . Seria ingênuo negar a influência das empreiteiras na definição de prioridades de investimento do governo brasileiro, especialmente quando atuam juntas. Citando Antonio Leite, Victorio Oxilia narra como houve um impasse logo na primeira licitação internacional, quando o lado brasileiro apontou a Andrade Gutierrez como vencedora e o paraguaio, a Camargo Corrêa. A solução encontrada foi “a formação de um consórcio com os cinco postulantes da licitação, com a sigla Unicon, que passou a ser o único executor de todas as obras civis, por parte do Brasil. Do lado paraguaio o executor foi o consórcio Conempa” .
Um dado que não é levado em conta pelos paraguaios que acusam seus negociadores de subserviência ante o Brasil é que o Paraguai soube se valer da disputa que Argentina e Brasil travavam pela liderança na região para obter vantagens. Stroessner exigiu, por exemplo, que o Paraguai não arcasse com qualquer custo, que tivesse igualdade de direitos e que não oferecesse garantia pelos empréstimos. Até os US$ 50 milhões da metade paraguaia do capital social da empresa Itaipu Binacional foram emprestados pelo Brasil com prazo de 58 anos, com oito de carência e juros de 6% ao ano , sendo que o Anexo C do Tratado estipulou a remuneração do capital em 12%, possibilitando a amortização do empréstimo com os dividendos obtidos do próprio empreendimento.
Compensação pela cessão de energia
Stroessner tampouco se contentou em esperar até que o investimento se amortizasse, recebendo apenas o pagamento de royalties, que em Itaipu são duas vezes e meia superiores à média dos pagos em hidrelétricas brasileiras . No seu entender, como os royalties fariam parte do custo da energia a ser adquirida, não seria justo que o Paraguai pagasse pelos royalties ao comprar energia (ainda que isso fosse vantajoso para aquele país, que compra cerca de 10% da energia, mas recebe a metade dos royalties). Foi então criada a “compensação pela cessão de energia”, que é um custo adicional pago pelo Brasil diretamente ao Paraguai. Em linguagem leiga, é o equivalente a comprar um produto, pagar o seu preço e depois ainda pagar uma quantia extra ao vendedor por ele ter vendido a mercadoria. A situação, aparentemente esdrúxula, começa a fazer sentido quando se encara a compensação pela cessão de energia como uma maneira encontrada para transferir dinheiro diretamente do Brasil ao Paraguai, sem passar pela empresa Itaipu Binacional, uma vez que as rendas obtidas por aquela empresa se destinam aos dois donos em partes iguais.
Não se deve confundir a compensação pela cessão de energia com o preço da energia como se faz deliberadamente no Paraguai. Em 2008, o Paraguai recebeu cerca de US$ 218 milhões por royalties (de Itaipu) e US$ 120 milhões por compensação pela cessão de energia (do Brasil), num total de aproximadamente US$ 338 milhões. Naquele ano, a receita operacional de Itaipu foi de US$ 3,4 bilhões, sendo 66% destinados para pagamento da dívida, 17% para royalties e encargos do anexo C, e 17% para despesas operacionais . Não é correto afirmar que o Brasil pagou US$ 120 milhões de dólares pela energia que comprou. Na verdade, em 2008, o Brasil gastou US$ 3,244 bilhões para comprar energia de Itaipu a um custo médio de US$ 36,10/MWh, enquanto o custo médio da energia vendida ao Paraguai foi de US$ 23,14MW/h .
A compensação pela cessão de energia poderia ser vista como um prêmio pago pelo Brasil para que o Paraguai não vendesse sua energia a outros países. Essa possibilidade, presente na Ata das Cataratas, mas vedada no Tratado de Itaipu, é uma das principais queixas do Paraguai. Contudo, estudadas as condições em que foi negociado o tratado, percebe-se que a exigência não é draconiana, uma vez que a obrigação de venda ao Brasil está atada à obrigação de compra pelo Brasil. Sem a garantia do mercado consumidor brasileiro, teria sido praticamente impossível obter os recursos para a construção de Itaipu.
Outro fator a ser ponderado quando se estuda o porquê de o Paraguai ser obrigado a vender a energia que não usa ao Brasil é que nosso país construiu Itaipu com o objetivo de garantir suprimento de energia para sua industrialização. O Brasil jamais teria aceito arcar com os custos da obra se não pudesse dispor da energia.
A queixa paraguaia de que o tratado de Itaipu é injusto por impedir a venda a terceiros pode ser questionada com um argumento simples: não existe mercado significativo para a energia paraguaia de Itaipu que não o Brasil. Em 2008, Itaipu produziu 94,68 milhões de MWh. Segundo o “World Fact Book”, da CIA, naquele ano, o consumo estimado da Argentina foi de 104,7 milhões de MWh, o do Chile, 56,35 milhões e o do Uruguai, 7,57 milhões (em 2010). Ou seja, a metade paraguaia de Itaipu equivalia a 45% do consumo anual argentino, 84% do chileno e 625% do uruguaio. O Paraguai, que consome 8,5 milhões de MWh, também é dono de metade de Yacyretá que, em 2011, produziu 20,86 milhões de MWh, dos quais 18,69 milhões foram exportados à Argentina.
Para vender a chilenos e uruguaios existe o complicador adicional de que a energia teria de passar pela Argentina, país que já cortou o fornecimento de gás ao Chile, atrapalhou o financiamento de linha de transmissão entre Brasil e Uruguai pelo Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul e tem colocado obstáculos para a exportação de energia da hidrelétrica paraguaia de Acaray ao Uruguai. Esse pode ser problema maior do que a ausência de linhas de transmissão para levar a energia paraguaia de Itaipu a outros mercados, obra jamais empreendida pelo Paraguai.
O Tratado de Itaipu foi assinado seis anos após a Ata das Cataratas, em 26 de abril de 1973, e a primeira turbina entrou em operação em 1984. Em 1991, entrou em operação a 18ª e última das previstas inicialmente e, em 2005, formam acrescentadas duas mais, elevando a potência da usina para 14 GW. Essa potência é alcançada graças à gestão de reservatórios de mais de 40 represas situadas em território brasileiro, que garantem uma vazão superior a 8 mil m³/s, durante 90% do tempo e fazem com que Itaipu seja considerada usina a fio d’água e possa manter produção anual de energia superior à da usina de Três Gargantas, na China, com capacidade instalada de 18.200 MW.
A análise das negociações sobre Itaipu faz com que alguns estudiosos, geralmente brasileiros, pensem como Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética do Ministério das Minas e Energia, e defendam que “o Paraguai nesse processo entrou apenas com a água“ . Esse tipo de observação, que ofende os paraguaios, talvez preste tributo aos negociadores guaranis.
Custo da usina e razão do crescimento exponencial da dívida
O investimento físico para a construção de Itaipu foi de US$ 12 bilhões e as captações de empréstimos alcançaram US$ 27 bilhões. Os pagamentos já realizados somam US$ 47 bilhões, com saldo de US$ 19 bilhões e pagamentos a fazer de US$ 28 bilhões .
A estrutura financeira que viabilizou a construção de Itaipu foi muito “alavancada”, produzindo endividamento que atingiu 99,2% do investimento direto . O Paraguai afirma que grande parte do passivo da empresa deve-se a que, em 1986, o Brasil conseguiu que o preço pago pela energia baixasse de US$ 16,50 KW/mês para US$ 10,00 KW/m, indo de encontro ao Anexo C do Tratado, que estipula que o preço da energia tem de ser igual a seu preço de custo. O barateamento da energia teria gerado uma dívida adicional de US$ 4,19 bilhões, que foi encampada pela empresa Itaipu Binacional na renegociação promovida em 1997. Segundo os paraguaios, ao somar-se a essa quantia os juros chega-se ao total de US$ 17 bilhões de “dívida espúria” .
Em depoimento ao Senado do Brasil, o diretor-geral brasileiro reconheceu que “o crescimento exponencial da dívida resultou da combinação de dois fatores adversos: a escalada dos juros internacionais, durante o auge da construção, e a geração insuficiente de caixa líquido para o pagamento dos juros e amortizações dos empréstimos até o início dos anos 1990, obrigando a empresa a recorrer a novas captações para rolagem da dívida e pagamento de encargos financeiros” .
Samek afirma que a dívida, de US$ 4.193,6 milhões, em 31/12/1996, já teria sido quitada integralmente em setembro de 2001, com juros de 4,4% ao ano mais inflação norte-americana, num total de cerca de US$ 4,7 bilhões. O diretor-geral brasileiro também toca num ponto crucial: o consumidor brasileiro arcou com 94,6% dessa quantia, uma vez que o Brasil compra a maior parte da energia.
A dívida de Itaipu foi renegociada em 1997 e adotou taxa fixa de juros indexada à inflação dos EUA, em substituição ao índice anterior, o IGP-M da FGV, que era superior. A dolarização da dívida unificou a contabilidade da empresa, que até então tinha receitas em dólares e despesas em moeda brasileira, o que ocasionava uma série de inconvenientes. No período entre julho de 1994 e novembro de 1995, por exemplo, a variação do dólar foi de 3,32%, enquanto a do IGP-M foi de 102,11% . Essa renegociação foi conduzida pelos governos eleitos de Juan Carlos Wasmosy e Fernando Henrique Cardoso. Com isso, a crítica feita por alguns paraguaios de que o Tratado de Itaipu seria ilegítimo por ter sido assinado pelas ditaduras de Stroessner e Médici não se aplica à renegociação de 1997.
Com o aumento da inflação norte-americana, o Paraguai começou a reclamar do que chamava de “dupla indexação”, que consistia na soma da taxa de juros de 7,5% ao ano mais a inflação dos EUA, que podia chegar a 6%. O Brasil então concordou em eliminar a indexação da dívida paraguaia de Itaipu. O consumidor brasileiro, no entanto, não foi contemplado com a benesse e continua a arcar com os custos na sua conta de luz.
O Paraguai também se queixa de que as reduções obtidas na dívida externa brasileira no Plano Brady e em outras negociações não teriam sido repassadas à dívida de Itaipu. Portanto, o Tesouro brasileiro, principal credor da empresa, estaria embolsando a diferença entre a dívida original e o que cobra de Itaipu. A empresa, por sinal, é a maior contribuinte individual para o superávit primário do Tesouro brasileiro, depois que a Petrobras foi excluída do cálculo. Pela proposta de orçamento de 2011, Itaipu deveria contribuir para o superávit das estatais com R$ 5,7 bilhões, 75% do total de R$ 7,6 bilhões , sendo elemento essencial para o governo alcançar a meta nas contas públicas.
Caso a alegação paraguaia seja verdadeira, as consequências são distintas para o Paraguai e o Brasil. Para o Paraguai, significa esperar mais alguns anos até poder embolsar o valor integral da venda de energia. Para o consumidor brasileiro, significa que o governo descobriu outra maneira de arrecadar, onerando ainda mais as taxas pagas sobre energia elétrica, que representam quase 45% do total da conta de luz.
Custo para a sociedade brasileira
Aspecto importante de Itaipu que não é discutido foi seu custo para a sociedade brasileira. Uma boa maneira de se ter ideia aproximada desse custo é imaginar a construção de Itaipu nos dias de hoje. Imagine o leitor, por exemplo, que o Paraguai inventasse uma questão de fronteira e que o Brasil decidisse “afogar o problema” construindo seis Itaipus (75% da capacidade instalada brasileira atual) em Foz do Iguaçu, sendo que três pertenceriam ao Paraguai. Imagine que a maioria das obras fosse dada às principais empreiteiras brasileiras e paraguaias reunidas em consórcio. Imagine que isso se desse em regime de ditadura, sem imprensa livre ou órgão de controle para fiscalizar os gastos e falcatruas. Imagine que o Brasil importasse 90% de seu petróleo e que, durante a construção da usina, houvesse dois choques de preço, como houve em 1973 e 1979. Imagine que o Brasil tivesse uma grande dívida externa e que o FED subisse os juros para perto de 20%, como ocorreu. Imagine que nos primeiros anos de operação das usinas houvesse excesso de produção no Brasil, mas fosse obrigatório comprar energia dessas usinas, deixando as nacionais sem ter como vender sua produção. Imagine se seria possível construir Santo Antonio, Jirau, Estreito e Angra III, para citar apenas quatro usinas. Imagine quantas universidades, hospitais, ferrovias e portos em todo o país poderiam ser construídos com esse dinheiro. Imagine o efeito nas contas públicas. Pois isso aconteceu. E você, leitor, pagou a conta, e continuará a pagar até 2023, quando Itaipu estará paga e o Paraguai poderá dispor da sua metade de usina que vale US$ 60 bilhões sem ter colocado um centavo para sua construção.
Todo esse sacrifício não sensibiliza os paraguaios que, estimulados pela imprensa e sucessivos governos, em sua maioria, acreditam que o Brasil tem sistematicamente explorado seu país. Lugo, que já se referiu à data de assinatura do Tratado de Itaipu como “dia negro” e “símbolo do entreguismo” , utilizou a hidrelétrica como um dos eixos de sua campanha eleitoral. Segundo o analista paraguaio Alfredo Boccia, “Fue el mayor acierto de su campaña electoral. Allí estaba una reivindicación colectiva atragantada por décadas”.
Após a posse, Lugo imediatamente exigiu renegociar os valores recebidos de Itaipu. Em reunião dos ministros das Minas e Energia, Relações Exteriores e Fazenda dos dois países, em janeiro de 2009, o Brasil propôs a duplicação do pagamento pela compensação de energia, para cerca de US$ 240 milhões anuais; um crédito do BNDES de até US$ 1 bilhão, para construção de linha de transmissão até Assunção, e o estabelecimento de fundo de desenvolvimento de US$ 100 milhões. O Paraguai recusou as ofertas brasileiras e condicionou praticamente toda a agenda bilateral à questão de Itaipu.
Foram congeladas as iniciativas de cooperação técnica. O depósito do instrumento de ratificação dos Acordos de Residência e Regularização Migratória do Mercosul, de grande relevância para a comunidade brasiguaia, foi engavetado. Houve ameaças de multilateralizar a questão e recorrer à Corte Internacional de Justiça, em Haia. Cresceu, igualmente, o tom das declarações à imprensa, com acusações duras de que o Brasil somente dava “espejitos” ao Paraguai. A escalada de tom repetiu, com as devidas proporções, o ocorrido na época de Stroessner, quando se negociavam a Ata das Cataratas e o Tratado de Itaipu.
O Brasil dava sinais de que não flexibilizaria sua posição. Em audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, afirmou que “não há da nossa parte nenhuma disposição de negociar o Tratado de Itaipu”, que “foi realizado de forma absolutamente legal, correta e vigente” . O Itamaraty afirmou que Lugo havia sido “mal assessorado” durante a campanha e que era “no mínimo injusto jogar em Itaipu a culpa pelos problemas internos do Paraguai” . O ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, e o diretor-geral brasileiro de Itaipu, Jorge Samek, também deram várias declarações à imprensa nessa linha.
Em maio de 2009, o então presidente Lula convocou reunião de ministros e técnicos do governo brasileiro para elaborar uma proposta a ser feita aos paraguaios. A ideia de estender o prazo final de quitação da dívida paraguaia, de 2023 para 2040, encontrou resistências no Ministério da Fazenda. Outra, que previa antecipar a compra da energia excedente de Itaipu, foi descartada. O governo reiterou, ainda, a inviabilidade de quaisquer alterações que exigissem a aprovação do Congresso .
No dia 7 de maio de 2009, Lugo visitou Brasília e não houve acordo. A cerimônia prevista para a assinatura de 14 convênios e acordos de cooperação foi cancelada. Lugo foi incisivo e declarou que “el Paraguay no ha renunciado a ninguna de sus reivindicaciones”. O jornalista paraguaio Cristian Cantero resumiu a situação: “Brasil es el principal socio comercial de Paraguay, así que a este país no le conviene que se lleven mal. Sin embargo, el reclamo de Itaipú ha sido la bandera de Lugo desde su campaña. En tanto, Brasil no quiere perder liderazgo en la región o aparecer como el malo de la película, pero Lula tiene mucha presión en su país para no ceder ante los reclamos de Paraguay”.
Lugo, intransigente
Havia duas explicações para a atitude intransigente de Lugo. A primeira era a de que o presidente realmente apostava em um endurecimento nas negociações com o Brasil. Os defensores dessa linha apontavam a Bolívia como exemplo a ser seguido, tendo em vista a semelhança dos casos. Do mesmo modo que Evo Morales, Lugo era um governante “progressista” que negociava com uma empresa cujo controle estava nas mãos do governo brasileiro, sendo, portanto, mais suscetível a considerações ideológicas e políticas. Nem o discurso antibrasileiro de Morales havia impedido desfecho positivo nas negociações com o Brasil, que encarava as concessões que fazia como modo de promover a estabilidade e o progresso no entorno, mesmo que isso significasse prejuízo financeiro e a flexibilização da posição de que contratos devem ser respeitados.
A segunda explicação para a atitude de Lugo era que não havia alternativa politicamente aceitável. Naquele momento, o escândalo de sua paternidade estava no auge. Três mulheres afirmavam ter tido filhos com o presidente, e havia especulação sobre vários outros. Sem condições de apresentar nenhuma grande realização na esfera econômica ou na política interna, o presidente estava na defensiva. Nessas condições, firmar um acordo com o Brasil muito distante das exigências iniciais paraguaias, mesmo que fizesse sentido do ponto de vista pragmático, seria visto como derrota, que seria explorada pela oposição. Lugo encontrava-se prisioneiro da armadilha que ele mesmo criara ao insistir em exigências elevadas.
Último vagão do trem Brasil
Após o fracasso da visita em maio de 2009, foi possível perceber que a divisão no lado paraguaio crescia. Algumas vozes mais pragmáticas e menos radicais defendiam projeto mais amplo, que transcendesse a questão de Itaipu e fosse capaz de transformar o Paraguai no “último vagão do trem Brasil”. Uma maneira de alcançar esse objetivo seria alterar o modelo econômico tradicional, forjado ainda na época de Stroessner, baseado no tripé i) exportações de commodities agrícolas (sobretudo soja e carne), ii) “triangulação comercial” ou “reexportação”, e iii) rentismo proporcionado pela venda de energia. Essa transição poderia ser feita valendo-se das vantagens comparativas do país, que incluem energia abundante e barata, baixa carga tributária, proximidade com as áreas mais ricas e populosas de Argentina e Brasil e agricultura competitiva em terras férteis e de baixa densidade demográfica. O setor moderado apostava num aprofundamento do relacionamento com o Brasil, que não deveria ser encarado como adversário, mas sim como parceiro.
Entre maio e julho, data da Cúpula do Mercosul em Assunção, o setor radical paraguaio passou a segundo plano. Declarações de autoridades brasileiras não provocaram réplicas. As ameaças de recorrer à Corte Internacional de Justiça praticamente sumiram do noticiário. Aparentemente, parte do governo e da opinião pública paraguaia temia que o Brasil se mantivesse inflexível, o que poderia ser grave para o Paraguai.
O grande trunfo paraguaio era Itaipu ser essencial para o Brasil. Contudo, não se cogitava a hipótese de simplesmente interromper o abastecimento de energia como forma de pressão, o que poderia provocar alguma retaliação, além de interromper o repasse de recursos ao governo paraguaio, que não pode abrir mão da renda proporcionada pelas hidrelétricas porque tem arrecadação da ordem de 11% do PIB. Também se levava em consideração que, à medida que se constroem novas usinas geradoras de energia no Brasil, a importância de Itaipu diminui. Se, em 2000, Itaipu respondia por 25% do consumo brasileiro , hoje os 50% paraguaios são responsáveis por 8,2% do total . O Brasil também promoveu a interligação de sua rede elétrica, tornando possível transferir excedentes de um ponto a outro do país.
Enquanto isso, o Brasil também discutia que posição tomar. No dia 21 de julho de 2009, o chanceler Celso Amorim declarou que o governo brasileiro aceitava a proposta paraguaia de discutir a venda de energia diretamente ao mercado brasileiro. O Ministério de Minas e Energia, que sempre afirmara que a venda direta era impossível porque requereria uma alteração do Tratado de Itaipu, divulgou nota afirmando desconhecer qualquer nova proposta. Em Itaipu, a assessoria da hidrelétrica explicou que como a decisão era política, a empresa não iria se pronunciar .
Lula: decisão favorável ao Paraguai
A área técnica, a exemplo do que já ocorrera durante as negociações da Ata das Cataratas e do Tratado de Itaipu, mostrava-se contrária a concessões que julgava excessivas, o que encareceria o custo da energia pago pelo consumidor no Brasil. A área responsável pela diplomacia acrescentava outras variáveis à equação. Os modos de raciocinar dos dois setores podem ser bem percebidos na questão da Corte Internacional de Justiça.
A área técnica via com bons olhos a ameaça paraguaia de recorrer à Corte. Fundamentada na convicção de que o Tratado de Itaipu era instrumento jurídico perfeito, a área técnica enxergava na proposta saída conveniente, que transferiria para terceiro corpo o ônus da decisão, de modo a que não pairasse dúvida a respeito de um acordo distante das pretensões paraguaias. Já o setor a cargo da política externa era contrário à ideia, que cristalizaria situação de confronto no seio do Mercosul.
A decisão final foi do ex-presidente da República, que deixou de lado o aspecto técnico da questão e optou por dar seguimento à política de apoiar governos “progressistas” do entorno, o que poderia ser alcançado por meio do aumento da transferência de recursos de Itaipu. Os paraguaios reconheceram o papel do então presidente Lula para o desfecho das negociações. O diretor-geral paraguaio de Itaipu, Carlos Mateo Balmelli, reconheceu que “se não tivesse saído de um político como Lula, que reconhece o efeito político de uma obra de infraestrutura, o problema não seria resolvido” .
A posição brasileira foi divulgada em Assunção, durante visita bilateral do então presidente Lula, após a Cúpula do Mercosul de julho de 2009. O Brasil concordou em estudar a liberação gradual da venda da energia excedente do Paraguai no mercado brasileiro diretamente pela Ande, a estatal paraguaia, e em triplicar a quantia paga como compensação pela cessão de energia, de uns US$ 100 milhões para US$ 300 milhões ao ano. Os números não são exatos porque dependem do consumo interno paraguaio, que ditará o disponível para ser exportado, e da produção anual de Itaipu, que sofre alterações em razão do volume de água disponível.
O Brasil também concordou na construção, pela Itaipu Binacional e sem custo ao Paraguai, de linha de transmissão de energia de 500 kV, no valor aproximado de US$ 450 milhões, até Assunção. O acordo prevê, ainda, a construção de obras civis e eletromecânicas que ficaram pendentes do lado paraguaio da usina, como seccionamento de linhas de transmissão e uma torre turística com mirante e teleférico, estimadas entre US$ 80 milhões e US$ 90 milhões, e estudos para a construção de eclusas.
O resultado das negociações, amplamente percebido como vitória de Lugo, não satisfez os paraguaios, que continuam a reclamar da “dívida espúria” e do baixo preço da energia. A decisão do então presidente Lula não foi encarada como ato de generosidade, mas como reconhecimento tardio e parcial de injustiça histórica. O acordo também fortaleceu a ala radical do governo paraguaio e cristalizou a convicção de que a melhor maneira de negociar com o Brasil é radicalizando, inclusive valendo-se dos brasiguaios como instrumento de pressão, o que pode ter graves consequências para aquela comunidade.
Um ponto a ser estudado é o porquê de Lugo ter obtido o que seu antecessor Nicanor Duarte, que governou durante cinco anos (2003-2008), tendo o ex-presidente Lula como homólogo no Brasil, jamais obteve. A resposta pode ter sido dada na cerimônia de formatura da turma Zilda Arns, do Instituto Rio Branco, quando o então presidente Lula afirmou que as diferenças com o Paraguai somente foram resolvidas “porque entrou um presidente de esquerda no Paraguai”.
Sem se questionar o senhor ex-presidente da República, pode-se acrescentar que a atitude brasileira de ceder em pontos, que do ponto de vista técnico não fazem sentido, é parte de uma política de Estado, aceita por todo o espectro político, de promover o desenvolvimento e a estabilidade no entorno. O que poderá vir a ser questionado é se esse objetivo será alcançado, aumentando as transferências de dinheiro ao Paraguai.
Itaipu já custou US$ 47 bilhões. Benefícios para o Brasil?
Itaipu já custou US$ 47 bilhões. Como o Paraguai é dono de metade do empreendimento, deduz-se que US$ 23,5 bilhões foram gastos com aquele país. Acrescentem-se a essa quantia os US$ 5 bilhões que o Paraguai já levou em royalties e compensação pela cessão de energia e chega-se à conclusão de que já foram gastos US$ 28,5 bilhões com o Paraguai. Pode-se então perguntar: que benefícios a sociedade brasileira obteve por ter deixado de investir esse dinheiro no Brasil? O que teria sido possível?
Os 6 milhões e meio de paraguaios representam um mercado atraente para nossa indústria? O contrabando diminuiu? O tráfico de drogas e armas foi efetivamente combatido? Os brasiguaios têm sido respeitados ou são vítimas de preconceito e xenofobia? A imagem do Brasil é de país amigo ou espoliador?
E Lugo? Será diferente de seus antecessores? Vai procurar usar as vantagens comparativas do país para promover um novo modelo de desenvolvimento ou continuará a apostar no rentismo das hidrelétricas e na “triangulação comercial”? Tentará garantir a titularidade das terras dos brasiguaios ou continuará a utilizá-los como instrumento de barganha para arrancar mais concessões do Brasil? Vai abandonar a retórica xenófoba e deixar de culpar nosso país por males que são de responsabilidade dos próprios paraguaios? Isso somente o futuro dirá, se é que o presente já não está dizendo.
É comum ler em textos brasileiros sobre Itaipu que a usina promoveu um “casamento indissolúvel” entre Brasil e Paraguai. O problema é que o casamento não é harmonioso. O Paraguai, seja por tática de negociação, pela conveniência de ter um bode expiatório para suas mazelas, ou por simples diferença de percepção, acusa o Brasil de agir de má fé. O que deveria unir separou e poderá separar ainda mais. Vide, por exemplo, a questão do preço da energia. O que ocorrerá em 2023, quando a empresa estiver amortizada? O custo da energia baixará para 40% do que é cobrado hoje? Essa é apenas uma das muitas diferenças que terão de ser resolvidas.
Uma sugestão é que se acabe com a “compensação pela cessão de energia” e que eventuais lucros sejam auferidos apenas por meio da empresa Itaipu binacional, o que seria mais justo. O Paraguai já ganhou muito dinheiro com Itaipu e não há justificativa para que essa “compensação” continue a onerar a sociedade brasileira, que suporta carga tributária três vezes superior à paraguaia. O que se percebe é que a renda de Itaipu não serviu para desenvolver o Paraguai, mas sim para reforçar a mentalidade rentista que, juntamente com a “triangulação comercial”, tem sido obstáculo à transformação do modelo de desenvolvimento daquele país.
Eclusas podem ser marco de união
Por sorte, há um aspecto de Itaipu que pode colaborar para que a empresa deixe de ser um foco de desentendimento para transformá-la num verdadeiro marco de união entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai: suas eclusas.
O último estudo sobre o tema foi feito pelo Instituto de Logística e Supply Chain Management (Ilos), que apresentou conclusões preliminares em março de 2011. O estudo, ao qual o autor do artigo não teve acesso, analisou quatro cenários: sistema de eclusas na margem direita (do Paraguai) e esquerda (Brasil) e polos intermodais, também em ambas as margens do rio. Dos quatro cenários estudados, o que se mostrou mais próximo de um ponto de equilíbrio financeiro, com menor investimento inicial e menor restrição socioambiental, seria o sistema de eclusas na margem paraguaia, com custo de R$ 4,2 bilhões .
A construção das eclusas proporcionaria escoamento alternativo para grande parte da produção agrícola brasileira, aliviando o tráfego em ferrovias, rodovias e portos brasileiros saturados. A possibilidade de exportar via portos na Argentina ou Uruguai teria profundos efeitos no frete dentro do Brasil. Como os produtores agrícolas do Mato Grosso podem atestar, a existência de ferrovia não significa barateamento automático nos preços. Prova disso são as tentativas do governo brasileiro de introduzir o direito de passagem nos ramais ferroviários que foram privatizados na década de 1990.
Exemplo da competitividade da hidrovia se vê no caso do álcool. Segundo o presidente da Transpetro, Sérgio Machado, “o modal hidroviário gasta em torno de quatro litros de combustíveis para carregar uma tonelada do produto a cada mil quilômetros, enquanto por via férrea seriam seis litros, e por via rodoviária, 15 litros. Além disso, para transportar o mesmo volume de um comboio seriam necessários 86 vagões em um trem, ou 172 carretas de caminhão” . As vantagens para a indústria automobilística, para citar outro exemplo, seriam imediatas e provocariam substancial diminuição no uso de caminhões cegonhas. Seria possível carregar numa só barcaça automóveis prontos, motores e peças, unificando o transporte, o que é impossível no momento. É bom também recordar que, em razão de desconfianças históricas, não há trânsito ferroviário entre Brasil e Argentina porque as bitolas são diferentes.
Críticas pertinentes, como a de que obra financiada por Itaipu teria reflexos na conta de energia, podem ser matizadas quando se atenta para o fato de que 60% do preço da energia de Itaipu destina-se ao pagamento da dívida, que estará completamente amortizada em 2023. A empresa estaria em condições de absorver o custo extra da construção das eclusas, que poderiam, a exemplo da energia vendida, operar a preço de custo ou próximo dele.
Para o Paraguai, a obra seria uma chance de reviver os períodos de construção de Itaipu e Yacyretá, com grande entrada de divisas e geração de empregos. Para o Brasil, seria uma oportunidade de promover o entorno sem o ônus de arcar com a transferência direta de recursos a governos estrangeiros.
No tocante a custos, os RS$ 4,2 bilhões representam menos de dez vezes o que se espera gastar com o trem bala, com custos estimados em até R$ 50 bilhões. Ao contrário do trem bala, que poupará algumas horas de viagem entre dois estados vizinhos já ligados por rodovia, ferrovia e ponte aérea, a hidrovia teria reflexos positivos em vários setores da economia em uma área muito mais extensa que inclui Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás, podendo ser instrumento poderosíssimo para baixar o “custo Brasil”, com consequências imediatas na geração de empregos e riqueza.
Como se vê, é possível que Itaipu deixe de ser motivo de discórdia e passe a ser instrumento de progresso e desenvolvimento para milhões de pessoas nos quatro países do Mercosul. Caberá aos governos de Brasil e Paraguai mostrar que essa mudança é possível.

Fonte: http://interessenacional.uol.com.br/2012/05/a-outra-historia-de-itaipu/

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