Quando o pleito do movimento social
s e torna um incômodo para os políticos
Por Celso Martins*
A polêmica envolvendo comunidades do Norte da Ilha (Florianópolis) e a Casan e Prefeitura, motivada pelas péssimas condições de suas estações de tratamento de esgotos, sobretudo a de Canasvieiras, revela algumas facetas de nossa democracia travada. O pleito real da sociedade não interessa aos partidos. Vejamos por partes.
1. O pleito do movimento social, que rejeita a concentração dos esgotos do Norte da Ilha em Canasvieiras e o lançamentos dos efluentes na bacia do rio Ratones, chegando às praias, legítimo e necessário, não é bem visto pelas diferentes candidaturas à Prefeitura de Florianópolis. É visto como algo inconveniente pelo momento eleitoral vivido. Ouvi isso de diferentes fontes. No ato público do dia 4 na audiência do dia 7 passados, nenhum candidato ao Executivo da Capital marcou presença, nem seus vices.
2. Existem diversas leituras possíveis desse comportamento de nossas elites políticas. A mais cruel nos remete a uma triste constatação: a nossa dor, os nossos pleitos, as reivindicações mais sentidas das comunidades, representadas no movimento social em curso, não interessam às diferentes candidaturas. Elas estão concentradas no marketing, no que diz o conselheiro político, no que sugere o assessor de comunicação, todos preocupados em construir uma imagem, um ícone, visando atingir as massas.
3. Assim, criam necessidades artificiais, aspirações fictícias e pleitos gerais, empacotando-os o oferecendo-os aos “eleitores”, envolvidos com um leque de “propostas” e “programas de governo”, raramente considerados depois. É assim que se dá o embate eleitoral. O eterno esforço de convencer o pacato cidadão de que ele é o melhor, seu partido o mais bacana, seu esforço o mais notável e sua disposição a mais altruística possível.
4. Por isso rechaçam os pleitos reais da sociedade. Seria um vínculo pesado que, mais a frente, iria incomodar, debater, sugerir, dar o seu pitaco. É melhor acenar com um engodo do que se comprometer com as preocupações. É mais confortável convencer o cidadão com sono que ele não pode dormir, acenar com um café quente ao sujeito que atravessa ofegante o deserto ou oferecer um sorvete a quem treme de frio.
5. Vivemos uma democracia travada. Democracia onde o sujeito tem um canal de expressão, o voto, arrancado de assalto com esse tipo de postura. O fato de meia cidade estar envolvida no embate com a Casan e a Prefeitura não interesse aos candidatos. É algo inconveniente, fora de época, incômodo. O correto seria incorporar o anseio social às plataformas dos candidatos, tornando legítimo o processo, tornando o Executivo um executor dos pleitos das comunidades.
6. Discutir os rumos do saneamento da cidade da forma como está acontecendo é um exemplo de democracia direta. Mas a democracia das nossas lideranças tem limites e travas que não comportam essa abertura. A mentalidade e posturas dos candidatos à Prefeitura de Florianópolis são as mesmas que levam à criminalização do movimento social e, no limite, sustenta regimes autoritários, ditatoriais. É realmente uma pena que o momento de afirmação e aprofundamento da democracia seja usado exatamente para dar o recado: tratem de votar numa das plataformas do cardápio disponível e não inventem sarnas para a gente se coçar.
*Celso Martins é jornalista (editor do Daqui na Rede) e historiador
Fonte: CANGABLOG
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