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quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Mentes à base de remédio (republicações)

Frutos do excesso de diagnósticos, antidepressivos e estabilizadores de humor ganham cada vez mais espaço entre adultos e crianças




Publicado em 21/07/2013 | RAFAEL WALTRICK


Somente no ano passado, foram vendidos no Brasil 42,3 milhões de caixas de medicamentos antidepressivos, estabilizadores de humor e ansiolíticos (que diminuem a ansiedade), o que gerou um movimento de R$ 1,85 bilhão – 16% a mais do que em 2011. O aumento no número de diagnósticos e, consequentemente da prescrições de remédios, tem colocado em alerta especialistas e entidades para o fenômeno que, tanto no país quanto no exterior, já se convencionou chamar de “hipermedicalização” da população.

Alerta

O metilfenidato, em geral, é a primeira escolha de medicação para tratar o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). 

Remédio

O metilfenidato é um psicoestimulante em forma de comprimido conhecido no Brasil pelo nome comercial de Ritalina ou Concerta. A embalagem é faixa preta e a venda só pode ser feita com prescrição médica.

Transtorno

O TDAH é um dos transtornos neurológicos do comportamento mais comuns na infância e, segundo dados da Anvisa, afeta de 8% a 12% das crianças no mundo, sendo o motivo mais frequente de consultas nos serviços de saúde mental envolvendo essa faixa etária.

Sintomas

Uma criança com TDAH tem dificuldade para prestar atenção e parece não ouvir quando se fala diretamente com ela. Também é comum que o doente esqueça as coisas, fale excessivamente, mova-se constantemente e tenha dificuldade para esperar sua vez. O metilfenidato age aumentando a atenção e controlando estes impulsos.

Diagnóstico

Diagnosticar o transtorno é complicado porque parte dos sintomas são comuns à faixa etária em si. Assim, o diagnóstico depende muito de relatos dos pais e professores. A Anvisa reforça que nenhum exame laboratorial confiável prevê esse tipo de problema.


R$ 400 é a estimativa de quanto cada brasileiro deve gastar, em média, com remédios em 2016, ano em que o total movimentado com a venda de medicamentos no país pode ultrapassar a marca de US$ 42 bilhões – o equivalente a R$ 93 bilhões. As projeções, calculadas pela consultoria IMS Health, colocam o Brasil como um “mercado farmacêutico emergente”, ao lado de nações como China, Rússia e Índia. Pelas estimativas, o país assumirá em 2016 o quarto lugar no ranking dos mercados que mais gastam com remédios, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Japão.

A preocupação se acentuou nos últimos anos com a produção de novas pesquisas e livros sobre o tema. Estudo divulgado neste ano pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo, revela que, entre 2009 e 2011, o consumo do medicamento metilfenidato – popularmente conhecido como Ritalina, um de seus nomes comerciais – mais do que dobrou no Brasil. O remédio, usado no tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), tem ganhado espaço principalmente entre crianças e adolescentes (veja infográfico). Somente no Paraná, o consumo do remédio na faixa entre 6 e 16 anos aumentou 118% no período estudado.

A Ritalina aumenta a atenção e controla os impulsos de crianças diagnosticadas com transtornos. Não sobram críticas, porém, ao uso indevido do medicamento, tratado por pais e educadores como uma ferramenta para controlar os jovens mais exaltados – tanto que o remédio é chamado de “droga da obediência”.

A psicóloga Renata Guarido é uma das críticas do uso do metilfenidato, tema de um estudo apresentado em sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, muitos agentes escolares “estão crentes de que a variação no uso do remédio é responsável pela variação dos comportamentos e estados psíquicos das crianças.”

A banalização de diagnósticos e o uso irrestrito para tratar transtornos mentais não se restringem ao metilfenidato. A professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp) Rosana Onocko-Campos recentemente esteve à frente de um projeto que percorreu postos de saúde e Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de Campinas. Descobriu que, nesses locais, o tratamento em saúde mental está reduzido ao uso de psicotrópicos. “A pressão vem de todos os lados, inclusive da indústria farmacêutica, que tem interesse que se prescreva mais. Hoje vivemos numa sociedade em que temos que estar bem e alegres o tempo inteiro. Se ser saudável é isso, então tenho que estar o tempo inteiro intoxicada com algo”, critica.

Primeiro o diálogo, depois a prescrição

O último levantamento da Anvisa focado em remédios controlados, de 2011, mostra que quase metade destes medicamentos vendidos nas farmácias são para transtornos mentais e de comportamento. Conforme a agência, entre os 143 medicamentos de venda controlada comprados por meio de receitas entre 2007 e 2010, 44% figuram no rol de antidepressivos, ansiolíticos e estabilizadores de humor.

A tendência de embasar o tratamento psiquiátrico unicamente nos medicamentos é criticada por parte dos médicos. Ao mesmo tempo em que descartam o uso do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), esses profissionais defendem um retorno ao tratamento clássico, focado nos anseios e temores do paciente, e não apenas em seus sintomas.

“Temos que deixar mais afinado o diagnóstico e propor a medicação só quando o paciente efetivamente precisar. É preciso, principalmente, conhecer a história da pessoa, entender como surgiu esse problema, o que ele está sentindo, o que ele pretende. E essas são questões que somente uma conversa técnica e afetiva vai esclarecer”, defende o médico psiquiatra Osmar Ratzke.

Contrassenso

Para o diretor-secretário da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Luiz Carlos Coronel, a popularização dos antidepressivos e remédios semelhantes também mascara um grave contrassenso: enquanto parte da população acaba medicada sem necessidade, outra parcela segue sem ter acesso ao tratamento. “O grande problema não é o diagnóstico exagerado, mas a falta de assistência na rede pública. Às vezes, se leva de três a cinco anos para se fazer um diagnóstico de depressão e, aí, essa pessoa já começa o tratamento como um doente crônico”, diz.

Atualizações do Manual da Psiquiatria têm relação íntima com o “boom” da indústria farmacêutica 

Nos Estados Unidos, principal mercado consumidor de medicamentos no mundo e onde nasceu há 60 anos o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), as discussões sobre a "hipermedicalização" têm chegado ao grande público por meio de jornalistas e médicos que colocam em xeque a eficácia dos remédios para tratar doenças como a depressão e o déficit de atenção. Em seu livro "Anatomy of an Epidemic" (Anatomia de uma Epidemia, sem lançamento no Brasil), o jornalista Robert Whitaker defende que estes medicamentos não são só ineficazes, mas prejudiciais à saúde.

Whitaker lembra que, assim que os efeitos colaterais de certo remédio aparecem, estes efeitos são tratados com outras drogas e, ao fim, o paciente acaba refém de um "coquetel de medicamentos para tratar um coquetel de diagnósticos". Tanto o jornalista, que recebeu prêmios pelo livro, quanto outros especialistas, têm como alvo principal a indústria farmacêutica, considerada uma das mais influentes no país.

De fato, a escalada da produção dos antidepressivos e ansiolíticos coincide com a elaboração da terceira versão do DSM, em 1980, quando, pela primeira vez, transtornos mentais passaram a ser diagnosticados a partir da presença de um certo número de sintomas relatados no manual. O guia passou a garantir que diferentes psiquiatras que atendessem o mesmo paciente propusessem o mesmo diagnóstico. Mas, por outro lado, também passou a justificar o uso em massa de medicamentos para atacar os sintomas descritos.

Fonte: GAZETA DO POVO


segunda-feira, 27 de maio de 2013


POR QUE AS CRIANÇAS FRANCESAS NÃO TÊM DÉFICIT DE ATENÇÃO?



Artigo: classificar como transtorno, tratar como doença e entupir as crianças de remédios pode transformar precocemente comportamentos sociais em sintomas médicos



Nos EUA, Ritalina para a falta de concentração; na França, psicoterapia ou aconselhamento familiar


Nos Estados Unidos, pelo menos 9% das crianças em idade escolar foram diagnosticadas com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), e estão sendo tratadas com medicamentos. Na França, a percentagem de crianças diagnosticadas e medicadas para o TDAH é inferior a 0,5%. Como é que a epidemia de TDAH, que tornou-se firmemente estabelecida nos Estados Unidos, foi quase completamente desconsiderada com relação a crianças na França?

TDAH é um transtorno biológico-neurológico? Surpreendentemente, a resposta a esta pergunta depende de você morar na França ou nos Estados Unidos. Nos EUA, os psiquiatras pediátricos consideram o TDAH como um distúrbio biológico, com causas biológicas. O tratamento preferido também é biológico — medicamentos psicoestimulantes, tais como Ritalina e Adderall.

Os psiquiatras infantis franceses, por outro lado, veem o TDAH como uma condição médica que tem causas psicossociais e situacionaisEm vez de tratar os problemas de concentração e de comportamento com drogas, os médicos franceses preferem avaliar o problema subjacente que está causando o sofrimento da criança; não o cérebro da criança, mas o contexto social da criança. 
Eles, então, optam por tratar o problema do contexto social de fundo com psicoterapia ou aconselhamento familiar. É uma maneira muito diferente de ver as coisas, comparada à tendência americana de atribuir todos os sintomas de uma disfunção biológica a um desequilíbrio químico no cérebro da criança.

Os profissionais franceses não usam o mesmo sistema de classificação de problemas emocionais infantis utilizado pelos psiquiatras americanos. Eles não usam o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders ou o DSM. De acordo com o sociólogo Manuel Vallee, a Federação Francesa de Psiquiatria desenvolveu um sistema de classificação alternativa, como uma resistência à influência do DSM-3. Esta alternativa foi a CFTMEA (Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent), lançado pela primeira vez em 1983, e atualizado em 1988 e 2000. O foco do CFTMEA está em identificar e tratar as causas psicossociais subjacentes aos sintomas das crianças, e não em encontrar os melhores band-aids farmacológicos para mascarar os sintomas.

Na medida em que os médicos franceses são bem sucedidos em encontrar e reparar o que estava errado no contexto social da criança, menos crianças se enquadram no diagnóstico de TDAH. Além disso, a definição de TDAH não é tão ampla quanto no sistema americano, que tende a “patologizar” muito do que seria um comportamento normal da infância. O DSM não considera causas subjacentes. Dessa forma, leva os médicos a diagnosticarem como TDAH um número muito maior de crianças sintomáticas, e também os incentiva a tratar as crianças com produtos farmacêuticos.


Juventude medicada: 9% das crianças em idade escolar nos EUA foram diagnosticadas com déficit de atenção


A abordagem psicossocial holística francesa também permite considerarcausas nutricionais para sintomas do TDAH. Mais especificamente, como o comportamento de algumas crianças piora após a ingestão de alimentos com corantes, certos conservantes, e/ou alérgenos. Os médicos que trabalham com crianças com problemas — para não mencionar os pais de muitas crianças com TDAH — estão bem conscientes de que as intervenções dietéticas às vezes podem ajudar. Nos EUA, o foco estrito no tratamento farmacológico do TDAH, no entanto, incentiva os médicos a ignorarem a influência dos fatores dietéticos sobre o comportamento das crianças.

E depois, claro, as filosofias empregadas na educação infantil norte-americana e francesa são muito díspares. Estas filosofias divergentes poderiam explicar por que as crianças francesas são geralmente mais bem comportadas do que as americanas. Pamela Druckerman destaca os estilos parentais divergentes em seu recente livro,Bringing up Bébé. Acredito que suas ideias são relevantes para a discussão, pois o número de crianças francesas diagnosticadas com TDAH em nada se assemelha aos números que estamos vendo nos Estados Unidos.

A partir do nascimento dos filhos, os pais franceses oferecem um firme cadre — que significa “matriz” ou “estrutura”. Não é permitido, por exemplo, que as crianças tomem um lanche quando quiserem. As refeições são em quatro momentos específicos do dia. Crianças francesas aprendem a esperar pacientemente pelas refeições, em vez de comer salgadinhos, sempre que lhes apetecer. Os bebês franceses também se adequam aos limites estabelecidos pelos pais. Pais franceses deixam seus bebês chorando se não dormirem durante a noite, com a idade de quatro meses.

Os pais franceses, destaca Druckerman, amam seus filhos tanto quanto os pais americanos. Eles os levam às aulas de piano, à prática esportiva, e os incentivam a tirar o máximo de seus talentos. Mas os pais franceses têm uma filosofia diferente de disciplina. Limites aplicados de forma coerente, na visão francesa, fazem as crianças se sentirem seguras e protegidas. Limites claros, eles acreditam, fazem a criança se sentir mais feliz e mais segura, algo que é congruente com a minha própria experiência, como terapeuta e como mãe. Finalmente, os pais franceses acreditam que ouvir a palavra “não” resgata as crianças da “tirania de seus próprios desejos”. E a palmada, quando usada criteriosamente, não é considerada abuso na França.

Como terapeuta que trabalha com as crianças, faz todo o sentido para mim que as crianças francesas não precisem de medicamentos para controlar o seu comportamento, porque aprendem o auto-controle no início de suas vidas. As crianças crescem em famílias em que as regras são bem compreendidas, e a hierarquia familiar é clara e firme. Em famílias francesas, como descreve Druckerman, os pais estão firmemente no comando de seus filhos, enquanto que no estilo de família americana, a situação é muitas vezes inversa.

Tradução por Jeanne Pilli, do blog Cultivando o Equilíbrio

* Artigo publicado originalmente no site da revista norte-americana Psychology Today,aqui a continuação do debate (e aqui, traduzido)

segunda-feira, 11 de agosto de 2014


Consumo de Ritalina no Brasil cresce 775% em dez anos

 Os leitores podem ler  outra postagem sobre o assunto neste mesmo blog, sob o título "Mentes  à  base de remédio"

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Droga é usada no tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
11/08/2014 | 09h16
Consumo de Ritalina no Brasil cresce 775% em dez anos  Emílio Pedroso/Agencia RBS
Na última década, a importação e a produção do medicamento também cresceram 373% no PaísFoto: Emílio Pedroso / Agencia RBS

Em dez anos, a importação e a produção de metilfenidato - mais conhecido comoRitalina, um de seus nomes comerciais - cresceram 373% no País. A maior disponibilidade do medicamento no mercado nacional impulsionou um aumento de 775% no consumo da droga, usada no tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Os dados são de pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). 


O remédio é usado sobretudo em crianças e adolescentes, os mais afetados pelo transtorno. Para especialistas, a alta no uso do medicamento reflete maior conhecimento da doença e aumento de diagnósticos, mas também levanta o alerta de uso indevido da substância, até por pessoas saudáveis que buscam aumentar o rendimento em atividades intelectuais. 

Em sua tese de doutorado pela UERJ, defendida em maio, a psicóloga Denise Barros compilou os dados dos relatórios anuais sobre substâncias psicotrópicas da Junta Internacional de Controle de Narcóticos, órgão vinculado às Nações Unidas. De acordo com o levantamento, o volume de metilfenidato importado pelo Brasil ou produzido em território nacional passou de 122 kg em 2003 para 578 kg em 2012, alta de 373%. A pesquisadora cruzou os dados da produção e importação e do estoque acumulado em cada ano, dado também disponível nos relatórios, para chegar aos prováveis índices anuais de consumo. De acordo com o levantamento, foram 94 kg consumidos em 2003 contra 875 kg em 2012, crescimento de 775%. 

Dados mais recentes obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) confirmam a tendência de alta. Segundo o órgão, o número de caixas de metilfenidato vendidas no Brasil passou de 2,1 milhões em 2010 para 2,6 milhões em 2013. 

— Houve um aumento da divulgação da doença e do número de pessoas que passaram a ter acesso ao tratamento, mas há outro fator importante, que é uma maior exigência social de administrar a atenção — afirma a especialista

Ela lembra ainda que há casos de adultos sem o transtorno que tomam o metilfenidato para melhorar a concentração e o foco nos estudos. 

—Isso é comum entre concurseiros, vestibulandos, estudantes de Medicina. Pouco se fala sobre isso no Brasil, mas nos Estados Unidos e em algumas partes da Europa, esse uso inadequado já é tratado como um problema de saúde pública — declara. 

Diagnóstico 

Para o psiquiatra infantil Rossano Cabral Lima, professor da UERJ, a alta no consumo é motivo de alerta porque o diagnóstico de TDAH nem sempre é acompanhado de uma investigação aprofundada das possíveis causas do comportamento incomum da criança. 

— Apesar de a medicação ser importante em alguns casos, o diagnóstico rápido de TDAH e o tratamento medicamentoso parecem ter se tornado a solução mais rápida e fácil de vários problemas, sem que a origem deles seja analisada a fundo. Não se questiona se a inquietude da criança pode estar relacionada a alguma questão da escola, se é uma resposta a algo que ela não está sabendo lidar — diz o especialista. 

Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, afirma que, apesar da alta no consumo, ainda há milhares de brasileiros com TDAH sem tratamento. 

— Com o crescimento do acesso à medicação, estamos talvez começando a adequar a proporção de pessoas com o transtorno e pacientes tratados. Mas hoje, infelizmente, ainda temos subtratamento de TDAH — declarou o presidente da ABP

O especialista cita também um estudo publicado em 2012 na Revista Brasileira de Psiquiatria que apontou que apenas 19% dos brasileiros com TDAH fazem o tratamento com medicação.

Fonte: ZERO HORA

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013


O Doping das Crianças




O que o aumento do consumo da “droga da obediência”, usada para o tratamento do chamado Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, revela sobre a medicalização da educação?


ELIANE BRUM


 
Twitter: @brumelianebrum
(Foto: Lilo Clareto/ Divulgação)


Um estudo divulgado na semana passada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deveria ter disparado um alarme dentro das casas e das escolas – e aberto um grande debate no país. A pesquisa mostra que, entre 2009 e 2011, o consumo do metilfenidato, medicamento comercializado no Brasil com os nomes Ritalina e Concerta, aumentou 75% entre crianças e adolescentes na faixa dos 6 aos 16 anos. A droga é usada para combater uma patologia controversa chamada de TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. A pesquisa detectou ainda uma variação perturbadora no consumo do remédio: aumenta no segundo semestre do ano e diminui no período das férias escolares. Isso significa que há uma relação direta entre a escola e o uso de uma droga tarja preta, com atuação sobre o sistema nervoso central e criação de dependência física e psíquica. Uma observação: o metilfenidato é conhecido como “a droga da obediência”. 

O boletim da Anvisa é uma indicação de que o uso abusivo do metilfenidato pode se tornar um problema de saúde pública no Brasil. A pesquisa é o ponto de partida para vários caminhos de investigação, inclusive jornalística. Por que Porto Alegre é a capital brasileira com maior consumo da droga? Por que o Distrito Federal é, entre as unidades da federação, a que registrou maior uso de metilfenidato? Por que Rondônia, entre os estados do norte, tem um consumo 13 vezes maior que o estado com menor consumo registrado? O que diferencia os médicos brasileiros, concentrados nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, que mais prescrevem o medicamento no Brasil? E por que os três maiores prescritores, dois deles profissionais do Distrito Federal, são os mesmos nos três anos pesquisados? Em 2011, as famílias brasileiras gastaram R$ 28,5 milhões na compra da droga da obediência – R$ 778,75 por cada mil crianças e adolescentes com idade entre 6 e 16 anos. É preciso seguir as pistas e compreender o que está acontecendo. 

A TDAH seria um transtorno neurológico do comportamento que atingiria de 8 a 12% das crianças no mundo. No Brasil, os índices são bastante discordantes, alcançando até 26,8% . Os sintomas considerados para o diagnóstico em crianças são: apresentar dificuldade para prestar atenção e passar muito tempo sonhando acordada; parecer não ouvir quando se fala diretamente com ela; distrair-se facilmente ao fazer tarefas ou ao brincar; esquecer as coisas; mover-se constantemente ou ser incapaz de permanecer sentada; falar excessivamente; demonstrar incapacidade de brincar calada; atuar e falar sem pensar; ter dificuldade para esperar sua vez; interromper a conversa de terceiros; demonstrar inquietação. 

Um parêntese. A droga tem sido usada por jovens e adultos de todas as idades, na crença de que ela potencializaria a atenção e o rendimento. É difícil quem não conheça alguém que já usou o medicamento para fazer provas na escola ou na universidade, assim como em vestibulares e concursos. O uso é disseminado no ambiente profissional, utilizado por quem quer melhorar seu desempenho ou precisa terminar um trabalho em prazo curto. Também é popular entre aqueles que querem ficar “bombados” para uma balada. Alguns recorrem ao mercado ilegal, outros simulam os sintomas de TDAH nos consultórios médicos para conseguir a receita. Sobre esse tipo de consumo há unanimidade: é totalmente contraindicado.

Entre as considerações finais, os autores da pesquisa da Anvisa, Márcia Gonçalves de Oliveira e Daniel Marques Mota, afirmam:

- Os dados demonstram uma tendência de uso crescente no Brasil. No entanto, a pergunta que precisa ser respondida é se esse uso está sendo feito de forma segura, isto é, somente para as indicações aprovadas no registro do medicamento e para os pacientes corretos, na dosagem e períodos adequados. O uso do medicamento metilfenidato tem sido muito difundido nos últimos anos de forma, inclusive, equivocada, sendo utilizado como “droga da obediência” e como instrumento de melhoria do desempenho seja de crianças, adolescentes ou adultos. Em muitos países, como os Estados Unidos, o metilfenidato tem sido largamente utilizado entre adolescentes para melhorar o desempenho escolar e para moldar as crianças, afinal, é mais fácil modificá-las que ao ambiente. Na verdade, o medicamento deve funcionar como um adjuvante no estabelecimento do equilíbrio comportamental do indivíduo, aliado a outras medidas, como educacionais, sociais e psicológicas. Nesse sentido, recomenda-se proporcionar educação pública para diferentes segmentos da sociedade, sem discursos morais e sem atitudes punitivas, cuja principal finalidade seja a de contribuir com o desenvolvimento e a demonstração de alternativas práticas ao uso de medicamentos. 

O documento pode ser lido na íntegra aqui.

Além do questionamento proposto pelos autores, outras perguntas podem e devem ser colocadas: existe um doping legalizado das crianças? A escola, em vez de olhar cada aluno a partir da sua história e de sua singularidade, está sendo agente de um processo de homogeneização e silenciamento de crianças e adolescentes considerados “diferentes”? Estaria a droga da obediência sendo usada como uma espécie de “método pedagógico” perverso? O que isso significa? E por que não há uma discussão mais ampla em toda a sociedade brasileira? 

A controvérsia sobre a droga da obediência e o chamado Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é grande. Por uma série de razões, porém, pouco chega à população. É comum ouvir nas ruas, nas escolas e nas festas infantis que alguma criança é “hiperativa”, já que o diagnóstico e a crença de que a suposta doença possa ser resolvida com uma droga se difundiu na sociedade. Para uma parcela significativa das pessoas, soa como uma daquelas verdades “científicas” inquestionáveis. 

Na realidade, os questionamentos são muitos. Há quem denuncie que os diagnósticos são mal feitos, levando à prescrição equivocada do medicamento. Há quem defenda que a doença sequer existe – seria uma invenção promovida pelo marketing da indústria farmacêutica. Para colaborar com o acesso ao que poderia ser chamado de “o outro lado do TDAH”, elenquei algumas das principais críticas e ponderações sobre a patologia e o uso da droga, feitas por pesquisadores das áreas da medicina, psicologia, psicanálise e educação. Todos os artigos citados – exceto um, ainda inédito – têm livre acesso e podem ser lidos na íntegra na internet. O foco principal é a relação entre a droga/diagnóstico e a escola, explicitada de forma inequívoca pelo boletim da Anvisa. 

1) A medicina e a definição da “normalidade”

A história da medicina é uma história também de como ela deixa de ser o estudo das doenças para passar a definir o que é a normalidade. “A medicina se atribui todo o universo de relações do homem com a natureza e com outro homem, isto é, a vida. Legislando sobre hábitos de alimentação, vestuário, habitação, higiene, aplica a esses campos a mesma abordagem empregada frente às doenças. Adotando (assim) um discurso genérico, aplicável a todas as pessoas, porque neutro”, afirma Maria Aparecida Affonso Moysés, professora titular de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, em um artigo muito interessante, intitulado “A Medicalização na Educação Infantil e no Ensino Fundamental e as Políticas de Formação Docente” (leia aqui). “Com o consentimento da sociedade, que delega à medicina a tarefa de normatizar, legislar e vigiar a vida, estão colocadas as condições históricas para a medicalização da sociedade, aí incluídos comportamento e aprendizagem. (...) É preciso abolir as particularidades, o subjetivo, a imprecisão, para que o pensamento racional e objetivo se imponha. Não se esqueça que o discurso médico, nesse momento – aliás, o discurso científico, em qualquer momento – está afinado com as demandas dos grupos hegemônicos.” 

A medicalização, segundo a pediatra, é resultado do processo de conversão de questões sociais e humanas em biológicas – transformando os problemas da vida em doenças ou distúrbios. É neste contexto que teria surgido uma doença que impediria a criança de aprender, com outros nomes antes de ser registrada como TDAH. É assim que se medicaliza a educação, transformando problemas pedagógicos e políticos em questões biológicas e médicas. “O discurso médico irá apregoar a existência de crianças incapazes de aprender, a menos que submetidas a uma intervenção especial – uma intervenção médica”, afirma. E conclui: “A atuação medicalizante da medicina consolida-se ao ser capaz de se infiltrar no pensamento cotidiano, ou, mais precisamente, no conjunto de juízos provisórios e preconceitos que regem a vida cotidiana. E a extensão (e a intensidade) em que esse processo ocorre pode ser apreendida pela incorporação do discurso médico, não importa se científico ou preconceituoso, pela população. A medicina constrói, assim, artificialmente, as ‘doenças do não-aprender-na-escola’ e a consequente demanda por serviços de saúde especializados, ao se afirmar como instituição competente e responsável por sua resolução. A partir deste momento, a medicina se apropriará cada vez mais do objeto aprendizagem. Sem mudanças significativas, apenas estendendo seu campo normativo”. 

Em “Os Equívocos da Infância Medicalizada” (leia aqui), Margareth Diniz, professora da Universidade Federal de Ouro Preto, com doutorado em educação,
explicita a diferença entre “medicar” e “medicalizar”: “Medicar pode ser necessário, desde que caso a caso. Já a medicalização é o processo pelo qual o modo de vida dos homens é apropriado pela medicina e que interfere na construção de conceitos, regras de higiene, normas de moral e costumes prescritos – sexuais, alimentares, de habitação – e de comportamentos sociais. Este processo está intimamente articulado à idéia de que não se pode separar o saber – produzido cientificamente em uma estrututa social – de suas propostas de intervenção na sociedade, de suas proposições políticas implícitas. A medicalização tem, como objetivo, a intervenção política no corpo social”. 

2) A escola e o ciclo da medicalização da infância


O caminho que leva ao diagnóstico de TDAH e à prescrição da droga da obediência, entre os mais pobres e usuários da rede pública de ensino, inicia na escola, a partir das dificuldades de aprendizagem e/ou insubordinação de determinada criança ou adolescente. Como a família em geral não conseguiria dar uma resposta ao problema, a escola ou encaminha ao médico, ou aciona o conselho tutelar. Entre as crianças mais ricas, clientes do sistema privado de ensino, o ciclo é semelhante, com exceção de que estas não estão vulneráveis à tutela e à vigilância do Estado. Neste caso, a escola encaminha ao psicólogo e este ao neuropediatra – ou diretamente ao neuropediatra, que prescreve o medicamento.

Esta é a análise da psicanalista Michele Kamers, professora do curso de psicologia do Ibes-Sociesc, coordenadora dos cursos de especialização em psicologia hospitalar e da saúde e psicopatologia da infância e da adolescência do Hospital Santa Catarina, de Blumenau, e mestre em educação pela Universidade de São Paulo. No artigo intitulado “A Fabricação da Loucura na Infância: Psiquiatrização do Discurso e Medicalização da Infância”, ainda inédito, ela afirma que a escola se converteu em um mecanismo de inclusão da criança no campo do saber médico-psiquiátrico. “As escolas, as unidades de saúde e as clínicas privadas agenciam e legitimam a intervenção médica e farmacológica sobre a criança, fazendo com que a medicalização venha se convertendo na principal forma de tratamento utilizada para responder às demandas sociais realizadas pelas instituições de assistência à infância”, diz. “A medicina, juntamente com a assistência psicológica, social e pedagógica, forma uma rede de tutela e encaminhamentos múltiplos. A partir do momento em que a criança e sua família são capturadas, não conseguem mais sair.”

É corriqueiro, segundo Margareth Diniz, receber pais em busca de tratamento para seus filhos por exigência da escola. “Todos nós que nos ocupamos da clínica também estamos habituados com solicitações de tratamento de crianças a partir de uma exigência da escola em relação à sua inadaptação, ou inadequação às regras mais elementares de seu aprendizado e de sua socialização. Normalmente são os pais, mais especificamente as mães, que nos formulam esse pedido. O que torna esses pedidos curiosos é que, invariavelmente, trazem consigo um enunciado pedagógico nos seguintes termos: ‘A escola chegou à conclusão que esta criança necessita de um acompanhamento’”.

A psicóloga Renata Guarido, que defendeu uma tese de mestrado na Universidade de São Paulo intitulada “O Que Não Tem Remédio, Remediado Está: a Medicalização da Vida e Algumas Implicações do Saber Médico na Educação”, mostra como a criança passou de objeto da pedagogia a objeto da medicina. Renata afirma que a medicina passou a determinar quem era “educável ou ineducável” (leia aqui): “Vemos as crianças e suas famílias submetidas ao poder exercido pela constituição de um domínio do saber médico-psicológico, sem que o contexto de seus sofrimentos, bem como sua possibilidade de tratamento, sejam orientados para outras formas de consideração da subjetividade, que não a normalizante e de ‘treinamento’”.

Em sua análise, Renata reforça como são corriqueiras hoje nas escolas as cenas em que professores e coordenadores dão o diagnóstico de TDAH diante de determinados comportamentos das crianças e adolescentes, encaminhando-os para avaliação psiquiátrica, neurológica e psicológica. Também já faz parte da rotina professores e outros agentes escolares perguntarem aos pais de um aluno em tratamento se ele foi corretamente medicado naquele dia. “Tais procedimentos nos permitem entrever que estão crentes de que a variação no uso do remédio é responsável pela variação dos comportamentos e estados psíquicos das crianças, e que esta não teria nenhuma relação com variações, mudanças ou experiências no interior do cotidiano escolar. (...) Ao assumir e validar o discurso médico-psicológico, a pedagogia não deixa de fazer a manutenção dessa mesma prática, desresponsabilizando a escola e culpabilizando as crianças e suas famílias por seus fracassos”.

3) A criança como objeto, não mais como sujeito 

Entre as principais críticas feitas por aqueles que alertam para o processo de medicalização da infância – e especificamente sobre o TDAH e a droga da obediência – está a constatação de que as crianças deixam de ser escutadas na sua singularidade, como um protagonista que tem uma história e está inserido num contexto familiar e social, para se tornar um objeto com uma falha no corpo, sujeito à intervenção e à correção por medicamentos. Assim, as crianças e adolescentes têm sido calados naquilo que estão tentando dizer a pais e professores, em nome de um ideal de “normalidade” determinado pelo olhar médico e legitimado e reproduzido pela escola – e também pelos dispositivos de vigilância do Estado. O que se cala são os conflitos – que deveriam ser os propulsores do ato de educar.

Em O Livro Negro da Psicopatologia Contemporânea (Via Lettera, 2011), o psicanalista Alfredo Jerusalinsky escreve um capítulo intitulado “Gotinhas e comprimidos para crianças sem história – uma psicopatologia pós-moderna para a infância”. Ele afirma: “Não se questiona o que quer dizer este ponto, esta palavra ou este gesto fora do lugar. (...) Na trajetória que estamos descrevendo, foi se apagando esse esforço por ver e escutar um sujeito, com todas as dificuldades que ele tivesse, no que tivesse para dizer, e foi-se substituindo o dado ordenado segundo uma nosografia (descrição das doenças) que apaga o sujeito. (...) É assim que os problemas deixam de ser problemas para serem transtorno. É uma transformação epistemológica importante, e não uma mera transformação terminológica. Um problema é algo para ser decifrado, interpretado, resolvido; um transtorno é algo a ser eliminado, suprimido porque molesta. Os nomes das categorias não são inocentes”. Escrevi sobre este livro na coluna “Os Robôs Não Nos Invejam Mais”, que pode ser lida aqui.

Em artigo já citado, Renata Guarido mostra que não é calada apenas a voz dessas crianças e adolescentes classificados como fora do padrão de uma pretensa normalidade. Mas até mesmo o seu nome é apagado. “Não é incomum observar, nas unidades de saúde ou mesmo nas escolas, que o nome do paciente ou do aluno seja substituído por sua classificação diagnóstica – estranha nomeação dos indivíduos que põe em relevo o lugar que ocupam na escala normal”, diz Renata. “A medicalização em larga escala das crianças nos tempos atuais pode ser lida também como apelo ao silêncio dos conflitos, negando-os como inerentes à subjetividade e ao encontro humano. Que o discurso pedagógico contribua para a manutenção desse tipo de recurso deve ser objeto constante de crítica em direção à possibilidade de que o lugar do ato educativo seja redefinido.”

Em “Hiperatividade: o ‘Não Decidido’ da Estrutura ou o ‘Infantil’ ainda no Tempo da Infância”, as psicanalistas Viviane Neves Legnani, professora da Universidade de Brasília (UnB), e Sandra Francesca Conte de Almeida, professora da Universidade Católica de Brasília, refletem sobre a TDAH a partir da descrição de um caso concreto (leia aqui). Elas afirmam : “Nossa experiência com escolas permitiu observar que muitos professores se servem dos indicadores descritivos que acompanham o diagnóstico de TDAH para sustentar uma prática pedagógica ‘didaticamente planejada’ para lidar ‘com os difíceis alunos portadores de hiperatividade’. O preço deste planejamento, no entanto, nem sempre é considerado: a impossibilidade de a criança encontrar o seu lugar na escola, a partir de sua singularidade. Como consequência da padronização pedagógica, ‘cientificamente’ estruturada, tem-se que o educador não escuta e não legitima a palavra dita pela criança, já que esta é vista como ‘doente’ e, portanto, incapaz”.

4) Ninguém se responsabiliza – ou por que a medicalização prospera

Não é apenas a escola que se desresponsabiliza, quando aquilo que pertence ao humano é tratado como patologia, mas também a criança e o adolescente, na tarefa de criar uma vida. Ao serem classificados como doentes ou portadores de um transtorno, e ao introjetarem este ser/estar no mundo como doentes ou portadores de um transtorno, é o diagnóstico que lhes determina o destino. Na hipótese de realizar qualquer conquista, ela é computada na conta da droga. Em “O Sujeito Refém do Orgânico” (leia aqui), Renata Guarido afirma: “Crianças e adultos, sendo desresponsabilizados de sua implicação com aquilo que lhes acontece, tornam-se também impotentes para atuarem sobre seus sofrimentos e aprendizados. E a impotência é então mais um efeito deste discurso biológico. Só é visto como potente o especialista que saberia o que fazer diante do diagnóstico que profere. Sendo o aprendizado descrito como efeito do funcionamento cerebral, da estimulação correta deste órgão que nos governa, temos sua descrição reduzida a uma dimensão privada, que ocorre no interior do indivíduo e não a partir do laço entre dois ou mais sujeitos. Ou seja, o aprendizado perde o caráter de ser fruto da ação humana, dimensão do encontro na pluralidade própria do mundo público, onde produzimos história”.

Margareth Diniz analisa por que a aceitação desse discurso ecoa na sociedade e é por ela reproduzido: “A criança e o adolescente esperam do outro que lhe responda algo acerca do enigma de sua existência, e os outros esperam das crianças que se conduzam na vida de modo a responder aos seus ideais. A fim de salvar os pais de tamanha angústia diante do não saber, surgem as tentativas de tornar científicas as respostas a estas questões, na busca de aplacar o mal-estar. A ciência começa a forjar um saber que não pertence nem ao pai, nem a mãe. Estes são levados a interferirem cada vez menos na educação dos filhos. Entra em cena a figura dos especialistas, autorizados principalmente pelo discurso da mãe, que demonstra um verdadeiro fascínio pela promessa de um saber total, sem furos”.

Não são apenas os professores, mas também os pais que passaram a exigir diagnóstico e medicamento para calar os conflitos na escola e dentro de casa. Afinal, é muito mais fácil lidar com uma “doença”, quase uma fatalidade, que diz respeito apenas ao funcionamento de um corpo e para a qual existiria uma pílula milagrosa, do que escutar o que uma criança ou um adolescente está dizendo com seu comportamento. “Os pais acusam as escolas de rotular suas crianças de hiperativas indiscriminadamente, antes mesmo de obter um diagnóstico médico, mas há relatos de que também alguns pais impacientes andam utilizando o diagnóstico de hiperatividade como desculpa para entupir seus filhos de remédio e mantê-los ‘sossegados’, daí que o medicamento tenha sido batizado por ‘droga da obediência’”, afirma Margareth. “Isso os desculpabiliza por não estarem dando conta de impor limites aos filhos, por exemplo, em relação à hora de dormir ou de desligar seus computadores e jogos eletrônicos.” 

5) O marketing da indústria farmacêutica


O transtorno de hiperatividade pode ser um daqueles casos em que a droga ajuda a moldar o diagnóstico. Críticos da medicalização afirmam que não é comprovada a existência de uma doença que só altere o comportamento e a aprendizagem. Neste sentido, a disseminação do diagnóstico de TDAH inverteria a lógica da medicina, na qual seria preciso primeiro comprovar a doença e depois tratá-la. O fenômeno obedeceria mais à lógica do mercado do que a da saúde – com a relação próxima e, em alguns casos, promíscua, entre laboratórios e médicos. “A ligeireza (e imprecisão) com que as pessoas são transformadas em anormais é diretamente proporcional à velocidade com que a psicofarmacologia e a psiquiatria contemporânea expandiram seu mercado. Não deixa de ser surpreendente que o que foi apresentado como avanço na capacidade de curar tenha levado a ampliar em uma progressão geométrica a quantidade de doentes mentais”, alertam Alfredo Jerusalinski e Silvia Fendrik em O Livro Negro da Psicopatologia Moderna.

“A produção de saber sobre o sofrimento psíquico encontra-se associada à produção da indústria farmacêutica de remédios que prometem aliviar os sofrimentos existenciais. O consumo em larga escala dos medicamentos e o crescimento exponencial da indústria farmacêutica tornam-se elementos indissociáveis do exercício do poder médico apoiado em um saber consolidado ao longo do século XX”, analisa Renata Guarido. “Se a psiquiatria clássica, de forma geral, esteve às voltas com fenômenos psíquicos não codificáveis em termos do funcionamento orgânico, guardando espaço à dimensão enigmática da subjetividade, a psiquiatria contemporânea promove uma naturalização do fenômeno humano e uma subordinação do sujeito à bioquímica cerebral, somente regulável por uso de remédios. Há aí uma inversão não pouco assustadora, pois na lógica atual de construção diagnóstica, o remédio participa da nomeação do transtorno. Visto que não há mais uma etiologia (estudo das causas da doença) e uma historicidade a serem consideradas, pois a verdade do sintoma/transtorno está no funcionamento bioquímico, e os efeitos da medicação dão validade a um ou outro diagnóstico.” 

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Estes cinco pontos são apenas algumas pistas para compreender o crescimento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade entre as crianças e adolescentes e a disseminação da droga da obediência. Dito de outro jeito, questionar o aumento dos “anormais” nas escolas brasileiras. Ou dos “desobedientes”. A falta de espanto de pais e professores diante do fenômeno mostra como a medicalização está naturalizada na sociedade brasileira. Afinal, parte destes pais e professores também fazem, no seu próprio cotidiano, o uso de drogas legais para silenciar suas dores humanas. Por que acreditariam que com seus filhos e alunos seria diferente? Drogar-se, legalmente, é uma marca da nossa época.

Ninguém sabe quais serão os efeitos a longo prazo do uso contínuo do metilfenidato sobre o cérebro em formação das crianças. O que acontecerá no futuro com essa geração legalmente drogada ainda é uma incógnita. Pelo menos, valeria a pena pensarmos no presente: por que estamos dopando crianças e adolescentes em vez de tentar escutá-los e entendê-los em sua singularidade? E o que isso diz sobre nós, os adultos? 

(Eliane Brum escreve às segundas-feiras)


Fonte: ÉPOCA

domingo, 29 de julho de 2012


A polêmica do déficit de atenção


Psicólogos contestam a existência do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade e o uso de medicamentos para tratá-lo. 

Sociedades médicas discordam do movimento 
Rachel Costa




Assista ao vídeo e tire suas conclusões :




Matheus Luppi toma medicação contra o TDAH desde os 7 anos.
Para a mãe, Marta, dizer que a doença não existe só aumenta o preconceito

Uma das doenças psiquiátricas mais diagnosticadas em crianças e adolescentes na atualidade, com prevalência calculada em 5% da população infanto-juvenil, o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ganhou, recentemente, um inimigo: a campanha “Não à medicalização da vida”. Por trás do nome genérico, o movimento, encabeçado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), faz menções diretas ao transtorno em seu material – contestando sua existência e o uso do metilfenidato, medicamento mais conhecido pelo seu nome comercial Ritalina, usado para tratá-lo. “É muito difícil comprovar que isso é uma doença neurológica, como hoje se afirma. O que temos visto é a medicação de crianças que têm alguma dispersão que incomoda os adultos”, acusa Marilene Proença, presidente do CFP.

A iniciativa repercutiu entre pacientes e familiares. “Começamos a receber muitos e-mails”, diz Iane Kestelman, presidente da Associação de Pacientes de TDAH. Eram pessoas sem saber se suspendiam a medicação e pais revoltados com a acusação de que estavam drogando seus filhos sem necessidade. Tanta balbúrdia originou outra carta, escrita pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e publicada dois dias depois do manifesto do CFP. Nela, a entidade faz a defesa do direito dos pacientes de receber a droga. “Dizer que é um crime medicar as crianças é terrorismo”, defende Eduardo Vaz, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, uma das instituições que assinaram o texto da ABP. “Podemos discutir se estamos medicando demais, mas dizer que o TDAH não existe ou que a medicação é desnecessária não é o caminho para que isso aconteça”, considera. “E não é comum as pessoas terem TDAH. Se olharmos as estatísticas, 95% das crianças não têm a doença, e não o contrário”, ressalta Antônio Geraldo da Silva, presidente da ABP.

Desde sua catalogação, o TDAH nunca foi ponto pacífico, em especial entre psiquiatras e psicólogos. Na campanha “Não à medicalização da vida”, defende-se que o TDAH não passa de resultado do estilo de vida contemporâneo. “Estamos contestando que se afirme tranquilamente que é uma doença, ignorando que ela ainda não foi cientificamente comprovada”, diz a médica Maria Aparecida Moyses, do Departamento de Pediatria da Universidade Estadual de Campinas e uma das criadoras do manifesto do CFP.

Nos referenciais científicos mais importantes na área de saúde, porém, o transtorno aparece descrito. A doença está registrada no manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, livro-referência para diagnósticos de saúde mental, e é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “O transtorno também aparece na classificação internacional das doenças, o que significa que há um consenso mínimo da comunidade científica mundial”, disse à ISTOÉ Jorge Rodriguez, especialista em saúde mental da Organização Pan-Americana da Saúde, órgão da OMS nas Américas. “Dizer que o TDAH não existe é errado”, afirmou à ISTOÉ Sergi Ferré, do Instituto Nacional de Saúde americano. “É uma posição embasada no passado, quando tínhamos critérios imprecisos para o diagnóstico.”

Os bons resultados da terapia se fortaleceram depois que o psicólogo
Ronaldo Ramos começou a tomar remédio. Ele e a filha Gabriela têm o transtorno

Para a médica veterinária Marta Luppi, 42 anos, o modo como se levantou a bandeira contra o TDAH foi inadequado. Na casa dela, o marido Márcio Luppi, 52 anos, e o filho Matheus, 12 anos, são diagnosticados com o transtorno e usam o fármaco. “Quando o médico disse que eles precisariam tomá-lo, li as pesquisas científicas sobre o assunto”, diz Marta. “Ninguém dá remédio para o filho sem motivo.”

Hoje, o metilfenidato é a principal droga usada contra o TDAH. “Ele é eficaz em 70% dos casos”, diz o psiquiatra pediátrico Guilherme Polanczyk, da Universidade de São Paulo. A droga age sobre a dopamina, substância cerebral que aparece desregulada em pacientes com o distúrbio. “O remédio é válido em vários casos, mas a dosagem precisa ser criteriosamente calculada para cada indivíduo”, disse à ISTOÉ Abigail Zdrale Rajala, da Universidade de Wiscosin (EUA), coautora de um estudo sobre os efeitos de diferentes doses da droga. 

Em quantidade inadequada, observou-se o efeito contrário ao desejado, com a perda da capacidade criativa e comprometimento do aprendizado. Quando bem usado, porém, os pacientes relatam benefícios. É o caso do psicólogo Ronaldo Ramos, 55 anos. Para ele, que tentava melhorar apenas com psicoterapia, o remédio foi um tiro certeiro. “Melhorei muito aliando a terapia com o medicamento”, declara Ramos, cuja filha Gabriela, 19 anos, também foi diagnosticada com TDAH. 

No Brasil, apesar do grande aumento no consumo de metilfenidato nos últimos anos, não há um percentual abusivo do seu uso pela população. Um cruzamento de dados previsto para ser divulgado na próxima edição da “Revista Brasileira de Psiquiatria” mostra que menos de 20% das pessoas com TDAH estariam tomando o remédio no País, considerando-se cerca de 1,7 milhão de caixas vendidas do fármaco em 2010. Todavia, algo inegável entre esses tantos que tomam o remédio é que muitos podem o estar fazendo sem ter passado por um diagnóstico adequado ou o estejam tomando sem indicação médica. “Quem mais faz diagnóstico de TDAH são as psicopedagogas das escolas”, critica o neuropediatra Saul Cypel, da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. “Isso está errado. O diagnóstico precisa ser muito criterioso.”


Fotos: Rafael Hupsel/Ag. Istoé

sexta-feira, 1 de outubro de 2010


Explicações para a HIPERATIVIDADE

Estudo vincula, pela 1ª vez , hiperatividade a problema genético

Crianças com distúrbio tendem a ser agitadas e impulsivas. Foto: SPL
Estudo descarta que TDAH seja causado por inabilidade dos pais em educar
Cientistas britânicos dizem ter encontrado, pela primeira vez, evidências da existência de uma raiz genética para a condição conhecida como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH, ou ADHD na sigla em inglês).
A equipe, da Cardiff University, no País de Gales, Grã-Bretanha, disse em um artigo na revista científica Lancet que a condição, que afeta crianças em todo o mundo, resulta de um problema no cérebro - como o autismo, por exemplo - e não de uma inabilidade dos pais em educar seus filhos.
O estudo envolveu análises de partes do DNA de 366 crianças diagnosticadas com a condição.
Outros especialistas, no entanto, questionaram veementemente as declarações da equipe, argumentando que apenas um pequeno grupo das crianças com TDAH estudadas apresentou as alterações no DNA e que, na maioria dos casos, a condição seria resultante de uma combinação entre causas genéticas e fatores externos.
Na Grã-Bretanha, estima-se que 2% das crianças sofram do problema.
Elas tendem a ser agitadas e impulsivas e podem ter tendências destrutivas, além de apresentar problemas sérios na escola e na vida familiar.
Estudo
Os pesquisadores compararam amostras do DNA de crianças com TDAH com o DNA de 1.047 pessoas que não sofriam da condição.
Eles constataram que 15% das crianças com o distúrbio tinham alterações grandes e raras no seu DNA, em comparação com apenas 7% no outro grupo.
Uma das integrantes da equipe da Cardiff University, Anita Thapar, disse: "Descobrimos que, em comparação com o grupo de controle, as crianças com TDAH têm muito maior incidência de pedaços de DNA duplicados ou faltando".
"Isso é muito empolgante porque nos dá o primeiro vínculo genético direto com TDAH".
"Analisamos vários fatores potenciais de risco no ambiente - como a contribuição dos pais ou o que acontece antes do nascimento - mas não há evidências que confirmem que (esses fatores) estariam associados ao TDAH".
"Há muita incompreensão por parte do público em relação ao TDAH", ela disse. "Algumas pessoas dizem que não é um transtorno, ou que o problema resulta da inadequação dos pais".
"A descoberta de um vínculo direto deveria corrigir esse estigma".
A equipe de Thapar enfatizou que não há um único gene por trás da condição e que a pesquisa está em um estágio muito inicial para que haja algum teste para o problema.
Mas o grupo espera que o estudo auxilie na compreensão das bases biológicas do TDAH, o que poderia, um dia, resultar em novos tratamentos.
Repercussão
Andrea Bilbow, diretora executiva de uma entidade britânica de apoio a famílias que enfrentam o problema, a ADDIS, disse estar animada:
"Sempre soubemos que havia um vínculo genético, com base em estudos e evidências empíricas. Esse trabalho vai nos ajudar a lidar com os céticos de maneira mais confiante. Eles estão sempre prontos a culpar os pais ou os professores".
Outros especialistas, no entanto, foram bastante críticos em relação ao estudo.
O diretor de uma entidade britânica ligada à saúde mental, Tim Kendall, disse que o TDAH é causado por vários fatores, e que associá-lo exclusivamente a causas genéticos poderia resultar em tratamentos incorretos.
"Tenho certeza de que esses estudos não vão produzir evidências inquestionáveis de que o TDAH é causado apenas geneticamente".
"Estou dizendo que (a condição resulta de) uma mistura de fatores genéticos e ambientais e que o importante é que não acabemos pensando que isto é um problema biológico sujeito apenas a tratamentos biológicos como (o remédio) Ritalina".
Um psicólogo infantil, Oliver James, citou estudos anteriores que observaram o efeito da ansiedade entre mulheres grávidas e dificuldades de relacionamento entre mães e seus bebês logo após o nascimento.
Ele disse: "Apenas 57 das 366 crianças com TDAH tinham a variação genética que seria a suposta causa da condição".
"Isso indica que, na vasta maioria dos casos, outros fatores são a causa principal".

Fonte: BBC 

domingo, 8 de agosto de 2010


UM CRIME HEDIONDO. MESMO!

Droga para hiperativos tem uso banalizado

Especialistas atribuem explosão de vendas à dificuldade de diagnóstico aliada à impaciência de pais e professores

08 de agosto de 2010 | 0h 00
Karina Toledo e Mariana Mandelli, Sergio Neves - O Estado de S.Paulo
O medicamento usado no tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) - vendido no País como Ritalina (Novartis) e Concerta (Jassen-Cilag) - está entre as substâncias controladas mais consumidas no País. Entre 2000 e 2008, o número de caixas vendidas passou de 71 mil para 1,147 milhão - aumento de 1.616%. A alta no consumo veio acompanhada de questionamentos sobre a banalização do uso do remédio à base de metilfenidato entre crianças e adolescentes.
Alguns especialistas apontam a demanda reprimida por tratamento que existia e ainda existe no Brasil como uma explicação para o inchaço nas vendas. Para outros, o fenômeno seria resultado de diagnósticos malfeitos, e crianças que simplesmente não se encaixam no padrão de aprendizagem e comportamento estariam sendo "domadas" à base de psicotrópicos.
O que alimenta ainda mais a polêmica é a dificuldade de diagnosticar o TDAH. Não há um exame definitivo. Os médicos se baseiam em relatos subjetivos de pais e professores sobre o comportamento da criança e num questionário com 18 sintomas relativamente comuns entre jovens, como falar em demasia, interromper conversas e dificuldade para esperar.
"O diagnóstico deve ser feito por um médico treinado, mas envolve também outros especialistas, como psicólogo, psicomotricista e fonoaudiólogo. É preciso descartar outros problemas de saúde que possam afetar o comportamento e o aprendizado", explica o psiquiatra infantil Francisco Assumpção, da Universidade de São Paulo (USP). "Mas muitas vezes os critérios são preenchidos pela própria escola ou até mesmo pelos pais, que me procuram apenas para pedir o remédio. Ora, não sou fábrica de receita."
Nem todo médico é tão rigoroso. O analista legislativo Luís Fernando Leite dos Santos conta que sua filha de 16 anos foi recentemente diagnosticada como portadora de TDAH por ter apresentado alterações de humor e queda de rendimento no último bimestre escolar. "A mãe procurou um neurologista já convencida do problema. Embora o relatório da escola afirmasse que o nível de dispersão nas aulas não era tão relevante, o médico receitou o remédio e ainda disse que eu poderia pegá-lo no posto de saúde", diz o pai, inconformado. "Uma adolescente que está namorando pela primeira vez tem todos os motivos para estar avoada. Mas a mãe não admite que ela repita de ano."
No caso do garoto João Petrika, de 12 anos, a simples mudança de escola fez milagres. Há cerca de quatro anos ele foi diagnosticado como hiperativo e ingressou num programa de tratamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Fez terapia e tomou remédios. Mas o desempenho escolar só melhorou neste ano. "Antes ele fazia de tudo para evitar a escola. Agora que mudou de colégio, tem apenas três faltas", conta o pai Antonio Petrika, segundo o qual o tratamento na Unifesp ajudou muito. Mas João, há dois anos sem remédios, tem outra explicação para a mudança de comportamento. "Gosto mais desta escola porque os professores são melhores. Na anterior, ficavam gritando o tempo todo. Eu ficava nervoso e não queria fazer mais nada."
Na moda. O TDAH é um dos transtornos mentais mais comuns em crianças e se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Estudos indicam que a prevalência na população é de 5%. Isso significa que numa sala de aula com 40 alunos, pelo menos 2 teriam a doença.
Mas em algumas escolas o número de alunos em tratamento é bem maior que o estimado (mais informações nesta página). "A dificuldade de aprendizado passou a ser sinônimo de problema com a criança, quando às vezes o problema é da escola", afirma Assumpção. Escola ruim, continua, não é só aquela que não ensina direito, mas também aquela que não respeita o ritmo biológico de cada criança. "Exigir que se aprenda a escrever com 4 anos, por exemplo, é um absurdo", diz o médico.

Para o chefe da psiquiatria infantil da Santa Casa do Rio, Fábio Barbirato, os excessos existem, mas estão restritos às grandes metrópoles. "Nos locais mais pobres do País ainda há muita criança com TDAH sem tratamento", diz.

A ideia de que os jovens estão sendo supermedicados, afirma Guilherme Polanczyk, psiquiatra especialista em infância e adolescência e professor da USP, está baseada numa parcela pequena da população. "Você percebe o aumento do consumo nas classes mais ricas, que têm mais acesso a tratamento."

Tanto Barbirato como Polanczyk defendem os medicamentos à base de metilfenidato como primeira escolha de tratamento para TDAH. "Psicoterapia ajuda, mas controlar os impulsos e focar a atenção só se consegue com remédios", diz Polanczyk.

Ambos também concordam que a falta de tratamento pode deixar o doente mais sujeito a comportamentos de risco, como usar drogas, dirigir de forma imprudente e se envolver em brigas.

"Não podemos demonizar o remédio", afirma Iane Kestelman, presidente da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA). "Quando se tem mais acesso à informação sobre a doença, é natural que se aumente o uso da medicação. Mas essa conta não deve ser paga pelo portador de TDAH."

EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS
Causas
A genética tem papel fundamental, mas fatores ambientais como fumo na gestação e baixo peso no nascimento podem estar envolvidos.
Três perfis
Há o tipo predominantemente hiperativo, outro principalmente desatento e um terceiro tipo combinado.
Gênero 
O transtorno é três vezes mais comum em meninos, mas o tipo desatento é mais frequente nas meninas. 
Fonte: Estado de SP

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