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quinta-feira, 27 de junho de 2013

Judaísmo na Argentina


Tradições desaparecem em refúgio judaico na Argentina


Durante o auge, nos anos 1940, essa região isolada em meio aos pampas argentinos possuía quatro sinagogas para uma população de 5.000 pessoas, além de um teatro iídiche, um jornal repleto de debates sobre a criação do Estado israelense, e salões aonde judeus gaúchos vinham a galope dos pastos e podiam beber ao lado dos colegas peões.

Atualmente, Moisés Ville, fundada em 1889 por judeus fugidos dos pogroms da Rússia czarista, tem apenas 200 judeus entre os 2.000 habitantes. A última sinagoga que ainda funciona não tem rabino e a escola hebraica interrompeu as atividades no ano passado, em função do número decrescente de crianças judias. Alguns dos últimos judeus gaúchos trocaram os cavalos por pick-ups Ford e agora refletem sobre o futuro de seu estilo de vida.

— Existem muitos tipos de gaúchos: os que vivem atrás de encrenca; os soldados valorosos; os que aceitam ordens em silêncio — afirmou Arminio Seiferheld, de 70 anos, dono de um rebanho de gado. Sua pele grossa comprova que passou a vida toda atravessando as planícies de clima difícil.

— Sou o tipo de gaúcho que ainda está aqui, um sobrevivente em um lugar que já foi próspero — afirmou, vestido com sua bombacha, a calça larga usada pelos cavaleiros gaúchos. Seus pais, judeus fugidos da Alemanha nazista nos anos 1930, chegaram a Moisés Ville quando a cidade concentrava mais de uma dúzia de colônias agrícolas de judeus espalhadas pelos pampas argentinos.

Atualmente, muitos dos prédios históricos de Moisés Ville (alguns deles pérolas da arquitetura Art Deco) estão lacrados e a cidade fica de coração partido com as tradições que continuam a desaparecer. Registradas em texto e vídeo, a ascensão e a queda de Moisés Ville estão entre os capítulos mais emblemáticos da história dos judeus argentinos, que compõem a maior população judaica da América Latina, com 250.000 pessoas.

Alberto Gerchunoff, escritor argentino nascido nos anos 1880 em uma área da atual Ucrânia, chegou ao país em 1889 como filho de um colono e escreveu contos que descreviam a cultura dos primeiros assentamentos judaicos na Argentina. Quando um gaúcho matou seu pai, a tragédia passou a fazer parte de suas primeiras experiências no país, assim como das de muitos outros pioneiros vindos do leste europeu.

Sua família se mudou para Entre Ríos, uma província com diversas colônias agrícolas judaicas, onde escreveu em 1910 o clássico da literatura argentina "Los gauchos judíos", sobre as angústias dos europeus oprimidos saídos das cidadezinhas judaicas da Europa para as planícies intermináveis da Argentina, um paraíso agrícola que estava entre os países mais ricos do mundo na época.

Ao saberem da abertura argentina a grandes ondas de migrantes vindos da Europa, 136 famílias vieram para cá em 1889, vindas do Pale, zona de assentamento judeu do império da Rússia onde os judeus tinham permissão para viver. Eles acharam que encontrariam terra fértil para arar, mas foram abandonados em uma estação de trem logo que chegaram.
Durante o primeiro inverno, os colonos mendigaram comida e dezenas de crianças morreram de doença e frio.

— Ainda não havia cemitério, então os corpos eram colocados em latas de querosene — afirmou Eva Guelbert de Rosenthal, de 66 anos, diretora do pequeno museu de Moisés Ville, que preserva a história da cidade.

Relatos de seu sofrimento chegaram a Buenos Aires e, por fim, à Europa. O Barão Maurice de Hirsch, banqueiro e filantropo judeu alemão, comprou terras para os pioneiros, estabelecendo Moisés Ville como um dos precursores de um projeto de colonização mais ambicioso que visava reassentar os judeus em lugares como Argentina, Canadá, Palestina e Estados Unidos.

Financiadas por filantropos, cidades como Sonnenfeld, Lucien Ville (em homenagem ao filho do barão) e Ingeniero Miguel Sajaroff começaram a surgir nos pampas. Sem colégios de segundo grau nas novas colônias, muitos pais enviavam os filhos a colégios internos de Moisés Ville. Uma escola para professores de hebraico em Moisés Ville treinava educadores de toda a Argentina até 10 anos atrás.

O iídiche continuou a ser a língua falada em casa durante muitas gerações, conhecida por todos, de gaúchos a boticários e caixeiros viajantes. Uma das duas bibliotecas de Moisés Ville ainda tem centenas de livros de escritores iídiches como Simon Dubnow, um historiador judeu russo, e Sholem Asch, romancista nascido na Polônia.

— Um pesquisador israelense veio para cá recentemente e ficou encantado com nossos livros, explicando que seu valor era inestimável — afirmou Analía Fischer, de 51 anos, professora de hebraico que já não tem mais alunos.
Fischer guiou recentemente um visitante ao Teatro Kadima, com 700 lugares, inaugurado em 1929 com o concerto de um soprano vindo de Moscou. Tempestades recentes abriram buracos no teto do teatro e a chuva danificou a estrutura elegante, que ainda é a joia da praça principal, mas raramente é utilizada pelas pessoas de Moisés Ville.

Desde os anos 1950, centenas de moisesvillenses, como são conhecidos os habitantes, emigraram para Israel. Muitos outros foram para cidades maiores da Argentina, como Buenos Aires e Rosário. Algumas foram para os Estados Unidos ou a Europa, fugindo da instabilidade econômica da Argentina. Os habitantes brincam que plantam trigo, mas colhem doutores, para explicar que as oportunidades em outros lugares atraem pessoas jovens e educadas.

O que sobrou é uma cidade que está prestes a ficar na história. Estrelas de Davi ainda sobrevivem nas velhas fachadas dos prédios. Octogenários passeiam por ruas cujos nomes são homenagens ao Barão de Hirsch e a Theodor Herzl, o escritor nascido em Budapeste que fundou o Sionismo moderno.

Porém, algumas tradições se negam a morrer. Bernardino e Aníbal Urban, irmãos sexagenários descendentes de imigrantes italianos e donos da padaria La Central, ainda fazem o chalá, o pão trançado que é consumido no Sabbath e nos feriados, além de diversos doces judaicos.

— Todo mundo na cidade gosta disso. Faz parte da nossa cultura, sejamos judeus ou não — afirmou Aníbal Urban.

No Rosh Hashana, o ano novo judaico, Seiferheld ainda toca o chofar durante a celebração toda sexta-feira à noite, embora ele e um pequeno grupo tenham que fazer isso sem a ajuda de um rabino. Ao menos eles ainda podem escolher entre duas sinagogas em ótimas condições.
Os judeus mais velhos de Moisés Ville encolhem os ombros quando questionados sobre o futuro da cidade. Os jovens reclamam do tédio da cidadezinha, assim como em qualquer outra no mundo. Grandes produções monocultoras de soja roubam cada vez mais o espaço do gado, que já foram fonte de tantas histórias nos pampas da região.

Entretanto, embora muitas tendências pareçam irreversíveis, existem algumas exceções. Abel Gerson, de 29 anos, é o único de três irmãos a permanecer em Moisés Ville e sorri ao explicar o que o mantém na cidade. De óculos, boina e bombacha, ele ainda cria gado, chegando até o rebanho com sua velha pick-up da Ford.

— Cresci aqui e não consigo me imaginar fazendo nada que me satisfaça mais do que isso — afirmou Gerson. Então, quando se encaminhava para o campo, o gaúcho acenou e disse: "Shalom".


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