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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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terça-feira, 25 de novembro de 2014

Sobre a importância da liberdade de expressão

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 685.493 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S) :LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
ADV.(A/S) :MARCO ANTONIO RODRIGUES BARBOSA E
OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S) :CARLOS FRANCISCO RIBEIRO JEREISSATI
ADV.(A/S) :RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA E
OUTRO(A/S)
R E L A T Ó R I O



O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Na origem, Carlos Francisco Ribeiro Jereissati formalizou ação contra Luiz Carlos Mendonça de Barros, buscando reparação por danos morais em razão de declarações veiculadas no episódio que ficou conhecido como "grampo do BNDES".

Em síntese, segundo relatado na inicial, na Revista Época de 23 de novembro de 1998, veio a ser reproduzido conteúdo de conversas telefônicas clandestinamente gravadas entre Luiz Carlos Mendonça de Barros, então Ministro das Comunicações, e André Lara Resende, na ocasião Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. O teor dos diálogos indicava a preferência do Ministro, no processo de privatização das estatais de telefonia, por um dos consórcios.

Seguiram-se afirmações públicas do acionado relativamente à suspeita de que Carlos Jereissati havia sido o responsável pela divulgação das fitas com ligações telefônicas grampeadas. Nas transcrições constantes da peça primeira, há passagens em veículos de comunicação em que Mendonça de Barros diz acreditar que o vazamento partiu de Jereissati, como forma de intimidação. O ora recorrente não negou o fato.

O demandante, articulando haver sofrido graves danos morais, postulou indenização em R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais). O Juízo, ao julgar improcedente o pedido formulado, condenou-o ao pagamento de honorários advocatícios em 15% do valor atribuído à causa (R$ 2.250.000,00), sob os seguintes fundamentos (folha 1047):

(...) Na conduta do requerido, minuciosa e detalhadamente esquadrinhada pela inicial, não se observa excessos ou leviandades capazes de atingir a honra subjetiva do autor, o apreço próprio, estima de si mesmo como empreendedor e homem de negócios honesto, a auto-estima, enfim.

Os efeitos das referências feitas pelo requerido à atuação do requerente no episódio conhecido como “grampo do BNDES” não se manifestaram em restrições dos negócios, no descrédito dele perante as pessoas que tomaram conhecimento dos fatos, embora o requerente afirme que isso ocorreu, quando ouvido no Inquérito Civil Público instaurado pela Procuradoria Geral da República (fls. 16).

(...) Não se observa, também, ofensa à honra objetiva, que é a consideração para com o sujeito no meio social, o juízo que fazem dele na comunidade.


Reto de conduta empresarial, como se afirma, e sem ser contestado, o requerente dificilmente poderia ser atingido em seus atributos pessoais por um 'funcionário público', mesmo que ocupante de cargo e na função de Ministro de Estado.
O autor interpôs apelação, parcialmente provida pela Décima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para adequar a verba honorária advocatícia, resultando em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), mantida a improcedência quanto ao pleito condenatório. Seguiu-se a protocolação de recurso especial.


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao prover o
Recurso Especial nº 961.512/SP, assentou caber ao ora recorrente o
pagamento de indenização porque a conduta, imputação de
responsabilidade pela divulgação do teor de gravações telefônicas obtidas a partir da prática de ilícito penal, teria provocado dano moral.

Consignou inadequado o Verbete nº 7 da Súmula do Tribunal, não havendo o mero reexame de provas, porquanto os atos praticados já teriam sido delimitados e comprovados nas instâncias inferiores.

Concluiu haver o recorrente ofendido a honra do recorrido ao atribuir-lhe, de forma reiterada e pública, o cometimento de delito criminal.


Os embargos interpostos foram providos apenas para esclarecer a
data em que teriam ocorrido as ofensas, a fim de delimitar o marco inicial dos juros da mora.

No extraordinário protocolado com alegada base na alínea “a” do

permissivo constitucional, o recorrente argui transgressão aos artigos 1º, 5º, incisos IV, V, IX, X e LIV, 37, cabeça e § 6º, 87 e 220 da Carta Federal.

Consoante sustenta, a decisão impugnada implicou inobservância ao princípio da liberdade de expressão. Argumenta que somente explicitou opinião de cunho crítico, alcançada pela garantia constitucional da livre manifestação do pensamento, não se verificando dano moral em tais circunstâncias. Assevera que declarações de Ministros de Estado, feitas em razão do cargo e acerca de temas inerentes à respectiva atuação, à pasta, não ensejam indenização resultante de dano moral, salvo em casos excepcionais. Ressalta ter o Tribunal de origem, ao equiparar o dano moral supostamente sofrido pelo recorrido à “morte moral” e fixar a indenização em vultosa quantia – R$ 500.000,00 – a serem corrigidos, transgredido os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Aponta a ausência de abalo nos negócios do recorrido bem como a inexistência de transtorno em sua vida política e social.


Sob o ângulo da repercussão geral, alegou ultrapassar a questão o

interesse subjetivo das partes, mostrando-se relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, em razão da influência a ser gerada em diversas situações nas quais haja a manifestação de pensamento de ocupantes do cargo de Ministro de Estado.

O recorrido, nas contrarrazões, articulou com a falta tanto de repercussão geral do tema quanto de prequestionamento da matéria.
Disse da ofensa indireta à norma constitucional e da impossibilidade de arguição de questão fática em sede extraordinária. No tocante ao mérito, aduziu que não houve afronta aos dispositivos constitucionais evocados e destacou o acerto do ato impugnado.


O extraordinário foi admitido na origem.


O denominado Plenário Virtual, em 22 de junho de 2012, reconheceu a repercussão geral da controvérsia. O pronunciamento ficou assim resumido:

AGENTE POLÍTICO – MINISTRO DE ESTADO – CRIME
CONTRA A HONRA – PRIVATIZAÇÕES – GRAMPO TELEFÔNICO – ILICITUDE – ATRIBUIÇÃO DE 
DIVULGAÇÃO – RESPONSABILIDADE AFASTADA NA
SEGUNDA INSTÂNCIA – RECURSO ESPECIAL – PROVIMENTO – ACÓRDÃO –  RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ADMISSÃO NA ORIGEM –
REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. 

Possui repercussão geral a controvérsia acerca da configuração de dano moral decorrente da manifestação de pensamento por agente político, considerando-se a liberdade de expressão e o dever do detentor de cargo público de informar.


O Ministério Público Federal manifesta-se pelo provimento parcial

do recurso, para que seja reduzida a verba indenizatória fixada no Superior Tribunal de Justiça. Consoante entende, apesar de ter havido desbordamento do exercício regular das funções públicas, mostra-se irrazoável e desproporcional o valor estabelecido, especialmente se cotejado com outros julgados provenientes do próprio Superior. Eis a ementa do parecer:

Recurso extraordinário. Dano Moral. Verba de ressarcimento. Violação ao princípio da proporcionalidade. Não vislumbrada as demais alegações de inconstitucionalidade. Pelo parcial provimento da iniciativa.


Em 2 de setembro de 2013, liberei o processo para julgamento.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – O
acórdão recorrido foi publicado em 27 de fevereiro de 2012, segundafeira.

O recurso extraordinário (folha 1692 a 1730), subscrito por advogados regularmente credenciados, veio a ser interposto em 9 de março de 2012, sexta-feira, dentro do prazo legal. O Plenário Virtual admitiu a existência de repercussão geral da matéria em 11 de agosto de 2012.

O recorrente afirma possuírem os Ministros de Estado e demais agentes públicos imunidade relativa pela veiculação de opiniões e palavras. O primeiro passo para o julgamento do caso concreto consiste em saber se existe, em abstrato, tal direito. Incumbe ao Supremo revelar qual é a extensão da liberdade de expressão conferida aos agentes políticos à luz do artigo 5º, inciso IX, da Carta de 1988. A resposta negativa – ou seja, a conclusão de que não há esse direito – conduzirá ao desprovimento do extraordinário. A resposta positiva exigirá, todavia, apreciar se é caso de exercício regular do direito à liberdade de expressão pelo servidor público em questão, o que será feito segundo os parâmetros da situação concreta. Esse é o roteiro lógico a seguir.


I. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DOS AGENTES PÚBLICOS.

Como se sabe, o gênero “agentes públicos” é composto por diversas espécies. São elas: funcionários, empregados, contratados temporários e particulares em colaboração com a Administração Pública. Entre os titulares de cargos públicos, há os servidores ditos comuns e os denominados agentes políticos. Esses últimos são assim denominados porque exercem atribuições de alta significação dentro da hierarquia estatal. Abordo a questão dos agentes públicos como gênero e, posteriormente, a situação dos agentes políticos, ante as peculiaridades das funções que desempenham.

Cabe voltar os olhos à regra geral. O regime de direito comum, aplicável aos cidadãos, é de liberdade quase absoluta de expressão, assegurada pelos artigos 5º, incisos IV e XIV, e 220, cabeça e § 2º, da Carta de 1988. No sistema de liberdades públicas constitucional, a de expressão possui espaço singular. Tem como único paralelo, em escala de importância, o princípio da dignidade da pessoa humana, ao qual está relacionado.

Na linguagem da Suprema Corte dos Estados Unidos, se “existe uma estrela fixa em nossa constelação constitucional, é que nenhuma autoridade, do patamar que seja, pode determinar o que é ortodoxo em política, religião ou em outras matérias opináveis, nem pode forçar os cidadãos a confessar, de palavra ou de fato, a sua fé nelas” (West Virginia Board of Education v. Barnette, 319 US 624, 1943). Tal direito é alicerce, a um só tempo, do sistema de direitos fundamentais e do principio democratico, surgindo como genuino pilar do Estado Democratico de Direito.

Em artigo intitulado “É permitido proibir, muito e sem critério”, publicado no diário eletrônico “JOTA”, em 18 de novembro, último, o jovem constitucionalista Eduardo Mendonça defendeu que o direito de expressar pensamentos, ideias e informações, uma das principais conquistas da redemocratização, “foi protegido enfaticamente pela Constituição de 1988. Para além da positivação como direito fundamental, o constituinte achou por bem dedicar todo um capítulo à comunicação social e explicitar a plena liberdade de informação jornalística, bem como a vedação a qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística. Tal ênfase – continua o autor – se reflete na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, acompanhando os principais tribunais constitucionais do mundo, atribui uma posição preferencial à liberdade de expressão e destaca o seu papel constitutivo no regime democrático“.

Segundo a jurisprudência do Tribunal, as restrições à referida liberdade decorrem da colisão com outros direitos fundamentais previstos no texto constitucional, dos quais são exemplos a proteção da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem de terceiros (artigo 5º, inciso X). Conforme tem proclamado o Supremo, nenhum direito é absoluto, nem mesmo a garantia à liberdade de expressão (ver, por todos, Habeas Corpus nº 82.424, redator do acórdão ministro Maurício Corrêa, julgado em 17 de setembro de 2003, em que fiquei vencido). O meu entendimento tem sido mais deferente ao princípio se comparado ao do Plenário. Contudo, há de se considerar a visão da sempre ilustrada maioria.

Ainda que seja possível a relativização de um princípio em certos contextos, é forçoso reconhecer a prevalência da liberdade de expressão quando em confronto com outros valores constitucionais, raciocínio que encontra diversos e cumulativos fundamentos. A doutrina da posição preferencial da liberdade de expressão é adotada nos Estados Unidos, tendo origem na famosa Nota de Rodapé nº 4 do voto proferido pelo juiz Harlan Fiske Stone, no caso United States v. Carolene Products Co., julgado em 25 de abril de 1938.

O ponto em discussão consistia no grau de escrutínio ao qual a Suprema Corte deveria submeter as leis restritivas de direitos fundamentais. Nas situações envolvendo a restrição às liberdades econômicas e à propriedade, bastaria o simples, mas não seria assim quanto à liberdade de expressão. O Poder Judiciário tem o dever de olhar com lupa tais intervenções, ante o risco que representam à sociedade. De modo geral, essa interpretação é seguida pela Corte Constitucional da Alemanha e pela Corte Europeia de Direitos Humanos (conforme leciona Cláudio Chequer, A liberdade de expressão como direito fundamental
preferencial prima facie, 2011, pp. 100-138).
A liberdade de expressão é uma garantia preferencial em razão da estreita relação com outros princípios e valores constitucionais fundantes, como a democracia, a dignidade da pessoa humana e a igualdade. A questão é óbvia e bastante conhecida, mas vale aprofundá-la.


O livre desenvolvimento da personalidade, que é um dos alicerces

de vida digna, demanda a existência de um mercado livre de ideias – na feliz expressão de Oliver Wendell Holmes Jr. –, onde os indivíduos vão se abeberar para formar as próprias cosmovisões. Segundo a doutrina de Paulo Gustavo Gonet Branco: “A plenitude da formação da personalidade depende de que se disponha de meios para conhecer a realidade e as suas interpretações e isso como pressuposto mesmo para que se possa participar de debates e para que se tomem decisões relevantes”(Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, 2008, p. 360).


Sob o prisma do princípio democrático, a liberdade de expressão
impede que o exercício do poder político possa afastar certos temas da arena pública de debates. Daí a peremptória vedação à censura estatal contida no artigo 220, § 2º, da Constituição Federal, tantas vezes esquecida. O funcionamento e a preservação do regime democrático pressupõem alto grau de proteção aos juízos, opiniões e críticas, sem os quais não se pode falar em verdadeirademocracia. Na feliz expressão do professor Eduardo Mendonça, constante do artigo mencionado, a “livre circulação de informações é elemento constitutivo da democracia”.

A crítica revela-se essencial ao aperfeiçoamento das instituições públicas. O escrutínio livre da comunidade política consubstancia fator de incremento das políticas públicas. O argumento é singelo: quanto mais pessoas puderem comentar e avaliar, o produto final será melhor.
Convém destacar que ao Estado cumpre não apenas criar um ambiente livre e propício ao debate, mas também fomentar a crítica aos próprios programas. É por isso que são importantes as consultas e as audiências públicas, representações do que vem sendo chamado de democracia participativa. Aludo ao que consignei no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 187:
A valorização do espaço e do debate públicos assim como a afirmação de que a realização do homem ocorre com a participação na vida publica da cidade constituem o que veio a ser rotulado por Benjamim Constant como “liberdade dos antigos” (A liberdade dos antigos comparada à dos modernos, 2001). Nesse sentido, a democracia compreende simplesmente a possibilidade de ir a publico e emitir opiniões sobre os mais diversos assuntos concernentes à vida em sociedade. Embora a versão de democracia de hoje não seja idêntica à adotada pelos gregos, citada por Constant, o cerne do que se entende por governo democrático encontra-se, ao menos parcialmente, contido nessa ideia de possibilidade de participação pública. E o veículo básico para o exercício desse direito é a prerrogativa de emitir opiniões livremente.

No mais, em uma democracia pluralista, o fechamento dos canais de discussão pode implicar o alijamento de grupos minoritários. Observem existir um elemento epistêmico na defesa da liberdade de expressão. A verdade ou a falsidade de determinadas ideias é resultado de uma construção social, daí não ser legítimo excluir, de modo apriorístico, algum pensamento do debate público. Vejam este exemplo: ao criminalizar a apologia ao crime, o Código Penal produz, como efeito adverso, a restrição ao livre exercício democrático do direito de defender a abolição dos tipos relacionados ao consumo de drogas. Afinal de contas, o Supremo teve que afirmar, judicialmente, a constitucionalidade da  “marcha da maconha”, a demonstrar o efeito perverso das obstruções aos canais públicos de discussão. Foi o que ocorreu na já citada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 187, relatada pelo ministro Celso de Mello.

Essas considerações objetivam reafirmar a liberdade de expressão como um direito de primeira grandeza na ordem constitucional de 1988. Esse é o primeiro ponto a remarcar.

Ao se tratar genericamente dos agentes públicos, normalmente se
reconhece que estão sujeitos a um regime de menor liberdade que os indivíduos comuns. Explica-se a compressão dos direitos fundamentais dos servidores públicos, quando no exercício da função, pela teoria da sujeição especial. A relação entre eles e a Administração, funcionalizada quanto ao interesse público materializado no cargo, exige que alguns direitos fundamentais tenham a extensão reduzida. O exemplo clássico é o dos militares, que se submetem a graves punições em caso de inobservância da hierarquia e da disciplina próprias da carreira.

No rol de direitos fundamentais de exercício limitado alusivos aos
servidores públicos está a liberdade de expressão. Após pesquisar a
jurisprudência, verifica-se que o tema ainda reclama manifestação
específica do Supremo.

Há vozes doutrinárias a clamar a revisão da referida teoria como justificativa para as restrições aos direitos dos servidores públicos
(Miriam Wimmer, “As relações de sujeição especial na Administração Pública”, Direito Público n. 1, 2007). A discussão também ocorre no direito comparado. No direito francês, René Chapuis chama a atenção para o fato de que a marca dos regimes totalitários é obrigar a adesão de servidores públicos e cidadãos à ideologia oficial, a conduzir à necessidade de reconhecer um espaço de autonomia ao indivíduo mesmo no interior do aparato administrativo (Droit Administratif General, t. II, 2001, p. 245).

Sem dúvida, o servidor deve guardar sigilo quanto às informações confidenciais recebidas – conforme, aliás, preceitua o § 7º do artigo 37 da Carta Federal. Mesmo assim, estará ele proibido de criticar a Administração Pública, por força do dever de lealdade resultante do estatuto disciplinar? Penso que não, mas esse é um tema pendente de crivo do Supremo e que não se faz em jogo neste processo.

Curiosamente, o que está em debate não é a liberdade de expressão
nas relações que o servidor estabelece com a própria Administração
Pública, à qual está ligado, como visto, de forma vertical. Busca-se definir a extensão do direito à liberdade de expressão no trato com os administrados de modo geral e presente a coisa pública.

Verifica-se que a questão jurídica versada no caso em análise é típica de direito constitucional e diz respeito ao grau de proteção conferido pela Constituição aos servidores públicos presente o direito à liberdade de expressão, segundo os artigos 5º, inciso IX, e 220, cabeça, dela constantes. No conjunto dos servidores, destacam-se os denominados agentes políticos, consoante já mencionado. Compete-lhes formar a vontade política do Estado, como anteriormente asseverado. A esta altura, cabe apresentar o conceito de agente político. Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello:

Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do país, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes de Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e os Vereadores” (Curso de direito administrativo, 2007, p. 242).

Por integrarem a cúpula do Estado e serem formadores de políticas
públicas, devem gozar de proteção especial, o que é estabelecido pela própria Carta. Os integrantes do Legislativo detêm imunidade
praticamente absoluta (artigos 25, 29, inciso VIII, e 53, cabeça, do Diploma Maior) pelas opiniões, palavras e votos que proferirem no recinto do parlamento, sendo relativa quanto às opiniões reveladas fora daquele ambiente. Nesse último caso, somente haverá imunidade se existir nexo de causalidade entre a opinião divulgada e o exercício do mandato. O Supremo tem repetidamente reconhecido a importância da garantia para o regular funcionamento do regime democrático. Vale transcrever passagem sobre o tema lançada pelo relator do Inquérito nº 2.666, ministro Carlos Ayres Britto:

A Constituição Federal é especialmente cuidadosa no fazer da intocabilidade político-administrativa, tanto quanto da civil e penal dos Deputados e Senadores, uma condição e ao mesmo tempo uma garantia de exercício altivo dos correspondentes cargos. Uma poderosa blindagem para que eles, representantes políticos do povo, tenham as mais facilitadas condições de encarnar essa representação. Com independência pessoal e desassombro pessoal, portanto.

Igualmente, os agentes políticos sujeitam-se ao processo de impeachment, decorrente da prática de crime de responsabilidade, e, portanto, estão excluídos da incidência da Lei nº 8.429/92, conforme decisão do Plenário na Reclamação nº 2.138/DF, redator do acórdão ministro Gilmar Mendes. O Colegiado assentou que o regime de responsabilidade dos agentes políticos não é o mesmo daquele aplicável aos servidores comuns.

Os agentes políticos inseridos no Poder Executivo, embora não possuam imunidade absoluta quando no exercício da função, devem também ser titulares de algum grau de proteção conferida pela ordem jurídica constitucional. Defendo essa posição com apoio em dois argumentos. Explico.

Primeiro, existe evidente interesse público em que os agentes políticos mantenham os administrados plenamente informados a respeito da condução dos negócios públicos. Trata-se de exigência clara dos princípios democrático e republicano. Em outras palavras, quando se cuida de agente político, há um dever de expressão relacionado aos assuntos públicos, alcançando não apenas os fatos a respeito do funcionamento das instituições públicas, mas até mesmo os prognósticos que eventualmente efetuem. Exemplos: quando o Presidente da República vem a público afirmar que espera crescimento econômico para o ano seguinte; o delegado esclarece as linhas de investigação utilizadas na averiguação de determinado crime ou o Secretário estadual noticia as perspectivas favoráveis atinentes a determinada medida na área de segurança. Mesmo que essas hipóteses não envolvam juízos de certeza, o público pode ter interesse em saber como anda a condução da política econômica, a apuração de um crime ou quais os possíveis impactos de uma nova política pública no campo da segurança.

Reconhecer a imunidade relativa no tocante aos agentes do Poder Executivo, tal como ocorre com os membros do Poder Legislativo, no que tange às opiniões, palavras e juízos que manifestam publicamente, é importante no sentido de fomentar o livre intercâmbio de informações entre eles e a sociedade civil. É o que se diz, quanto à liberdade de imprensa, do denominado efeito silenciador. O direito também pode ser entendido como uma política pública e, como tal, tem o papel de fomentar o aperfeiçoamento do sistema político. Interpretar o ordenamento jurídico de modo a restringir demasiadamente o grau de liberdade de manifestação pública conferida aos agentes políticos serve ao propósito de criar uma mordaça, ainda que sob a roupagem de proteção de outros direitos fundamentais.

Além disso, mostra-se necessária a existência de um ambiente de segurança jurídica para que pessoas verdadeiramente comprometidas com o interesse público venham a ocupar os cargos políticos. O risco de ser processado a todo tempo por grupos politicamente descontentes tem como consequência uma atitude defensiva, a dificultar a prestação de contas à população, além de desestimular que os indivíduos concorram a cargos públicos de cúpula.

O segundo argumento concerne à necessidade de reconhecer algum
grau de simetria entre a compressão que sofrem no direito à privacidade e o regime da liberdade de expressão. O Supremo admite a ideia de que a proteção conferida à privacidade dos servidores públicos situa-se em nível inferior à dos cidadãos comuns. A matéria foi apreciada pelo Plenário, mais recentemente – 9 de junho de 2011 –, no julgamento do Segundo Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº 3.902, relator ministro Carlos Ayres Britto. Observem o que constou da ementa:

1. Caso em que a situação específica dos servidores públicos é regida pela 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta, cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. 2. Não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo “nessa qualidade” (§ 6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano.

Esse ponto é igualmente aceito no âmbito doutrinário. Cabe aludir à
seguinte passagem do ministro Luís Roberto Barroso:

Ainda no campo do direito de privacidade, a doutrina e a jurisprudência costumam identificar um elemento decisivo na determinação da intensidade de sua proteção: o grau de exposição pública da pessoa, em razão de seu cargo ou atividade, ou até mesmo de alguma circunstância eventual. A privacidade de indivíduos de vida pública – políticos, atletas, artistas – sujeita-se a parâmetro de aferição menos rígido do que os de vida estritamente privada. Isso decorre, naturalmente, da necessidade de auto-exposição, de promoção pessoal ou do interesse público na transparência de determinadas condutas. (...) Remarque-se bem: o direito de privacidade existe em relação a todas as pessoas e deve ser protegido. Mas o âmbito do que se deve interditar à curiosidade
do público é menor no caso das pessoas públicas. (Temas de Direito Constitucional, t. 3, 2005, p. 97)
O argumento é singelo: aqueles que ocupam cargos públicos têm a
esfera de privacidade reduzida. Isso porque o regime democrático impõe que estejam mais abertos à crítica popular. Em contrapartida, devem ter também a liberdade de discutir, comentar e manifestar opiniões sobre os   mais diversos assuntos com maior elasticidade que os agentes privados, desde que, naturalmente, assim o façam no exercício e com relação ao cargo público ocupado.

Foi precisamente com esses fundamentos que a Suprema Corte dos
Estados Unidos, ao decidir Barr v. Matteo – U.S. Supreme Court. Barr v. Matteo, 360 U.S. 564 (1959) –, reconheceu a imunidade absoluta dos agentes públicos contra ações judiciais decorrentes de danos à honra quando agem dentro do escopo das respectivas funções. No caso concreto, ex-empregados de certo departamento administrativo propuseram um plano de utilização de fundos públicos para aposentadoria que, posteriormente, veio a ser objeto de veemente oposição no âmbito do Congresso dos Estados Unidos. O diretor do órgão, repercutindo as acusações, afirmou, por meio de um comunicado à imprensa, a intenção de suspender os servidores responsáveis pela aprovação do plano. Com esse pano de fundo, os servidores repreendidos formalizaram ação civil buscando indenização ante a difamação pública (para descrição mais detalhada, vejam: Jon F. Oster, “Extension of absolute privilege to executive officers of government agencies – Barr v.
Matteo”, Maryland Law Review n. 368, 1960).

A demanda foi julgada procedente em primeiro e segundo graus de
jurisdição. A Suprema Corte, ao reverso, considerou adequada a proteção resultante da imunidade absoluta. Na óptica prevalecente, redigida pelo Justice Harlan, ficou expresso que a necessidade de proteção dos cidadãos contra os danos decorrentes das ações dos agentes públicos é superada pelo interesse público existente tanto para que (i) os servidores públicos possam opinar sobre os temas sociais relevantes, desincumbindo-se das obrigações que lhes cabem com maior desembaraço e (ii) seja criado ambiente propício à circulação livre e desimpedida de ideias, sem o temor de represálias administrativas ou judiciais. Esses dois pontos ligam-se de modo mais intenso à atuação dos denominados agentes políticos, os quais, por estarem em posição de cúpula, responsáveis pelo delineamento de políticas públicas, devem ter proteção especial.

Os argumentos podem ser tomados de empréstimo. É plausível, no
contexto da Carta de 1988, reconhecer aos servidores públicos um campo de imunidade relativa, vinculada ao direito à liberdade de expressão, quando se pronunciam sobre fatos relacionados ao exercício da função pública. Essa liberdade é tanto maior quanto mais elastecidas forem as atribuições políticas do cargo que exercem. A proteção desse espaço, que não pode ser qualificado como imunidade absoluta, relaciona-se à importância, para a coletividade, de esses servidores exprimirem a própria visão e conhecimento sobre a condução dos negócios públicos.
A imunidade relativa dos agentes políticos está circunscrita aos casos em que puder ser reconduzida, ainda que de modo tênue, ao exercício da função pública. Naturalmente, hão de ser excluídos os casos de dolo manifesto, ou seja, o deliberado intento de prejudicar outrem. No mais, as afirmações equivocadas, quando assim provadas, são inevitáveis em um debate livre e também devem ser protegidas para que a liberdade de expressão tenha vez na ordem constitucional brasileira.

II. APRECIAÇÃO DO CASO CONCRETO.

Tudo quanto veiculei até aqui consistiu em desenvolver, em abstrato, o argumento de que o campo da liberdade de expressão dos agentes políticos é ampliado. Resta analisar se houve ou não a extrapolação no caso concreto. A integração entre norma e fatos mostra-se particularmente relevante quando se trata do conflito entre proteção à personalidade e liberdade de expressão. O ponto já foi abordado por Paulo Gustavo Gonet Branco, confiram:

Quando se busca situar uma hipótese no domínio normativo da garantia constitucional da liberdade de expressão, há de se atentar, igualmente, para o contexto em que o discurso é proferido. Isso é crucial para que se concilie a legislação repressiva de abusos da imprensa com a própria liberdade de imprensa, tendo em vista os limites a que a liberdade de expressão se submete numa sociedade democrática. O Supremo Tribunal Federal tem assinalado, por exemplo, que declarações inadmissíveis em outras situações tendem a ser toleradas “no contexto político em que a linguagem contundente se insere no próprio fervor da refrega eleitoral” (Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, 2008, p. 370).

Na espécie, revela-se incontroverso que, em novembro de 1998, a Revista Época publicou o conteúdo de conversas entre o recorrente, então ocupante do cargo de Ministro das Comunicações, André Lara Resende, Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social à época, e Jair Bilachi, Presidente da PREVI, a respeito dos leilões de privatização da Tele Norte Leste. A divulgação do denominado “grampo do BNDES” repercutiu de modo profundo e intenso na imprensa naquele ano, tendo figurado em todos os veículos de comunicação de maior porte no Brasil.

O recorrente veio a declarar a suspeita de que Carlos Jereissati, ora
recorrido, houvesse promovido a distribuição de fitas cassete obtidas por intermédio de interceptação telefônica ilícita – já que não há notícia de decisão judicial autorizando a quebra do sigilo do ex-Ministro.

Acrescentou que a suposição seria confirmada ou desfeita no curso de inquérito policial sob a condução da Polícia Federal. É essa a imputação, em síntese. Vejamos.

Em matéria do jornal Folha de São Paulo, disse acreditar haver sido
Carlos Jereissati o responsável pela propagação das fitas, as quais teriam sido adquiridas de terceiros. A desconfiança foi novamente articulada no jornal Correio Braziliense, em 17 de novembro de 1998. A acusação também veio a ser publicada pelo jornal O Globo ( folha 8 do processo). Observem o que acabou divulgado nesse último periódico, que ora transcrevo, para ilustração (folhas 10 e 11 do processo):

Defendendo a ideia de que a fita fora divulgada por pessoas com objetivos políticos ou financeiros, ele resistiu a apontar um suspeito, mas a certa altura afirmou:

- Acho que foi o Carlos Jereissati, pois foi ele que me agrediu cedo. O consórcio dele ganhou o lance do leilão, depois não tinha dinheiro para pagar [...]. O BNDES, então, deu um empréstimo, e entrou com 25% e obrigou os sócios a assinar um compromisso dizendo que as decisões mais importantes dependeriam da aprovação do banco. Quando Jereissati me ligou dizendo que a diretoria da Telemar seria formada pelo José Brafman e dois meninos do Banco Garantia, realmente lhe disse: “só se for por cima do meu cadáver”. E ele levou a sério essa palavra. O pessoal da Telebrás tem capacidade de gerir.

Agora, trazer financistas? Depois me falaram que ele ficou louco. Aí começou um processo de desgaste. É muito provável que tenha culpa no cartório.

Ao ser perguntado se as denúncias se tornaram especialmente incômodas ao coincidir com uma viagem internacional, Mendonça respondeu:

- Sou durão, dou um boi para não entrar numa briga e uma boiada para participar. Minha preocupação é com o André.

Ele é um intelectual, tem outra personalidade. Ele aceitou o cargo a meu pedido e agora está sendo chamado de ladrão. E por um ladrão.

O Ministro disse, porém, não acreditar que Carlos Jereissati tivesse sido responsável pelo grampeamento do telefone, mas que a fita tinha chegado a suas mãos depois.

Mendonça acredita que as conversas foram gravadas por pessoas com interesse em ter informações privilegiadas no andamento do leilão. Mas nega que isso bote em dúvida a legitimidade da privatização.

As suspeitas foram reafirmadas em 18 de novembro de 1998, no jornal O Estado de São Paulo. Em 19 seguinte, constou, no jornal O Globo, que as fitas teriam sido entregues por Aloizio Mercadante, recebidas de Carlos Jereissati. Pondero que, em muitas passagens reproduzidas na inicial – de onde pincei as citações –, é difícil fazer distinção entre a opinião direta do recorrente e a interpretação realizada por jornalistas e colunistas.

Nos depoimentos em inquérito civil público, prestados ao Ministério Público Federal, também transcritos pelo recorrido, o recorrente não formalizou qualquer acusação contra aquele. O mesmo aconteceu em oitiva na Polícia Federal. Revela-se, ainda, na peça primeira, que o recorrente foi judicialmente notificado em processo que tramitou no Supremo, ocasião na qual assim se manifestou (folha 20):

Graças a seu estilo pessoal vigoroso e persuasivo na maneira de se expressar, o interpelado teve sua suspeita confundida com imputação de fatos que nunca fez, o que explica aqui para conforto do requerente e, para que dúvidas mais não pairem, resume e explica sua opinião: não afirma que o Sr. Carlos Jereissati promoveu a divulgação criminosa das fitas obtidas através do delito de interceptação telefônica, achando que tal suspeita será confirmada ou desfeita no bojo do inquérito policial decorrente de sua representação.

De tudo quanto exposto, surgem três certezas. Primeira, foram juízos veiculados no calor do momento, sem maior reflexão ou prova das declarações. O recorrente, então Ministro de Estado, foi chamado a dar explicações públicas acerca do escândalo, o que acabou por lhe custar o cargo, havendo levantado suspeitas sobre o político cujos interesses tinha acabado de contrariar. Segunda, em nenhuma entrevista, explicitou acusação peremptória de que o recorrido teria praticado o crime de interceptação ilegal das linhas telefônicas. Ao contrário, as manifestações eram sempre obtemperadas no sentido da ausência de certeza quanto ao que apontado. Terceira, as afirmações feitas pelo Ministro das Comunicações ocorreram no bojo das controvérsias envolvendo a privatização da telefonia no país, fenômeno capitaneado pelo Ministério que comandava.

Ora, é gravíssima a interceptação telefônica de um Ministro de Estado à margem da lei. As gravações publicadas exprimiam a preferência do Ministro pela vitória de um dos consórcios que viriam a disputar o leilão para a alienação do controle do grupo Tele Norte Leste, fato preocupante, a colocar em dúvida a lisura do certame licitatório. Esse tema, indubitavelmente, mostra-se de interesse público.

O negócio atinente à alienação do controle da Telemar era, portanto, de interesse público e dizia respeito às atribuições próprias do Ministro das Comunicações (e, também, do Presidente do BNDES à época, André Lara Resende). Aquele veio a público para afirmar que tinha uma suspeita, relativa a um dos potenciais licitantes. Evidentemente, acusado de favorecimento, cabia ao agente político fornecer as explicações pertinentes. Esse ponto foi abordado de modo direto e claro pelo Juízo – a sentença é da lavra do Dr. Maury Angelo Bottesini –, que assim se pronunciou ao julgar improcedente o pedido inicial (folha 1405):

Vendo suas entranhas de homem público expostas ao vento, com suporte em produto criminoso obtido com a escuta de suas conversas com outros membros do Governo, é certo que o requerido (ora recorrente) tinha que dar alguma explicação aos governados e aos seus pares governantes.
(...)

Agiu como ‘funcionário público’ e no interesse público, porque estava obrigado a dar explicações a respeito dos fatos.

Poderia fazê-lo por porta-voz, poderia ter recusado a incumbência extra que lhe atribuía o Presidente da República, mas não o fez.

Aceitou a incumbência de dar a público as explicações que o Governo a que serviu entendia convenientes e necessárias.

O nexo de causalidade entre a função pública exercida pelo recorrente e as declarações divulgadas em novembro de 1998, levantando suspeitas sobre o empresário Carlos Jereissati, ora recorrido, que detinha negócios com a Administração Pública Federal e, mais especificamente, em seara alcançada pelo Ministério das Comunicações, deixa nítida a natureza pública e política da disputa. Não se cuida de terceiro alheio às atividades administrativas e de questão estranha à gestão pública.

Peço vênia para encerrar com uma citação. Atribui-se a George Orwell, autor de clássicos como 1984, a afirmação de que a “liberdade de expressão é o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir”.

Tudo que se acrescenta ao campo da calúnia, da injúria, da difamação, das ações reparatórias por danos morais é subtraído ao espaço da liberdade. Obviamente, imputações sabidamente falsas não podem ser consideradas legítimas em nenhum ordenamento jurídico justo. O desenvolvimento da argumentação revela não ser esse o quadro retratado neste processo.

Ante essas razões, dou provimento ao recurso extraordinário para reformar o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça e julgar integralmente improcedente o pedido formalizado na peça inicial. Ficam invertidos os ônus da sucumbência, na forma fixada mediante o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no que confirmada a sentença, mas reduzidos os honorários advocatícios devidos pelo ora recorrido.

Fonte: Portal do STF

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