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sábado, 5 de fevereiro de 2022

"NADA MAIS DANOSO QUE A AGROPECUÁRIA" - diz o físico Marcelo Gleiser em conversa sobre judaísmo, espiritualidade e conexão com a natureza


3 de fevereiro de 2022

O físico Marcelo Gleiser abriu espaço em sua agenda para conversar, dos Estados Unidos, onde mora, com a CONIB. Durante o seu depoimento para o Histórias Reais, ele falou sobre os avós, e o pai, bastante ativos na vida comunitária do Rio de Janeiro, da paixão pela música e pelo vôlei durante a juventude. Escritor, professor da Faculdade de Dartmouth, ele se definiu como agnóstico, afirmou ser um forte crítico do ateísmo e que acredita que o ser humano deve se reconectar com a espiritualidade e mudar a relação que mantém com o planeta. Ele faz esta conexão subindo montanhas planeta afora.

Os avós de Marcelo chegaram no Brasil na década de 1920. Tanto do lado paterno, os Gleiser como do materno, os Schneider, eles vieram de regiões próximas: Ucrânia, Rússia, Bessarábia (suspeita-se que uma avó tenha vindo de lá). No Brasil, estabeleceram-se mesmo foi no Rio de Janeiro. “É uma história bastante típica, mas de sucesso”, conta o físico, ressaltando que os dois tinham afiado tino para os negócios. As duas famílias foram muito ativas na comunidade. “Meu avô Jacob Schneider foi sócio fundador da Hebraica. O Gleiser também. Tanto que Schneider tinha o título número 2 e o Gleiser o número 5”, ele conta. Estiveram também envolvidos na criação do Grande Templo, erguido à Rua Tenente Possolo, no Centro da cidade, entre outras iniciativas. O pai trilhou o mesmo caminho: esteve à frente da Federação Israelita do Rio de Janeiro e do Colégio Max Nordau. “Uma herança bastante importante para a comunidade do Rio”, destaca Marcelo.

Com um pai presidente de escola judaica, Marcelo foi aluno do Max Nordau. “Não tive escapatória. Foi uma escola muito importante para mim, tenho amigos de lá até hoje”. E recebeu o que define como uma educação regular e uma vida bem judaica e carioca. Fez bar-mitzvah no Grande Templo, festejava as festas em família, que não era ortodoxa mas respeitava as tradições. A família era também muito musical. O pai e o avô tocavam piano – o avô tocou piano para acompanhar filmes mudos em um cinema no interior de São Paulo, quando chegou ao Brasil – e Marcelo escolheu o violão clássico e queria ser músico. Também jogou vôlei e “levava bastante a sério”. Jogava nas quadras do Clube Israelita Brasileiro – CIB, em Copacabana, por onde foi tricampeão carioca, ficou amigo do companheiro de quadra Bernardinho, amizade que mantém até hoje e participou de duas Macabíadas. “A questão foi que eu parei de crescer”. Mas a carreira no vôlei não acabou ali. Jogou na Inglaterra pela Universidade de Londres e foi campeão britânico.

Foi na adolescência que Marcelo começou a ter dúvidas quanto a questões ligadas à ortodoxia da interpretação da Torah, a duvidar da interpretação literal da Torah. Começou a ver de uma forma mais metafórica, “como um corpo de ideias que representavam um código moral de um povo”. Começava ali uma transição que o levaria a estar mais próximo e interessado em uma visão mais cósmica do judaísmo, a ter uma ideia mais próxima da do filósofo holandês Baruch Spinoza, de que Deus está em todos os lugares. E depois descobriu Einstein, uma descoberta muito anterior à da Física. E associou a sua visão de mundo com a do cientista, que está também algo mais próxima da de Spinoza. Gleiser define-se como agnóstico e é um sério crítico do ateísmo. “Para mim, a ideia do ateísmo é uma forma de fé na não fé”, ele explica. Segundo Marcelo, se não há evidências da existência de Deus, também não existem provas de sua inexistência. “Minha posição hoje é de compreensão da importância da religiosidade na vida do homem”.

Gleiser também se define como uma pessoa profundamente espiritualizada e está escrevendo um livro sobre a necessidade de uma reespiritualização, de uma visão pós iluminista no mundo. Para ele, esta visão iluminista criou coisas fantásticas, “mas o preço que a gente pagou por isso foi a destruição do planeta”. “Temos que reinventar a nossa narrativa. E, na minha opinião, isto passa por uma conexão com a natureza. A gente se afastou da natureza, criamos estas cidades de concreto, em que ficamos do lado de dentro e a natureza do lado de fora. Para mim, a gente precisa mudar a narrativa de quem nós somos e o caminho é essa redescoberta da nossa relação espiritual com o mundo que, de certa maneira, reverte a esse judaísmo de Spinoza, de que Deus está em todas as partes.”

“O meu templo são as montanhas”, diz Marcelo. Ele mantém uma vida ativa fisicamente. É ultramaratonista, faz corridas de longa distância em montanhas pelo mundo inteiro: África do Sul, Itália, França, entre outros países. As corridas levam a duas coisas: a uma relação íntima com a natureza que une o cansaço físico extremo e a sua presença, sozinho, na natureza. “É um exercício entre a vida e a morte. Para mim estar na natureza é um ato de conexão espiritual”.

Entre os projetos em produção, está um documentário que aborda a defesa do resgate da conexão com o mundo natural através da exposição a este mundo. “Para se relacionar com a vida, a passagem do tempo, com a morte, que é diferente da nossa e que não quero saber disso. O que não é muito eficiente”.

Projetos não faltam. Na pandemia, Marcelo criou um canal no YouTube com cursos e palestras sobre temas que vão da física à filosofia e entrevistou uma série de pessoas sobre questões diversas. Parte destas entrevistas será transformada em livros pela editora Record. Na lista: Monja Coen, Mario Sergio Cortella e Leandro Karnal. Documentários, um segundo livro com conversas entre cientistas e humanistas promovidas durante os 5 anos em que dirigiu o Instituto de Engajamento Interdisciplinar e intitulado Great Minds Don’t Think Alike também deve chegar às estantes neste ano. Sem contar o que aborda a construção de uma nova narrativa de quem somos, já mencionado, e no qual ele diz estar colocando a alma.

Esta nova narrativa de que Marcelo fala, passa por mudanças de atitude. Ele explica que passamos por esta explosão porque consumimos as entranhas do planeta e temos de nos livrar desta herança dos combustíveis fósseis. Em 100 anos, ele aponta, passamos de 2 milhões de pessoas para 8 milhões. Gente que precisa consumir energia, que precisa se alimentar etc. Segundo Marcelo, devemos recorrer à energia que vem de graça dos céus: energia solar, eólica, biomassa, que não vão comer o planeta. Outra coisa, que ele aponta é uma mudança de comportamento. Precisamos alterar a maneira como comemos, a nossa dieta. Ninguém precisa virar vegano do dia pra noite, ele deixa claro, mas reduzir em 50 por cento a quantidade de carne que comemos nas nossas 21 refeições semanais já ajudaria porque “não existe nada mais danosos do que a agropecuária” e reduzir a demanda faria imenso bem ao planeta. Ele é vegetariano por três razões: a primeira ambiental, a segunda moral já que pensa que não temos o direito de comer outros animais e a terceira, saúde. “Carne não faz bem”. “A gente vai entender tudo isso quando percebermos que a nossa relação com o planeta precisa mudar. Porque este é o mundo que nossos filhos vão herdar”.

Fonte: CONIB

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