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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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sexta-feira, 13 de março de 2015

PRIVILÉGIO REPUGNANTE - ÁREA VERDE DE LOTEAMENTO NÃO PODE SER DESTINADA A IGREJA, EXCETO SE FOR CATÓLICA

Agravo de Instrumento n. 2013.036741-2, de Lages
Relator: Des. Carlos Adilson Silva
AGRAVO POR INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO APROVADO PELO MUNICÍPIO DE LAGES/SC E REGISTRADO NO OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS EM 1999. APURADAS IRREGULARIDADES NA EXECUÇÃO DO EMPREENDIMENTO. PRECARIEDADE DA INFRAESTRUTURA BÁSICA. AUSÊNCIA DE REDE DE DRENAGEM DE ÁGUAS PLUVIAIS, DE SISTEMA DE TRATAMENTO DE ESGOTO SANITÁRIO E DE CALÇAMENTO. DESTINAÇÃO DE ÁREAS VERDES PARA FINS DIVERSOS, COMO A CONSTRUÇÃO DE IGREJA E CRECHE. AUSÊNCIA DE LICENÇA AMBIENTAL DE OPERAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DAS EXIGÊNCIAS CONSTANTES DA LICENÇA AMBIENTAL DE INSTALAÇÃO. DECISÃO LIMINAR QUE PROIBIU A TRANSFERÊNCIA DE LOTES PELO LOTEADOR ATÉ QUE AS IRREGULARIDADES SEJAM SANADAS.
INSURGÊNCIA DA EMPRESA LOTEADORA. PRELIMINARES. COISA JULGADA. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DO LOTEAMENTO POR PARTICULAR ENCAMINHADA PELO OFICIAL DE REGISTRO AO JUÍZO DA COMARCA DE LAGES/SC. PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO FISCAL DA LEI. DECISÃO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA, QUE NÃO FAZ COISA JULGADA. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE, ADEMAIS, ENTRE O OBJETO E AS PARTES DAS DEMANDAS. PREFACIAL ARREDADA.
A análise realizada no processo de impugnação de registro, nos termos dos artigos 285 a 289 da Lei nº 6.015/1973, se atém ao aspecto formal dos requisitos registrais, de modo que a sentença que a resolve consiste em decisão de natureza administrativa, razão pela qual não faz coisa julgada quanto à regularidade substancial do loteamento, podendo inclusive ser revista.
Não é alcançada pela coisa julgada a demanda posteriormente proposta quando inocorre identidade entre o objeto das ações e as partes, no caso de a sentença prolatada na ação pretérita não produzir efeitos erga omnes, mas unicamenteinter partes.
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO À REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL E URBANÍSTICO. PREJUDICIAIS DE MÉRITO AFASTADAS.
"É imprescritível a pretensão deduzida em ação civil pública que visa à recuperação de meio ambiente degradado" (TJSC, Apelação Cível n. 2011.012821-6, de Chapecó, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 19-03-2013)
MÉRITO RECURSAL. ALEGADO EFEITO RETROATIVO DA DECISÃO A PREJUDICAR DIREITO DOS ADQUIRENTES DE BOA-FÉ. INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA DODECISUM. TUTELA QUE VISA INIBIR NOVAS ALIENAÇÕES DE LOTES, SEM SURTIR EFEITOS EM RELAÇÃO AOS NEGÓCIOS JURÍDICOS ANTES CONCLUÍDOS. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AO PROCEDIMENTO DESCRITO NO ART. 38 E SEGUINTES DA LEI 6.766/1979. RISCO CONTÍNUO À SAÚDE E À SEGURANÇA DOS MORADORES. IMPACTO AMBIENTAL. CONTEXTO EM QUE SE VERIFICA A NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA ADOTADA.
Não produz efeitos retroativos a tutela de caráter inibitório pretendida pelo Ministério Público e deferida pelo juiz a quo, que visou obstar apenas novas alienações, a fim de evitar o agravamento da situação urbanística e ambiental, assim como danos a novos consumidores.
O procedimento a ser seguido está expressamente previsto no art. 38 e seguintes da Lei nº 6.766/1979, o qual garante a proteção dos adquirentes dos lotes, bem como o recebimento do crédito pelo loteador, caso este regularize a execução do loteamento.
É dever do loteador promover a implantação da infraestrutura básica que, na época do parcelamento do solo em apreço, compreendia, nos termos do art. 2º, §5º, da Lei 6.766/1979, incluído pela Lei nº 9.785/1999, então vigente, "os equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, redes de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, e de energia elétrica pública e domiciliar e as vias de circulação pavimentadas ou não".
A teor do art. 10, §1º, da Lei Municipal nº 1.052/1986 de Lages, as obras e equipamentos urbanos mínimos exigidos constituem "os equipamentos de abastecimento de água e luz, revestimento primário das vias de circulação, e pavimentação das principais vias do loteamento".
Ressalvado o sistema de tratamento de esgoto, que depende de ação conjunta do Poder Público, os demais equipamentos de infraestrutura deveriam ter sido disponibilizados pelo loteador, o que não foi realizado a contento, consoante evidenciam os documentos reunidos no inquérito civil público.
Demais disso, observa-se que o provimento liminar possui natureza meramente acautelatória, sendo necessário, adequado e proporcional ante a finalidade precípua de evitar o agravamento da situação.
RECURSO NÃO PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2013.036741-2, da comarca de Lages (Vara da Fazenda Ac. Trabalho e Reg. Públicos), em que é agravante CEPAR Construção e Comércio Ltda, e agravado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:
A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento interposto por CEPAR Construção e Comércio Ltda. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado no dia 10 de fevereiro de 2015, os Exmos. Srs. Des. Jorge Luiz de Borba (Presidente) e Des. Paulo Ricardo Bruschi.
Florianópolis, 11 de fevereiro de 2015.
Carlos Adilson Silva
Relator

RELATÓRIO
CEPAR Construção e Comércio Ltda interpôs agravo de instrumento contra decisão que, nos autos de ação ação civil pública proposta em face da Fundação Estadual do Meio Ambiente - FATMA, do Município de Lages e da empresa agravante, deferiu parcialmente o pedido de antecipação dos efeitos da tutela formulado pelo Ministério Público (fls. 527-532), nos seguintes termos:
"Isso Posto, DEFIRO parcialmente o pedido liminar formulado pelo Ministério Público para antecipar os efeitos da tutela e determinar a ré Cepar Construções e Comércio Ltda. a obrigação de não fazer, consistente na abstenção de alienar, permutar ou transferir, sob qualquer forma, onerosa ou gratuita, qualquer lote do Loteamento Jardim Residencial Morada do Sol, até que obtenha o licenciamento ambiental de operação, na modalidade corretiva, e providencie a implantação da estrutura básica de sistema de drenagem de águas pluviais e revestimento primário das vias de circulação, com a pavimentação das principais vias do loteamento.
Fixo multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por ato de descumprimento.
Oficie-se ao 4º Ofício de Registro de Imóveis para que averbe a presente decisão na matrícula mãe do imóvel (M-22.424), bem como nas demais matrículas de imóveis referentes a este loteamento que estejam em nome de Cepar Construções e Comércio Ltda., encaminhando aos autos cópia da certidão atualizada da matrícula com a averbação, no prazo de 5 dias.
Cumpridas as determinações acima, abra-se vista ao Ministério Público para que se manifeste sobre as contestações e documentos juntados aos autos pelas rés.
I-se, inclusive o Município de Lages."
Alegou o agravante, preliminarmente, que o debate acerca da legalidade do Loteamento Jardim Residencial Morada do Sol está acobertado pelo manto da coisa julgada, por ter sido reconhecida no julgamento da ação autuada sob o nº 039.99.006348-6; a decadência e a prescrição da pretensão veiculada, argumentando que a aprovação do loteamento ocorreu há mais de dez anos; sustentou que a abstenção de transferir os lotes implica violação a direito adquirido por compradores de boa-fé, o quais inclusive já pagaram pelos imóveis, remanescendo apenas a formalização das escrituras públicas para perfectibilização do negócio; afirmou que foram cumpridas todas as exigências aplicáveis ao loteador, consoante a legislação vigente à época, em 1999, sendo que as exigências atualmente em vigor divergem daquelas. Em sede liminar, requereu a suspensão parcial dos efeitos da tutela concedida antecipadamente para que não atinjam os negócios jurídicos celebrados antes do ajuizamento da demanda civil pública.
Negado o efeito suspensivo pretendido (fls. 20237-2040) e oferecida a contraminuta (fls. 2045-2057), o feito foi remetido à douta Procuradoria-Geral de Justiça, que, em parecer da lavra do eminente Procurador Jacson Corrêa, manifestou-se pelo não provimento do recurso.
Este é o relatório.
VOTO
Irresignado com o provimento jurisdicional exarado na origem, que deferiu parcialmente o pedido liminar formulado pelo Parquet, ordenando que a agravante se abstenha de transferir os lotes resultantes do Loteamento Jardim Residencial Morada do Sol antes de cumpridas todas as exigências determinadas no decisum, a empresa ré interpôs o presente agravo de instrumento, visando a reforma do interlocutório, para que seja cassada a decisão guerreada.
Conheço do recurso, porquanto satisfeitos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
Razão não assiste ao agravante, consoante os fundamentos que se passa a expor.
1. Da coisa julgada
Analisando o objeto e as partes que compuseram a ação nº 039.99.006348-6, verifica-se que a matéria versada na ação civil pública de origem não está alcançada pela coisa julgada.
A existência de coisa julgada pressupõe identidade entre o objeto da ação pretérita e o da proposta ulteriormente, requisito que não se observa nos autos. Conforme se depreende da cópia da sentença exarada nos autos em comento de n. 039.99.006348-6 (fls. 1998-1999), versava sobre impugnação ao registro do loteamento perante o ofício de registro de imóveis, de sorte que a sentença nele prolatada apenas reconheceu, por meio de análise formal, a inexistência de óbice para que o registro fosse realizado, limitando-se à análise das alegações veiculadas pela parte autora. Consiste, como bem observou o representante do Parquet em contrarrazões, em decisão com natureza administrativa, motivo pelo qual não faz coisa julgada, podendo inclusive ser revista.
Por seu turno, a presente demanda civil pública fundamenta-se no suposto descumprimento das exigências legais para a aprovação do loteamento, pretendendo, em suma, sua regularização, sem impugnar seu registro, que apenas serve para dar publicidade, viabilizando a comercialização dos lotes.
De qualquer sorte, constata-se que a impugnação ao processo de loteamento foi apresentada pelo Aeroclube de Lages, e encaminhado pelo 4º Ofício de Registro de Imóveis, em face de CEPAR Construção e Comércio Ltda, operando, nos limites de seu objeto, coisa julgadainter partes, isto é, somente entre as partes do processo. Conquanto tenha o Ministério Público se manifestado naqueles autos na qualidade de fiscal da lei, isso não implica consumação de coisa julgada em face do Parquet como legítimo representante da coletividade, porquanto, em seu mister de custos legis, sequer poderia delimitar ou modificar o objeto das objeções, tampouco produzir provas naqueles autos.
Assim, sendo distintos o objeto e as partes da ação civil pública de origem, conclui-se que esta não encontra-se alcançada pela coisa julgada.
2. Da decadência e da prescrição
Não prosperam as preliminares de decadência ou prescrição, pois, consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Estadual, "é imprescritível a pretensão deduzida em ação civil pública que visa à recuperação de meio ambiente degradado" (TJSC, Apelação Cível n. 2011.012821-6, de Chapecó, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 19-03-2013).
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO. ACEITAÇÃO DE MEDIDA REPARATÓRIA. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. CONTROVÉRSIA NÃO DESLINDADA PELA ORIGEM. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA DE IDENTIDADE FÁTICA E JURÍDICA. DA IMPOSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO DE FUNDAMENTOS QUE NÃO FORAM OBJETO DE ANÁLISE PELA CORTE A QUO.
1. Trata-se de Ação Civil Pública que visa não só discutir a obrigação de reparação do dano, mas a de não degradação de área de preservação. O pedido inicial abrange não só a cessação dos atos, mas a elaboração de plano de recuperação e sua execução, após a demolição do empreendimento existente no imóvel situado à área de proteção.
2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que as infrações ao meio ambiente são de caráter continuado, motivo pelo qual as ações de pretensão de cessação dos danos ambientais são imprescritíveis.
[...]
(AgRg no REsp 1421163/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 17/11/2014)
"APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO NO ANO DE 2010. ATIVIDADE LESIVA CESSADA NO ANO DE 2001. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA CONFIGURADA. PRAZO QÜINQÜENAL TRANSCORRIDO. EXEGESE DO ART. 21 DO DECRETO N. 6.514/08 E DO ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/32. NULIDADE DO AUTO INFRACIONAL RECONHECIDA QUE, TODAVIA, NÃO INFIRMA A OBRIGAÇÃO DA IMPETRANTE DE REPARAR O DANO AMBIENTAL, EIS QUE IMPRESCRITÍVEL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO E REMESSA OFICIAL CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (TJSC, Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2013.066821-1, da Capital, rel. Des. Paulo Ricardo Bruschi, j. 11-11-2014).
E ainda: "Em tema de direito ambiental, considera-se que as infrações ao meio ambiente têm caráter continuado e, por conseguinte, as ações de pretensão de cessação dos danos ambientais são imprescritíveis.[...]" (TJSC, Apelação Cível n. 2012.080864-7, de Garopaba, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 23-07-2013).
Deveras, os institutos da prescrição e da decadência, insculpidos em prol da segurança jurídica, não recaem sobre o dever de reparação civil de danos provocados em desfavor da coletividade, como são os bens urbanísticos e ambientais cuja tutela se almeja na ação civil pública de origem.
3. Do mérito
No mérito, a agravante se insurge contra a antecipação dos efeitos da tutela deferidos na origem, para que se abstenha de transferir os lotes resultantes do loteamento enquanto perdurarem as irregularidades constatadas no inquérito civil público.
Importa, inicialmente, salientar que a recorrente, ao interpretar a decisão em comento, deduziu que esta produziria efeito retroativo, prejudicando as alienações de lotes anteriormente concretizadas por impedir a escrituração e o registro imobiliário em nome de adquirentes os quais inclusive já teriam realizado o pagamento pelo imóvel. Colhe-se da petição recursal:
"O que busca nesta fase de Agravo é a suspensão da tutela antecipatória, que veda a transferência de propriedade dos imóveis já alienados há mais de 10 anos, do Loteamento Residencial Morada do Sol. Se a tutela fosse para o futuro, proibindo alienações, até que se aguardaria a decisão final. Mas, desta forma, antecipando julgamento de mérito e prejudicando adquirentes que já pagaram pelo imóvel não..." (fls. 07)
No entanto, esta interpretação não condiz com a tutela pretendida pelo Ministério Público e deferida pelo juiz a quo, a qual apenas obsta novas alienações, não surtindo efeitos retroativos. Com efeito, a pretensão liminar visa apenas evitar o aumento da ocupação do loteamento, que se encontra desordenada, para impedir o agravamento da situação urbanística e ambiental, assim como danos a novos consumidores. É o que se extrai da petição inicial:
"Além disso, como já mencionado, a demora poderá dar ensejo a danos irreparáveis ao meio ambiente aos direitos dos novos moradores do loteamento, bem cuja primazia de proteção é indiscutível, o que justifica providência liminar. [...] Com efeito, imperiosa a decretação da medida liminar de indisponibilidade dos imóveis da empresa ré CEPAR no loteamento, para determinar a imediata paralisação da comercialização de lotes ainda não comercializados, bem como para garantir eventual ressarcimento." (fls. 31) [Sublinhe-se.]
Verifica-se, portanto, que o pedido liminar não visava atingir as transferências anteriores, mas apenas a indisponibilidade dos lotes ainda não comercializados.
A decisão atacada, por sua vez, deferiu a tutela liminar nos exatos termos postulados pelo Ministério Público, de forma que os negócios jurídicos anteriores encontram-se preservados!
Como bem salientou o representante do Parquet em suas contrarrazões, a presunção referente à transferência da propriedade e ao compromisso de alienação de imóvel dependem do registro, respectivamente, do título translativo e do contrato de promessa de compra e venda, nos termos dos artigos 1245 e 1417 do Código Civil.
Oportuno esclarecer, entretanto, que, a teor do art. 1.247, tal presunção é relativa - iuris tantum -, admitindo prova em contrário, de sorte que eventuais negócios jurídicos celebrados e concluídos anteriormente, desde que efetivamente comprovados, o que deverá ser feito, caso a caso, pelos respectivos interessados, não terão sua validade afetada pela tutela de urgência concedida, de caráter eminentemente inibitório.
Não obstante isso, nas aquisições em andamento, "deverá o adquirente do lote suspender o pagamento das prestações restantes e notificar o loteador para suprir a falta", em consonância com o teor do art. 38 da Lei nº 6.766/1979. Nos termos do § 1º do dispositivo em alusão, "o adquirente efetuará o depósito das prestações devidas junto ao Registro de Imóveis competente, que as depositará em estabelecimento de crédito, segundo a ordem prevista no inciso I do art. 666 do Código de Processo Civil, em conta com incidência de juros e correção monetária, cuja movimentação dependerá de prévia autorização judicial."
Assim, o procedimento a ser seguido está expressamente previsto no art. 38 e seguintes da Lei nº 6.766/1979, o qual garante a proteção dos adquirentes dos lotes, bem como o recebimento do crédito pelo loteador, caso este regularize a execução do loteamento.
Ausente, portanto, o interesse recursal concernente a supostos efeitos pretéritos da decisão, já que inexistentes, restando resguardados os direitos de terceiros de boa-fé, à luz da legislação de regência.
Quanto à medida efetivamente adotada, no sentido de indisponibilizar os lotes ainda não alienados pela agravante, ante a verossimilhança das alegações e da inescondível urgência, constata-se que merece ser mantida, a fim de conter o crescimento desordenado do loteamento e o agravamento dos danos ambientais, assegurando patrimônio para o pagamento de eventuais indenizações, bem como o direito dos consumidores.
Em sintonia com os fundamentos invocados na decisão agravada, é dever do loteador promover a implantação da infraestrutura básica, que, na época do parcelamento do solo em apreço, compreendia, nos termos do art. 2º, §5º, da Lei 6.766/1979, incluído pela Lei nº 9.785/1999, então vigente, "os equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, redes de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, e de energia elétrica pública e domiciliar e as vias de circulação pavimentadas ou não".
Cite-se ainda o teor do art. 10, §1º, da Lei Municipal nº 1.052/1986 de Lages, que dispõe serem as obras e equipamentos urbanos mínimos exigidos "os equipamentos de abastecimento de água e luz, revestimento primário das vias de circulação, e pavimentação das principais vias do loteamento".
Cumpre ainda mencionar a ressalva feita pelo magistrado de primeiro grau de que "o sistema de coleta e tratamento de efluentes sanitários, apesar de ser um requisito de infra-estrutura básica do loteamento, não é atribuído exclusivamente ao loteador, razão pela qual inviável, no presente momento, determinar seu cumprimento exclusivamente à empresa CEPAR".
Dito isto, observa-se, de plano, diante do asservo probatório coligido aos autos, com destaque para o laudo técnico elaborado pelo Instituto Geral de Perícias - IGP (fls. 292-299), uma série de desconformidades no parcelamento do solo executado pela agravante e aprovado pelo Poder Público municipal. Transcreve-se as conclusões do expert do IGP:
"Diante do exposto e considerados conclusos os exames periciais, conclui o Perito que a extensão do loteamento Morada do Sol - I não apresentava nenhuma infra-estrutura urbana de coleta e tratamento de efluentes domésticos, sendo verificado o lançamento diretamente de esgoto sanitário em diversas valas a céu aberto, em diferentes pontos do loteamento, conforme descrito no conteúdo do Item 3. Dos Exames Periciais.
Além da ausência de infra-estrutura de coleta e tratamento de esgotos por parte do Poder Público, também verificou-se a ausência de fossas sépticas em determinadas residências do bairro, fator que também contribui para a degradação da qualidade ambiental da área.
Também conclui-se que as vias do loteamento não apresentavam nenhuma estrutura de calçamento, nem mesmo de rede de coleta de água pluvial, sendo que algumas vias encontram-se em péssimo estado de conservação, conforme descrito no conteúdo do Item 3. Dos Exames Periciais." (fls. 298-299)
Ante a ausência de rede de drenagem de águas pluviais e estrutura de calçamento, além da inexistência de sistema de tratamento de esgoto sanitário, resta evidenciado que os moradores estão expostos a riscos à saúde e à segurança.
Ademais, ressalta-se ainda a irregularidade da destinação de áreas verdes para fins diversos, como a construção de uma igreja e uma creche, tratando-se de porção do loteamento incorporada pelo Poder Público, como bem de uso comum do povo, não suscetível de alienação, edificação e apropriação.
Também indispensável asseverar que o empreendimento não obteve Licença Ambiental de Operação - LAO, tendo-se constatado inobservância de exigências constantes da Licença Ambiental de Instalação - LAI expedida pela FATMA, justamente em razão da falta de rede de drenagem de águas pluviais e de sistema de tratamento de esgoto sanitário.
Nesse contexto, ao menos em sede de cognição sumária, conclui-se que foram descumpridas as exigências legais atribuíveis ao loteador, que é responsável por promover a infraestrutura básica do loteamento. Ressalvado o sistema de tratamento de esgoto, que depende de ação conjunta do Poder Público, os demais equipamentos de infraestrutura deveriam ter sido disponibilizados pelo empreendedor, o que não foi realizado a contento, consoante evidenciam os documentos reunidos no inquérito civil público.
Demais disso, observa-se que o provimento liminar possui natureza meramente acautelatória, sendo necessário, adequado e proporcional ante a finalidade de evitar que a situação seja agravada.
Destarte, diante da ausência de provas suficientes a afastar a verossimilhança das alegações do Ministério Público e demonstrar que a agravante teria se desincumbido de suas obrigações perante o loteamento, imperiosa a manutenção da decisão exarada pelo togado singular.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento interposto por CEPAR Construção e Comércio Ltda.
Este é o voto.

Gabinete Des. Carlos Adilson Silva


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Agora vejam a decisão, do mesmo TJ/SC, em ação popular proposta por este blogueiro contra a Mitra Metropolitana de Florianópolis (leia-se Igreja Católica):

Apelação Cível n. 2011.077052-7, de Camboriú
Relator: Des.Subst. Júlio César Knoll
AÇÃO POPULAR. APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. DECRETO LEI N. 201/1967. DESTINAÇÃO DE TERRENO DA MUNICIPALIDADE PARA A CONSTRUÇÃO DEIGREJA CATÓLICA. DESAFETAÇÃO. PRÉVIA AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA. INEXISTÊNCIA DE PRIVILÉGIO OU DISCRIMINAÇÃO CONTRA QUALQUER RELIGIÃO. ÁREA CONCEDIDA APÓS PEDIDOS DA COMUNIDADE. AUSÊNCIA DE LESÃO AO ERÁRIO. PRINCÍPIO DA FINALIDADE PÚBLICA.
SENTENÇA QUE EXTINGUIU O FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ILEGITIMIDADE ATIVA. ELEITOR RESIDENTE EM MUNICÍPIO DIFERENTE DO QUAL SE ORIGINOU O ATO. APELO DO AUTOR CONHECIDO E PROVIDO.
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. ELEITOR COM DOMICÍLIO ELEITORAL EM MUNICÍPIO ESTRANHO ÀQUELE EM QUE OCORRERAM OS FATOS CONTROVERSOS. IRRELEVÂNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. CIDADÃO. TÍTULO DE ELEITOR. MERO MEIO DE PROVA." (REsp n. 1.242.800/MS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 07.06.2011)
DECISÃO ANULADA. PROCESSO APTO PARA JULGAMENTO IMEDIATO. ART. 515, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
"Conforme o art. 515, § 3º, do CPC, há possibilidade de, em segundo grau, enfrentar-se o mérito da demanda, por se tratar de causa madura sujeita a julgamento imediato." (Apelação Cível n. 2011.006036-1, de Lages, rel. Des. Jaime Ramos, j. em 31.05.2012).
SENTENÇA REFORMADA PARA JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2011.077052-7, da comarca de Camboriú (2ª Vara Cível), em que é apelante Izidoro Azevedo dos Santos, e apelado Município de Camboriú e outros:
A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer da remessa oficial e do apelo, e dar-lhes provimento e, na forma do art. 515, § 3º, do CPC, julgar, desde logo, improcedente a ação. Custas legais.
O julgamento, realizado no dia 02 de maio de 2013, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. José Volpato de Souza (com voto) e dele participou o Exmo. Sr. Des. Jaime Ramos.
Funcionou como Representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Jacson Corrêa.
Florianópolis, 08 de maio de 2013.
Júlio César Knoll
Relator

RELATÓRIO
Perante a Vara da Fazenda Pública da comarca de Camboriú, Izidoro Azevedo dos Santos, devidamente qualificado, com fundamento nos permissivos legais, promoveu Ação Popular, em desfavor da Mitra Metropolitana de Florianópolis, Município de Camboriú e Edson Olegário, então prefeito municipal.
Alegou, em apertada síntese, que a Câmara de Vereadores de Camboriú aprovou a Lei Municipal n. 1.819/2007, autorizando a doação de um terreno à Mitra Metropolitana de Florianópolis, para a construção de uma igreja.
Aduziu que, o ato caracteriza privilégios à Igreja Católica, além de servir para angariar voto dos fiéis.
Disse da inconstitucionalidade da doação, posto que o Estado é laico, bem como a improbidade administrativa e a responsabilização criminal do Chefe do Executivo e dos edis.
Postulou a nulidade do ato e a devolução do imóvel ao paço municipal ou o pagamento de indenização.
Em contestação, a Mitra Metropolitana de Florianópolis registrou: a) a ausência de lesividade; b) que a construção do templo beneficia toda a comunidade; c) que a própria população requereu o terreno; d) a inexistência de indícios de que a destinação tenha caráter político.
Por sua vez, o município de Camboriú, preliminarmente, asseverou a incompetência absoluta do juízo e a ilegitimidade ativa.
No mérito, somou que cabe à municipalidade legislar sobre interesse local e, que a área em lide não é de preservação permanente.
Edson Olegário defendeu que, a doação se deu em conformidade com a legislação, sendo precedida de estudos e de autorização legislativa.
O Ministério Público manifestou pelo improcedência da ação, haja vista que a intenção da Administração Municipal foi, tão somente, de viabilizar e colaborar para a atuação social das instituições religiosas, em prol do interesse comum da população local.
Após audiência de instrução e julgamento e apresentada as alegações finais, sobreveio sentença do MM. Juiz de Direito, Dr. Iolmar Alves Baltazar, que julgou:
Sem adentrar no mérito da ação, salta aos olhos que o autor reside e vota na Capital do Estado, em Florianópolis, conforme endereço declinado na petição inicial e cópia do título eleitoral amealhada aos autos, não possuindo o autor nenhuma ligação com o Município de Camboriú.
[...]
ISSO POSTO, julgo extinto o processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa, com fulcro no inciso IV do artigo 267 do Código de Processo Civil.
Irresignado, Izidoro Azevedo dos Santos apelou às fls. 329/334, oportunidade em que afirmou possuir legitimidade ativa, requerendo, por conseguinte, a anulação do decisium.
Houve contrarrazões às fls. 363/367 e fls. 368/370.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Alexandre Herculano Abreu, que opinou pelo conhecimento e provimento do apelo, para que seja anulada a sentença de primeiro grau.

VOTO
Tratam-se de recurso, interposto por Izidoro Azevedo dos Santos, e reexame necessário (art. 19 da Lei n. 4.717/65), lançados em desfavor de sentença que extinguiu, sem resolução de mérito, Ação Popular, visando a anulação de ato público, que destinou terreno para a construção de igreja.
Por que preenchidos os pressupostos de admissibilidade, a tempo e a modo, conheço do apelo.
I) Do recurso da parte autora
O Magistrado a quo julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, por ilegitimidade ativa, pois considerou não ser possível que um cidadão, domiciliado e eleitor em um município, possa promover ação popular contra ato praticado em outra cidade.
Nos termos do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal:
Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
Sobre o assunto, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. ELEITOR COM DOMICÍLIO ELEITORAL EM MUNICÍPIO ESTRANHO ÀQUELE EM QUE OCORRERAM OS FATOS CONTROVERSOS. IRRELEVÂNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. CIDADÃO. TÍTULO DE ELEITOR. MERO MEIO DE PROVA.
[...]
2. Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 1º, caput e § 3°, da Lei n. 4.717/65 e 42, p. único, do Código Eleitoral, ao argumento de que a ação popular foi movida por eleitor de Município outro que não aquele onde se processaram as alegadas ilegalidades.
3. A Constituição da República vigente, em seu art. 5º, inc. LXXIII, inserindo no âmbito de uma democracia de cunho representativo eminentemente indireto um instituto próprio de democracias representativas diretas, prevê que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência" (destaque acrescentado).
4. Note-se que a legitimidade ativa é deferida a cidadão . A afirmativa é importante porque, ao contrário do que pretende o recorrente, a legitimidade ativa não é do eleitor, mas do cidadão.
5. O que ocorre é que a Lei n. 4717/65, por seu art. 1º, § 3º, define que a cidadania será provada por título de eleitor.
6. Vê-se, portanto, que a condição de eleitor não é condição de legitimidade ativa, mas apenas e tão-só meio de prova documental da cidadania, daí porque pouco importa qual o domicílio eleitoral do autor da ação popular. Aliás, trata-se de uma exceção à regra da liberdade probatória (sob a lógica tanto da atipicidade como da não-taxatividade dos meios de provas) previsto no art. 332, CPC.
[...]
8. Aquele que não é eleitor em certa circunscrição eleitoral não necessariamente deixa de ser eleitor, podendo apenas exercer sua cidadania em outra circunscrição. Se for eleitor, é cidadão para fins de ajuizamento de ação popular.
9. O indivíduo não é cidadão de tal ou qual Município, é "apenas" cidadão, bastando, para tanto, ser eleitor.
[...]
16. Então, se até para fins eleitorais esta relação domicílio-alistamento é tênue, quanto mais para fins processuais de prova da cidadania, pois, onde o constituinte e o legislador não distinguiram, não cabe ao Judiciário fazê-lo - mormente para restringir legitimidade ativa de ação popular, instituto dos mais caros à participação social e ao controle efetivos dos indivíduos no controle da Administração Pública. (REsp n. 1.242.800/MS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 07.06.2011)
Ao definir que cabe a qualquer cidadão promover a demanda, a Lei Maior não restringiu o polo ativo àqueles que residem no lugar onde o ato lesivo foi cometido. Ao contrário, abriu o leque de legitimados para a propositura da ação popular.
Dessa forma, dou provimento ao recurso do apelante, para anular a sentença que extinguiu, sem resolução de mérito, o feito.
Ato contínuo, vislumbro que o processo está apto para ser julgado.
A fim de otimizar a celeridade processual, introduziu-se no código processualístico a possibilidade de julgamento, pelo respectivo Tribunal, nos casos de extinção, pelo art. 267 do Código de Processo Civil.
"Conforme o art. 515, § 3º, do CPC, há possibilidade de, em segundo grau, enfrentar-se o mérito da demanda, por se tratar de causa madura sujeita a julgamento imediato." (Apelação Cível n. 2011.006036-1, de Lages, rel. Des. Jaime Ramos, j. em 31.05.2012).
Destarte, considerando que a questão é meramente jurídica, não necessitando de maior dilação probatória, adentro ao meritum causae.
II) Do mérito
Pretende, o autor, anular o ato que destinou um terreno, de propriedade do município de Camboriú para a Mitra Metropolitana de Florianópolis, com a finalidade da construção uma Igreja Católica.
Izidoro Azevedo dos Santos aduziu que o ato é inconstitucional e fere a característica laica do Estado, pois favorece uma religião, além de tal atitude ter cunho político.
Não lhe assiste razão.
É cediço que o Estado Democrático de Direito brasileiro garante a liberdade religiosa e qualquer forma de pensamento, inclusive, vedando à União, Estados e Municípios, embaraçar ou proibir qualquer manifestação de fé.
Extraio do texto constitucional:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. (grifei)
Pois bem, no caso em tela, a Associação de Moradores e Amigos do loteamento Santa Regina postularam, ao prefeito de Camboriú, a regularização da doação de terras (fl. 133).
Após projeto de viabilidade e prévia autorização legislativa, foi promulgada a Lei municipal n. 1.819/2007:
DISPÕE SOBRE DESAFETAÇÃO DE ÁREA DE TERRAS DO MUNICÍPIO DE CAMBORIÚ - SC, AUTORIZA DOAÇÃO DA ÁREA À MITRA METROPOLITANA DE FLORIANÓPOLIS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

EDSON OLEGÁRIO, Prefeito do Município de Camboriú, Estado de Santa Catarina, no uso das atribuições legais; FAÇO SABER que a Câmara de Vereadores aprovou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º - Fica desafetada de sua destinação originária a área de terras de propriedade do Município de Camboriú, representada pelos Lotes 01, 02, 03, 12, 13 e 14, Quadra N do Loteamento Moradias Santa Regina I, no Bairro Areias, Município de Camboriú - SC, com área total de 2.233,50 m², registrada no Oficio de Registro de Imóveis sob o nº 00756, fls. 1, livro 2, descrita através de planta e memorial descritivo em anexo, que constituem parte integrante desta Lei como se transcritos estivessem, passando a mencionada área a integrar patrimônio disponível da Administração Municipal.

Art. 2º - Ato contínuo, fica o chefe do Poder Executivo Municipal autorizado a efetuar a doação da área referida acima à Mitra Metropolitana de Florianópolis, pessoa jurídica, inscrita no CNPJ sob o nº 83.932.343/0001-11, com sede e foro na Rua: Esteves Júnior, nº 447, centro da cidade de Florianópolis, para uso exclusivo na construção de um Templo.

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMBORIÚ.
Em, 22 de outubro de 2007.

EDSON OLEGÁRIO
Prefeito Municipal
Salienta-se que, o projeto de lei cumpriu todas as exigências legislativas para a sua aprovação.
Razão pela qual, em decisão interlocutória, a MM. Juíza de Direito, Dra. Liana Bardini Alves, excluiu do pólo passivo os vereadores da comarca.
Acerca da destinação do terreno para a construção de uma igreja católica, destaco alguns pontos.
Primeiro, embora Estado e religião, à luz constitucional, sejam instituições distintas, nada impede a união destas, para atender as necessidades locais.
Pode o ente federativo, conforme preceitua o art. 19, inciso I, da Constituição, por meio de lei, visando o interesse público, auxiliar e contribuir para o funcionamento das instituições religiosas.
Não obstante existirem no Brasil diversas religiões ou ceitas religiosas, é notória a importância de Igreja Católica para a população brasileira, por sua indiscutível importância histórica.
In casu, a própria comunidade requereu à municipalidade uma área para a construção de sua igreja e um salão comunitário.
É de praxe, principalmente nas regiões mais afastadas dos grandes centros, que a igreja se torne o centro de convivência social para quem lá habita.
As fotos carreadas aos autos (fls. 165/169), demonstram a simplicidade do templo, uma vez que foi construído com madeiras e parcos recursos.
Também é possível notar, como a construção foi benéfica para a população, porquanto é usada com salão para reuniões e eventos festivos.
Ademais, destaco que se trata de uma área pequena e de baixo valor.
Diferentemente do que disse o autor na exordial, o valor dos bens doados alcança o montante de R$ 49.827,64 (quarenta e nove mil, oitocentos e vinte e sete reais e sessenta e quatro centavos), muito aquém dos R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) descritos na peça inaugural.
Segundo, não houve benefício à Igreja Católica, mas sim a uma parcela significativa da população de Camboriú.
Haveria privilégio ou discriminação se a comunidade requeresse uma área para uma determinada instituição religiosa, e o executivo negasse o pleito, por não ser a religião que lhe agradasse ou que entendesse correta.
Sendo uma região de população predominantemente católica, é certo que a comunidade iria pleitear a construção de uma igreja.
Do mesmo modo, não haveria empecilho, se fosse para o interesse público local, a construção de uma sinagoga, uma mesquita ou qualquer outro templo.
Novamente, destaco que ficou claro no caderno processual a importância da doação do terreno para comunidade do loteamento Santa Regina, o que não causou nenhum dano ao erário ou prejuízo.
Basta analisar o documento de fls. 138/164, de agradecimento pelo terreno, para comprovar os benefícios alcançados.
Terceiro, compete aos municípios legislar sobre interesses locais (art. 30, inciso I, da Constituição Federal).
Foi o que fez o prefeito à época, ao atender os anseios da população e destinar, após estudo e autorização legislativa, um terreno da municipalidade para construção de um centro religioso.
Não há o que se falar em ato de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92), crime de responsabilidade (Decreto Lei n. 201/1967) ou inconstitucionalidade do ato, posto que a doação foi feita com base em critérios legais e atendeu ao princípio da finalidade pública.
No mais, caberia ao autor provar a afirmação de que a destinação possuía fins políticos ou pessoais. Entretanto, não o fez.
Ao cabo, Izidoro Azevedo dos Santos apontou que o terreno está em área de preservação permanente.
Da prova colhida em audiência, nota-se que era denominada "área verde" os lugares destinados para a implementação de equipamentos destinados à comunidade.
Acrescenta-se o fato que, próximo à igreja, foi autorizada a construção de uma escola básica, a qual não foi alvo, em nenhum momento, do inconformismo do autor (fl. 192).
Não há elementos nos autos que corroborem com a afirmação de que a igrejacausou dano ambiental.
Por fim, considerando: a) que a doação da área observou o devido processo legislativo; b) atendeu ao princípio da finalidade pública; c) não resultou lesão ao erário; d) não foi resultado de privilégio ou discriminação contra qualquer religião ou pensamento filosófico; é medida que se impõe julgar improcedente esta Ação Popular.
Em conclusão, conheço e dou provimento à remessa oficial e ao apelo de Izidoro Azevedo dos Santos, para anular a sentença que extinguiu o feito, sem resolução de mérito.
Após anulação, com fundamento no art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, decido, desde logo, a lide, e julgo improcedente o processo com resolução de mérito (art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil). Sem custas e honorários advocatícios (art. 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal).


Gabinete Des.Subst. Júlio César Knoll

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