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sexta-feira, 26 de junho de 2015

CRENDICE EVANGÉLICA LEVADA AO EXTREMO - O NÚMERO DA BESTA (666) MOTIVANDO MANDADO DE SEGURANÇA

O PIOR DE TUDO É TER UM ADVOGADO TOPADO PATROCINAR UMA CAUSA TEMERÁRIA COMO A DESCRITA NO ACÓRDÃO QUE SEGUE TRANSCRITO.

MAS O ABSURDO FOI ARREMATADO COM UMA RISÍVEL SENTENÇA FAVORÁVEL À PRETENSÃO DA AUTORA, PROLATADA PELO JUIZ  ANTONIO ZANINI FORNEROLLI, EM PRIMEIRA INSTÂNCIA.

Ou seja: nem só a autora é uma descerebrada. Pessoas supostamente mais instruídas apoiaram a pretensão da fundamentalista evangélica, em primeiro grau.


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Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2014.010419-8, da Capital

Relator: Des. Subst. Júlio César Knoll

MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE PLACA VEICULAR. ALEGAÇÃO DE NÚMERO AMALDIÇOADO (666). IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. REGISTRO QUE ACOMPANHA O AUTOMÓVEL ATÉ A BAIXA DEFINITIVA. INTELIGÊNCIA NO ART. 115, § 1º, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. OFENSA À LIBERDADE RELIGIOSA. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. ORDEM DENEGADA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2014.010419-8, da comarca da Capital (1ª Vara da Fazenda Pública), em que é apelante Estado de Santa Catarina, e apelada Marinise Honorata dos Santos David:

A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, dar provimento ao recurso. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 08 de maio de 2014, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Jaime Ramos (com voto) e dele participou o Exmo. Sr. Des. Rodrigo Cunha.

Funcionou como Representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Alexandre Herculano Abreu.

Florianópolis, 13 de maio de 2014.

Júlio César Knoll

Relator




RELATÓRIO

Perante a 2ª Vara Cível da comarca de São Francisco do Sul, Marinise Honorata dos Santos David impetrou Mandado de Segurança, com pedido liminar, contra ato do Diretor do Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina (Detran/SC).

Alegou, em apertada síntese, que adquiriu um veículo Kia Sportage, ano 2013, e ao retirar o licenciamento, percebeu que a placa do carro era MKJ 9666.

Aduziu que é evangélica há mais de 20 (vinte) anos e, que o número 666, para os cristãos, é um número amaldiçoado, conhecido como "o número da besta".

Requereu a concessão de liminar, para determinar imediatamente a alteração da placa e, ao final, a confirmação da segurança.

À fl. 13, a MMa. Juíza de Direito, Dra. Iolanda Volkmann, remeteu os autos à Vara da Fazenda Pública da Capital.

Em suas informações, a autoridade apontada como coatora defendeu que, nos termos do Código de Trânsito Brasileiro, não é possível trocar a placa do veículo.

Apontou, ainda, que não há direito líquido e certo capaz de assegurar o pleito autoral.

Por sua vez, o Estado de Santa Catarina postulou o seu ingresso no feito.

O Ministério Público manifestou pela denegação da ordem (fls.47/49).

Sobreveio sentença do MM. Juiz de Direito, Dr. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, que concedeu a ordem, para garantir a impetrante o direito de alteração do número da placa de seu veículo.

Irresignado, o ente público apresentou recurso (fls. 63/68), oportunidade em que, novamente, aduziu não ser possível a mudança da placa.

Houve contrarrazões às fls. 73/75.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Dr. Newton Henrique Trennepohl que manifestou pelo provimento do apelo.




VOTO

Trata-se de apelação cível, em Mandado de Segurança, interposta pelo Estado de Santa Catarina, lançada em desfavor de sentença, que concedeu a ordem, para permitir a alteração da placa do veículo, adquirido por Marinise Honorata dos Santos David.

Por que preenchidos os pressupostos de admissibilidade, a tempo e a modo, conheço do inconformismo.

Antes de adentrar ao mérito, colaciona-se as lições do professor Hely Lopes Meirelles, acerca dos meios de controle do Poder Judiciário:

Os meios de controle judiciário ou judicial dos atos administrativos de qualquer dos poderes são as vias processuais de procedimento ordinário, sumário ou especial de que dispõe o titular do direito lesado ou ameaçado de lesão para obter a anulação do ato ilegal em ação contra a Administração Pública. Essa regra está excepcionada pela ação popular e pela ação civil pública, em que o autor não defende direito próprio, mas, sim, interesses da coletividade ou interesses difusos, e pela ação direta de inconstitucionalidade e pela declaratória de constitucionalidade.

[...]

O mandado de segurança é ação civil de rito sumário especial, sujeito a normas procedimentais próprias, pelo que só supletivamente lhe são aplicáveis disposições gerais do Código de processo Civil. Destina-se a coibir atos ilegais de autoridade que lesam direito subjetivo, líquido e certo, do impetrante. Por ato de autoridade, suscetível de mandado de segurança, entende-se toda ação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. O prazo para impetração é de cento e vinte dias do conhecimento oficial do ato a ser impugnado. Esse remédio heróico admite suspensão liminar do ato, e, quando concedida, a ordem tem efeito mandamental e imediato, não podendo ser impedida sua execução por nenhum recurso comum, salvo pelo presidente do tribunal competente para a apreciação da decisão inferior. (Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. Malheiros Editores. 2001) (grifei).

Adianta-se que não assiste razão à impetrante.

Marinise Honorata dos Santos David alegou que a placa de seu veículo - MKJ 9666 - remete a um número amaldiçoado, chamado de "número da besta".

Defendeu que o Estado brasileiro lhe preserva a liberdade de religiosa.

Sobre esse ponto, é importante destacar que, embora a Constituição Federal garanta a liberdade de consciência e religiosa, o Brasil é um Estado laico:

A liberdade de consciência ou de pensamento tem que ver com a faculdade de o indivíduo formular juízos e idéias sobre si mesmo e sobre o meio externo que o circunda. O Estado não pode interferir nessa esfera íntima do indivíduo, não lhe cabendo impor concepções filosóficas aos cidadãos.

[...]

É importante, também, considerar o tipo de obrigação que o Estado pretende impor. Aqui, distinguem-se obrigações que causam um violação absoluta da liberdade de consciência daquelas que ocasionam uma violação relativa. A primeira obriga a pessoa a assumir conduta sob pena pessoal, por exemplo, o serviço militar, sancionado com pena de perda deliberdade. No segundo caso, o comportamento objetado é condição para obter um benefício ou para evitar um prejuízo. Neste último, considerações menos estritas de interesse social estarão aptas para sobrepujar o respeito à consciência individual. (MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 359)

Salienta-se que, todos os atos administrativo são exercidos sem qualquer ligação com a questão religiosa, de modo a tratar todos os cidadãos de maneira igual.

Dessa forma, se por um lado não deve o Estado obstar o exercício da religião, também não cabe privilegiar determinadas pessoas, por conta de sua confissão religiosa, salvo situações excepcionais, o que não é o caso.

Quanto ao próprio mérito da lide - a alteração da placa do veículo -, colhe-se do Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 115. O veículo será identificado externamente por meio de placas dianteira e traseira, sendo esta lacrada em sua estrutura, obedecidas as especificações e modelos estabelecidos pelo CONTRAN.

§ 1º Os caracteres das placas serão individualizados para cada veículo e oacompanharão até a baixa do registro, sendo vedado seu reaproveitamento.

O registro veicular tem por objetivo permitir a identificação de cada automóvel, sendo que uma de suas formas é através da colocação de placas.

Assim, conforme preceitua a norma de trânsito, é necessário que uma mesma placa seja utilizada, desde o primeiro registro, até a baixa definitiva.

As placas do veículo não podem ser retiradas. Mesmo em se tratando de sua transação comercial com pessoas de outro município elas o acompanharão devendo ser substituída somente a tarja quando de seu licenciamento na delegacia do local para onde foi transferido. Não podem, portanto ser reaproveitadas pelo antigo proprietário. (FRANCO, Paulo Alves. Código de Trânsito anotado. 2. ed. São Paulo: Leme, 2004. p. 78) (grifei)

Caso contrário, a mudança aleatória prejudicaria a identificação, o que traria prejuízos à segurança e à Administração Pública.

Acrescenta-se que, uma placa de automóvel é formada por 07 (sete) caracteres, sendo 03 (três) letras e 04 (quatro) números.

Nos termos na Resolução n. 231/2007 do Contran:

Art.1° Após o registro no órgão de trânsito, cada veículo será identificado por placas dianteira e traseira, afixadas em primeiro plano e integrante do mesmo, contendo 7 (sete) caracteres alfanuméricos individualizados sendo o primeiro grupo composto por 3 (três), resultante do arranjo, com repetição de 26 (vinte e seis) letras, tomadas três a três, e o segundo grupo composto por 4 (quatro), resultante do arranjo, com repetição, de 10 (dez) algarismos, tomados quatro a quatro.

Logo, há uma infinidade de combinações, o que torna descabível que cada proprietário possa pleitear a mudança, caso a sequência não lhe agrade.

Frisa-se, mais uma vez, que a placa do automóvel da autora não lhe impede, de qualquer forma, de exercer livremente a sua religiosidade.

A título de exemplo, imagina-se que uma pessoa more em uma grande avenida, e o número de sua residência é "666".

É impossível pensar em condenar a prefeitura a alterar todos os números para, supostamente, permitir que o morador exerça o seu direito de crença.

Em outro exemplo, um servidor público é nomeado para exercer determinado cargo, sendo que a Administração publicou um ato, cujo final é "666".

Não há falar em anulação do referido ato, em virtude de sua numeração.

O que se pretende demonstrar, é que o número atribuído à placa do carro da autora, em nada fere o seu direito de liberdade religiosa.

Não cabe ao Estado analisar cada ato administrativo e a história de cada indivíduo, para determinar se tal numeração é vista de modo positivo ou negativo.

Nesse norte, bem disse o Ministério Público ao afirmar que "o executivo não poderá ficar adstrito a dogmas religiosos ao exercer seu papel, uma vez que existindo leis que direcionam o andamento de processos administrativos, e abrir precedentes, como uma possibilidade neste caso, só geraria uma disparidade e afronta a princípios legais com os demais contribuintes que estão em igual situação". (fl. 48).

Diante do exposto, voto pelo provimento do recurso, para reformar a sentença objurgada e denegar a ordem.

Face a inversão do julgamento, custas pela impetrante.

Sem honorários (art. 25 da Lei n. 12.016/2012).


Gabinete Des. Subst. Júlio César Knoll

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