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quarta-feira, 24 de junho de 2015

DERROTA CRISTÃ - TJ/SC DECLARA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI MUNICIPAL DE FPOLIS QUE DETERMINOU DISPONIBILIZAÇÃO DE BÍBLIAS NAS ESCOLAS



Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2015.021853-1, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Relator: Des. Lédio Rosa de Andrade
MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE SUSPENSÃO DOS EFEITOS DA LEI 9.734/2015 DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS QUE TORNA OBRIGATÓRIA A DISPONIBILIZAÇÃO DE BÍBLIAS NAS ESCOLAS EXISTENTES NA CAPITAL DO ESTADO. PERICULUM IN MORA EFUMUS BONI JURIS CONFIGURADOS. CAUTELAR CONCEDIDA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2015.021853-1, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em que é requerente Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e requerida Câmara Municipal de Florianópolis:
O Órgão Especial decidiu, por votação unânime, referendar a medida cautelar, suspendendo-se os efeitos da Lei 9.734/2015 do Município de Florianópolis. Custas Legais.
Presidiu o julgamento, realizado em 3 de junho de 2015, o Exmo. Sr. Desembargador Torres Marques, com voto, e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Lédio Rosa de Andrade - Relator, Marli Mosimann Vargas, Sérgio Izidoro Heil, Jorge Luiz de Borba, Jânio Machado, Sônia Maria Scmitz, Pedro Manoel Abreu, Cláudio Barreto Dutra, Luiz Cézar Medeiros, Monteiro Rocha, Fernando Carioni, Torres Marques, Rui Fortes, Marcus Tulio Sartorato, Ricardo Fontes, Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Jaime Ramos e Alexandre D'Ivanenko.
Funcionou como Representante do Ministério Público a Exma. Sra. Dra. Vera Lúcia Copetti.
Florianópolis, 9 de junho de 2015.
Lédio Rosa de Andrade
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pleito de natureza cautelar, ajuizada pelo Coordenador-Geral do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade - CECCON, em face da Lei n. 9.734/2015 do Município de Florianópolis, que "Torna obrigatória a disponibilização de bíblias e dá outras providências".
O requerente sustenta a inconstitucionalidade da referida Lei, por vícios formal e material.
Argumenta que a referida lei é formalmente inconstitucional, pois viola o disposto no artigo 50, § 2º, inciso II c/c o artigo 71, inciso IV, da Constituição do Estado de Santa Catarina, isto é, apresenta vício de iniciativa, uma vez que foi proposta pela Câmara de Vereadores quando, em razão do princípio da simetria das normas constitucionais, o Chefe do Poder Executivo é quem possui competência exclusiva para propor leis que disponham sobre a criação e estruturação das atribuições das secretarias, departamentos e órgãos da administração pública.
Além disso, afronta o Pacto Federativo, pois provoca ingerência do Município em escolas públicas estaduais e federais, bem como fere os princípios da isonomia e impessoalidade, quando demonstra a intenção do legislador em privilegiar a Bíblia, dando-lhe realce, em detrimento dos veículos de propagação da doutrina de outras religiões.
Justificou o deferimento da liminar.
Por fim, requereu "a procedência do pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 9.734/2015, do Município de Florianópolis, por afrontar os arts. 1º, 4º, caput, 16, caput e 50, §, inciso VI, da Constituição do Estado de Santa Catarina, que guardam consonância com os arts. 1º, caput, 5º, inciso VI, 19, inciso I, 37, caput, e 61, § 1º, inciso II, alínea "e", da Constituição Federal; "
Liminar concedida ad referendum (fls. 22/29).
Este é o relatório.
VOTO
Em resumo, o requerente objetiva, em sede cautelar, a suspensão dos efeitos da mencionada Lei.
A liminar deve ser ratificada.
O pedido de concessão de medida cautelar encontra amparo no artigo 10, § 3º da Lei n. 12.069/2001, o qual prevê:
Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Órgão Especial do Tribunal, observado o disposto no art. 13, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias.
[...]
§ 3º Em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado.
Dessa forma, além da fumaça do bom direito e do perigo na demora necessários para a concessão de medida cautelar, deve existir excepcional urgência e relevância a fundamentar o pedido.
Neste caso, o Ato Regimental n. 69/2005 estabelece que a medida cautelar poderá ser concedida pelo Desembargador Relator ad referendum do Órgão Especial, sendo apresentada à referida Corte, necessariamente, na sessão subsequente à data da concessão do pleito, para ratificação.
Confira-se o teor da Lei 9.734/2015:
TORNA OBRIGATÓRIA A DISPONIBILIZAÇÃO DE BÍBLIAS, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
O Presidente da Câmara Municipal de Florianópolis, no uso das atribuições que lhe confere o § 7º do art. 58 da Lei Orgânica do Município de Florianópolis, promulga a seguinte Lei:

Art. 1º Ficam as unidades escolares públicas e privadas de ensino fundamental e médio obrigadas a manter em suas bibliotecas Bíblias para consulta de seus alunos.
Parágrafo Único - Os exemplares deverão ficar em local de destaque, sendo disponibilizados na forma impressa, em braile e áudio.
Art. 2º Durante e semana que antecede o Dia do Livro, será permitido a instituições que assim desejarem distribuir exemplares da Bíblia nos pátios da escola, desde que acordado previamente com a direção escolar.
Art. 3º As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Câmara Municipal de Florianópolis, 11 de março de 2015.
Do fumus boni iuris
a) Vício Formal
A presente lei teve origem em projeto de iniciativa parlamentar. O referido regramento, ao dispor sobre a obrigatoriedade de disponibilização nas escolas públicas e privadas de bíblias na forma impressa, em braile e áudio, ao determinar a exibição desse livro em local de destaque, e, ainda, obrigar a permissão de distribuição da obra nas instituições de ensino, determinando que as despesas decorrentes da Lei correrão por conta das dotações orçamentárias, extrapola as escancaras a prerrogativa legislativa e invade as atribuições de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Isso porque o conteúdo infringe a independência e harmonia entre os poderes delineadas no art. 32 da Constituição Estadual.
Entre as atribuições exclusivas do Chefe do Poder Executivo, encontra-se a de dirigir a administração, dispondo sobre a organização e o funcionamento da máquina administrativa.
Como é cediço, tratando-se de município, a competência legislativa deriva das normas contidas na Constituição do Estado que pertencem, as quais, por sua vez obedecem os princípios e regras da Constituição Federal.
Em Santa Catarina, o artigo 50 da Constituição Estadual prevê, em seu § 2º, inciso VI, que são de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuições das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública.
Art. 50 - A iniciativa das Leis complmentares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
[...]
§ 2º - São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre:
[...]
II - a criação de cargos e funções públicas na administração direta, autárquica e fundacional ou aumento de sua remuneração;
[...]
VI - a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 71, IV.
Além disso, o artigo 71 da referida Carta Estadual dispõe que, a organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, é atribuição exclusiva do Governador do Estado.
Pelo princípio da simetria, então, cabe ao Chefe do Poder Executivo Municipal a propositura de projetos de lei para disciplinar a estruturação, organização e funcionamento da administração pública, por meio dos seus quadros funcionais.
Assim, o legislativo municipal usurpou a competência legiferante exclusiva do Prefeito Municipal, violando, sobremaneira, os artigos 50, § 2º, inciso VI e 71, IV da Constituição Estadual, mostrando-se, dessa forma, manifestamente inconstitucional.
No mesmo sentido, há precedente deste relator na ADIN n. 2009.062.357-5:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL 2.962/2009 QUE AUTORIZA O MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ A FIRMAR CONVÊNIOS COM ENTIDADES DE ENSINO SUPERIOR. PRELIMINAR DE PERDA DE OBJETO EM FACE DA EDIÇÃO DA LEI 3.014/2009, REGULAMENTADORA DOS REFERIDOS CONVÊNIOS. REJEIÇÃO. LEI POSTERIOR QUE NÃO REVOGOU A ANTERIOR, APENAS COMPLEMENTOU A MAIS ANTIGA. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI RECONHECIDA. VÍCIO DE ORIGEM. MATÉRIA DE INICIATIVA EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO (ART. 50, § 2º, II E VI e 71, IV, DA CESC). QUEBRA DA HARMONIA E INTERDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES (ART. 32, DA CESC). PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
b) Vício Material
Do Estado Laico
A Constituição Estadual com relação à laicização do Estado, em consonância com a Constituição Federal, permite o ensino religioso, de forma facultativa. Em respeito à liberdade religiosa a Carta Magna não permite a obrigatoriedade e, muito menos, a imposição de uma doutrinareligiosa em detrimento de outras e até mesmo de nenhuma.
Desta forma, deve o conteúdo programático da disciplina constar a exposição das doutrinas, das práticas, da história e de dimensões sociais das diferentes religiões - bem como de posições não-religiosas, como o ateísmo e o agnosticismo - sem qualquer tomada de partido por parte dos educadores. Conforme está preconizado em seus arts. 4º, 164 e 210:
Art. 4º O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, (...).
[...]
Art. 164. A lei complementar que organizar o sistema estadual de educação fixará, observada a lei de diretrizes e bases da educação nacional, os conteúdos mínimos para o ensino fundamental e médio, de maneira a assegurar, além da formação básica:
(...)
§ 1° O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
[...]
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Precedente do Órgão Especial, relatado pelo Des. Sérgio Roberto Baasch Luz n. 2013.075796-5:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N. 2.965/2011 DO MUNICÍPIO DE IÇARA. TEXTO LEGAL QUE ESTABELECE A LEITURA DIÁRIA DE VERSÍCULOS BÍBLICOS, ANTES DO INÍCIO DAS AULAS, NAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO. LIBERDADE RELIGIOSA. VIOLAÇÃO. FAVORECIMENTO DE DETERMINADA RELIGIÃO EM DETRIMENTO DAS DEMAIS. ENSINO RELIGIOSO QUE DEVE RESPEITAR A PLURALIDADE. PREVALÊNCIA DA LAICIDADE DO ESTADO. LEI MUNICIPAL EM CONFRONTO COM OS ARTS. 4º E 164, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
Embora o comando constitucional permita o ensino religioso nas escolas públicas, é importante remarcar que o constituinte impôs aos entes federados uma postura de neutralidade em matéria religiosa. Logo, sendo o Brasil um Estado eminentemente laico, é seu dever, no que toca à ministração do ensino religioso, manter a ordem democrática no sentido de assegurar a igualdade de todos os segmentos religiosos no prestar do ensino, zelar para que essa modalidade de ensino não constitua mais um meio de dissenções ou discriminações, e assegurar, por fim, que o ensino religioso signifique o pleno exercício da própria liberdade de religião em todos os seus aspectos.
"Onde a história destes últimos séculos não parece ambígua é quando mostra a interdependência entre a teoria e a prática da tolerância, por um lado, e o espírito laico, por outro, entendido este como a formação daquela mentalidade que confia a sorte do regnum hominis mais às razões da razão que une todos os homens do que aos impulsos da fé. Esse espírito deu origem, por um lado, aos Estados não confessionais, ou neutros em matériareligiosa, e ao mesmo tempo liberais, ou neutros em matéria política; e, por outro, à chamada sociedade aberta, na qual a superação dos contrastes de fé, de crenças, de doutrinas, de opiniões, deve-se ao império da áurea regra segundo a qual minha liberdade se estende até o ponto em que não invada a liberdade dos outros, ou, para usar as palavras de Kant, "a liberdade do arbítrio de um pode subsistir com a liberdade de todos os outros segundo uma lei universal" (que é a razão)." (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 1992. p. 216)
Assim, sob o aspecto de fundo, a constituição garante a liberdade religiosae isso proíbe a imposição de qualquer culto, rito, livro, símbolo ou práticareligiosa específica em detrimento de outras.
Não é lícito, sob o aspecto constitucional, impor, por ilustração, a uma instituição de ensino atéia ou mulçumana ter de ler ou expor em lugar privilegiado a bíblia. Esse tipo de imposição é uma afronta à liberdadereligiosa e levará, sem dúvida, à intolerância e ao sectarismo, senão ao fundamentalismo, responsável por inúmeras guerras e matanças na história da humanidade.
Desta forma, ao dispor sobre a obrigatoriedade de disponibilizar livro de determinada religião em detrimento das demais, resta forçoso reconhecer a inconstitucionalidade material da norma, por ofender a liberdade religiosaprevista no ordenamento constitucional do Estado de Santa Catarina e do Brasil.
Do Periculum in mora
O perigo na demora resulta na constatação de queaté o julgamento final da ação, o oferecimento de bíblia - "livro sagrado" de determinada religião, sem oferecer os livros de outras, como o Torá, o Corão, entre tantos, em escolas públicas pode acarretar graves e irreparáveis danos à ordem jurídica, além de ofensa a direitos e valores extrapatrimoniais das crianças e adolescentes que frequentam estas escolas, bem como de suas famílias, os quais, pela sua própria natureza, são de reparação impossível.
Além disso, haverá considerável aumento de despesas para a Administração Pública sem prévia previsão orçamentária. Será gasto de dinheiro público de forma inútil e ilegal.
Diante do exposto, presentes os requisitos autorizadores, defere-se a medida cautelar pleiteada, para suspender os efeitos da Lei n. 9.734/2015, do Município de Florianópolis, até o julgamento final do presente feito.
Após a publicação, solicite-se informações da autoridade responsável pela edição do dispositivo legal (art. 11 da Lei 12.069/2001).
Cientifique-se o Procurador-Geral do Município de Florianópolis para, querendo, manifestar-se.
Ato contínuo, remetam-se os autos à Procuradoria-Geral de Justiça.

Gabinete Des. Lédio Rosa de Andrade

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