OITAVA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL nº 2009.001.10009
APTE (01): LENI LOUZADA FERREIRA
APTE (02): INSPETORIA SÃO JOÃO BOSCO (RECURSO ADESIVO)
APDOS: OS MESMOS
RELATOR: DES.GABRIEL ZEFIRO
CIVIL E RESPONSABILIDADE CIVIL. MÃE, EX-NOVIÇA,
QUE PROCURA O PÁROCO DA IGREJA CATÓLICA NA
BUSCA DE AUXÍLIO PARA TRATAMENTO DE GRAVES
PROBLEMAS PSICOLÓGICOS DO FILHO, ENVOLVENDO
HOMOSSEXUALISMO. PADRE QUE SE APROVEITA DA
BAIXA AUTO-ESTIMA DO RAPAZ E COM ELE SE ENVOLVE
EM TÓRRIDO ROMANCE HOMOSSEXUAL. ALERTADA A
IGREJA CATÓLICA, FOI DETERMINADO AO PADRE QUE
ROMPESSE A RELAÇÃO, SEM MAIORES CONSEQÜÊNCIAS
DISCIPLINARES PARA O RELIGIOSO. ROMPIMENTO QUE
TROUXE NEFASTAS CONSEQÜÊNCIAS PARA A PSIQUE DO
MENOR, PORTADOR DE SEQÜELAS FÍSICAS
DECORRENTES DE DOENÇAS COMO A TUBERCULOSE
OSTEO-ARTICULAR (COM ENCURTAMENTO DA PERNA
DIREITA) E TRANSPLANTE DE RIM EM RAZÃO DE
INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA TERMINAL.
CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPINGIU À MÃE
CONTRANGIMENTOS E PREOCUPAÇÕES QUE
EXTRAPOLAM A NORMALIDADE DA VIDA DE RELAÇÃO.
FALTA DE DECORO DO PRETENSO REPRESENTANTE DA
FÉ E MANIFESTA QUEBRA DA CONFIANÇA QUE LHE FOI
DEPOSITADA PELA CATÓLICA, QUE BUSCOU O SAGRADO
E ENCONTROU O PROFANO, PROCUROU A VIRTUDE E
ENCONTROU O VÍCIO. DANO MORAL MANIFESTO.
CULPA IN ELIGENDO E IN VIGILANDO DAS ENTIDADES
RELIGIOSAS. INCIDÊNCIA AO CASO DA REGRA DO ART.
1.521, III, DO CCB/16, VIGENTE AO TEMPO DOS FATOS.
VERBA CONDENATÓRIA FIXADA NO PATAMAR DE R$
50.000,00, QUE SE MOSTROU EM CONFORMIDADE COM
OS PARÂMETROS INDENIZATÓRIOS QUE DEVEM
NORTEAR A HIPÓTESE VERTENTE (NÃO PROPICIAR O
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DA VÍTIMA E EVITAR A
REINCIDÊNCIA DO CAUSADOR DO DANO),
CONSIDERANDO-SE AINDA QUE AS ORDENS RELIGIOSAS
CONHECIAM AS TENDÊNCIAS SEXUAIS DO PADRE PELO
SEU COMPORTAMENTO PRETÉRITO. RECURSOS
CONHECIDOS E DESPROVIDOS. UNÂNIME.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de
Apelação Cível nº 2009.001.10009, originários da 6ª Vara Cível da
Regional do Méier, em que é apelante LENI LOUZADA FERREIRA
e INSPETORIA SÃO JOÃO BOSCO (RECURSO ADESIVO) e
apelados OS MESMOS.
ACORDAM, por unanimidade de votos, os
Desembargadores que compõem a Oitava Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em conhecer e negar
provimento aos recursos, nos termos do voto do relator.
RELATÓRIO
Trata-se de ação desenvolvida pelo rito ordinário,
ajuizada pela primeira apelante em face do Centro Salesiano do
Menor e da Inspetoria São João Bosco, por meio da qual persegue
reparação moral da ordem de R$ 5.000.000,00. Como causa de
pedir, aduz que em 1986 adotou uma criança carente, de nome
Bruno, em relação ao qual desenvolveu grande afeto e carinho; que
o adotado passou a manifestar sérios problemas de saúde, como
tuberculose osteo-articular, situação que lhe causou encurtamento
da perna direita, com conseqüente andar claudicante.
Além disso, é portador de insuficiência renal crônica
terminal, tendo, inclusive, sido submetido à cirurgia de transplante
renal. Ressalta que, ao completar 18 anos, o filho confessou estar
mantendo relação homossexual com outro rapaz, morador da favela
do jacarezinho. Procurou, em razão disso, o auxílio do pároco da
Igreja São João Bosco, conhecido como Padre Terra, que se
comprometeu a orientar o jovem.
Ao invés disso, aproveitando-se da fragilidade
psicológica e da baixa auto-estima do seu filho, alega que o padre
passou a manter relações homo-afetivas com o mesmo, situação que
causou grande constrangimento à família, além de distúrbios de
personalidade e o agravamento do quadro de saúde do rapaz, em
razão do rompimento do relacionamento pelo padre.
O pedido foi julgado procedente pelo juízo da 6ª Vara
Cível da Regional do Méier para condenar as demandadas no
pagamento de R$ 50.000,00 a título de dano moral, ao fundamento
de que “...o Padre Terra passou a manter um relacionamento
homossexual com Bruno, conduta inadmissível para um
representante da Igreja, no qual acreditava, com toda a sua fé, que
seria o guia espiritual de seu filho, corrigindo-lhe o rumo que estava
seguindo, o que poderia modificar a vida de Bruno, fazendo com
que ele viesse a deixar o homossexualismo....não há dúvida alguma
de que restou configurado, no caso vertente, o dano moral,
traduzido na profunda decepção, angústia e sofrimento causados à
autora, mãe com enorme fé católica, zelosa e dedicada ao seu filho
adolescente, que confiou a um padre os problemas mais íntimos
deste filho...” . Custas e honorários de 10% sobre o valor da
condenação pelo réu (sentença, fls. 443/453).
O recurso de apelação da autora, tempestivo e sob
gratuidade, pretende a majoração da verba indenizatória.
O recurso adesivo das demandadas, tempestivo e
corretamente preparado, persegue a reversão do julgado para
decreto de improcedência do pedido, uma vez que o fato gerador do
alegado dano – a homossexualidade do filho - já era de
conhecimento da mãe, o que afasta o nexo de causalidade. Deduz
pleito subsidiário de redução da verba indenizatória.
As contra-razões prestigiam o julgado.
VOTO
A sentença deu adequada solução ao conflito de
interesses e merece ser mantida.
Os fatos articulados nos presentes autos são graves e
causam enorme repugnância ao cidadão comum, uma vez que ferem
de forma induvidosa os valores éticos e religiosos que devem ser
cultivados por qualquer seguimento religioso, independentemente
da crença adotada.
Com efeito, a mãe, preocupada com o comportamento
homossexual revelado pelo próprio filho, procurou um
representante da igreja católica e solicitou a sua ajuda na certeza
deste constituir o valhacouto de suas expectativas e aflições. Até
porque o indigitado representante da fé, conhecido como Padre
Terra, era dirigente da segunda demanda, cujos fins institucionais
compreendem “a educação e amparo da juventude, especialmente, a
mais pobre e a promoção humana” (grifamos).
Apesar disso, incorrendo em total quebra da fidúcia e
desvio de conduta, o preposto da igreja aproveitou-se da autoestima
deficitária do filho da autora, extremada por um aleijão
causado pela manifestação de doença em idade pueril e do quadro
grave de insuficiência renal e, ao invés de cumprir com o desiderato
institucional, deixou aflorar a sua preferência sexual e se envolveu
na contramão das pretensões da mãe angustiada.
Isso porque a prova colhida deixou extreme de
dúvidas a ocorrência de envolvimento homossexual entre o padre e
Bruno, incursionando em caminho diametralmente oposto ao que
foi prometido e era esperado pela mãe. Movida, ademais, pela
anuência do próprio filho, que indiciava aceitar destino de vida
diverso.
A conduta do Padre é de absoluto desprezo aos
preceitos da moral e aos dogmas da lealdade e da fidelidade aos
ideais da instituição que representa.
Ressalte-se que tais fatos são tidos como
incontroversos, uma vez que a ré não os nega expressamente. Pelo
contrário, praticou atos que indiciam a veracidade das alegações,
tanto que transferiu o indigitado Padre para Belo Horizonte e
custeou o tratamento psicológico da autora e do seu filho.
Tal prova indiciária, destarte, encontra início em
conjunto probatório escrito, como de fato são os documentos de fls.
62/75, além de ser corroborada no depoimento prestado pela
psicóloga (fls. 361).
Por outro lado, as demandadas não negam, também,
a assertiva autoral de que o Padre Terra teria tido um precedente de
homossexualidade durante o tempo em que esteve a serviço da
igreja em Belo Horizonte, situação que atrai a aplicação do art. 302
do CPC, notadamente a sua parte final, da qual resulta que
“Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados”.
Ora, se a igreja conhecia a tendência sexual do pároco,
como permitir a sua atuação em entidade ligada a igreja que tenha
dentre os fins institucionais a educação e amparo à juventude ? Isso
só revela a omissão da entidade religiosa, materializada nas
vertentes das culpas in eligendo e in vigilando.
Daí a responsabilidade das demandadas pelos atos
praticados pelo seu preposto, na esteira do que dispunha a regra do
tempo dos fatos (art. 1521, III, do CCB/16), hoje revigorada pelo
teor do art. 932, III, do CCB/02, porquanto é iniludível a relação de
subordinação consubstanciada no poder de vigilância e direção que
em tese as demandadas deveriam exercer sobre as funções
desenvolvidas pelo Padre. Nô-lo fez e incorreu em ato ilícito, com
conseqüente repercussão negativa na esfera psicológica alheia.
O dano moral, portanto, é manifesto, uma vez que
reside nas conseqüências que a ruptura da confiança deflagrou na
autora, que é pessoa religiosa e viu os fatos da sua vida pessoal e da
intimidade do seu ente querido caírem no conhecimento comum,
considerando que a igreja está ao lado da sua casa e a preferência
sexual do seu filho era desconhecida por todos antes do episódio
narrado nos autos.
A prova testemunhal corrobora a assertiva exposta,
vejamos:
“...que Bruno dizia para a depoente que gostava
muito do Padre Terra, que ele não se conformava e
a vida dele tinha acabado ali, logo após o Padre ter
terminado o relacionamento; que a comunidade
tomou conhecimento dos fatos acontecidos com
Bruno e o Padre Terra e isto aconteceu pelo que a
depoente pode concluir, em razão da divulgação
boca a boca de cada uma das pessoas, sendo certo
que muitas pessoas começaram a discriminar a
autora, se afastando dela e fazendo cara feia...” (fls.
360).
A verba indenizatória, fixada no patamar de R$
50.000,00, mostrou-se em consonância com os parâmetros que
devem nortear nestes casos o convencimento do magistrado.
Equivale a dizer que o quantum debeatur não é
suscetível de propiciar o enriquecimento sem causa da vítima e ao
mesmo tempo é capaz de evitar a reincidência do causador do dano,
dando vida, nesta última hipótese, ao aspecto pedagógico e punitivo
típicos da reparação moral.
Por isso, voto no sentido de conhecer e negar
provimento aos recursos.
Rio, 04 de agosto de 2009.
RELATOR
DES. GABRIEL DE OLIVEIRA ZEFIRO
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