Classe: | Apelação Cível |
Processo: | 2009.056904-4 |
Relator: | Marcus Tulio Sartorato |
Data: | 12/01/2010 |
Apelação Cível n. 2009.056904-4, de Mafra
Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato
DIREITO REGISTRAL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. PRETENDIDO O REGISTRO DE CRIANÇA COM PRENOME DE DIFÍCIL COMPREENSÃO. SUSCETIBILIDADE DE CONSTRANGIMENTO E EXPOSIÇÃO DA INFANTE AO RIDÍCULO. REGISTRO IMPOSSÍVEL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
De acordo com o art. 55, parágrafo único, da Lei de Registros Públicos, "os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores".
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.056904-4, da comarca de Mafra (1ª Vara Cível/criminal), em que é apelante Representante do Ministério Público, e apelados Miriane Alves dos Santos e outro:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso. Sem custas.
RELATÓRIO
Marilene Juraszek Mendes, Oficiala Designada para o Ofício do Registro Civil da Comarca de Mafra, suscitou dúvida quanto à possibilidade de registro de nascimento de criança do sexo feminino com o nome Ifá Agê Chalogá de Lima, uma vez que é de difícil entendimento e grafia e poderá causar constrangimentos futuros.
O Ministério Público, em parecer da lavra da eminente Promotora de Justiça Barbara Elisa Heise, opinou pela procedência da dúvida (fls. 13/14).
Em seguida, o MM. Juiz de Direito, Doutor Fúlvio Borges Filho, proferiu sentença em audiência (fls. 23/24), por meio da qual julgou improcedente a suscitação de dúvida e deferiu o registro da infante com o nome Ifá Agê Chalogá de Lima.
Irresignado, o representante do Ministério Público interpôs recurso de apelação (fls. 33/36), no qual alega que o prenome escolhido pelos pais é suscetível de expor ao ridículo a criança. Assevera que o registro da infante com nomes de deuses da umbanda interfere no seu direito à crença e ao culto religioso, uma vez que possui o direito de professar religião diversa da de seus pais. Por tais motivos, requer a procedência do recurso.
Em contrarrazões (fls. 42/46), os autores pugnam pela manutenção do recurso e pela concessão do benefício da justiça gratuita.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do ilustre Procurador de Justiça Aurino Alves de Souza, manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 51/53).
VOTO
O direito ao nome em sentido amplo, nele compreendidos o prenome e o patronímico, é um direito da personalidade e, como tal, é inalienável e intransferível, com exceção dos casos previstos em lei, nos termos do art. 11 do Código Civil.
A Lei de Registros Públicos (n.º 6.015/73) assim dispõe em seu art. 55, parágrafo único:
Art. 55. Parágrafo único. Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.
O Código de Normas da Corregedoria, por sua vez, prevê o seguinte no art. 600:
Art. 600. O oficial não registrará prenome suscetível de expor ao ridículo seu portador, ou, quando relacionado com pessoas de projeção social, política ou religiosa, ou a quaisquer outras de fácil identificação, possa suscitar constrangimento ao registrando.
No presente caso, a oficiala do Registro Civil da Comarca de Mafra suscitou dúvida quanto à possibilidade de registro de infante do sexo feminino com o nome Ifá Agê Chalogá de Lima, pois sua difícil grafia e entendimento poderiam causar danos futuros à menor.
Da análise dos autos, constata-se que o nome escolhido pelos pais para a infante advém de deuses da religião africana denominada umbanda, mais precisamente da cultura nagô, sendo Ifá a deusa da vidência e Agê Chalogá a deusa da saúde, conforme a declaração de fl. 04.
É justificável o motivo que levou os patriarcas a definirem o referido nome para a criança, uma vez que agradecem aos seus deuses o nascimento da filha com saúde mesmo após uma gravidez de risco (fl. 04). Além disso, não se pode dizer que o nome, por si só, interferiria na liberdade de culto da menor. Contudo, mesmo diante dessas considerações, não se pode permitir que seja realizado o registro.
Isso porque o nome é de escrita e sonoridade incomuns, e fatalmente a infante seria exposta ao ridículo, sendo alvo de chacotas e zombarias. Além disso, cada vez que a criança precisasse se identificar enfrentaria problemas ao ter que repetir várias vezes o nome até que o intelocutor o compreendesse.
Ora, se todo este constrangimento pode ser evitado, não se deve permitir o registro civil ao argumento de que, quando completar dezoito anos, a própria interessada poderia pleitear a mudança do nome, conforme decidiu o Magistrado singular.
Em casos semelhantes, que consideraram o constrangimento da pessoa como motivo suficiente para a alteração do nome, decidiu esta egrégia Corte:
APELAÇÃO CÍVEL - RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - EXCLUSÃO DE UM DOS PRENOMES - NOME QUE CAUSA CONSTRANGIMENTO A ADOLESCENTE - JUSTO MOTIVO CARACTERIZADO - POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.
Admite-se alteração do nome civil quando este submete o indivíduo ao escárnio dos demais, causandoconstrangimento ao seu portador.
Considerando que na adolescência a pessoa descobre sua identidade e define sua personalidade, é correto afirmar que a insatisfação com o nome, justamente o atributo que nos rotula no meio em que vivemos, traz aspectos negativos ao desenvolvimento do adolescente (AC n.º 2008.064635-0, Des. Fernando Carioni, com votos vencedores deste Relator e do Exmo. Sr. Des. Henry Petry Junior).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DE PRENOME. ERRO DE GRAFIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.
O prenome, assim como o nome, são atributos da personalidade e necessários à identificação das pessoas no contexto de uma sociedade organizada, e por isso a regra da imutabilidade preconizada pela Lei de Registros Públicos (art. 58).
Todavia, o mesmo diploma legal (art. 55, parágrafo único c/c art. 58, parágrafo único, segundo parte), prevê a possibilidade de alteração do prenome pelo interessado quando for suscetível de expor ao ridículo e o oficial não houver impugnado na ocasião do assento (AC 2006.031103-5, Des. Carlos Prudêncio).
Por fim, como o presente procedimento administrativo é isento de custas, e diante da ausência de comprovação da hipossuficiência financeira dos apelados, não merece prosperar o pedido de concessão de justiça gratuita formulado em contrarrazões.
Ante o exposto, vota-se no sentido de dar provimento ao recurso para julgar procedente a suscitação de dúvida e impedir o registro da infante com o nome Ifá Agê Chalogá de Lima.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, à unanimidade, deram provimento ao recurso.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou a Exma. Sra. Des.ª Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Florianópolis, 24 de novembro de 2009.
Marcus Tulio Sartorato
RELATOR
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