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segunda-feira, 22 de junho de 2020

Sacrifício ritual de criança

Quem imagina que "sacrifício ritual"só atinge inocentes animais, submetidos à sanha sanguinária de tarados que se dizem crentes de certas "religiões", está enganado. Não faz muito tempo, no Estado do Paraná, aconteceu o caso abaixo, com grande repercussão. 

(*) o ministro Paulo Medina, relator do processo abaixo, foi, mais tarde, acusado de assédio sexual pela filha de outro ministro do STJ, que trabalhava na assessoria de Medina. 

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HC 058137

Relator(a)

Ministro PAULO MEDINA

Data da Publicação

17/05/2006

Decisão

HABEAS CORPUS Nº 58.137 - PR (2006/0088964-0)
RELATOR : MINISTRO PAULO MEDINA
IMPETRANTE : ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES E OUTROS
IMPETRADO : SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO PARANÁ
PACIENTE : CELINA CORDEIRO ABAGGE
PACIENTE : BEATRIZ CORDEIRO ABAGGE

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus originário, impetrado em face de acórdão da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, prolatado nos autos da apelação nº 72.480-7, de São José dos Pinhais (fls. 606/628).
Celina Cordeiro Abagge e Beatriz Cordeiro Abagge foram denunciadas juntamente com outras 5 (cinco) pessoas, como incursas na sanção dos arts. 148, § 2º; 121, § 2º, incisos I, III e IV e § 4º, última parte e art. 211, este c/c arts. 69, caput, e 29, caput, do Código Penal.
O extrato da imputação cuida de hipotético "sacrifício de uma criança" em ritual de umbanda, com o objetivo de "reerguer a situação financeira da serraria de Aldo Abagge" esposo de Celina e pai de Beatriz, então Prefeito Municipal.
Este "trabalho espiritual forte" terá custado R$7.000.000,00 (sete milhões de reais), pagos a Osvaldo Marcineiro e Vicente de Paula Ferreira, co-denunciados.
Deste desiderato, terá ocorrido, nas instalações da serraria, a morte do menor Evandro Ramos Caetano, o qual, manietado, terá sofrido asfixia mecânica e, assim, sucumbido à morte (fls. 47/52).
Pronunciados nos termos da denúncia (fls. 331/375), após desprovimento de recurso em sentido estrito contra tal sentença (fls. 447/470), foram submetidos a julgamento perante o Tribunal popular (fls. 472/601).
Os jurados negaram a materialidade do crime, sob o argumento de que o cadáver encontrado não seria de Evandro Ramos Caetano e, bem assim, diante de falso testemunho praticado, em tese, por Edésio da Silva, as rés Celina e Beatriz Abagge, ora pacientes, foram absolvidas (fls. 603/604).
Apelou o Ministério Público e a Corte Estadual entendeu suficientes as provas documentais atinentes à identidade do cadáver encontrado, como sendo do menor Evandro, de sorte que entendeu o veredicto manifestamente contrário à prova dos autos.
Deu provimento ao recurso para submeter as rés a novo julgamento perante o Tribunal do Júri (fls. 606/628) sem, contudo, decretar sua prisão cautelar.
Recurso Especial interposto pela defesa foi obstado no juízo prévio de admissibilidade à custa do enunciado nº 7, da Súmula do STJ.
Ao agravo de Instrumento interposto, neguei provimento, sob o mesmo fundamento (nº 613.800/PR - 2004/0082116-2).
Esta decisão enfrenta agravo regimental, ainda sub iudice.
Alegam os impetrantes, em síntese:
1. "A simples leitura dos autos revela, sem a necessidade de reexaminar fatos e provas (muito menos fatos e provas de significação equívoca ou controvertida), repita-se, a existência de séria dúvida quanto à identidade do cadáver encontrado, como emerge de importantes depoimentos colhidos nos autos e de consistentes pareceres técnicos oferecidos sobre o tema, sendo certo que os exames complementares ao laudo de necrópsia, nas circunstâncias em que produzidos, não fazem prova certa e segura de que o corpo periciado fosse de Evandro Ramos Caetano." (grifei) 2. "... a existência de recurso sem efeito suspensivo contra decisão judicial que potencializa risco à liberdade não constitui óbice à interposição simultânea de habeas corpus, máxime como no presente caso: o writ ora impetrado aborda a matéria de direito não apenas sob a ótica estrita do art. 593, I, d, § 3º, do CPP [...], mas já agora o faz também sob o prisma da garantia constitucional da soberania dos veredictos da instituição do júri, com expressa indicação do art. 5º, XXXVIII, c, da Constituição Federal (nova causa de pedir), e com a relevante consideração de tratar-se de remédio excepcional adotado para suspender-se a realização de novo julgamento das pacientes pelo Tribunal Popular, designado para o próximo dia 16, até o desate da impetração." (grifos no original) 3. "No caso dos autos, não há dúvida possível: fez-se prova material da existência de um cadáver, embora sua identidade fosse controvertida, havendo a respeito duas versões: uma, no sentido de que seria de Evandro Ramos Caetano, um menor que desapareceu na região de Guaratuba; outra, no sentido de que os elementos coligidos não autorizavam dita conclusão, chegando a se cogitar de que o cadáver seria de um outro menor desaparecido (Leandro Bossi), cuja responsabilidade era atribuída a um casal acusado de atrocidades na região e que, inclusive, chegara a ser preso."
4. "... havendo séria controvérsia quanto à identidade do cadáver entre os próprios peritos, [...] procedeu-se à identificação do cadáver pela intervenção de cirurgiã-dentista que atendera o menor no ambulatório do INAMPS de Guaratuba" e "a identificação se dera pela "memória" que a aludida cirurgiã-dentista teria da arcada dentária do menor Evandro, já que não dispunha de fichas de registros dos tratamentos realizados no ambulatório do INAMPS em Guaratuba" (grifei).
5. "... exame complementar de DNA, solicitado informalmente pelo Diretor do IML/PR a empresa privada (...), já na fase judicial, não pode ser tido por irrefutável, pois se encontra subscrito por um profissional da esfera privada e foi realizado sem observância do devido processo legal (arts. 5º, da CF, 159 e 176 do CPP e Súmula 361 do STF), sendo certo que tudo se desenvolveu fora do controle da defesa, não se sabendo como e em que circunstâncias foi coletado o material utilizado no exame..." e, assim, "se trata de perícia extrajudicial não jurisdiconalizada e, portanto, desprovida de qualquer eficácia probatória..." (grifei) 6. "... existindo duas versões do fato ocorrido, e tendo o Tribunal do Júri optado por uma delas - ainda que mais frágil e questionável, ainda que menos técnica ou menos justa -, nada se pode fazer a não ser respeitar sua decisão, sob pena de se violar o princípio constitucional da soberania dos veredictos..."
7. "o veredicto popular foi proferido ao cabo de um julgamento que durou 34 (trinta e quatro) intensos dias, sendo certo que as pacientes, apesar de absolvidas, "cumpriram pena" de aproximadamente 6 (seis) anos (anexo XVIII) - tudo a recomendar extrema cautela na admissão de um novo julgamento que poderá significar a perpetuação não só de enorme ilegalidade, mas de insuportável injustiça."
(grifos no original) Requerem o deferimento de liminar, para suspender o novo julgamento das Pacientes perante o Tribunal do Júri, marcado para ocorrer em 16 de maio vindouro.
Afinal, pedem a concessão da ordem, para anular o acórdão impugnado e restabelecer o veredicto absolutório do Tribunal do Júri de São José dos Pinhais - PR.
O processo foi distribuído por prevenção do REsp 549.154/PR (2003/0107386-2), do qual não conheci, à falta de interesse recursal.
O novo julgamento perante o Tribunal do Júri, que fora agendado para 17.11.2005, foi adiado, mercê do agravo de instrumento interposto pelas rés e, posteriormente, marcado para ocorrer em 16.05.2006 (fls. 763 e 769/770).
É o relatório.
Decido.
A concessão de liminar em habeas corpus é medida extraordinária, não prevista em lei, inserida no poder geral de cautela do Magistrado, a depender da demonstração de seus pressupostos, quais sejam, a fumaça do bom direito e o perigo da demora.
A submissão das Pacientes a novo júri, em havendo séria dúvida sobre a materialidade do crime — inclusive à custa, em tese, de vício na colheita de prova decisiva — pode configurar falta de justa causa para a realização de tal ato processual e é motivo suficiente, per se, de constrangimento ilegal, previsto no art. 648, inciso I, do Código de Processo Penal.
Neste juízo perfunctório, antevejo presente o fumus boni iuris, à vista do que se contém nas alegações do impetrante e nos termos da decisão judicial proferida sobre o feito, em que se requisita a instalação de inquérito policial para "apurar a identidade do indivíduo cujo cadáver foi referido no Laudo de Necrópsia de fls. 214/229 dos autos, bem como das condições da respectiva morte" (fls. 598 e 604).
Despiciendo falar sobre o perigo da demora, porquanto agendado o novo julgamento para 16 de maio vindouro.
Ademais, o pedido liminar não é satisfativo, de modo a comprometer o mérito da questão de fundo.
Posto isso, CONCEDO a liminar, para suspender o julgamento das Pacientes perante o Tribunal do Júri, até decisão final deste writ.
Oficie-se à autoridade apontada coatora e, bem assim, àquela autoridade encarregada de cumprir esta decisão, nos termos do art. 204 do RISTJ.
Requisitem-se, conforme requerido, as informações de estilo, em especial sobre o andamento do inquérito policial supra-referido e, bem assim, acerca dos laudos sobre os quais assenta o aresto impugnado.
Após, dê-se vista dos autos ao Ministério Público Federal, para parecer.
Publique-se.
Brasília (DF), 09 de maio de 2006.
MINISTRO PAULO MEDINA (*)
Relator

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