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segunda-feira, 22 de junho de 2020

O que é mais importante: a liberdade religiosa ou a vida dos animais?

Estamos convivendo, ainda, com costumes religiosos de milênios, apesar da suposta evolução da humanidade, que vem considerando os animais como "seres sencientes".
Com relação ao passado bem distante, informam os livros de história a seguir: 

- Al Inca Manco Cápac lloraron sus vasallos con mucho sentimiento. Duró el llanto y las obsequias muchos meses; embalsamaron su cuerpo para tenerlo consigo y no perderlo de vista; adoráronle por Dios, hijo del Sol; ofreciéronle muchos sacrificios de carneros, corderos y ovejas y conejos caseros, de aves, de mieses y legumbres, confesándole por señor de todas aquellas cosas que les había dejado - INCA GACILASO DE LA VEGA - Comentarios Reales de los Incas - file:///E:/Downloads/Inca%20Garcilaso%20de%20la%20Vega%20-%20Comentarios%20Reales%20de%20los%20Incas.pdf - p. 76 

- Os egípcios, tão devotos, estimavam satisfazer a justiça divina sacrificando-lhe porcos em figuras e efígies pintadas (...) - MICHEL MONTAIGNE - Os ensaios.

- EDWARD GIBBON - Declínio e queda do Império Romano - Edit. Scwarcz Ltda/SP/2005, p. 408: Tão grande era o morticínio sacrificial de bois que, segundo uma piada popular, se Juliano voltasse vitorioso da guerra persa, “a raça de gado de chifre infalivelmente se iria extinguir”. (**)

- Degolavam-se cavalos e escravos, pensando que essas criaturas, sepultadas juntamente com os mortos, prestar-lhes-iam serviços dentro do túmulo, como o haviam feito durante a vida - FUSTEL DE COULANGES - A cidade antiga - Edit. Martin Claret/P. Alegre-RTS/2005.


(...) Usa-se também a pomba como imagem da Presença Divina, ou Shechiná, e pombas jovens e rolas eram as únicas aves oferecidas como sacrifício ritual no Templo. - ALAN UNTERMAN - Dicionário Judaico de Lendas e Tradições - Jorge Zahar Editor/RJ/1992, p. 208/9


- Entre golinhos de abrideira, uns de joelhos outros de quatro, todas essas gentes seminuas rezavam em torno da feiticeira pedindo a aparição dum santo. À meia-noite foram lá dentro comer o bode cuja cabeça e patas já estavam lá no pegi, na frente da imagem de Exu que era um tacuru de formiga com três conchas fazendo olhos e boca. O bode fora morto em honra do diabo e salgado com pó de chifre e esporão de galo-de-briga. - MÁRIO DE ANDRADE - Macunaíma/O herói sem nenhum caráter.



- (...) há inclusive casos de religiosidade inspirados em sacrifício humano. Os achés, caçadores-coletores que viveram na selva do Paraguai até os anos 1960, dão uma ideia do lado negro do sistema de caça e coleta. Quando um membro valorizado do bando morria, os achés costumavam matar uma garotinha e enterrar os dois juntos. (...) - YUVAL NOAH HARARI - Sapiens (uma breve história da humanidade) - L&PM Editores/P. Alegre-RS/2019, p. 81.

No presente momento, pense bem, faz sentido: 

- punir alguém por maus-tratos a animais, ao mesmo tempo em que o STF considera constitucionais leis estaduais e legitima o sacrifício ritual, em sessões de umbanda (por exemplo), sob a alegação de que a Constituição Federal protege a denominada "liberdade religiosa"? 

- reprimir-se a farra de bois, enquanto a vaquejada também foi considerada patrimônio imaterial por lei do governo Bolsonaro? (***)

O que é mais importante, ensinar-se à geração atual e futuras a ter piedade dos animais e até protegê-los, ou admitir-se que se os sacrifique, para satisfação da cabeça doentia de certos seres humanos (verdadeiros tarados)(*), adotem eles a vertente religiosa que adotarem, em nome da liberdade religiosa? 

O tema - sacrifício ritual - ensejou manifestação da mais alta Corte de Justiça do país, no ano passado. A decisão foi retratada num acórdão de mais de 70 páginas (um livro) e a conclusão está abaixo resumida:  


RE 494601

Órgão julgador: Tribunal Plenor(a): Min. MARCO AURÉLIO

Redator(a) do acórdão: Min. EDSON FACHIN


Julgamento: 28/03/2019


Publicação: 19/11/2019

Ementa

DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. LIBERDADE RELIGIOSA. LEI 11.915/2003 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. NORMA QUE DISPÕE SOBRE O SACRIFÍCIO RITUAL EM CULTOS E LITURGIAS DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS ESTADOS PARA LEGISLAR SOBRE FLORESTAS, CAÇA, PESCA, FAUNA, CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, DEFESA DO SOLO E DOS RECURSOS NATURAIS, PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E CONTROLE DA POLUIÇÃO. SACRIFÍCIO DE ANIMAIS DE ACORDO COM PRECEITOS RELIGIOSOS. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Norma estadual que institui Código de Proteção aos Animais sem dispor sobre hipóteses de exclusão de crime amoldam-se à competência concorrente dos Estados para legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI, da CRFB). 2. A prática e os rituais relacionados ao sacrifício animal são patrimônio cultural imaterial e constituem os modos de criar, fazer e viver de diversas comunidades religiosas, particularmente das que vivenciam a liberdade religiosa a partir de práticas não institucionais. 

Decisão

por maioria, fixou-se a seguinte tese: “É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não participaram da fixação da tese os Ministros Ricardo

Tese

É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana.

Doutrina

Chabad, 2014. p. 27. MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Sobre o sacrifício. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 19. MORE, Thomas. A utopia. São Paulo: Martin Claret, 2002. ROBERT, Yannick Uves Andrade. Sacrifício de animais em rituais de religiões de matriz africana. p. 10. Disponível em:
of halal and kosher in foodservice functional subsystems. 2010. COELHO, Carla Jeane H.; OLIVEIRA, Liziane Paixão S.; LIMA, Kellen Josephine M. Sacrifício ritual de animais não-humanos nas liturgias religiosas de matriz africana: “medo do feitiço” e intolerância religiosa na pauta legislativa. Direito Animal
TEIXEIRA, Alessandra Sampaio. A laicidade para além de liberais e comunitaristas. Belo Horizonte: Arraes, 2017. FERRETTI, Sérgio Figueiredo. Comida ritual em festas de Tambor de Mina no Maranhão. Belo Horizonte, Horizonte, v. 9, n. 21, p. 242-267, abr./jun. 2011. p. 249. FINOCCHIARO, Francesco. Il fenomeno
afro-brasileiros. Rio de Janeiro: Artenova e Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1979. p. 17 e p. 21. GOLDMAN, Marcio. A possessão e a construção ritual da pessoa no Candomblé. 1984. 205 f. Dissertação (Mestrado – Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1984.

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(*) considero esses indivíduos sanguinários portadores de taras para as quais a psiquiatria deve ter alguma explicação.
(**) Hecatombe era o termo que se usava para designar o sacrifício de cem bois
(***) Art. 2º  O rodeio, a vaquejada e o laço, bem como as respectivas expressões artísticas e esportivas, são reconhecidos como manifestações culturais nacionais e elevados à condição de bens de natureza imaterial integrantes do patrimônio cultural brasileiro, enquanto atividades intrinsecamente ligadas à vida, à identidade, à ação e à memória de grupos formadores da sociedade brasileira.          (Redação dada pela Lei nº 13.873, de 2019)

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