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quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Preocupação adicional: quando uma crítica desborda para o anti-semitismo?


De olhos bem abertos
Não se deve esquecer a luta dos judeus de esquerda pela resolução do conflito no oriente Médio; muito menos generalizar e usar o conflito como desculpa para o antissemitismo

 
 

Pessoas me perguntam sobre esquerda judaica ou judeus de esquerda. Algumas demonstram uma curiosidade legítima, enriquecedora. Perguntam para estabelecer um diálogo, para entender o Outro, para criar pontes, para abrir. Outras, no entanto, usam seu desconhecimento de maneira agressiva. Não perguntam, provocam. Não dialogam, tratam de impor conclusões sem dar chance a uma verdadeira interlocução. No fundo, não estão interessadas em ouvir. Usam a situação de crise recorrente no Oriente Médio para criminalizar todo o povo judeu. Uma artimanha viciosa, responsável por alguns dos mais terríveis banhos de sangue da História. Ignorância nunca deu bom caldo.

Para meus leitores sensíveis, passo algumas informações, que estão longe, muito longe de esgotar o assunto. É difícil entender a História da esquerda e dos movimentos democráticos do século XX sem estudar o papel que nela tiveram importantes segmentos judaicos. A primeira expressão organizada do movimento social-democrata russo foi um partido judaico: o Bund (União dos Operários Judeus da Lituânia, Polônia e Rússia), formado em 1897. Foi, até 1905, a maior organização operária da Rússia. Entre os delegados que fundaram o Partido Operário Social-Democrata Russo, mais tarde Partido Comunista, vários eram do Bund.

Incontáveis militantes e teóricos bolcheviques vieram dos shteitlach, pequenas aldeias da Europa Oriental, quase sempre com população majoritariamente judaica. Breve e triste parênteses: apesar desse protagonismo, os comunistas judeus da URSS não escaparam dos assassinatos stalinistas, entre os quais ficou tristemente célebre o Processo dos Médicos, nos anos 1950. Durante a II Guerra Mundial, com o massacre sistemático nos guetos e campos de extermínio, muitos judeus engajaram-se em destacamentos guerrilheiros, os partisans, lutando bravamente contra o nazifascismo. Uma história gloriosa, que o stalinismo tentou, sem sucesso, apagar.

Alguém já ouviu falar da Brigada Botwin? Formada por judeus de várias nacionalidades, integrou-se às Brigadas Internacionais que lutaram contra o fascismo na Espanha no final dos anos 30. Nos Estados Unidos, muitas vezes citados pelos antissemitas como sede do “judaísmo internacional”, a participação judaica no movimento operário e na luta pelos direitos civis não pode ser subestimada. Em 1964, Martin Luther King disse: “A contribuição do povo judeu para a luta dos negros por liberdade é tão grande que não tenho condições de dimensioná-la”. O grande cantor negro Paul Robeson, perseguido pelo macartismo, expressou sua proximidade com os judeus progressistas cantando, em 1949, num concerto realizado em Moscou, o Hino dos Partisans. Detalhe: cantou no original, em ídish.

Ouçam:

Ainda no campo da luta contra o preconceito, é importante lembrar um judeu lituano, que imigrou jovem para a África do Sul. Me refiro a Joe Slovo. Colega de faculdade de Nelson Mandela, participou ativamente da criação do CNA (Congresso Nacional Africano), e seu partido, o PC da África do Sul, teve papel destacado no combate ao apartheid.

Há testemunhas de que, na Argentina, durante a ditadura militar, os presos políticos judeus eram torturados com especial sadismo. Existem registros da existência de suásticas nas câmaras de tortura. No Brasil, muitos voluntários judeus serviram na FEB. Tinham consciência de quem era o inimigo e da importância histórica de derrotá-lo. Mesmo antes da guerra, migrantes judeus estiveram engajados em lutas democráticas, às vezes sob risco de deportação. A polícia de Filinto Müller não dava trégua aos frequentadores da Cozinha Operária, que funcionava na Praça Onze, no Rio de Janeiro. Depois de delações, vários deles foram mandados para a morte certa na Europa, que se fascistizava rapidamente.

Sei o “problema” para os que têm sangue nos olhos é o Oriente Médio. “Olha só o que vocês estão fazendo lá !”, foi o que já ouvi de gente bem formada. Assim mesmo, vocês, sem distinções, como se os judeus fossem um corpo homogêneo. É o mesmo mecanismo psicopolítico que atribui a todo o povo judeu a culpa pela execução de Cristo.

Antes de comentar o assunto, dou a palavra e os gestos ao pianista e maestro Daniel Barenboim. Foi o criador, junto com o intelectual palestino Edward Said, da East-West Divan Orchestra, que reúne jovens músicos israelenses, palestinos e de vários países árabes. O projeto, inicialmente musical (embora com a intenção de aproximar gente que não costuma reconhecer o Outro), evoluiu. Barenboim acaba de anunciar a criação, em Berlim, de uma academia para músicos, que terá aulas de música, história e filosofia. Os formados devem integrar a orquestra. Sem deixar de condenar a ocupação de territórios palestinos, Barenboim, que tem passaporte israelense e palestino, trata de usar as ferramentas de que dispõe para abrir caminhos de entendimento. Sua mensagem, claro, é amada e odiada.

Os judeus de esquerda e os que se identificam como humanistas têm lutado contínua e arduamente para que se chegue a um acordo de paz no Oriente Médio. Individual e institucionalmente. Em Israel, além das formas tradicionais de participação política (partidos, sindicatos), há muitos grupos que se organizam para viabilizar a solução de dois Estados, dois povos (cada vez mais difícil com o crescimento de correntes fundamentalistas).

Não raro, enfrentam, ao lado de palestinos, o exército de ocupação israelense. Um caso exemplar foi a aldeia de Budrus, documentado pela brasileira Julia Bacha em filme premiado em vários festivais. Em várias partes do mundo, setores das comunidades judaicas mandam sinais de crítica à brutalidade da ocupação israelense, de repúdio ao uso da violência (de ambos os lados) para resolver as disputas territoriais e de apoio a uma solução política. É uma situação difícil, polarizada, traumática, extremamente complexa. Isso, entretanto, não justifica o uso de clichês antissemitas, especialmente no campo da esquerda, nem simplificações que focalizam apenas um dos lados.

Citações a textos abjetos, como os Protocolos dos Sábios de Sião, aparecem em sites esquerdistas, o que é, no mínimo, escandaloso. Falar-se em “conspiração judaica mundial”, “judeus financistas que dominam o planeta”, é uma homenagem suja ao ditador nazista que levou à Segunda Guerra Mundial. Por mais que se apoie a luta de libertação nacional palestina, não se pode, sob nenhum pretexto, admitir proximidade com o esgoto antissemita.

Termino com uma piada. Velhíssima. Autorizo meus leitores judeus a lançarem um herem por esse repeteco. Um náufrago judeu chega a uma ilha. Anos depois, é resgatado. O capitão do navio que o recolheu ficou intrigado. “Não consigo entender. Na ilha, você construiu duas sinagogas. Para quê ? Você é um só !”. O judeu deu um sorriso irônico e respondeu: “É que eu só frequento uma delas. Na outra, oy vey, não entro nem amarrado!”. Assim somos. Múltiplos, de direita e de esquerda, religiosos e ateus, interessantes e chatos, rígidos e flexíveis, nacionalistas e internacionalistas, do bem e do mal. Quem nos aponta o dedo e exige ordem unida, bem, esses convido a pegar um barco e dar um pulo na ilha do náufrago. A segunda sinagoga os espera.

(*) Engenheiro químico, é militante internacionalista da esquerda judaica no Rio de Janeiro. Texto orignal publicado na Carta Maior.





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