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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

VERDADE REAL - "Fatos notórios não precisam de prova", decide TJ-SP



Por Pedro Canário


O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou nesta quarta-feira (19/12) o bloqueio de R$ 21 milhões da empresa de investimentos Blue Stone por conta de dívida contraída pelo empresário Naji Robert Nahas nos anos 80, depois da quebra da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A disputa envolve propriedade de terreno apresentado por Nahas como garantia em outra briga judicial. Para o relator do caso na 5ª Câmara de Direito Privado do TJ, desembargador Erickson Gravazza Marques, "as pedras sabem" que o empresário é o verdadeiro dono do terreno e está envolvido com a empresa, e "fatos notórios não precisam ser comprovados".

A decisão foi tomada por dois votos a um, depois de voto-vista do desembargador James Siano, terceiro juiz que ficou vencido depois de divergir do relator e do revisor, desembargador Mônaco da Silva. A ação de cobrança corre desde 1991.

Em seu voto, o relator reconheceu que a apelação — movida por empresário que cobra uma dívida de Nahas — é baseada em indícios, mas afirmou que eles devem ser levados em conta diante de sua contundência. “Afinal, fatos notórios não precisam de prova”, concluiu, ao dizer que está mais preocupado com a “verdade real dos fatos” do que seu colega, James Siano. Para Gravazza, Siano ficou mais preocupado com a “verdade processual”.

A discussão de fundo no caso é a propriedade da Blue Stone, offshore com sede na ilha de Madeira, paraíso fiscal português. A dívida em questão foi contraída por Naji Nahas por meio de suas empresas Cobrasol e Selecta com a corretora de ações Dinâmica — hoje falida —, cujos sucessores é que estão no polo passivo da ação. São eles Solano Lima Pinheiro e Agro Pastoril Pinheiro.

Em busca de receber o dinheiro, Solano Pinheiro pediu na Justiça a penhora de terreno na Avenida Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste da capital paulista, já considerado o metro quadrado mais caro do país. O terreno é de propriedade da Blue Stone. A discussão no TJ é o envolvimento de Naji Nahas na empresa, o que colocaria o empresário como dono do terreno.

Confusão patrimonial
A empresa portuguesa alega que Nahas nada tem a ver com sua constituição. Afirma que foi credora do empresário, cuja garantia apresentada foi a hipoteca do terreno em questão. Foram dois empréstimos, segundo a Blue Stone: um em 1980 e outro em 1986.

O negócio não foi simples, pelo que explica a companhia. Os dois empréstimos foram feitos por Nahas no Banque Arabe et Internationale D’Investissment (Baii), banco libanês a que Nahas cedeu o terreno como garantia. Em 1989, o banco entrou com ação de cobrança contra o empresário, que não pagou. O terreno, então, foi ajudicado à companhia libanesa em 1991.

Ainda segundo as alegações da Blue Stone, o Baii lhe cedeu o crédito hipotecário do terreno em 1993, já depois do início do processo de Solano Pinheiro contra Nahas. Pouco tempo depois, o imóvel foi arrecadado no processo de falência da Selecta, esta sim de Naji Nahas. Em 2007, em processo de execução por garantia e depois de decisão judicial, a propriedade do terreno na Faria Lima foi repassada à Blue Stone.

Ônus da prova

A versão de Solano Pinheiro — aceita pelo TJ-SP — é que toda essa negociação foi uma espécie de fraude. Blue Stone, o banco libanês e Selecta estão diretamente ligados a Nahas. O problema é provar, como conta o advogado de Pinheiro, Daniel Tressoldi Camargo, do escritório Furriela Advogados.

Foram conseguidos “fortes indícios”, como foi alegado por Pinheiro e confirmado pelo desembargador Erickson Gravazza. O principal deles, diz, é que no terreno sempre foi usado para atividades relacionadas a Naji Nahas: ali já funcionou um estacionamento de propriedade do filho de Nahas e a sede da Cobrasol já foi no mesmo prédio em que funciona a Blue Stone, no terreno da Faria Lima, e sempre foi dado como garantia das dívidas pessoais do empresário.

Porém, para a defesa de Solano Pinheiro, não há como provar essas relações de maneira documental. A comprovação da propriedade de uma empresa sediada em paraíso fiscal, afirmou Daniel Camargo, é difícil, pois todos os acionistas podem ser apontados como donos. Naji Nahas, no caso da Blue Stone, diz Pinheiro, atua como “controlador oculto”. Foi pedido, então, que o dinheiro fosse penhorado nas contas da empresa.

Para a Blue Stone, no entanto, essas considerações acabam por inverter o ônus da prova. Quem alega que a empresa é controlada por Naji Nahas, é que deve provar. A alegação de “fortes indícios”, afirma a companhia portuguesa, não pode ser suficiente. A Blue Stone entrou com Embargos de Terceiro já na primeira instância.

Suspeitas circunstanciais

Na 1ª Vara Cível da capital, a versão de Solano Pinheiro para o caso não foi aceita. O juiz Gilberto Ferreira Cruz, em maio de 2010, afirmou que o autor deveria ter mostrado documentos que sustentassem suas alegações, pois “esse é o ponto modular da questão”. “Este juízo concorda, diante de algumas coincidências circunstanciais apontadas pelos embargos, da presença de ‘suspeitas’ sobre envolvimento da embargante e Naji Nahas, dentro de um quadro de superficial probabilidade, todavia sem a certeza necessária exigida a fundamentar um decreto judicial reconhecedor de fraude à execução, com as consequências dela decorrentes”, anotou o juiz.

Ferreira Cruz rejeitou o pedido. Sentenciou não terem sido produzidas provas suficientes para que sejam bloqueados os R$ 21 milhões da Blue Stone. Julgou procedentes os Embargos de Terceiro apresentados pela empresa. Solano Pinheiro foi ao TJ, alegando cerceamento de defesa e apelando da decisão de segundo grau.

O relator da matéria no TJ, desembargador Erickson Gravazza, deu provimento ao recurso de Pinheiro. Concordou que a prova, em casos de empresas offshore sediadas em paraísos fiscais, é complicada. Votou pela penhora do dinheiro e foi acompanhado pelo revisor, desembargador Mônaco da Silva. O terceiro juiz, desembargador James Siano, pediu vista.

Com o placar fixado em dois votos a zero, a Blue Stone se viu em situação desfavorável. Na visão da empresa, ela foi jogada no meio de uma discussão já superada há mais de 20 anos. “O banco vendeu o crédito a um grupo, tudo no exterior, e esse terreno foi ajudicado. Agora o credor alega que quem está por trás disso é o Naji Nahas. É como dizer ‘isso que era seu agora é meu’”, disse um representante da Blue Stone que não quis se identificar.

Declaração de voto
O cerceamento de defesa alegado por Solano foi justamente por causa da falta de provas. A argumentação é que, se o juiz determinou que não foram apresentados documentos suficientes, ele deveria ter dado aos autores a possibilidade de produzir mais provas, em nome do princípio da ampla defesa.

James Siano concordou com esse argumento em seu voto-vista. Ressaltou que a Blue Stone não aparece no polo passivo da ação de execução, e por isso teriam de ser produzidas mais provas, oportunidade que não foi dada aos autores. A conclusão do voto foi de acolher a alegação preliminar de cerceamento de defesa e, no mérito, negar provimento ao recurso de Solano Pinheiro.

Siano concordou com a afirmação de que há fortes indícios e disse que o voto relator trouxe “considerações importantíssimas” ao caso. No entanto, disse ter “dúvidas” quanto à “figura jurídica” em que foi enquadrado o caso. “Existem indícios, de fato, da propriedade. Mas a embargante [Blue Stone] não figura no polo passivo”, votou. Acrescentou que “tecnicamente”, apesar dos indícios, a propriedade não ficou demonstrada.

As pedras

Erickson Gravazza comentou que, depois do voto do colega, ficou “mais convencido ainda” do envolvimento de Naji Nahas, “conhecido por suas negociações no mercado financeiro”, com a Blue Stone. “Até as pedras sabem que o terreno era dele”, disse, parafraseando o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

O relator disse, na sessão desta quarta, que “há grande confusão” patrimonial envolvendo o terreno e as empresas que o compraram, e deixar aos apelantes a tarefa de comprovar a propriedade é impossível. “No caso da impossibilidade da produção de provas”, explicou, “inverte-se” o ônus para que elas sejam produzidas por quem está mais possibilitado de fazê-lo.



Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.


Revista Consultor Jurídico, 19 de dezembro de 2012

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