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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Não é só no Brasil




Lucas Mendes
De Nova York para a BBC Brasil


Aeroporto Kennedy, sexta, 5 da tarde. Bela tarde para voar.

Funcionário #1 da companhia aérea, com meu passaporte na mão, entra no computador: "Seu voo é o 3, tem certeza? Seu nome não consta da lista. Vamos ver os outros voos. Hmmm, hmmm, lotado, lotado, lotado. Tem certeza que é dessa companhia e que é hoje?".

Arquivo - Lucas Mendes


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Eu começo a duvidar, mas encontro a confirmação no celular. Dois dias antes, lá estão os dados da reserva. Ele volta para o computador.

Rumina e solfeja: "Tentei tudo. Seu nome não consta. Por favor, vá àquele balcão".

Conto meu drama para funcionário #2. Estou ou não estou no voo? Pelo computador, negativo, diz #2.

Mostro a confirmação no celular. Ele chama um superior. Funcionário #3 mexe na tela e descobre que minha reserva está em "Mendes Campos". Tremendo alívio, mas inacreditável. Mendes consta do passaporte. #1, #2 e #3 não sacaram?

Quinze minutos antes da decolagem, depois do estresse na segurança, sou o último a entrar no avião e levo um choque de incredibilidade: cabine vazia. "Estou no voo errado? Este vai pra Londres?". Ia.

Não consegui lembrar quando vi uma cabine vazia. Se soubesse, sapatearia até minha fila de três cadeiras vazias. Comissárias perguntavam se queria mais um copo de vinho. Na classe econômica? Banheiro sem fila? Será que estou sendo filmado para um destes reality shows? Vai aparecer uma equipe e debochar da minha sorte?

Belíssimo voo.

Deixo a maleta e saio do hotel para a máquina de dinheiro mais próxima. Desde a invenção do caixa eletrônica, viajo caixa baixa. A máquina faz o barulho de contar as notas, mas não me entrega dinheiro e, plup, engole meu cartão.

No sábado, o banco britânico dono do caixa eletrônico não tem nenhuma agência aberta em Londres, ninguém atende o telefone. Pela internet, oferecem um chat. Escrevo meu nhenhenhém, mas ninguém responde. Até hoje, sem resposta.

O cartão era de um conhecido banco americano. Funcionário #1 do banco atende, me apresento e ele me saúda com o novo jargão: "Obrigado pela fidelidade de 36 anos". Ouve minha história e consulta o superior #2, que recomenda um unlink para separar meu cartão da minha conta bancária.

Meu cartão não será usado por ninguém até o caixa vomitá-lo de volta. Plano de segunda: ir às 9 da manhã para a agência do banco em Londres pedir ajuda para recuperar o cartão ou pegar umas libras. Ia estragar a manhã. Paciência.

Na agência, a "não" funcionária #3 informa que a agência não pertence ao banco americano e que ela nem é funcionária deste. É apenas uma franquia. O logo, as cores e o modelo bancários são do banco americano, mas a agência não acessa a minha conta, não aceita cheque do banco e tem só um compromisso de cortesia comigo.

Ou seja, eu só estava ali para complicar o dia dela. Chata, seca e eficiente. Depois de 36 anos de fidelidade! Sou o último a saber que é só fachada.

E mais: posso esquecer o cartão. Ela vê aflitos como eu todos os dias e o plástico já foi destruído pelo caixa do banco britânico. Cartão engolido, cartão destruído. Dogma bancário.

O máximo que podia fazer por mim era me colocar no telefone com um funcionário do banco americano que poderia autorizar um adiantamento de emergência de até 500 libras.

Funcionário #4 do banco, do outro lado da linha, gentilíssimo: "Obrigado pelos 36 anos de fidelidade, como posso ajudar?"

E lá vou eu com meu nhenhenhém, máquina maldita, ele pede e dou todos os números e senhas. "No problems". Vai colocar um supervisor na linha, #5, para finalizar. Enquanto isto, a chata seca preenche uma papelada com meus dados num pastão preto.

Funcionário #5 informa que precisa fazer mais umas perguntas. Repito as informações. Ele também agradece, mas as fraudes são frequentes e precisa da aprovação do funcionário da segurança. É para minha proteção, diz #5.

Foram-se paciência e os bons modos. Informei, em voz alta, ao #5 o que achava da não funcionária #3. Os dois podiam ir juntos para o inferno e ele sabia onde enfiar as libras.

"Vou pegar dinheiro com quem sabe fazer isto", citando o nome de uma das maiores operadoras americanas de cartão de crédito. Quando bati o telefone, funcionários e clientes do banco tinham parado as atividades e contemplavam meu piti. Se a porta não fosse giratória teria levado uma porrada.

Funcionário #1 da operadora de cartão de crédito, gentilíssimo. Como posso ajudar? Pergunto onde fica o escritório que dá dinheiro para os clientes em 20 minutos. Basta mostrar o platinado, como prometem no telefone.

"Não existe mais em Londres." Como as agências do outro banco, estão em extinção no mundo. Tudo é por telefone e pela internet. "Pego seus dados, passo um código para seu e-mail e com este código de seis dígitos, o senhor nos chama de volta e finalizamos a transação com uma transferência para a agência de pagamentos mais próxima do seu hotel."

Um saco. Nem o operador de cartão de crédito é mais aquele, mas deve estar certo. Grandes lucros e ações em alta. Vejo o e-mail e ligo de volta com o código. Funcionário #2, uma mulher, me informa que não é nada disso. #1 estava errado. Recomeçamos. Números, senhas. Tudo perfeito, diz ela, mas agora vamos a nosso departamento de segurança. Vai fazer três perguntas e depois volto os detalhes da remessa.

"Você está brincando."

"É para sua segurança."

Funcionário #3 na linha com a #2 na escuta. Primeira pergunta: "Qual o nome do hotel onde ficou hospedado na sua última viagem?"

"Fiz quatro viagens. Como você sabe qual foi minha última? Estive em quatro países. Qual deles?

Ela disse que não podia contar.

Ainda bem. O estresse me deu um branco.

Eu estava sentado num banco de ônibus na Regent Street. Chovia. 500 libras não é mendigagem, mas me sentia um miserável.

Funcionária #2, pergunta 2: "Seu carro ainda é um Sonoma?"

"Nunca tive Sonoma."

Pergunta 3: "Qual era seu carro em 2002?"

Acertei, mas nunca fui buscar o dinheiro.

Londres, aeroporto de Heathrow, quarta-feira, 8 da manhã.

Funcionário #5 da companhia aérea no computador, com meu passaporte, "ummmmm", bocejão, "ummmm...O sr. tem certeza que está no voo 4 para Nova York?".

P.S.: Preferi não dar os nomes das superempresas, porque, no fim das contas, são todas iguais. Somos apenas números.

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